Capítulo 17 – Por um sentido na vida

Nenhuma carta. Nem uma única carta naqueles dois meses. Sirius estava começando a achar que todas as corujas que perambulavam pelo corujal de Hogwarts eram burras. Ele tentara até colocar o endereço, que normalmente era dispensável. Mas nada. Nem uma única resposta da namorada. Ele olhou por uma das enormes janelas do corujal, por onde aves de todos as cores e tamanhos entravam e saíam num movimento incessante; acabara de mandar mais uma carta à namorada. Provavelmente mais uma carta sem resposta. Ele se recusava a acreditar que Helen não quisesse lhe responder; as corujas é que tinham perdido o senso de direção...

O rapaz desceu as escadarias que levavam ao Salão Principal com uma expressão nítida de decepção. Remo notou:

- Nenhuma resposta ainda? – o colega louro de cabelos meio encaracolados levantou as sobrancelhas e comprimiu os lábios, num sinal de pesar ao ver Sirius balançar a cabeça negativamente. – Já falou com Lílian? Talvez ela tenha tido alguma resposta...

- Não teve... – Sirius deu um suspiro e apoiou o rosto sobre o punho fechado. – Parece até que ela desapareceu da face da Terra.

- Quem foi que virou astronauta? – Tiago perguntou ao sentar-se, enquanto pegava uma torrada e arrastava o pote de geléia de abóbora para perto de si. Estava tão de bom-humor naquela manhã, que sequer reparou que Sirius não estava muito legal para piadas.

- Muito engraçado, Tiago. – Black deu um sorriso cínico para o amigo.

- Nossa, o que foi que eu fiz? – Tiago arregalou os olhos, assustado com a reação de Sirius.

- Liga não, Tiago, é o mesmo problema de sempre. Ele ainda não recebeu resposta nenhuma da Helen. – Remo esclareceu.

- Ah, você também? Achei que ela só não estivesse respondendo pra Lílian... Eu a aconselhei a mandar um berrador... – Tiago disse isso e mordeu a torrada abarrotada de geléia, fazendo uma verdadeira lambança.

- Como? – Sirius franziu a testa.

- Um berrador. – ele repetiu, limpando os restos da geléia nos cantos da boca com as costas da mão. – Manda um berrador dizendo que enquanto ela não responder uma carta sua, você não vai parar de mandar berradores... Uma hora ela se cansa das explosões! – Tiago deu de ombros e pegou a jarra de suco a sua frente.

- Você acha que ela não quer responder? – Sirius perguntou com tristeza na voz. – Porque se ela não quiser falar comigo não há motivo para insistir... – ele concluiu desgostoso.

Ao ouvir as palavras de Sirius, Tiago quase engasgou com o líquido que bebia. Ele olhou rapidamente para Remo que também estava atônito:

- Peraí, acho que nenhum de nós dois ouviu direito... Você nunca se deu por vencido, Almofadinhas! Nunca desistiu fácil de uma garota por quem estivesse interessado. Que história é essa agora de não há motivo pra insistir?

- E, bem, faltam só três semanas para as férias. – Remo lembrou. – Se você não gostou da sugestão do Tiago, quem sabe uma visita...

Sirius Black não respondeu. Estava afogado num sentimento que misturava raiva e tristeza da garota de que tanto gostava. De que adiantava lhe mandar berradores ou fazer uma visita? Se ela não queria mais falar com ele, ele não iria contrariar a vontade da menina.

As semanas se passaram lentamente, aumentando a angústia e ansiedade dos alunos do sétimo ano. Os Níveis Incrivelmente Exaustivos em Magia exigiam uma preparação realmente exaustiva. Remo sugeriu a Pedrinho que pedisse a ajuda de Sirius nas matérias em que estava com maiores dificuldades, pensando que dessa forma poderiam manter sua mente ocupada. A tática funcionou e foi a salvação de Rabicho nos exames finais, principalmente porque Sirius andava sério demais para desperdiçar o tempo em piadinhas e conversa fiada.

Nos últimos dias de aula, os quatro conversavam sobre o futuro. Com exceção de Rabicho, todos já tinham decidido o que iriam fazer agora que eram bruxos formados. Remo, aliás, havia sido laureado, com a maior média de todo o sétimo ano, apenas um décimo mais alta que a de Severo Snape, o que fora o bastante para deixar o sonserino mais mal-humorado do que nunca. Ele contava aos amigos que isso poderia lhe ajudar a conseguir um tutor em Artes das Trevas e, assim, levar adiante o sonho de um dia se livrar ou, pelo menos, controlar sua maldição.

- Você não acha que estudar uma coisa dessas pode despertar suspeitas sobre você, Aluado? – por mais incrível que parecesse, a indagação sensata fora de Pedrinho. – Quero dizer, com Você-Sabe-Quem conquistando cada vez mais aliados, podem pensar...

- Não, acredito que não. De qualquer forma, acho que vale a pena correr o risco. – ele respondeu entortando as sobrancelhas. – E você, Almofadinhas, vai se especializar em Astronomia mesmo?

- É. – e ele finalmente abriu o primeiro sorriso em dias, antes de começar a contar, animado: - A Srta. Moonlight me indicou para ser assistente de um astrônomo em Oxford. Ele tem um projeto absolutamente incrível! São estudos comparativos entre a astronomia trouxa e a bruxa... Simplesmente fantástico!

- Cara, sem querer causar problemas, mas... Você nunca estudou nada sobre astronomia trouxa! Nem sequer fez Estudo dos Trouxas... Será que isso não vai ser meio complicado?

- Ah, Tiaguito! Não existem coisas complicadas para o Sirius aqui. – ele disse no seu habitual tom auto-confiante que os amigos já tinham quase esquecido. – Além do mais, não deve ser assim tão complicado entender os trouxas...

- Eu achava... – Tiago franziu a testa, lembrando-se de suas notas em Estudos dos Trouxas.

- Isso é algo com o qual você não vai precisar se preocupar, né? – Remo sorriu para o amigo. – Cuidando de uma rede de boticas de alquimia, lidar com trouxas não vai ser algo muito comum...

- Ô, Aluado, cê tá esquecendo da florzinha escarlate!! – Sirius relembrou os tempos em que Tiago ainda não havia se declarado a Lílian. – Pra conviver pacificamente com a sogra e a cunhada, o mínimo que o Tiago tem que saber é como se passar por um trouxa...

Tiago não conseguiu ficar bravo. Era bom demais ver seu melhor amigo recuperado da fossa em que se encontrava mergulhado desde que Helen Silver fora expulsa da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts.

- Alias, Tiago, porque você não aproveita pra dar um emprego pro Rabicho aqui? – além de recuperado, Sirius estava sarcástico. – Ele daria uma ótima cobaia de laboratório!

Então os quatro foram interrompidos pelos gritinhos histéricos de uma garota ruiva que corria pelo Salão Comunal em direção a eles. Lílian exibia um sorriso invejável e balançava um envelope branco nas mãos.

- Deu certo, Tiago! Deu certo!

- Cuidado, garota! – Melissa Jones desviou de Lílian antes que a menina trombasse com ela. – Parece até que vai perder o Expresso...

Normalmente a ruivinha teria parado e lançado um olhar furioso para a goleira da Grifinória. Mas ela não estava se importando:

- Que é isso, Lílian, recebeu o comunicado de que vai ser monitora-chefe no ano que vem? – até Tiago estava espantado com a felicidade que Lílian estampava no rosto.

- Alguém já te disse que você é o melhor namorado do mundo? O mais lindo? O mais inteligente? –ela disse dando um selinho nele.

- Considerando que você é a única namorada que ele tem, essa afirmação só poderia vir de você, florzinha... – Sirius arreliou.

- Ora, Sirius, pois eu acho que você vai começar a achar que Tiago tem todas essas qualidades e outras mais! – ela continuava a sorrir. – Olha só que eu tenho aqui!

- E desde quando o comunicado de que você vai ser monitora-chefe pode fazer eu achar que o Tiago é tudo isso que você falou? Não adianta me dizer que você vai descontar pontos da Grifinória ou me dar uma detenção porque no ano que vem eu não vou mais estar aqui.

- E por um acaso eu disse que isso aqui é comunicado da diretoria? – ela olhou para eles radiante.

- Ué, o Tiago tinha acabado de dizer isso quando você falou que ele era o namorado mais inteligente do mundo... – Rabicho lembrou. – Você vai ter que rever se ele realmente se enquadra nessa característica...

- Boa, Pedrinho! – Remo e Sirius deram parabéns a Rabicho por deixar o casalzinho com os olhos faiscantes de uma raiva sem maldade.

- Pois eu mantenho tudo o que disse! – a menina continuou. – Isso aqui é uma carta, Sirius!

- Acho que isso a gente já percebeu, Lílian! – Remo tirou a amiga.

- Remo! – ela falou em tom de advertência. – Pois eu acho que Sirius vai ter muito interesse nessa carta, que só chegou porque eu segui o conselho de Tiago de mandar berradores para uma certa ex-aluna de Hogwarts.

A expressão de Sirius mudou da água para o vinho. Lílian recebera uma carta de Helen?

- Eu... eu não quero ouvir. – ele começou a se levantar. – Três meses sem uma única notícia já foram o suficiente para eu me tocar de que acabou.

- Mas, Sirius... – Lílian estava desapontada. – Por favor... Você deve querer saber pelo menos por que ela sumiu...

- E ela diz o porquê na carta? – ele indagou com descrédito.

- Na verdade eu não sei... Ainda não abri.

- E tá esperando o quê? – Tiago apressou a garota. – Abre logo. E o Sirius vai ficar sentadinho aqui, porque eu não vou querer contar o que tinha na carta mais tarde no dormitório.

- Fique tranqüilo. Eu não vou querer saber. – ele saiu de perto dos amigos e subiu para o dormitório.

- Droga! – Lílian jogou a carta de lado. – Achei que ele ia ficar feliz. Não agüento mais essa cara de cachorro sem dono do Sirius.

- Nem nós. – Remo lamentou e pegou a correspondência. – Mas eu ainda acho que ele vai querer saber por onde anda a baixinha. – ele deu uma piscadela para a garota e entregou a carta a ela.

Lílian rasgou o envelope com cuidado. Não era uma carta muito longa. Apenas uma página, que parecia que tinha sido escrita às pressas, porque a letra era um garrancho só. Não havia um querida Lílian ou coisa parecida: Helen começara o texto sem sequer fazer uma saudação.

Por favor, eu imploro que você pare de me mandar berradores. Você não imagina a confusão que eles têm causado para mim aqui na escola. É, escola. Quando saí de Hogwarts, voltei à minha rotina normal de férias, ou seja, aula de balé, passeio de bicicleta no final da tarde, essas coisas. Mas essa boa vida não durou mais que duas semanas... Sabe, Lílian, certa vez li numa história em quadrinhos que todas as vezes que as coisas ficam muito ruins, é porque algo bom está para acontecer. Pois para mim aconteceu.

Estou morando em Leningrado, na União Soviética. Fui convidada para estudar no Bolshói. Você já deve ter ouvido falar... É uma das escolas de dança mais prestigiadas do mundo. Bem, isso dificulta um pouco a comunicação com vocês, porque todas as minhas correspondências são vistoriadas antes de sair do país (eles desconfiam que todo estrangeiro é espião por aqui, e ser britânica só piora as coisas) e você sabe muito bem que confusão poderia ocorrer se eles desconfiassem que, além de eu não ser comunista, eu era uma bruxa.

Não venha me dizer para usar uma coruja. Eu estou aposentada do mundo mágico e esta é a última vez que amarro uma carta na pata de uma. Meu Deus, o que eu estou escrevendo? Se alguém interceptar essa correspondência vai pensar que é código secreto que eu uso para remeter informações confidenciais do governo soviético.

. Quanto ao Sirius, eu... eu... a eu não quero dizer nada sobre o Sirius. Eu não posso ficar insistindo em algo que não vai dar certo... Eu... Estou feliz. Espero que um dia vocês possam entender porque eu preciso ficar longe.

A carta acabava assim, com as últimas frases rabiscadas, sem dizer nada de útil. A única coisa que sabiam agora é que Helen Silver virara bailarina do Bolshoi e morava na União Soviética.

- Ela ficou louca! – Lílian não estava acreditando no que acabava de ler. – Ela foi para União Soviética!

- E qual é o problema com isso? – Rabicho não entendia a reação da menina.

- Muito bem, eu vou tentar explicar. – ela tentou recuperar a calma. – Eu já achava que Helen tinha saído da Inglaterra, mas por medo de que pudessem achar que ela era uma adepta de Voldemort. Afinal de contas, ela torturou a Skeeter, né? – ela fez uma careta ao relembrar do acontecido. – Mas uma inglesa na União Soviética trouxa vai ter tantos problemas quanto continuar bruxa por aqui mesmo. Existe uma espécie de guerra invisível entre os países do mundo, chamada guerra fria...

- Guerra fria? – Tiago achou esquisito. – E uma guerra tem temperatura?

- Ah, deixa para lá. Vocês não vão entender. – ela desistiu.

Os três se entreolharam sem entender nada do que a monitora dissera. A vida dos trouxas era mesmo muito complicada.

- Ela não fala nada do Sirius? – Remo interpelou a menina.

- Não... Quer dizer, parece que tem um nome aqui começado com S maiúsculo, mas ela rabiscou em cima.

Tiago coçou a cabeça desanimado.

- Bem, se ela decidiu sumir não há nada que possamos fazer. Tomara que seja feliz. – ele sentenciou.

Já estava anoitecendo. A comida estava quase pronta na casa dos Potter e um pequeno bebê de brilhantes olhos verdes, ria gostoso das caretas que o padrinho fazia tentando assustá-lo.

- Por que não trouxe a Claire, Sirius? – Lílian perguntou enquanto mandava as panelas de comida flutuando para a sala de jantar.

- A Claire?... – ele passou a língua nos lábios e fez uma careta típica de criança quando faz alguma arte.

- Sirius, não me diga que vocês dois terminaram? – Lílian deixou as panelas bateram com força na mesa.

- Ah, Lílian, não dá para terminar algo que eles nem tinham começado direito ainda... – Tiago acabava de rever os pedidos de uma série de ingredientes mágicos que estavam faltando no estoque da botica.

- Valeu, Tiago. – Sirius deu uma piscadela.

- Pois eu não te apresento a mais nenhuma amiga minha. Você já namorou sete delas desde o começo do ano, e nós ainda estamos em agosto.

- Faz as contas, Lílian, ainda nem deu uma por mês! Eu não fui tão canalha assim... – Sirius tentou se defender enquanto colocava o pequeno Harry num cercadinho com seus brinquedos.

Ela sorriu irônica. Sirius Black era um grande amigo mas definitivamente era a última pessoa em quem Lílian pensaria para manter um relacionamento sério. Se em Hogwarts ele tivera várias namoradas, quando saiu da escola a situação se agravou. Não passava mais de um mês com a mesma garota, por mais linda, inteligente ou interessante que ela fosse.

- Pois eu acho que isso é medo. – ela retrucou, enquanto enchia o pratinho de Harry com sopa de legumes.

- Medo? Tá louca, Lílian? Medo é uma palavra que não existe no dicionário de um grifinório! Nossa principal característica é sermos corajosos, lembra?

- Você não é mais um grifinório, Sirius! Não está mais na escola! Você já é um adulto e devia a agir como tal, sabia? – ela tirou o bebê do cercadinho e o colocou numa cadeirinha alta. Daí fez o prato flutuar até onde estavam para começar a alimentar o filho.

- Eu ajo como um adulto!

- Bom, a julgar pelo entendimento que você estava tendo com o Harry, eu não diria isso... – Tiago tirou sarro do amigo.

Os três riram. Tiago e Sirius sentaram-se à mesa para jantar enquanto Lílian terminava de dar a papinha para o filho. Pelo menos uma vez por mês Sirius fazia questão de visitar o casal de amigos. Ele morava em Oxford, onde trabalhava como astrônomo do Conselho de Magia e Mapeamento Estelar, além de prestar serviços para a Ordem da Fênix regularmente. Lílian e Tiago tinham se casado um ano depois de ela concluir a especialização em Magia Antiga, e os dois trabalhavam na rede de boticas da família. A participação na Ordem era no fornecimento de novos feitiços, antídotos e reversões, muito utilizado pelos aurores. Nenhum dos três faziam parte da linha de frente dos combatentes, apesar de Sirius ter pensado seriamente em se alistar. Mas a senhorita Moonlight o convenceu a se dedicar às estrelas, e ele não tinha se arrependido daquela escolha.

Sirius morava na Oxford dos trouxas, mas nem por isso deixara de viver como um bruxo. Apenas tomava alguns cuidados especiais para não chamar a atenção. Tinha até uma moto (o fato de ela voar, em vez de correr era apenas um detalhe...). No máximo ele aparentava ser um jovem trouxa bastante rebelde, por conta da jaqueta de couro e do cabelo meio comprido, mas como no início dos anos 80 ser punk era moda na Inglaterra...

- Sabe, nessas horas é que eu penso no quanto a Helen te fez mal... – Lílian comentou sem tocar na comida que estava no prato.

Sirius ficou sério. Não gostava de falar na ex-namorada. Nunca mais procurara saber nada sobre ela e, se sabia que ela estava morando na União Soviética, era porque Tiago lhe dissera sem que ele pedisse. Helen Silver era um assunto morto e enterrado na vida de Sirius.

- Ela não fez nada de mais, Lílian. – ele tentou parecer que não se importava. – Provavelmente eu teria terminado come ela até o final daquele ano... Sempre fiz isso, desde muito antes dela fazer parte da minha vida. Alias, a gente só namorou uns quatro meses, acho que não deu nem isso...

- Sirius, não faça de conta que teve importância! – Lílian odiava quando ele tentava se passar por cafajeste. – Você ficava mesmo com um monte de garotas ANTES dela. Mas eu me lembro muito bem que você passou um ano inteirinho sem estar com outra garota que não fosse ela.

- Será que a gente pode encerrar o assunto? O Harry vai acabar tendo uma indigestão.

Lílian olhou rápido para o filho, como se o comentário de Sirius pudesse ser verdadeiro. Não era. Mas de qualquer maneira ela decidiu encerrar o assunto. Também não gostava de falar na ex-amiga que nunca mais lhe mandara uma carta e sequer respondeu a seu convite para ser madrinha de casamento.

Tiago assistia à cena quieto. De alguma forma ele compreendia Helen melhor do que os outros dois. Se ele tivesse feito um feitiço proibido, nunca teria coragem de voltar a encarar seus amigos ou Lílian. A mesa estava em completo silêncio quando a campainha da casa tocou:

- Deve ser o Pedrinho! Eu encontrei ele esses dias lá no Beco Diagonal e ele prometeu dar uma passadinha aqui.

- Tiago, eu não acredito que você convidou mais gente para jantar em casa e não me avisou? – Lílian reclamou com o mau-humor típico de quem é mãe, dona-de-casa e trabalhadora. – Não vai ter comida suficiente!

- Ih, Lílian, mesmo que você tivesse feito comida a mais... Com o Pedrinho a comida nunca é suficiente! – Sirius esqueceu a pequena discussão rapidamente.

- Deixa que eu abro a porta! –Tiago levantou.

Eles moravam numa casa trouxa que, como todas as outras, tinha um olho mágico na porta. Logicamente não era um olho mágico comum. Ele próprio identificava a pessoa e abria a porta automaticamente se a pessoa fosse confiável, por isso, quando Tiago entrou no corredor, já pode reconhecer Frank Longbottom dentro das vestes negras com emblema do Ministério da Magia que todos os aurores usavam.

- Frank? Há quanto tempo? – desde o nascimento de Harry, quando Frank e Sophie vieram visitar o bebê, Tiago não tinha notícias dos Longbottom.

- Não são bons ventos que me trazem, Tiago. Preciso que você me acompanhe urgentemente até o Ministério.

- Aconteceu algo grave? Mas se você está trabalhando, porque trouxe Sophie com você...

Então a moça que acompanhava Longbottom tirou o capuz que lhe cobria a cabeça, deixando apenas a franja espessa esconder-lhe parte do rosto. Helen Silver parecia a mesma menina que Tiago vira pela última vez cinco anos antes, com a diferença de que os cabelos, que costumavam ser cortados na altura do ombro, agora estavam na metade das costas.

- Tiago, por que é que você tá demoran... – Lílian ficou sem palavras. Um ódio enorme tomou conta dela ao avistar a garota de quem falavam a pouco.

- Tiago, você precisa vir comigo. Helen explicará tudo para Lílian. Dumbledore está nos esperando.

Tiago Potter fez que sim com a cabeça, pegou a capa que estava pendurada perto da porta e deu um beijo de despedida na mulher, que continuava a olhar furiosa para a ex-amiga. Os dois desaparataram dali para o Ministério, deixando as duas jovens para trás.

- Você pode ir embora. Na minha casa você não entra.

- Lílian, o que é que tá havendo? O Pedri... – Sirius também perdeu a fala. O único ali que parecia não sentir o clima pesado da casa era Harry, que insistia em brincar com o nariz do padrinho.

- Pela minha vontade eu nunca teria colocado meus pés aqui, Srta. Evans...

- Sra. Potter. – Lílian corrigiu rispidamente.

- Sra. Potter. – Helen encarava a ruiva sem medo. – Reencontrar meu passado não é algo que eu considere prazeroso.

Ao ouvir as palavras daquela mulher, Sirius se sentiu desconfortável e com raiva. Mas Helen Silver não tinha acabado de falar.

- No entanto... – ela baixou os olhos nesse momento. - ... eu nunca deixei de querer bem a nenhum de vocês. E acho bom você permitir minha entrada nessa casa se quiser que seu marido e seu filho continuem vivos.

Instintivamente, Lílian tomou Harry dos braços de Sirius e começou a andar para dentro da casa:

- Ninguém vai fazer nada com o meu filho!

Helen segurou a raiva e a vontade de xingar Lílian e saiu atrás da ruiva quase atropelando Sirius no caminho.

- Será que você pode deixar de ser teimosa uma vez na vida? Por que raios eu só tenho que lidar com grifinórios?

- Eu falei para você não entrar na minha casa. – Lílian pegou a varinha que estava em cima da mesa e apontou para Helen.

- Isso. Use magia contra uma trouxa! – Helen desafiou. – Por um acaso você sabe qual a punição que o Ministério da Magia confere a quem usa magia contra trouxas?

- Você não é uma trouxa, Srta. Silver! – a voz grossa de Sirius Black encheu a sala. – Mas ela está sem varinha, Lílian. Seria uma covardia.

Lílian olhou para a própria varinha e depois para Helen. Um tanto a contragosto, ela guardou o instrumento dentro do bolso da veste que usava e abraçou o filho com força. Sirius parecia bastante calmo para aquela situação. Ele sempre evitava pensar no que faria quando a reencontrasse, apesar de achar que isso nunca iria acontecer. Ele sentou-se numa poltrona da sala displicentemente e começou a encará-la:

- Para quem se diz uma trouxa, você anda bem informada sobre o mundo da magia... Ou será que algum trouxa soviético descobriu que Tiago Potter e o pequeno Harry são bruxos num contato via computador e pretende matá-los?

- Deixa de ser engraçadinho, Sr. Black e... Peraí, desde quando você sabe o que são computadores?

- Se a Srta. Helen Sumiço mandasse uma coruja vez ou outra para os amigos, saberia que Sirius mora numa cidade trouxa, trabalha dentro de uma universidade trouxa... – Lílian replicou áspera.

- Ah, só a localização. Meu departamento é totalmente oculto. Nenhum trouxa sabe que existe... Por que vocês duas não sentam? Já tão me dando nos nervos...

- Não temos tempo de sentar. – Helen respondeu sem olhar para Sirius. – Lílian, você precisa arrumar as coisas de vocês o mais rápido possível. Vocês vão se mudar...

- Quê? Eu não vou me mudar. – Lílian, que tinha sentado, levantou outra vez, sempre com Harry no colo.

- Por favor, não torne as coisas mais difíceis.

- Por que você não tenta explicar as coisas antes de exigir que os outros acatem suas ordens? – Sirius retorquiu irritado. Será que ela só tinha piorado com o passar dos anos?

- Porque não há tempo. – ela procurou por um relógio e quando finalmente encontrou, fez cara de decepcionada. Era um relógio bruxo, que apesar de ter apenas três ponteiros, estes tinham os nomes, Tiago, Lílian e Harry, sendo que o primeiro apontava para Ministério da Magia e os dois últimos, para Casa. – Será que não existe um relógio normal nessa casa?

- Aquele é um relógio normal! – Lílian continuava contrariada.

- Não, aquele é um relógio bruxo.

- Exatamente por isso deveria ser normal para você. – Black espezinhou.

- Eu sou uma trouxa! - Helen quase gritou essas palavras.

- Não, você não é. – ele e Lílian disseram juntos.

- SOU!

Nesse momento uma das janelas teve seu vidro estilhaçado e alguns objetos flutuavam na sala. Helen estava tão furiosa que não conseguiu controlar sua magia interior e, mesmo sem dizer qualquer palavra ou possuir uma varinha, começou a fazer coisas que só uma bruxa poderia fazer.

- Acho que não precisamos dizer mais nada, não é? – Sirius sorriu irônico.

- Você já deu seu showzinho. Pode ir embora.

Helen olhou com raiva para os dois cabeça-duras a sua frente e então começou a despejar tudo o que trazia dentro de uma bolsa grande demais para o seu tamanho. Tirou de dentro dela uma velha lata de ervilhas vazia.

- Isso aqui é uma chave de portal. E vai tirar nós todos daqui exatamente às 19h00. Se você não quer arrumar suas coisas, Lílian, muito bem. Mas você vai ser teletransportada nem que eu tenha que amarrar essa porcaria na sua mão e na do bebê.

- O bebê tem nome. É Harry. – Sirius respondeu zangado.

A raiva que Sirius e Lílian sentiam de Helen fazia com que eles não dessem importância ao que a jovem dizia.

- Será que vocês podem parar de implicar comigo e atenderem aos meus pedidos. Será que o fato de eu chegar junto com o Frank não vale nada? Eu vim da Rússia até a Inglaterra para nada?

- Ninguém pediu para você voltar. – Lílian rebateu as palavras da ex-amiga.

- Vocês ainda estão aí? – uma voz impaciente surgiu na lareira da casa dos Potter.

- Eles não querem me ouvir, tia Arabella! Falei que não ia ser uma boa idéia! – Helen apareceu aliviada em ver que finalmente tinha ajuda para convencer aqueles dois teimosos.

- Lílian, Sirius, por favor. Façam o que Helen está pedindo. Vocês tem que sair daí o mais rápido possível. – a cabeça da ex-professora de DCAT flutuava entre chamas esverdeadas.

- Eu não vou sair daqui enquanto alguém não em explicar direito o que está acontecendo.

- Não há tempo para isso, menina. E não seja teimosa. Tiago está no Ministério falando com Dumbledore e depois vai para o mesmo lugar que vocês. Pegue só o que for essencial. Mais tarde eu busco o resto. E Sirius, acho melhor você acompanhá-las. Helen não pode usar magia e Lílian está com um bebê, precisam de alguém que as proteja.

Ao ouvir Arabella Figg dizendo aquilo, Sirius e Lílian resolveram deixar de lado as picuinhas. A situação parecia realmente séria.

- A chave de portal vai se abrir em dez minutos. Esse é o tempo que vocês tem para pegar o que precisarem. – e o rosto da mulher sumiu tão de repente quanto apareceu.

Lílian entregou Harry a Sirius e correu para o segundo andar, juntando artigos de primeira necessidade, como mamadeiras, fraldas e alguns brinquedinhos do filho. Pouco depois ela descia com uma sacola enorme:

- Tem comida nesse lugar para onde vamos? – ela não olhou para Helen para perguntar.

- Tem. Você já arrumou tudo?

- Já.

- Então tome isso. – Helen ofereceu um frasquinho à ruiva.

- O que é isso?

- Poção polissuco. Você vai ficar com a aparência de tia Arabella.

- Não foi você que preparou, foi? – Sirius se intrometeu, lembrando-se do desastre que a menina costuma ser em Poções.

- Lógico que não. Eu não posso mais preparar poções, lembra? Foi Severo quem preparou. O Ministério tem feito estoque da poção para casos de emergência como esse. E você, Sirius, - por um instante ela se arrependeu de chamá-lo pelo primeiro nome. – Sr. Black... Bem, é melhor que você se torne, hmm, você sabe... que adquira sua forma de cachorro. Ninguém pode ver vocês dois ou suspeitariam de alguma coisa.

Sirius e Lílian se enteolharam. Era difícil confiar em alguém que os tinha decepcionado tanto. Mas não tinham outra alternativa. Lílian tomou a poção e, em segundos, tinha o aspecto da ex-professora. Sirius entregou Harry a ela e o bebê começou a chorar:

- Harry, querido, é a mamãe. – os olhos, agora azuis, estavam desesperados. Seu filho não conseguia reconhecê-la.

- Eu posso levá-lo, Lílian. – Sirius se ofereceu.

- De que jeito? Só se for nas costas... Você vai se transformar num cão, lembra? – Helen estava impaciente: a chave de portal os teletransportaria a qualquer momento. – Eu levo ele.

- Ele não vai querer ir no seu colo... – Lílian respondeu sem pensar que poderia magoar a outra moça.

- É um risco que teremos que correr.

Helen pegou o bebê desajeitadamente, mas Harry não chorou. Também não sorriu como fazia quando Sirius o segurava. Ao menos estava quieto, e logo a jovem conseguiu acomodá-lo direito nos braços. Sirius se transformou num grande cachorro negro e as duas mulheres sentaram-se no chão, para que os três adultos pudessem tocar na chave de portal que fora colocada junto à mãozinha de Harry. Não passaram mais de dez segundos naquela posição ridícula e finalmente se sentiram sugados para dentro da lata de ervilha.

À primeira vista, o prédio do Ministério da Magia parecia um prédio trouxa comum, com um único detalhe que seria absolutamente inadmissível num imóvel desse tipo: não havia escadas ou elevadores. Era por isso que o departamento de Aparatação ficava logo no andar Térreo. Alguns funcionários diziam que essa medida fora tomada pelo primeiro Ministro da Magia, um bruxo já falecido e notório por sua antipatia por crianças, para impedir que as mães trouxessem seus filhos quando precisassem resolver algum problema no local, uma vez que bruxos menores de idade não podiam aparatar.

O departamento de Segurança do Mundo Mágico ficava no quarto andar daquele prédio, localizado nos arredores de Londres, num bairro mais afastado e de pouco movimento. Além disso, o imóvel era devidamente escondido por magia, aparentando ser um terreno baldio aos olhos dos trouxas. Tiago Potter costumava fazer visitas mensais àquele prédio, em especial naquele departamento, para entregar encomendas especiais e receber novos pedidos. Mas desta vez não era seu trabalho de alquimista que o trazia até ali. Para que um auror fosse buscá-lo em sua casa, era sinal de que as coisas não iam muito bem.

Ainda assim, Tiago não imaginou que encontraria três das quatro pessoas presentes naquele sala. Dumbledore havia convocado ele, Carolyn Stuart, Anne Preston e Severo Snape para uma reunião urgente:

- Sempre o último a chegar... – os cinco anos em que não tinham se visto não mudaram a opinião de Severo Snape sobre Potter.

Tiago não deu ouvidos ao comentário. Sabia que só um motivo reuniria aqueles quatro outra vez. No entanto, ele achava que as esperanças depositadas naquele grupo tinham se findado cinco anos antes. O rapaz, que já tinha 22 anos, cumprimentou a todos com o olhar, sem sequer balbuciar uma palavra. O clima tenso não era propício a demonstrações de saudade ou surpresa.

- Professor Dumbledore, eu estarei com os outros aurores no Departamento de Organização e Defesa Estratégica. Qualquer coisa...

- Obrigado, Frank. Eu lhe chamo quando terminar.

O auror saiu da sala rapidamente, deixando os cinco bruxos a sós. Dumbledore olhou para seus ex-alunos uma a um, demorando-se um pouco mais em Tiago Potter. Tinha o semblante bastante preocupado.

- Que lugar é esse?

Lílian, Helen, Sirius e Harry foram despejados num beco escuro e aterrador. O cachorro começou a latir, tentando responder a pergunta de Lílian:

- Sei que conhece esse lugar muito bem, Sr. Black! Mas se queremos passar desapercebidos, é melhor que você fique em silêncio. – então Helen virou-se para a amiga. – Estamos em Newcastle, mas não é aqui que você e Harry vão ficar. Você está com sua varinha, né?

A ruiva, que agora tinha os cabelos acinzentados e aparentava ter quase cinqüenta anos, assentiu com a cabeça. Antes de continuar a explicar, Helen andou até o final daquele beco para se certificar de que não havia ninguém. Tirada a dúvida, ela voltou para perto dos outros dois bruxos:

- Essa é uma passagem como a do Beco Diagonal. Sirius deve conhecê-la, já que morava em Newcastle. Dá para o vilarejo de Godric's Hollow, onde fica o Hospital St. Mungus. Antes de abrirmos a passagem, precisamos acertar algumas coisas. Para todos os efeitos você é minha tia, portanto, porte-se como tal. De preferência fale pouco e... hã... brigue comigo na frente dos outros... ela sempre faz isso!

- Não vai ser muito difícil – Lílian deu um sorriso irônico e Sirius, um breve latido.

- Se alguém perguntar alguma coisa, deixe que eu responda. Queremos que pensem que viemos visitar Cameron. Ninguém vai estranhar Sirius... Eu já trouxe bichos mais esquisitos...

- E Harry?

Helen franziu as sobrancelhas. Não tinha pensado no bebê.

- Vou escondê-lo debaixo da minha capa. Se ele começar a chorar, ou aparecer, digo que é meu filho...

- E o pai? – Lílian parecia disposta a complicar as coisas.

- Sou mãe solteira! E pare de arranjar mais problemas do que já temos, fazendo o favor. Para abrir a passagem, bata a varinha naqueles dois tijolos acinzentados. Si... Ei, nós não podemos te chamar de Sirius! – desta vez foi Helen quem arranjou um novo problema.

- Damos um nome a ele, ué? – Lílian riu divertida, esquecendo-se de que queria odiar a ex-amiga.- Que tal Totó? – ela piscou para Helen.

- Ah, eu gosto mais de Lulu! – Helen escrachou. Era como se tivesse voltado aos velhos tempos.

Sirius mostrou os dentes e rosnou para as duas, que riram baixinho, porém com vontade.

- Que tal Snufles, Sr. Black? É o nome do husky siberiano de um amigo meu. Um cachorrão enorme! – Helen sugeriu a sério.

O cachorro negro parou de movimentar a cabeça um segundo, depois sentou-se nas patas traseiras e encarou a jovem de cabelos escuros que carregava seu afilhado. Mexeu rapidamente o focinho para cima e para baixo e, então, caminhou até o local onde se abriria a passagem.

- Bem, Sra. Figg. Sua vez de mostrar serviço. – a piada com Sirius servira para descontrair um pouco o ambiente.

Logo que Lílian tocou os tais tijolos, uma passagem começou a se abrir e, quando perceberam, os quatro já estavam dentro de uma espécie de bar, repleto dos bruxos mais esquisitos. Helen apertou o passo e o garoto que carregava no colo. Detestava aquele lugar, mas a única outra forma de se chegar até lá era aparatando e isso ela não sabia fazer. As chaves de portal só levavam às passagens – uma precaução tomada pelo Ministério para que trouxas que as tocassem sem querer não fossem levados diretamente para um vilarejo bruxo.

Lílian também sentia a mesma apreensão e, por isso, começou a andar acelerado. Sirius acompanhava as duas arreganhando os dentes para todo e qualquer engraçadinho que pusesse os olhos naquelas mulheres.

- Ora, se não é Arabella Fig e sua sobrinha sangue-ruim. – um bruxo velho estacou diante dos quatro apressados. - Há quanto tempo não aparecem?

- Tchau, Sr. McNair. – Helen amarrou a cara e puxou a amiga pela mão, tentando continuar a andar.

- Mal educada como sempre. Também, criada como trouxa, o que havia de ser?

Helen tentou ignorar a raiva que sentia daquele sujeito e continuou andando, mas Lílian resolveu tomar as dores na hora mais errada possível.

- Com certeza há de ser melhor que o senhor. Posso ver como ser puro-sangue lhe ajudou a se tornar um imundo rato de padaria... – ela fez cara de desprezo.

- Me chamando de senhor, Arabella? Você não costumava ser tão formal com seus ex-namorados...

A boca de Lílian se escancarou, horrorizada com o que acabara de ouvir. A Sra. Figg tinha tido coragem de namorar alguém tão asqueroso quanto aquele velho? Ela se lembrava bem de Monsieur Bernard, seu vizinho: o francês era exatamente o oposto daquele sujeito.

- Tia Arabella, vamos embora, por favor! – Helen deixou Harry à vista ao tentar acomodá-lo melhor. O bebê tinha os olhinhos verdes arregalados e assustados.

- É, Arabella, é melhor você sair logo daqui. Não é muito bom para sua reputação que a vejam acompanhada de sua sobrinha fracassada! – o homem cuspiu ao terminar de falar. – E esse moleque? Filho de trouxa? Deve ser... Que bruxo seria idiota o suficiente para ter um filho com um aborto?

Helen e Lílian pararam subitamente de andar. A baixinha não conseguia se mover; coração e mente eram uma confusão de emoções. Mas Lílian não engoliria aquele abuso. Passara a adolescência ouvindo que era uma sangue-ruim e, por mais que Helen tivesse se afastado do mundo mágico, sabia que a colega considerava ser chamada de aborto uma ofensa. A ruiva virou-se e apontou a varinha para o velho asqueroso.

- Mais uma palavra e eu não hesitarei em usá-la! – ela advertiu.

- Pois vamos ver quem é mais rápido! – McNair ia tirando a varinha do bolso quando sentiu uma dor dilacerante na mão direita.

Sirius tinha as mandíbulas caninas fechadas próximo ao pulso do velho, que deixou a varinha cair. Era o que o cachorro queria. Ele não demorou a se soltar e pegar o instrumento com a boca. Então balançou a cabeça, como que ordenando que as duas moças saíssem do estabelecimento, seguindo logo atrás delas. Ele ainda olhou para trás umas duas vezes, mas McNair estava mais preocupado com a própria mão que latejava e sangrava, e parecia não ter se dado conta de que o cachorro levara a varinha. Sirius ia deixando o instrumento no primeiro canteiro que avistou quando Helen teve uma boa lembrança.

- É melhor guardarmos, Snuffles. Sempre suspeitei que McNair fosse um comensal. Talvez a varinha possa ser prova suficiente para incriminá-lo. E, também, - ela acrescentou melancólica. – essa pode ser a varinha que vai salvar Cameron.

Helen Silver e Annie Preston não tinham mais esperanças de salvar o ex-aluno da Lufa-lufa. Estavam convencidas de que havia sido o Lorde das Trevas em pessoa que torturara Cameron e o passar do tempo ia tornando a reversão do feitiço algo cada vez mais difícil. Não era à toa que a ex-monitora perdera todo o viço e simpatia que lhe eram característicos quando estudante.

- Chegamos – Helen parou no meio da rua escura, olhando para uma casa amarela de tijolinhos à vista. – A vizinha é a Sra. Hudson. Uma bisbilhoteira! Tia Arabella detesta-a, portanto, ignore-a. É o que minha tia faria. – e olhando para Sirius. – Ela também odeia animais, por isso eu acho que você deve rosnar bem alto se ela chegar perto da gente.

Além da dança, os animais eram a outra paixão de Helen. Quando ainda estava em Hogwarts pensara seriamente em se especializar em Trato das Criaturas Mágicas. Um dos sonhos que se tornaram impossíveis após sua expulsão. Parecia que estavam com sorte: a bruxa mexeriqueira não estava espiando da janela como de costume. Ao menos foi o que Helen pensou antes de dar de cara com a vizinha quando tentava abrir a porta da frente com uma chave velha e enferrujada:

- Arabella! Achei que você não voltaria nunca mais!

- Não me lembro de ter lhe dado intimidade para me chamar de Arabella! – Lílian fez uma cara de desdém tão convincente que a mulher não duvidou de que aquela fosse a Sra. Figg. Para ajudar, Sirius começou a rosnar, deixando a mulher apreensiva. Helen mordeu os lábios com raiva, arrumando Harry por debaixo da capa: era melhor que a bruxa não o visse.

- E por que não voltaríamos, Sra. Hudson. Meu irmão ainda está no St. Mungus!

- Você não vai ter modos nunca, menina?

- Ao menos não me meto na vida dos outros...

- Arabella, - ela pareceu não se importar com a bronca anterior de Lílian – agora que Helen está sob sua responsabilidade, você deveria ser mais enérgica! Olha o tamanho desse monstrinho que ele trouxe para casa! – a vizinha olhou de relance para Sirius, como se ele pudesse atacá-la caso demorasse um pouco mais o olhar.

Lílian deu um sorriso cínico como resposta e então percebeu os olhos da bruxa arregalarem-se.

- Finalmente! – Helen conseguira abrir a porta. – Vamos, tia. A senhora parece muito cansada! – ela puxou a mãe de Harry, nervosa.

Os cabelos de Lílian começavam a voltar a cor e comprimento habitual e o azul dos olhos de Arabella Figg ia aos poucos adquirindo um tom esverdeado. As duas apressaram-se em entrar, antes que a Sra. Hudson pudesse ter uma idéia concreta do que estava acontecendo. Sirius latiu feroz mais uma vez antes de avançar para dentro da casa. Mal Helen acabara de fechar a porta, com uma certa dificuldade por estar carregando Harry debaixo da capa, e Lílian readquiriu sua aparência costumeira. E ela não demorou mais de um minuto para tomar o filho dos braços da ex-amiga e encará-la com seus olhos verdes e inquisidores:

- Muito bem. Já estamos aqui em... Onde mesmo? – ela levantou o queixo mandando que a outra completasse, enquanto embalava Harry. Era estranho pensar que ela conseguia ser rude com a ex-amiga e dócil com o bebê ao mesmo tempo.

- Godric's Hollow. É uma espécie de bairro bruxo de Newcastle. Sirius deve conhecer... – ela olhou para o rapaz que já estava em sua forma humana.

- Estive aqui poucas vezes... Meu pai preferia morar no King's Garden.

- Qualquer um preferiria desde que tivesse dinheiro... – ela fez um muxoxo, e Sirius emburrou mais um pouco.

- E essa casa é de quem afinal? – Lílian perguntou baixinho, para não despertar um Harry sonolento que passava a mãozinha nos olhos.

- Do meu pai. Quer dizer, agora é minha, já que Cameron não pode responder por sua parte nos poucos bens que meu pai deixou.

- Você morava em Newcastle? – Sirius arregalou os olhos. Como ele nunca soubera daquilo?

- Desde os meus 9 anos, ou seja, desde que Cameron foi para Hogwarts e meus pais resolveram interagir de vez com o mundo mágico... – ela disse isso com uma pitada de ironia na voz.

- E o Surrey?

- A Helen só ficou lá nas férias de 75, Sirius.. Quem mora lá é a senhora Figg. – Lílian disse baixinho e deu um sorriso. – Ele dormiu.

- Droga! A casa está empoeirada... Faz mais de um ano que nem eu nem tia Arabella aparecemos por aqui. Não sei onde podemos colocá-lo.

- Sirius? – Lílian piscou para o amigo do marido, que se pôs a examinar os objetos da sala.

- Você vai precisar daquilo? – ele apontou para um vaso.

- Não. – Helen deu de ombros. – Mas o que... – ela não completou a frase. Sirius havia transfigurado o tal vaso num berço bem no meio da sala de estar.

Lílian colocou o bebê com carinho ali dentro e depois, com sua varinha, fez com que uma leve cantiga começasse a tocar.

- Bem, agora acho bom você explicar o que é que nós estamos fazendo aqui. – o olhar doce voltara a expressar a fúria de uma hora atrás.

- Sentem-se. – Helen espalmou um dos sofás tentando inutilmente espanar a poeira impregnada. – Vai ser uma longa história.

- Um traidor?

Tiago não acreditou nas palavras de Dumbledore. Não era possível. Ele tinha plena confiança nas pessoas para quem havia contado sobre o feitiço das casas. A não ser... Ele olhou desconfiado para Severo Snape, que percebeu.

- Você não cansa de me acusar por todas as besteiras que você mesmo faz? Não fui eu quem saiu espalhando sobre o Feitiço das casas!!

- Lílian, Sirius e Remo estão do lado da Ordem! – Tiago exclamou bravo.

- Remo também sabe? – Annie ficou surpresa. Sabia sobre Sirius desde que a poção dera errado, e não era difícil supor que Lílian soubesse, uma vez que ela era esposa de Tiago.

Carol engoliu em seco ao ouvir o nome de Remo. A irmã dela havia rompido com o rapaz havia quase um ano, depois de ouvir uma revelação demasiado chocante sobre o namorado:

- Bem, lobisomens não costumam ser confiáveis... – ela disse apreensiva.

- Eu tenho absoluta confiança no Remo! E eu duvido que vocês não tenham contado a alguém sobre o feitiço.

As duas mulheres se entreolharam. Elas tinham contado.

- É exatamente por isso que reuni vocês aqui. – Dumbledore começou a andar devagar pela sala. - Precisamos saber exatamente quem tinha conhecimento sobre o feitiço. Um comensal capturado esta noite revelou que Voldemort tem um espião infiltrado na Ordem, mas não soube dizer quem era.

- Usaram Verita Serum? – Snape perguntou sério.

- O comensal está sendo interrogado neste momento, Severo. Mas receio que ele não tenha muito mais a dizer além do que já sabemos...

- Eu... Eu contei apenas para Mundungo Fletcher. – a ex-aluna da Corvinal resolveu se abrir, reticente.

Carol Stuart começara a namorar o colega de casa logo após ambos terminarem a escola. Chegaram até mesmo a noivar, mas uma briga que nenhum dos amigos sabia bem o motivo, levara os dois a se separarem para sempre. Ele agora trabalhava no Ministério da Magia e a jovem tinha se tornado numeróloga da Astros & Cia, uma grande companhia de cálculos biofinanceiros e apólices de seguros. Naqueles tempos em que todos que saíam de suas casas estavam arriscados a não voltar, não poderia haver ramo melhor para ganhar dinheiro.

- Ele deve estar no prédio... Vou convocá-lo a seguir...

- E... bem... No meu caso, quem sabe são os Leighton. Mas eles nunca diriam isso a alguém, muito menos a Você-sabe-quem...

O casal a quem Annie se referia eram Patrick Leighton e sua esposa Melissa. Os dois tinham se tornado medibruxos e trabalhavam no Hospital St. Mungus para Doenças e Acidentes Mágicos, onde Annie Preston era enfermeira. Tinha escolhido a profissão por ser a melhor forma de poder continuar cuidando de Cameron Silver e, numa de suas crises depressivas, contara ao casal de amigos sobre como a única chance de Cameron se salvar tinha se esvaído por causa da poção que não deu certo.

- Os Leighton. Muito bem. Severo?

- Ninguém. – ele tinha sido o único a guardar completo segredo. Isso seria uma prova de sua determinação ou da sua falta de amigos?

- Dumbledore, me desculpe, - Tiago interrompeu - mas eu não consigo entender por que Voldemort...

- Tiago, não é bom dizer o nome dele... – há muito tempo o medo havia se apoderado de Annie Preston.

- Por que Voldemort estaria preocupado com um de nós? – ele continuou, ignorando o comentário da moça. - Afinal, o feitiço já deu errado cinco anos atrás...

- Na verdade, Tiago, o feitiço começou a dar certo há pouco mais de um ano. – Dumbledore fitou o rapaz intensamente. – E você e Lílian são os responsáveis por isso.

"Desde que cheguei a Leningrado, cinco anos atrás, tenho vivido num pensionato de garotas. A maioria delas é bailarina como eu, mas há também algumas estudantes da Universidade, que não fica muito longe. A dona do estabelecimento é uma velha polonesa rabugenta que adoraria não ter que dividir a casa dela com ninguém, mas como ela vive do que o Bolshói e as famílias das estudantes pagam a ela..."

- Eu não estou interessada na sua vida, Srta. Silver. Quero saber por que é que meu filho e meu marido estão em perigo. – Lílian estava impaciente.

Sirius estava sentado razoavelmente distante das duas, mas de ouvidos atentos

- Deixa ela falar, Lílian. Helen não falou de sua vida por cinco anos... Se vai começar agora, deve ser porque é obrigada a isso. – ele falou sem olhar para as duas jovens.

A menina respirou fundo antes de continuar. Sabia que eles seriam hostis, mas não imaginava que aquela resistência duraria tanto.

"Como eu ia dizendo, a dona do pensionato não faz muita questão de nos dar... hmmm... regalias. Nem café-da-manhã ela serve, por isso todas nós comemos numa cafeteria nos arredores da universidade. Esta manhã não foi diferente. Fui com minhas colegas até o lugar e... bem... eu quebrei uma xícara de café."

- Mas que interessante... – Lílian desdenhou. – Helen Silver quebrou uma xícara de café. Você nunca tinha quebrado uma xícara antes? – ela perguntou irritada com a demora da outra, que continuou, ignorando o comentário.

"Eu quebrei uma xícara porque vi Igor Karkaroff debruçado no balcão da cafeteria."

Ao ouvir o nome do ex-colega de casa de Helen Silver, Lílian ficou menos resistente. O assunto realmente deveria ser sério. Sirius ficou alerta e se aproximou das duas. Já tinha ouvido comentarem na Ordem que Karkaroff era um comensal, no entanto, não havia evidências suficientes para expedir um mandato de prisão. Além disso, fazia uns seis meses que o bruxo parecia ter desaparecido.

"O idiota sorriu quando me viu... – Helen apertava as mãos enraivecida só de lembrar da cena. – Eu sempre detestei o Karkaroff desde os tempos da escola. Não precisei de muito esforço para dar uma resposta atravessada. E eu não conseguia entender o que aquele imbecil que vivia se vangloriando de ser um puro-sangue estava fazendo numa cafeteria trouxa. Então, ele disse que precisava conversar comigo, em particular. Que alguém estava disposto a me ajudar a recuperar o que eu perdi."

Nesse momento Sirius soltou uma risada e Lílian e Helen ralharam com ele, mas não pelo mesmo motivo. Lílian não queria acordar o filho e Helen achou que ele estivesse debochando dela.

- Desculpa, Lil'. Mas é que eu pensei que não poderia haver proposta mais despropositada... – e ele começou a encarar Helen. – Ele disse que Voldemort poderia lhe ajudar a voltar a ser uma bruxa, não foi?

Ela assentiu com um gesto da cabeça:

"Foi. Ele disse que Voldemort estava recrutando novos comensais, em outros países. 'O Lorde das Trevas está querendo expandir o seu império!', foram as palavras dele. "

Lílian e Sirius acharam a afirmação absurda. Que império? Voldemort podia estar aterrorizando o mundo mágico, mas ainda não governava o Reino Unido.

"E então alguém se lembrou de mim... Afinal, eu tinha tido sangue-frio suficiente para fazer o que fiz... Ele só não me contou como foi que soube que eu estava em Leningrado. Disse que tinha seus contatos... Imbecil! Pois muito bem, se ele tinha os contatos dele, eu tinha os meus. Eu fingi que estava muito interessada e marquei de encontrá-lo à noite, no hotel onde ele estava hospedado, para acertarmos os detalhes sobre a minha iniciação..."

- Você? Sozinha com Karkaroff? À noite? – Sirius interrompeu.

- Isso não é hora para ataque de ciúmes, Sirius. – Lílian deu a bronca.

- Quem disse que eu estou com ciúmes? – ele respondeu controlando a altura da voz para não acordar o bebê.

- Continue, Helen. – Lílian pediu.

"Faltei no ensaio esta manhã e voltei para a pensão. Eu tinha jurado a mim mesma que nunca mais usaria nada que envolvesse magia, mas quando ouvi aquele pulha me convidando para ser uma comensal, eu vi o rosto de Cameron pedindo para que eu ignorasse minhas promessas e tentasse salvá-lo. Afinal, pode ter sido Karkaroff quem torturou meu irmão... E eu ainda não perdi as esperanças de recuperar a sanidade mental de Cameron.

Dentro de uma pequena maleta, trancada a chave, eu tinha guardado algumas coisinhas do tempo em que era bruxa: pó do sono, que é muito útil quando tenho ataques de insônia na véspera de uma apresentação; minha varinha quebrada, que eu parti em duas quando estava fazendo as malas; um anel do humor – ela olhou para Sirius, fora seu presente de dia dos namorados -; e um saquinho com pó de flu. Eu só precisava encontrar uma lareira bruxa e viajar para a casa de minha tia.

Essa foi a parte mais difícil. Não conheço um bruxo sequer em toda Leningrado. Nunca procurei me informar sobre as comunidades bruxas soviéticas. Então eu pensei na Universidade. Eles têm livros sobre tudo por lá; teria que haver alguma coisa sobre as comunidades bruxas. Porque existem alguns trouxas que sabem da existência do mundo mágico, mas que são desacreditados pela maioria dos outros trouxas, e eles fazem estudos tentando provar que estão certos. Eu só precisava achar um desses estudos.

Passei a manhã toda revirando a biblioteca e nada; até que a bibliotecária veio perguntar o que eu estava fazendo. Antes que eu pudesse inventar qualquer coisa, ela pegou um dos livros que estavam no chão e me perguntou se eu era interessada em magia. Naquele instante eu tive certeza de que ela era uma bruxa, e não me enganei. Não contei o porquê, mas disse que tinha que viajar para a Inglaterra com urgência. Ela me deu o endereço dela e lá fui eu bater na casa dessa família. Eles me emprestaram a lareira e logo eu estava no Surrey, na sala de estar da casa da minha tia. Só que ela não estava lá.

Pensei em bater na sua casa, Lílian, mas da janela eu vi o cartaz enorme de vende-se. Só depois fiquei sabendo que sua mãe faleceu e que você e sua irmã casaram."

- Como assim, só depois? Eu lhe mandei o convite do meu casamento e as notícias sobre mamãe. Mas você nunca respondeu uma carta sequer... – Lílian lembrou-se de quanto estava magoada.

- Eu pedi à tia Arabella que pusesse um feitiço de confusão sobre meu endereço, logo depois que mandei a resposta a seu berrador. Nenhuma coruja consegue me achar, ou seja, nunca recebi nenhuma de suas cartas. E sempre pedi à tia Arabella que evitasse comentar sobre o que vocês estavam fazendo... – ela baixou os olhos, triste. – Não queria me sentir tentada a abandonar minha nova vida por conta de algo que eu não poderia mais viver. Mas isso não vem ao caso...

"Quando cheguei ao Surrey e percebi que a casa estava vazia, entrei em desespero. Eu precisava achar alguém com urgência, mas acabou acontecendo que eu é que fui achada. Instalaram alarmes na casa de tia Arabella para evitar que alguém entrasse lá para roubar algum documento da Ordem enquanto ela estivesse em trabalho de campo. Imaginem minha surpresa quando Frank Longbottom aparatou bem diante de mim, de varinha em punho. Tive certeza de que ia ser presa por uso indevido de magia; afinal de contas, eu tinha usado pó de flu.

Mas em vez de me prender, Frank me abraçou e começou a tagarelar contando tudo sobre o filhinho que tivera com Sophie, sobre seu casamento com Tiago, o sumiço do Remo... – então ela parou de falar e ficou olhando para Sirius. Frank tinha falado muito sobre ele; que se tonara um dos astrônomos mais respeitados do Reino Unido, apesar do pouco tempo de carreira, que não se casara, que vivia entre os trouxas, etc, etc... Mas ela não teve coragem de repetir tudo o que ouvira, principalmente a parte em que Frank disse que Sirius ainda devia ser apaixonado por ela, afinal, tivera várias namoradas e nunca se acertara com nenhuma.

Só que eu não tinha viajado da União Soviética para a Inglaterra para saber notícias de vocês. Tão logo Frank deu uma pausa, eu contei o que tinha acontecido naquela manhã e vi os olhos dele brilharem. O tal do Moody andava na cola do Karkaroff e a última pista que tinham tido era de que ele estivera na Bulgária. Agora eu estava ali, dando data, local e hora onde ele poderia ser encontrado. Mas eles precisariam de um flagrante, pois não havia nenhuma prova de que Karkaroff fosse realmente um comensal, por mais que tivessem certeza disso. E, bem, a minha palavra não vale muito para o Ministério..."

- Crouch... – Lílian torceu o nariz. – Malfoy age debaixo do nariz dele e ele finge que não enxerga... E ainda tem a petulância de desconfiar de alguém que quer ajudar...

"Bem... então, Frank entrou em contato com o Moody, que quis conversar comigo..."

- Como é que é? Meu filho? – Tiago estava absolutamente perturbado.

- Se o feitiço tivesse se concretizado com a poção, isso não teria acontecido, Tiago. Por isso eu e Arabella não nos preocupamos em explicar o segundo meio de concretizar o encantamento.

- Peraí, deixa eu ver se eu entendi direito. Quer dizer o filho de Lílian e Tiago herdou os espíritos de todos os fundadores de Hogwarts?

- Não exatamente, Anne. Harry herdou o espírito da Grifinória, que foi o que Tiago passou a ele. No entanto, como a primeira parte do feitiço já havia sido realizada, ele pode se utilizar dos dons característicos das outras casas com a habilidade que qualquer um de vocês três teria.

Os quatro jovens ficaram quietos, tentando digerir as últimas revelações. Mas foi Snape quem chegou primeiro a uma conclusão:

- Quer dizer que esse bebê pode derrotar Voldemort?

- Não. - Dumbledore foi conciso.

- Eu não estou entendendo mais nada... Se ele não pode fazer nada contra Voldemort, então como é que o feitiço está concluído? – Carol perguntou.

- Harry guarda a força de Hogwarts, Carol, mas ele não conseguirá utilizá-la até chegar aos 17 anos.

- Nós vamos ter que esperar mais 16 anos para que Você-sabe-quem pague pelos seus erros? – Annie estava desconsolada. Por um segundo pensara que havia motivos para resgatar a esperança em dias melhores.

Tiago ouvia a tudo calado. Pensava no pequeno bebê de olhos verdes, seu filho. Harry tinha o mesmo cabelo arrepiado do pai e o olhar doce da mãe. Tiago não podia imaginar como aquela pessoinha frágil e indefesa pudesse ser a salvação do mundo mágico. Não importava que Harry só poderia fazer isso quando fosse quase um adulto; Tiago sempre ia pensar nele como o bebê travesso que lhe roubava horas de sono para brincar um pouco mais. E agora, aquela vidinha, que acabara de completar um ano, estava ameaçada por uma decisão que seu pai tomara anos atrás.

- A questão não é como o filho de Tiago poderá nos ajudar, mas como podemos protegê-lo. – Dumbledore parecia ter lido os pensamentos do ex-aluno. – Acima de tudo, é uma vida inocente que está em risco. E vocês quatro também estão em perigo. Independente do encantamento ter se concretizado, vocês tem dentro de si a alma de suas casas, o que os torna alvos em potencial para Voldemort. Por isso não quisemos que comentassem com ninguém mesmo após o plano ser desfeito.

- Ele não sabe sobre mim, Dumbledore. Tenho certeza disso.

- Na verdade, Severo, a única pessoa sobre a qual temos certeza que Voldemort sabe é Tiago. Ainda sim, quero colocar todos sob um feitiço protetor.

- Você tem certeza do que está dizendo, garota?

- Mas é claro que tenho! Eu não afrontaria o Ministério por uma bobeira!

Alastor Moddy encarava a baixinha Helen Silver desconfiado. O pai dela fora um auror dos mais competentes, mas as circunstâncias que resultaram na expulsão da menina da escola de bruxaria sempre depunham contra ela. Aquilo poderia ser uma emboscada:

- Moody, eu conheço Helen há anos. Não há motivo para dúvidas. – Longbottom tentou dar credibilidade à amiga.

- Tome! Ele me deu esse cartão! – ela entregou um pequeno pedaço de pergaminho nas mão do velho auror.

- Não há nada aqui... – ele examinou rapidamente.

- Diacho! Mais um daqueles pergaminhos enfeitiçados! Bata com a varinha nele... Aposto que aparece a Marca Negra... – ela retrucou impaciente.

O auror verificou e a menina estava correta. A marca brilhou por alguns instantes e desapareceu em seguida:

- Muito bem, e como é que você consegue ler?

- E eu que vou saber? - ela já estava ficando irritada com aquele interrogatório. Viera fazer um favor e agora tinha que passar por toda aquela avaliação? – Vai ver o Karkaroff destravou o feitiço para eu poder ler, ué? Garanto que não usei magia nessa porcaria...

O auror deu um sorriso – ou pelo menos tentou, pois a boca não parecia ser capaz de conseguir tal façanha.

- Muito bem. Está disposta a nos ajudar? – ele olhou dentro dos olhos castanhos da jovem.

- Não é isso que eu estou fazendo?

- Moody, você não está pensando...

- Estou sim, Longbottom. A senhorita já está nos ajudando, com certeza, mas preciso de uma ajuda mais prática...

- Como assim? – Helen olhou para Frank, pedindo explicações.

- O que o Moody está querendo dizer é que você precisa ser nossa isca, estou certo? – ele buscou a aprovação do auror mais experiente.

- Está sim. Você vai até esse encontro, menina, e terá que fazer Karkaroff admitir que é um comensal. Usaremos uma caixa de som para aprisionar as palavras dele. O plano é o seguinte...

Em menos de meia hora, os três estavam na União Soviética. Como Helen não podia aparatar, os aurores se encarregaram de criar uma chave do portal que levasse os três até o vilarejo bruxo mais próximo de Leningrado. Era a primeira vez que Helen via uma comunidade mágica na Rússia.

- Você vai procurar Karkaroff por volta das seis e meia da tarde, certo? – Alastor estava repassando as instruções.

- Eu já sei de tudo, Sr. Moody. Não precisa me dizer o que fazer pela centésima vez.

- Helen, qualquer falha pode botar tudo a perder. Inclusive sua vida. – Longbottom advertiu.

- Eu sei, eu sei... Agora acho bom vocês arrumarem seus relógios, porque no fuso daqui já são quase seis da tarde. Eu tenho que ir para o pensionato tomar um banho e me arrumar.

- Se arrumar para quê? – Moody achou aquilo uma frivolidade.

- Vocês querem que Karkaroff fale, não é?

Os dois aurores se entreolharam: a menina realmente tinha entendido o plano.

Helen não demorou muito no banho. Procurou as melhores roupas que tinha no armário e se vestiu devagar. Naquele dia já tinha derrubados muitas das barreiras que ela própria havia criado para se afastar de seu passado. Antes de sair resolveu pegar a capa vinho, a única veste bruxa que ainda tinha guardada. Pensou em levar a varinha para uma emergência, mas de que adiantaria uma varinha quebrada? Além do mais, Moody e Frank estariam acompanhando-a escondidos sob uma capa da invisibilidade. Eles se encarregariam de protegê-la se fosse necessário; ao menos foi nisso que ela tentou acreditar.

O endereço que Karkaroff lhe dera era de um hotelzinho de quinta categoria, bastante sujo e mal freqüentado. Quando ela entrou no recinto, vários pares de olhos mal-intencionados se viraram para ela e ela não pôde deixar de sentir medo. Não era porque aqueles indivíduos eram trouxas que deixavam de ser perigosos. Pela primeira vez na vida, Helen sentiu alívio ao ver Igor Karkaroff, que a observava no sopé de uma escada no fundo da sala.

- Atrasada! – ele reclamou logo que a jovem chegou perto dele. – Saiba que o Lorde das Trevas não tolera esse tipo de coisa...

- Ele está aqui? – ela perguntou apreensiva. Dois aurores não seria páreo para Lorde Voldemort, por mais destemidos que Moody e Frank fossem.

- É lógico que não! O Lorde tem coisas mais importantes para se preocupar. Vamos subir... – e então ele deu um sorriso malicioso para ela, medindo-a de alto a baixo.

Helen mudara um pouco desde os tempos de escola. Além dos cabelos que estavam compridos, ela estava mais forte, apesar de continuar magra – uma conseqüências dos ensaios diários. Estava bem maquiada, os olhos ressaltados pelo lápis preto que os contornavam. Mas acima de tudo, o que lhe deixava mais bonita do que quando tinha apenas 16 anos, era que ela tinha o porte elegante de uma mulher adulta e determinada.

Ela subiu as escadas olhando para trás vez ou outra. Não sabia se Moody e Longbottom continuavam atrás dela. Helen tentou ser maior que seu medo quando entrou no quarto minúsculo onde Karkaroff estava hospedado. Procurou agir com frieza:

- É nesse tipo de espelunca que o Lorde das Trevas acomoda seus comensais?

- Ora, para quem aluga um quarto de uma casa caindo aos pedaços...

- Você sabe onde eu moro? – ela não escondeu a surpresa.

- Sei isso e muitas outras coisas... – ele respondeu enquanto fechava a porta do quarto.

- Não feche a porta! – ela disse um pouco desesperada. Será que Moody e Frank tinham conseguido entrar?

- Que é isso, Silver? – ele não deu ouvidos à bailarina. – Com medo de ficar num quarto sozinha comigo? – ele deu um sorriso cínico.

- Não... É que não fica bem para uma moça solteira...

- Ora, entrar num antro desses não é bom para a reputação de nenhuma mulher séria. Mas você já está aqui dentro... – ele começou a se aproximar.

- Não... Não se aproxime... – ela começou a andar para trás.

Enquanto essa cena se desenrolava, Alastor Moody tentava controlar um Frank furioso, disposto a impedir que Karkaroff encostasse um dedo sequer na ex-namorada. Eles tinham conseguido entrar no meio tempo em que a porta estivera aberta:

- Nós temos que impedir isso... – Frank sussurrou.

- Ele ainda não disse nada do que precisamos ouvir. Agüente-se. Ele não vai fazer nada com ela.

Karkaroff não deu mais que dois passos e parou diante de Helen:

- Você fica bem de cabelos compridos. – ele disse passando os dedos numa mecha de cabelo.

Ela engoliu o medo, o orgulho e o nojo que sentia do ex-colega de casa. Não porque Karkaroff fosse feio – ele não era Sirius, mas não deixava de ser um bruxo charmoso -, mas porque ele era tudo o que ela mais odiava num bruxo: um servo de Voldemort. Ela tinha que tirar todas as informações possíveis dele, e estava disposta a qualquer coisa para conseguir o que queria:

- Acredito que para o Lorde das Trevas não faz a mínima diferença se tenho cabelos curtos ou compridos... – ela firmou a voz e o encarou. – Você disse que ele poderia me ajudar a recuperar minha magia! Foi por isso que vim.

Ele mantinha o sorriso sarcástico.

- Bem, me parece que você não perdeu sua determinação característica... Mesmo vivendo entre esses... trouxas...

- Uma vez sonserina, sempre sonserina, meu caro! – foi a vez dela retribuir o sorriso cínico. Ela conseguira. Readquirira a auto-confiança. Tudo ia dar certo: - Então, qual a sua proposta?

Ele deu meia volta e olhou para o cubículo imundo, antes de começar a tratar de negócios:

- Eu soube que você era uma elementar...

- Era, não sou mais. – ela respondeu com firmeza. – O que isso tem a ver com o interesse de Voldemort por mim?

- Ele quer nomes, Srta. Silver. Já sabemos sobre Tiago Potter, mas ainda faltam outros três representantes do Feitiço das Casas.

Nesse momento, Frank teve outro impulso de sair de debaixo da capa da invisibilidade. "Ele já assumiu que trabalha para Voldemort! O que nós estamos esperando?" Mas o velho Moody achou cedo: "Deixe a garota continuar. Ela está fazendo um bom trabalho!"

- O Feitiço das Casas? – Helen empalideceu. – Co-como você soube disso?

- Fique tranqüila. O Lorde das Trevas não fará nada com você desde que você colabore. Você só precisa dizer os outros três nomes e será uma protegida do maior bruxo de todos os tempos. Pode inclusive ter o privilégio de se tornar uma comensal, como eu.

Helen não prestava atenção ao que o comensal dizia. Só precisava saber de uma coisa:

- Quem contou sobre o Feitiço? Vocês tem um espião?

- Bem, eu não estou autorizado a divulgar essa informação. – o comensal caminhou até ela. - Mas eu posso fazer uma concessãozinha, caso você seja generosa comigo. – ele segurou o queixo da bailarina, olhando fixamente para a boca da garota..

- Estupefaça! – um raio atingiu o bruxo pelas costas, e ele caiu sobre Helen. A jovem o empurrou para o lado.

- Achei que vocês não tinham conseguido entrar! Ele fechou a porta tão rápido... – ela olhou aliviada para os dois aurores, que amarravam as mãos do comensal estuporado.

Harry começou a chorar no instante em que Helen terminava de contar a história. Tinha acordado por alguma razão que não as exclamações mudas de Lílian e os murros silenciosos de Sirius no chão. A mãe se levantou para acudir o filho e então perguntar:

- Muito bem, querem Tiago porque ele tem o espírito da Grifinória. Mas e Harry? O que meu filho tem a ver com isso?

- Lílian, você era quem melhor conhecia o Feitiço. Você deve se lembrar que, caso a poção não desse certo...

- ...o primeiro filho de um dos representantes herdaria o espírito de Hogwarts! – a própria ruiva concluiu, apertando Harry contra o peito. – Como eu pude esquecer?

Nesse instante, Frank Longbottom e Tiago Potter aparataram na velha casa dos Silver, em Godric's Hollow.

- Contou tudo a eles, Helen? – Frank indagou, enquanto Tiago, preocupado, abraçava a esposa e o filho.

Ela só balançou a cabeça afirmativamente.

- Bem, então já podemos ir embora. – Frank coçou a cabeça. - Eu vou te acompanhar na viagem de volta.

- Longbottom, deixa que eu levo ela! – Sirius pediu.

- Não! – Helen arregalou os olhos.

- Tudo bem. – Frank deu um sorriso animado. – Acho que vocês dois precisam mesmo ter uma conversa...

- Frank! – A menina estava atônita!

- Hmmm, Sirius, eu precisava falar com você um instante... – Tiago interrompeu. Ele continuava aparentando preocupação.

- Me espera aqui! – Sirius mandou.

- Como se eu tivesse outra alternativa... – Helen bufou.

- E, Lílian, nem sonhe em emprestar pó de flu para ela!

- Fique tranqüilo, Sirius... Eu também tenho minhas contas para acertar com a Srta. Silver. – Lílian quase fulminou a ex-amiga com o olhar, enquanto embalava Harry.

Os dois rapazes entraram num dos cômodos da casa para conversarem com mais privacidade. Os outros três permaneceram alguns minutos em silêncio quando Frank lembrou:

- Ah, o Moody pediu que eu entregasse isso para você. – ele tirou um envelope verde do bolso. – E pediu para eu agradecer você novamente. Agora eu preciso ir. Sophie deve estar preocupadíssima. Apareça em casa qualquer dia!

- Sophie mata ela... – Lílian riu. Sabia que a esposa de Longbottom morria de ciúmes de Helen desde os tempos de colégio.

Helen olhou para o envelope em sua mão. Tinha o emblema do Ministério da Magia do Reino Unido. Provavelmente devia ser algum agradecimento formal, tanto que ela nem se preocupou em abri-lo. Colocou em cima da mesa da sala de jantar e encarou a ruiva, que acabava de deitar Harry no berço. O bebê tinha adormecido novamente.

- Muito bem. Vamos acertar as contas. Não foi isso que você disse?

- Vamos... Assim que você me der um abraço! Estava com saudades! – e Lílian abriu um sorriso enorme para a amiga.

- Um traidor? Mas quem? Só eu, Remo e Lílian sabíamos da história toda!

- Não. Tem mais gente. Carol e Annie também contaram...

- A Carol deve ter contado pro Fletcher, antes deles brigarem. Mas a Annie? Para quem ela teria contado? A Helen já sabia...

- Pros Leighton.

- Ah, a Melissa e o Patrick jamais seriam adeptos de Voldemort. Nem o Fletcher... Esse pessoal todo presta serviços para Ordem... Ei, peraí, tem uma pessoa...

- Não é o Snape. – Tiago respondeu desanimado.

- Como não? Só pode ser ele, Tiago! Ele sabia rogar mais pragas que qualquer outro aluno desde que entrou na escola. E esse negócio de só falarem de você... Snape adoraria poder ferrar com você uma vez na vida!

- Eu também pensei nisso. Mas Dumbledore disse que não foi, que tem plena confiança no Snape. Além de que, uma coisa é certa: se ele contasse sobre mim, Voldemort desconfiaria que ele é o representante da Sonserina. De outra forma, como ele saberia?

- Mas então quem?

- Se eu soubesse... Mas Dumbledore arranjou uma forma de nos proteger e é por isso que eu queria falar com você. Você já ouviu falar do feitiço Fidelius?

- Feitiço Fidelius... Feitiço Fidelius... Esse nome não me é estranho... Vimos em alguma aula do Flitwick?

- Aham. Quinto ano. – Tiago sempre gostou muito das aulas de feitiços. Era a matéria em que mais se destacava, junto com transfiguração.

- Ei, não era uma sobre guardar segredos? Se você guardasse um segredo com seu fiel então ninguém conseguiria descobri-lo a não ser que o fiel contasse? Eu lembro que eu guardei um do Fletcher sobre o Pedrinho...

- Exatamente. Dumbledore acha que pode nos proteger com esse feitiço. Basta colocar nossa localização em segredo e Voldemort não conseguiria nos achar nem que estivéssemos diante dele.

- É perfeito, Tiago! Mas, quer dizer que eu não vou poder visitar vocês nesse período? Quero dizer... Eu também não vou conseguir localizar você, Lílian e Harry...

- A não ser que você seja o fiel... – e Tiago olhou-o apreensivo. Será que o amigo aceitaria aquele fardo?

- Você está me pedindo para ser o fiel, Tiago? – Sirius estava surpreso.

- Estou. Se você quiser, é claro... Dumbledore se voluntariou, mas...

- Tiago, eu sou um dos suspeitos!

- Sirius, a única pessoa no mundo em que eu confio mais do que em você é Lílian. E ela não pode ser a guardiã do segredo porque ela faz parte do segredo. Tenho certeza de que você nunca seria esse traidor de que eles estão falando. E eu não acho que estejam suspeitando de você... Não depois da defesa que uma certa ex-namorada sua fez sobre sua lealdade... – ele sorriu.

Longbottom contara a Tiago que a primeira pessoa de que todos desconfiaram fora Sirius Black, afinal, era a única pessoa que sabia sobre o Feitiço das Casas fora os integrantes, Dumbledore e Arabella Figg. Mas Helen fizera um verdadeiro rebuliço no Ministério afirmando que Sirius Black sabia que ela era uma elementar antes de muita gente e nunca havia comentado nada sobre aquilo. Que só se ele fosse um idiota iria compartilhar essa informação com Voldemort, sendo que todos sabiam que ele conhecia o segredo. Ela desfiou um verdadeiro rosário de motivos pelos quais Sirius Black nunca trairia a Ordem e, com a ótima reputação recentemente conquistada pela ajuda na captura do primeiro comensal, nada daquilo passou em branco.

Mas Tiago não precisava dos argumentos de Helen Silver para ter certeza de que Sirius Black era confiável. Conheciam-se desde crianças; eram como irmãos. Ele tinha confiança plena de que seu melhor amigo arriscaria a própria vida pela sua e, agora, pela de seu afilhado.

- Eu não peço isso por mim, Sirius. Peço pelo Harry. Se alguma coisa acontece ao meu filho... Ah, eu não consigo nem imaginar.

- É lógico que eu topo. Mas nós temos que avisar o Remo também... – Sirius lembrou do amigo. – Talvez ele tenha contado a mais alguém...

- Vou mandar uma coruja para ele ainda esta noite. Também acho impossível que tenha sido ele.

- Er.. Tiago... mudando um pouco de assunto... O que foi que a Helen falou sobre mim? – Sirius deu uma piscadela marota, como nos tempos de escola.

- Achei que você não fosse me desculpar... – Helen disse com lágrimas nos olhos, enquanto abraçava a amiga.

- Eu também achei... – Lílian foi sincera. – Você não sabe quanta raiva você me fez passar! Quase fiquei sem madrinha de casamento, porque cinco minutos antes da cerimônia eu insistia com Tiago que você ia aparecer...

- Cinco minutos?

- Sua tia te substituiu. Mas eu fiquei magoada...

- Já disse. Não recebi suas cartas... Eu adoraria ser sua madrinha!

- Adoraria mesmo? – Lílian desconfiou.

- É... bem... se fosse um casamento trouxa...

- Não sei de onde você tirou essa idéia de que não pode mais fazer parte do mundo mágico, Helen... – Lílian deu um suspiro de pesar.

- Ah, Lílian, foi tão difícil me reacostumar a minha vida de trouxa. Justamente quando eu tinha decidido não lutar contra o meu destino, quando eu resolvi que queria ser uma bruxa, ele deu mais uma reviravolta. – ela começou a contar em voz triste. – Mas agora eu estou bem. Não quero ficar lembrando do passado. E entrar em contato com vocês infelizmente me faz pensar no passado... Eu não vou jogar tudo pro alto logo agora que finalmente encontrei um sentido na minha vida...

- Eu não vou te julgar. Não sei o que eu teria feito na sua situação. Mas... bem... eu acho que pelo menos UMA grande besteira você fez: Sirius!

- Eu acho melhor a gente não tocar nesse assunto.

- Você pode não querer falar sobre ele comigo, mas vai ter que falar com ele... E Helen, por favor, não brinque com os sentimentos dele. Eu fiz esse pedido a ele há mais de cinco anos e para minha surpresa, quem pisou na bola foi você...

- E então, já se acertaram? – Tiago e Sirius apareceram na sala de jantar onde as duas moças conversavam.

- Já. – Lílian deu um sorriso tranqüilo. – Eu a fiz prometer que vai mandar notícias daqui para frente. Nem que seja pelo correio trouxa!

- Bem, então já podemos ir. – e ele percorreu a sala com os olhos, procurando por alguma coisa.

- Que é que você quer, Sirius? – Lílian indagou.

- Alguma coisa para transformar em chave de portal... – ele respondeu sem parar de procurar. – Ah, isso serve.

Ele pegou um chocalho de Harry – ele tinha vários... - e apontou a varinha, murmurando qualquer coisa, enquanto Helen se despedia de Lílian e Tiago. Antes de sumirem, Sirius deu um beijo no afilhado e combinou com Tiago que voltaria no dia seguinte para cumprir o combinado.

- Helen esqueceu a carta aqui! – Lílian reparou no envelope verde deixado sobre a mesa.

- Ué, você não falou que ela vai te escrever? Então, você manda a carta junto com a sua resposta...

- Eu vou abrir, Tiago!

- Você vai abrir correspondência dos outros, Lílian?

- Vou. Alguma coisa me diz que o que tem aqui é importante demais para esperar que Helen me escreva! Se for mesmo, peço a Sra. Figg para avisá-la.

- A curiosidade matou um gato, Lílian! – ele zombou dos "pressentimentos" da esposa.

- Eu não acredito... – Lílian ficou boquiaberta ao ver do que se tratava.

- Era importante mesmo? – Tiago estanhou.

- Leia você mesmo.

Prezada Srta. Helen Silver,

Haja vista os serviços prestados por sua pessoa no combate às Artes das Trevas, o Ministério da Magia lhe concede a oportunidade de regressar à Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts para completar seus estudos, apagando de seu histórico escolar o incidente ocorrido em março de 1976.

Atenciosamente,

Arnold Perkins

Departamento de Regulamentação de Magia

P.S: Consegui esse favorzinho aqui no Ministério. Seus pais teriam se orgulhado do comportamento da senhorita nesta tarde. Quem sabe um dia não se torne uma auror?

Ass: Alastor Moody

- Mas nós voltamos à casa de Lílian e Tiago! – Helen constatou com surpresa.

- É lógico que voltamos! Você não achou que eu ia deixar minha belezinha aqui, achou?

- Belezinha?!

Então Helen viu Sirius se aproximar de uma moto enorme – uma Harley-Davidson, para ser mais precisa.

- Eu não acredito que você arriscou as nossas vidas para buscar uma droga de moto! Os comensais de Voldemort podem aparecer a qualquer instante...

- Droga de moto? Você tem noção de quantos galeões convertidos em libras eu gastei nessa belezinha?

- Que maravilha! Pronto, já viu sua moto! Podemos ir embora? Eu tenho ensaio amanhã de manhã!

Sirius subiu na moto e deu a partida. O motor roncou alto.

- Que você está fazendo? – Helen estava possessa.

- Ora, você não quer ir para casa?

- Sirius, eu moro na Rússia. Se você não sabe direito onde é, eu explico: É um país enorme do Leste Europeu, depois da Alemanha! Fica meio longe para gente ir de moto!

- Sobe! – ele não deu ouvidos à moça.

- Isso é ridículo! A não ser... Você vai me deixar em Kong's Cross? Sirius, eu vou levar uns dois dias para chegar lá de trem. Eu poso perder a minha bolsa se faltar a outro ensaio...

- Cala a boca e sobe, Helen.

- Lógico que não. Eu vou dar um jeito de entrar em contato com o Frank. Ele vai me arranjar um pouco de pó de flu...

- Helen, você vai chegar lá ainda hoje. Eu te garanto!

A moça olhou bem par o veículo que Sirius montava:

- Você usou algum feitiço para ela acelerar além do normal?

- Digamos que a belezinha aqui "voa baixo". – ele deu um sorriso sarcástico.

Ainda meio desconfiada, Helen subiu na garupa da moto. Nem bem se acomodou e Sirius avançou pelos céus de Oxford.

- AI! – ela gritou amedrontada. – I-isso tá-tá VOANDO!

- Mas é claro que tá voando! Você não achou que um ex-batedor de quadribol se contentaria com um veículo limitado à terra firme, não é?

Ela não respondeu, mas Sirius sentiu a ex-namorada abraçá-lo com toda força. Força demais, aliás:

- Helen, desse jeito eu vou botar o jantar para fora.

Ela não afrouxou, e agora, Sirius podia ouvir sua respiração ofegante:

- Você deve me odiar muito, Black!

- Helen, você... Você tá com medo?

- Não.. Imagina... – se Sirius pudesse olhar para trás, veria que a jovem tinha os olhos bem fechados e a face contraída.

- Caramba! Esqueci que você tem medo de altura... – Ele ficou com dó da garota. – Quer... quer ir na frente?

- Lógico! Vou pilotando também! – ela achou que ele estivesse zombando dela.

- Não... – e pousou a moto. Senta na minha frente. Assim não tem jeito de você cair para os lados...

- Estamos em terra firme? – ele abriu um olho.

- Uhum.

Então a baixinha espichou o pescoço para a frente, analisando o lugar que Sirius oferecera:

- Prefiro ficar aqui atrás mesmo. Aí não tem onde segurar... – ela mordeu os lábio apreensiva.

- Podemos usá-la no modo trouxa...

- Esqueça! Pela estrada levaremos uns dois dias para chegar lá. E além disso tem a alfândega... Duvido que deixassem você entrar... Será que você não tem um frasquinho de poção tranqüilizante, não?

Sirius deu risada:

- Não, e mesmo que tivesse, poções tranqüilizantes só devem ser utilizadas sob recomendação de um medibruxo. Eu sei de uma coisa melhor... Segure-se. Nós vamos subir de novo.

Ela passou os braços em torno do tórax do rapaz, visivelmente nervosa:

- Fique de olhos abertos!

- Cê tá brincando, né? – ela contraiu as pálpebras com mais força.

- Abra os olhos, mas não olhe para baixo. Olhe para as estrelas. Pense... Pense que você está na sala de Astronomia de Hogwarts...

Helen obedeceu relutante. Primeiro abriu um olho, que ficou colado na jaqueta de couro que o rapaz usava. Depois o outro, bem devagarinho. Então enxergou a primeira estrela e, ao redor dela, outras tantas que brilhavam pequeninas naquele céu escuro. Aos poucos ela foi vencendo o medo, ajudada por Sirius, que ia lhe explicando sobre cada constelação. Em uma hora de vôo ela já estava à vontade, como se o chão estivesse bem debaixo de seus pés. Os braços agora estavam apoiados sobre os ombros do rapaz, numa posição mais confortável que segura.

- Sirius, você estava errado! Dá para ver Sirius do céu da Inglaterra, sim! – ela brincou descontraída.

- Inglaterra? Nós já saímos da Inglaterra faz tempo, Helen!

Nas três horas e meia de duração da viagem, o casal de bruxos se esqueceu das mágoas e diferenças que os separavam. Tinham voltado à adolescência, ignorando responsabilidades e compromissos.

- Estamos sobrevoando a Rússia! – Sirius fez a besteira de comentar.

Contente, Helen olhou para baixo pela primeira vez em toda a viagem. E se desesperou. Como os braços estivessem sobre os ombros de Sirius, ela agarrou bruscamente seu pescoço, apavorada. Fechou os olhos o mais rápido que pôde: não imaginava que estavam tão alto assim.

- Helen, - Sirius disse com dificuldade. – É melhor... você... largar... meu pescoço... Ao menos... se você.. pretende chegar... viva... lá embaixo.

Ela começou a tatear as costas do rapaz com uma das mãos, enquanto a outra continuava a estrangulá-lo. Ainda de olhos fechados, Helen passou os braços em torno do tórax do motoqueiro e se apertou contra ele o máximo que pode, com medo de cair.

Dez minutos depois eles aterrissavam em Leningrado, nome que a cidade São Petersburgo adquirira após a revolução socialista. Uma vez que a moto já estava em terra firma, Helen se arriscou a abrir os olhos.

- Pode me deixar em qualquer lugar. Eu vou a pé.

- Tá maluca, é? – Sirius achou aquilo um despropósito. – Andar sozinha de madrugada numa cidade trouxa é tão perigoso quanto se aventurar pela floresta proibida de Hogwarts. Eu vou deixar você na porta da sua casa.

Era o que Helen não queria. Aquela noite fora ótima, mas, tão logo amanhecesse, ela voltaria a sua rotina. E Sirius definitivamente não fazia parte dessa rotina. Mas ela não pôde recusar a oferta do bruxo.

- Está bem. Vou te explicar o caminho.

Sirius acelerou a moto e foi seguindo as instruções de Helen. Não demoraram a parar na frente de uma casa velha, que pedia para ser pintada novamente. O pensionato em que Helen morava não era um local exatamente confortável, porém, como era pago pelo instituto de dança, não representava mais uma despesa para a bailarina. O pai dela deixara algum dinheiro bruxo de herança, além da casa em Godric's Hollow, mas Helen se recusava a usá-lo para outro fim que não fosse o tratamento de Cameron. Vivia com seu salário de bailarina, que, se não era muito, ao menos era suficiente para suprir suas necessidades básicas.

Ela desceu da moto, tirou a capa e caminhou até a porta:

- Então tchau! – ela se despediu de Sirius, tirando a chave de casa do bolso.

- Nós ficamos assim? – ele indagou ressentido.

- Assim como? – ela se fez de desentendida.

- Você me deve algumas explicações, não acha?

Helen baixou o rosto e se pôs a fitar a calçada. Guardou a chave de volta no bolso e começou a andar sem rumo:

- Não há o que explicar, Sirius...

- Não? – ele apeou da moto e a alcançou – então você acha normal sumir sem deixar rastro?

- Bom, agora você já sabe onde estou. – ela evitava olhar para ele.

- Eu não acredito que você tenha deixado de gostar de mim de uma hora para outra. Porque esse seria o único motivo que eu aceitaria para uma atitude daquelas.

- Eu não deixei de gostar de você... –ela parou de andar de repente. - Mas a vida não se constrói apenas com sentimentos. Há momentos em que precisamos ser racionais.

- E você acha que largar uma vida inteira para trás é uma atitude racional? Não me faça ter mais raiva de você. – ele a segurou pelos braços, tentando forçá-la a olhar para ele. - Você deixou sua família, seus amigos e fugiu! Você negou a si mesma, Helen!

Ela fechou os olhos com força, como se isso pudesse impedi-la de ouvir as palavras duras dele. Sirius Black! Sempre ele a tentar fazê-la enxergar a realidade!

- Eu... Eu não sei explicar, Sirius. Mas meu lugar não é entre os bruxos.

- Como não? – ele a soltou. Havia desespero em sua voz. – Você é uma bruxa, Helen. Não importa o quanto negue. Você pode passar a vida toda entre os trouxas que não vai deixar de ser uma bruxa.

Ela voltou a andar, sem conseguir reprimir as lágrimas que desabavam de seus olhos. Não queria mais falar daquilo. Tinha apagado seu passado. Por que Sirius teimava em resgatá-lo.

- Helen... – ele a chamou de onde estava, mas não sabia o que dizer.

A bailarina se virou e começou a correr na direção dele. Ela estacou na frente dele e pediu:

- Me beija! – o coração de Helen batia acelerado.

Sirius não respondeu ao pedido de imediato. Não esperava por aquilo.

- Me beija, Sirius! Agora! – e como o rapaz não esboçasse nenhuma reação, ela pôs as mãos na nuca do rapaz e puxou-o para si.

Foi o tempo dos lábios se encostarem e dois policiais se aproximaram do casal. Faziam a ronda noturna. O beijo foi a forma que Helen encontrou de evitar que a polícia lhes fizesse qualquer pergunta. Sirius provavelmente não falava uma palavra em russo e seu sotaque de inglês capitalista poderia metê-lo em encrenca.

Mas o rapaz nem percebeu que havia mais pessoas na rua; uma avalanche de sensações invadiu seu corpo enquanto os dois se beijavam. "dio, amor, dor, alegria, rancor, saudade... Só agora ele se dava conta do quanto tinha sentido a falta dela. A própria Helen, que iniciara o contato apenas para evitar uma confusão maior, não conseguia se separar da boca morna de Sirius. E quanto mais ela se dava conta de que ainda o amava, mais o desespero crescia dentro dela. Um gosto salgado invadiu a boca de Sirius, que se afastou devagar, preocupado:

- Você.. você está chorando? – ele limpou uma das lágrimas que escorria no rosto da jovem. – Mas por quê?

- Droga! – ela se separou dele, nervosa. – Isso não podia ter acontecido! Você não podia ter me beijado!

- Ei, não foi eu quem te beijou! – ele retrucou inconformado. – E eu estava certo. Você ainda não me esqueceu!

- Eu tinha te esquecido, sim! – ela caiu sentada na calçada, o pranto rolando solto. – Será que você não entende que nós não podemos ficar juntos? Que isso nunca daria certo?

A frustração estampava o rosto de Sirius. Por que ela tinha que fazer aquilo? Ela estava fazendo os dois sofrerem sem motivo.

- Helen, eu não deixei de gostar de você só porque você fez uma besteira! Eu te amo! Achei que tivesse deixado isso bem claro naquela noite.

Ela evitava olhar para ele, mordendo a boca que tremia a cada soluço. Ele continuou:

- Se você quer viver como trouxa, eu não me importo. Eu largaria tudo por você. Se você quiser morar na União Soviética... eu me mudo para cá... Não deve ser difícil arranjar um emprego trouxa... Além do mais, eu trabalho dentro de uma universidade trouxa, talvez conseguisse uma indicação...

- Sirius, eu já dei um rumo à minha vida. Eu não quero mais ser bruxa! E eu nunca, jamais, deixaria que você abandonasse a magia por minha causa. Você não saberia viver como um trouxa.

- Eu vivo em meio aos trouxas, Helen!

- Viver entre eles não te faz um deles!

- Eu concordo inteiramente com suas palavras. Elas também valem para você. – ele respondeu magoado e sério. - Quando você tiver filhos, eles também terão sangue mágico e você vai ter que lidar com isso. Foi seu pai quem me disse isso um dia...

Então ela se levantou e, tirando forças de onde não tinha, ela disse em voz clara e firme:

- Eu quero que você me esqueça, Sirius Black!

Ela não deu tempo para que ele dissesse alguma coisa. Correu para o pensionato onde morava e passou a chave rápido na porta, sumindo da vista do rapaz. Lílian tinha pedido para que ela não brincasse com os sentimentos de Sirius. A única forma dela conseguir cumprir essa promessa, era se afastando dele.

N/A: Todas as frase entres colchetes ( ) foram ditas em russo, mas como eu não sei russo, e imagino que os leitores dessa fic também não, eu as coloquei traduzidas. Mas lembrem-se que Sirius também não entende russo antes de acharem que eu estou escrevendo besteiras... A tradução das palavras que eu mantive em russo vão no final do capítulo.

Sirius ficou sentado sobre a moto durante algum tempo, sem decidir o que fazer. O sol começava a raiar em Leningrado, mas ele ainda não estava com fome. O fuso horário fazia com que o sol nascesse duas horas mais cedo naquele ponto da Rússia. No entanto, a viagem de volta para a Inglaterra demoraria mais que isso e, para quem passara a noite em claro, um café forte cairia bem. Ele olhou ao redor à procura de uma cafeteria como as que existiam em Londres e Oxford. Ele notou algum movimento a dois ou três quarteirões de onde estava; ligou a moto e avançou pela rua quase deserta.

Uma das vantagens de ter comprado uma moto trouxa e tê-la enfeitiçado depois era poder utilizá-la do modo normal, ou seja, rodas sobre o asfalto. Ele estacionou o veículo diante da entrada, perto de algumas bicicletas (agora ele já sabia o que eram bicicletas). Era mesmo uma cafeteria e já estava bem cheia para aquela hora da manhã. Não deviam ser mais de seis horas.

Dentro do lugar, várias mesas já estavam ocupadas, mas a maioria das pessoas debruçava-se sobre o balcão, gritando coisas que Sirius não conseguia entender. Ele procurou uma brecha e se apertou ali, esperando que alguém viesse atendê-lo.

- Posso ajudar? - uma senhora aparentando uns trintas anos e de cara emburrada dirigiu-se a ele.

Sirius franziu a testa. O que é que aquela mulher tinha cuspido? Porque ele tinha certeza que falado é que ela não tinha. Assim mesmo ele fez o que pedido:

- Uma xícara de café bem forte, por favor!

Foi a vez da mulher franzir a testa e apertar as sobrancelhas. Ela olhou para ele brava e saiu xingando qualquer coisa:

- Asilado político? – ele ouviu uma voz feminina com um forte sotaque espanhol murmurar em seu ouvido direito.

- Hã... Quê? – ele estava complemente aparvalhado.

A dona da voz era uma moça de uns 22 ou 23 anos, absolutamente linda. Os cabelos escuros estavam presos num coque no alto da cabeça, deixando os grandes olhos verdes bem visíveis. Ela tinha a pele morena e o sorriso branco, que estava escancarado diante da atrapalhação de Sirius:

- Meu nome é Nina Sanchéz. O seu?

- Sirius Black. Eles não entendem inglês? – ele perguntou apontando para os balconistas.

Ela balançou a cabeça negativamente.

- O que você queria? – ela se ofereceu para ajudar.

- Café.

- Bóris, será que você pode me servir duas xícaras de café? - ela gritou para um dos atendentes, que parou o que estava fazendo na mesma hora e veio cheio de sorrisos atender a garota. – Spacibo! Que tal nos sentarmos? Aqui está muito cheio hoje... Coloque na minha conta, Bóris!

O rapazinho que atendia o balcão ficou decepcionado ao ver a morena sair dali e ir sentar-se numa das mesas da cafeteria:

- Já vi que você não é asilado político... Ou então já o teriam instruído ao menos das frases básicas para se virar em Leningrado. Veio fazer algum curso de verão?

- Curso... hmmm. Não. Vim... visitar uma amiga.

- Ah, certo. Você deve ser britânico, né? O sotaque se parece com o de uma das garotas da pensão onde moro.

- Sou de Newcastle, mas moro em Oxford.

- Bem, pelo visto sua amiga não te informou de algumas regrinhas básicas. A primeira: evite falar em inglês pela rua! Podem pensar que você é espião dos capitalistas... Aqui dentro não tem problema, porque a Universidade sempre recebe muitos estrangeiros no verão, para os cursos de férias. Vão pensar que você é um deles. A segunda é nunca falar bem de americanos ou britânicos. De preferência, diga que você se envergonha da cultura opressora na qual foi criado. Vão pensar que você é asilado político ou militante da Internacional Comunista. E terceiro: chame seus amigos de camaradas... Acho que isso é o essencial. Depois sua amiga deve te ensinar o resto...

Sirius ficou imaginando que devia haver algum Lorde Voldemort por aquelas bandas. A garota parecia Arabella Figg dando instruções aos membros estrangeiros da Ordem, sem aquela história de não poder falar inglês, é lógico.

- Ora,ora.. Não vai apresentar o bonitão, Nina? - uma garota ruiva e extremamente branca, com o cabelo preso da mesma forma que a espanholinha, sentou-se na mesa com um copo de café-com-leite na mão. Ela não era bonita, mas tinha uma ar elegante que lembrou Sirius de Narcisa Boggs, agora esposa de Lúcio Malfoy.

- Claro, claro! - Nina respondeu parecendo bastante contrariada.

Sirius não entendia absolutamente nada do que as duas garotas conversavam. Nunca estivera na Rússia nem se interessava pelo idioma. Nos últimos cinco anos, chegara a desenvolver uma certa aversão ao país.

- Valeska, este é Sirius Black. Sirius, esta é Valeska Siemnovna.

- Você é da Internacional? – a russinha começou a falar um inglês com sotaque forte e irritante.

- Não, ele não é. – Nina não deixou Sirius responder. Queria que a amiga fosse embora logo. Estava atrapalhando sua paquera.

- Ah, os garotos! - Valeska se levantou rápido e se dirigiu até a porta, por onde dois rapazes tão brancos quanto ela acabavam de entrar acompanhados por uma menina loira e baixinha. Logo ela estava de volta, trazendo os três junto com ela. - Nina arranjou um novo amigo! O cara é estrangeiro! - ela contou eufórica.

Os dois rapazes que a acompanharam olharam ressabiados para Sirius, que começava a achar que tomar um café não fora uma boa idéia. Mas a menina baixinha se sentou ao lado dele e iniciou a tagarelar, num inglês bastante bom apesar do sotaque. Os dois rapazes sentaram-se também e um deles perguntou qualquer coisa que Sirius não entendeu para a garota espanhola, que parecia chateada por ter perdido o paquera.

- Eu morro de vontade de conhecer a Inglaterra. Uma das meninas do balé era de lá, mas não quer voltar de jeito nenhum! Uma boba! Mas se tudo der certo, ano que vem nós vamos nos apresentar por toda a Europa, então...

- Peraí, você disse balé?

- Todas nós somos bailarinas, Sirius! – a espanhola sorriu ao responder. – Do Bolshoi. Você já deve ter ouvido falar...

- Eles também? – Sirius olhou para os dois rapazes um tanto perplexo (que preconceito!! Porque é que homem não pode ser bailarino sem todo mundo pensar que são gays?).

- Nyet! – o rapaz que estava a pouco conversando com Nina respondeu seco.

- Dmítri e Alexei são alunos da Universidade! Estudam Física, mas vão se especializar em astronomia, não é mesmo, brat? – a loirinha respondeu.

- Dúnia, Zatknis! – o irmão mandou-a calar a boca.

- Não liga, não, Sirius. Ele tá assim mal-humorado porque a garota que ele gosta parece que reatou com um ex-namorado ontem.

- Zatknis! – o rapaz ralhou novamente com a irmã e saiu da mesa carrancudo.

- Você não perde essa mania, hein, garota? - o outro rapaz deu risada da menina.

Dúnia era claramente mais jovem que os rapazes e garotas sentados ali. Devia ter no máximo 18 anos, enquanto o resto aparentava já ter chegado a casa dos vinte.

- Eu também estudo Astronomia, quer dizer, estudava. – Sirius procurou mudar de assunto mesmo sem saber se o outro rapaz entendia inglês. Estava com medo de que aquelas garotas conhecessem Helen e começassem a fazer perguntas sobre ela.

- Sério? Onde? – Alexei também arranhava o idioma.

- Oxford.

- Acho astronomia interessantíssimo! – Nina tentou recuperar a conversa que estava tendo antes dos amigos chegarem.

- Eu posso lhe mostrar as estrelas qualquer dia, Nina! - o rapaz russo deu um sorriso malicioso e Sirius não precisou entender o que ele dizia para perceber que ele estava dando em cima da espanhola. Ela, no entanto, não apreciou muito o gracejo:

- Zatknis! – e se levantou da mesa, irritada.

- Garotas! – Alexei acompanhou-a com o olhar. – Veio fazer um dos cursos de verão? – ele interpelou Black.

- Uhm... sim. - ele achou melhor não dar brechas para que alguém perguntasse de Helen. Já tinha terminado o café. Ia embora. Ele ia...

- Olha, Dmítri achou a Elena! - a loirinha olhou para os dois fazendo cara de boba romântica. – Meu irmão é apaixonada por ela, Sirius! – e Dúnia apontou para onde o rapaz de cabelos e olhos pretos conversava com ninguém menos que Helen Silver.

- Ãhn, eu preciso falar com a Nina. Já volto! – Sirius arranjou uma desculpa para sair da mesa antes que a ex-namorada olhasse para lá.

Sirius não podia sair do estabelecimento sem encontrá-la, uma vez que Helen estava bem em frente à entrada da cafeteria. Resolveu então procurar a bailarina espanhola mesmo. Não foi difícil encontrar Nina no meio da multidão: era única morena no meio de dezenas de jovens brancos como neve.

- Não agüentou a Dúnia? – ela sorriu derretida.

- Na verdade, eu... ãh.. bem... – ele não sabia o que dizer. - É. Ela é meio grudentinha, né?

- E como... – a espanhola olhou para a mesa que ocupava antes. – Às vezes acho que Dmítri, o irmão dela, não engrena com uma amiga minha de tanto que ela gruda na garota.

- Coitado! – Sirius não se preocupava em desenvolver o papo. Só não queria ser visto por Helen.

- Não disse, lá vai ela aporrinhar a Helen de novo... – Nina vivia desaprovando a atitude infantil da bailarina mais nova do corpo principal do Bolshói. – Mas voltando a nossa conversa... – ela abriu um sorriso para Sirius e começou a conversar sobre banalidades.

Do outro lado da cafeteria, Dúnia chegava eufórica para conversar com Helen (ou Elena, como seus amigos russos a chamavam). Seu inglês era quase perfeito devido às horas que gastava conversando com a bailarina inglesa. Helen gostava dela, apesar de achar que vez ou outra ela a sufocava com as milhares de perguntas que não cansava de fazer. O irmão de Dúnia, Dmítri, era seu melhor amigo, apesar de ser péssimo em inglês. Helen o conhecera cerca de um ano depois de chegar à União Soviética, naquela mesma cafeteria. As amigas diziam que ele era apaixonado por ela, mas Helen nunca acreditou.

- Nossa! A noite deve ter sido longa, hein? – Dúnia reparou nas olheiras e no rosto inchado de Helen. - Então, aquele seu amigo da Inglaterra volta hoje? – a loirinha perguntava sobre Karkaroff.

- Se Deus realmente existir, aquele canalha nunca mais põe os pés aqui. – Helen respondeu com raiva.

- Desculpa... – e então ela deu um sorriso maroto para o irmão. A resposta de Helen queria dizer que ela não reatara com o suposto namorado.

Dmítri se irritou com os olhares da irmã, porém, por dentro, ele sorria. Ele gostava da bailarina inglesa, mas também sabia que ela ainda era apaixonada por um ex-namorado. Tinha ficado arrasado quando lhe contaram que Helen havia faltado nas aulas, e tudo indicava que era por causa do tal amigo que a visitara no dia anterior. Há poucos minutos, quando Nina lhe contara que vira Helen se arrumando toda para encontrar o fulano, ele tivera certeza de que se tratava do ex-namorado. Mas, pelo que Helen acabara de dizer, pensara errado; ou então, ela tivera uma briga definitiva com ele.

- Onde está, Nina? - Helen perguntou à Dúnia. - Não a vi esta manhã. Eu preciso saber que desculpa ela deu para o meu sumiço ontem. Não posso chegar com uma história completamente diferente...

- Nina está ali! - Dmítri apontou para a espanhola, que conversava com um moço alto e moreno, que Helen reconheceu imediatamente, apesar de Sirius estar de costas.

A indignação fez com que ela achasse caminho entre as pessoas e mesas distribuídas pelo lugar, largando Dmítri e a irmã para trás sem dar explicações. Ela deu um cutucão no ombro de Sirius, que não precisou se virar para descobrir que era Helen quem estava ali para tomar satisfações:

- Muito bem! Obrigado por respeitar a minha vontade! – ela estava furiosa.

- Eu não sabia que ia te encontrar aqui!

- Lógico que não... E digo que encontrei o Karkaroff numa cafeteria perto de onde eu morava e você aparece por aqui sem querer, não é? Por que você não voltou para droga da Inglaterra como devia ter feito?

- Escuta aqui! – ele enfiou o deu na cara da menina. – Eu não estava te procurando! E fique tranqüila: eu NUNCA MAIS vou te procurar! Vim tomar um café, pois você não é a única que trabalha por aqui. E eu não ia conseguir fazer outra viagem numa boa depois de passar uma noite em claro!

- Helen, ele só veio tomar um café... – Nina tentou intervir.

- NÃO SE META! – Helen gritou com a amiga.

- Não grite com ela! Ela não tem nada a ver com as suas decisões estúpidas! – Sirius defendeu a outra bailarina.

- EU TE ODEIO, SIRIUS BLACK!

Naquele momento Helen realmente o odiava. Menos porque ele tinha desrespeitado sua vontade, como ela tinha alegado, e mais pelo ciúme doentio que a atacou ao vê-lo conversando com a bailarina mais bonita do Bolshói.

- É uma pena. – ele disse num tom de voz normal, quase baixo. – Porque eu te amava.

O bruxo saiu em seguida, deixando Helen sem palavras, segurando as lágrimas para que não saíssem. Ela tinha vontade de sair correndo atrás dele, pedir perdão. Mas, enfim, aquilo tinha acabado. O destino lhe dera mais uma chance e ela novamente a desperdiçara.

- Ei, espere!

Sirius já tinha montado em sua moto quando uma voz grossa e de sotaque forte o chamou: era o rapaz que estudava física, o irmão de Dúnia, que tinha saído de dentro da cafeteria.

- Que foi? Eu estou com pressa! – Sirius foi ríspido.

- Você não pode deixá-la... Ela não quis dizer aquilo.

- Ela quis, sim. Ela me odeia.

- Droga, como é que era aquela palavra mesmo? Amor e ódio são duas faces do mesmo dinheiro!

Sirius franziu a testa, sem entender. A ficha caiu um pouco depois:

- Moeda! Amor e ódio são duas faces da mesma moeda!

- É, isso. O espírito é o mesmo!

- Pois muito bem, eu vou aproveitar sua metáfora. Helen resolveu tirar um cara e coroa com essa moeda! E o amor caiu virado para baixo. – ele acabou de falar e deu a partida na moto. Ele hesitou um instante antes de sair: - Sua irmã falou que você gosta da Helen. Quer um conselho? Insista! Ela que alguém assim, como você... – e saiu, com o motor roncando alto.

O russo esfregou os olhos. Ele não podia acreditar no que estava vendo: o ex-namorado de Helen acabara de sair dali... VOANDO!

Spacibo = Obrigado

Nyet = Não

Brat = Irmão

Zatknis = Cale a boca!

O fuso horário permitiu que Sirius Black chegasse menos atrasado do que esperava à Universidade de Oxford. Deu uma passada rápida em sua casa para deixar a moto e trocar de roupa, e, em seguida, aparatou no local de trabalho. A universidade era dos trouxas, no entanto, havia dezenas de departamentos ocultos chefiados por bruxos. Isso era resultado de um convênio entre os dois mundos em prol do desenvolvimento da ciência (para os trouxas) e dos estudos mágicos (para os bruxos).

A maioria dos alunos sequer desconfiava da existência desses departamentos, mas havia alguns que se aproveitavam desse acordo entre os dois mundos. Teresa Bright, estudante trouxa de Astronomia, era uma dessas pessoas. A garota surpreendera um certo astrônomo que trabalhava num dos observatórios reservados aos trouxas levitando alguns mapas e cartas celestes. Prometera segredo a Sirius Black, mas, em troca, queria aprender fundamentos da Astronomia bruxa. Ela já estava ficando preocupada com a demora do professor, quando Sirius surgiu do nada bem no meio do laboratório.

- Bom dia, Terry. – ele disse enquanto descarregava uma dezena de pastas numa mesa grande no canto esquerdo da sala.

- Um dia você ainda me mata de susto, Sr. Black. – ela sempre o chamava de senhor por respeito, o que soava estranho; afinal, a diferença de idade entre eles era muito pouca.

Ele sorriu para ela. Teresa sempre se derretia com os sorrisos de Sirius, mas ela percebeu que naquela manhã ele não parecia calmo como de costume.

- Aconteceu alguma coisa? – os olhos azuis indagaram tímidos.

Ele deu um suspiro sentido e enfim respondeu:

- Nada que o tempo não possa resolver. E então, alguma mudança significativa em Saturno? – ele achou melhor falar de trabalho para tentar esquecer aquela noite.

- Na verdade... – a garota de 18 anos foi interrompida por um barulho de objetos caindo fora da sala.

- O que está acontecendo? – Black estranhou e foi ver o que era.

Debaixo de uma estante caída, muitos papéis e algumas lunetas quebradas, Pedrinho Pettigrew fazia uma careta de dor. Sirius soltou boas gargalhadas diante daquela cena, enquanto uma aluna parecia horrorizada.

- Sr. Black! – ela ralhou com ele. – O moço deve ter se machucado! – e ela se dirigiu ao rapaz baixinho e um tanto fora de forma para a idade que aparentava. – Você está bem? – ela perguntou enquanto tentava levantar a estante de madeira.

O jovem astrônomo balançou a cabeça divertido. Só mesmo uma das trapalhadas de Pedrinho poderia lhe arrancar uma boa risada num dia como aquele. Com um gesto da varinha, ele levantou a estante e acomodou todos os mapas e anotações de volta nas prateleiras. Nas lunetas, aplicou um feitiço de reparo e guardou-as dentro da caixa habitual.

- Professor, você ficou louco? Se alguém vê... – Teresa olhava para todos os lados certificando-se de que não havia ninguém perambulando por aqueles corredores.

- Terry, você se importa em voltar mais tarde para a aula? Eu não vejo meu amigo Pedro há quase um ano. – Ele pediu delicadamente.

- Tudo bem. – ela disse um pouco contrariada. – Mas o senhor precisa dar uma olhadinha em Saturno...

- Faremos isso mais tarde. Em duas horas, pode ser?

- Em duas horas não dá... Aula do professor Darkholme.

- O neurótico da Física?- a menina balançou a cabeça confirmando. – Bah, as aulas dele são totalmente dispensáveis...

- Acontece que o senhor já me fez matar três aulas dele nesse bimestre. Se eu continuar assim, vou acabar reprovando por faltas.

Sirius ergueu as sobrancelhas e deu de ombros:

- Tudo bem. Volte à tarde, então.

A loira deixou os dois bruxos a sós:

- Vamos para a minha sala, Pedrinho. – e reparando melhor no amigo. – Onde você arrumou essas roupas?

Era verão, e Pedrinho parecia um típico turista norte-americano numa viagem a um país tropical. A bermuda verde limão contrastava com a camisa florida de cores rosa-choque e amarelo-fosforecente. Apesar de ter apenas 21 anos (ele ainda não tinha feito aniversário naquele ano), Pedrinho já tinha grandes entradas no cabelo louro e ralo, sempre cortado bem curto.

- O que tem minhas roupas? São trouxa, não são?

- É, são... E aí, como vai a vida? Você andou sumido!

- Eu estava procurando emprego... O que é aquilo? – Pedrinho apontou para a lâmpada pendurada no teto.

- Um artefato trouxa para iluminar ambientes. Mas... Você perdeu o emprego na Floreios & Borrões?

- Ahn, foi. - Rabicho disse desanimado.

Desde que saíra da escola, Pedrinho já havia trabalhado em pelo menos dez lugares diferentes. Os amigos não entendiam por que isso acontecia; afinal, comércio não era uma tarefa que dependesse de habilidades mágicas.

- Arranjou alguma coisa?

- Arranjei, mas espero que seja temporário... Estou trabalhando na Fogueiras & Cinzas.

- Na Fogueiras & Cinzas? – Sirius se admirou. O Rabicho que ele conhecia pagaria para não entrar naquela loja.

- É. – ele tinha medo nos olhos. – Mas quero sair de lá o mais rápido possível. Pensei em falar com Tiago.. Encontrei ele outro dia no Beco Diagonal e ele me falou para passar na casa dele para conversar a respeito, mas parece que eles foram viajar...

- Er... Eles não foram viajar, Pedrinho. Tiago, Lílian e Harry estão escondidos.

- Escondidos?

- É. Voldemort está atrás deles.

- Q-q-quê? Vo-você-sabe-quem quer pegar o Tiago? Mas por quê?

- Isso eu não sei, Rabicho. – Sirius mentiu. – Karkaroff foi preso ontem à noite e disse que existe um traidor entre nós. E essa pessoa revelou alguma coisa importante sobre o Tiago.

- Por Merlim! Quem faria uma coisa dessas?

Sirius deu de ombros. Não conseguia imaginar nenhuma outra pessoa além de Severo Snape, mas, pelo que Tiago lhe dissera, Dumbledore tinha plena confiança no antigo monitor-chefe.

- Er... Sirius... Eu estive pensando... Você ainda presta serviços para a Ordem da Fênix?

- Aham. No campo das previsões astrológicas. A Stuart passa aqui uma vez por semana para me entregar os mapas... Por que você tá me perguntando isso?

- É que... bem... eu achei que poderia colaborar com a Ordem. Você sabe, lá na Travessa do Tranco passa todo tipo de gente... Eu ouço conversas... Já que tenho que trabalhar lá mesmo...

- Seria ótimo! Mas, você sabe que é perigoso, né? – Sirius estava surpreso com a coragem de Rabicho. Será que depois de tantos anos longe da escola ele viria a provar porque fora escolhido para ficar na Grifinória?

- Eu não tenho nada a perder, Sirius!

- Eu posso falar com Dumbledore. Ele vai gostar da idéia...

- Ah, sabe quem apareceu na loja outro dia? O Remo!

- O Remo? O que ele estava fazendo na Fogueiras & Cinzas.

- Ele ficou de cochicho com o Dorway.. Nem me cumprimentou direito... Parecia tão transtornado... – Rabicho comentou como quem não quer nada.

- Ah, ele tá arrasado desde que aquela preconceituosa da Margot terminou com ele. – Sirius tinha rancor na voz. – E o pior é que o coitado acha que a culpa é dele!

- É, fiquei sabendo. Ela descobriu que ele era lobisomem, né?

- É. Se ela gostasse dele de verdade, não teria feito isso.

- Mas e se ela teve uma outra razão, Sirius?

- Que outra razão, Pedrinho? O Lupin é o cara mais correto que eu conheço!

- Er... bem.. eu não sei como te contar isso. Foi um choque quando descobri... Sabe, o Sr. Dorway disse eu o Remo é cliente assíduo da loja.

- Normal. Lá eles vendem poção Mata-cão, essas coisas...

- Foi o que pensei até ver a nota fiscal dos produtos que ele comprou. Instrumentos de tortura, Sirius! Não gosto nem de pensar no que ele poderia fazer com aquilo!

- Você tem certeza, Pedrinho? Remo não teria coragem de torturar uma barata!

- Tenho! E você sabe que ele se especializou em Artes das Trevas...

- Mas foi com a intenção de saber mais sobre ele mesmo...

- Eu sei, é difícil de aceitar, Sirius. Mas quem sabe, essa decepção que ele teve com a Margot... Você-sabe quem se aproveita quando as pessoas estão mal para convencê-las a passar para o lado dele. Ele pode ter prometido a Remo livrá-lo da maldição caso se aliasse a ele... Ouvi dizer que ele tem poder para fazer isso!

As peças do quebra-cabeça iam se encaixando na cabeça de Sirius. Rabicho estava certo: o traidor só podia ser Remo. Ele sabia sobre o feitiço das Casas! Voldemort tinha se aproveitado da fragilidade do rapaz. E Tiago tinha mandado uma coruja para Remo, contando sobre o feitiço Fidelius...

- Rabicho, você está mesmo disposto a ajudar a Ordem?

Ele balançou a cabeça avidamente confirmando a intenção.

- Pois eu vou lhe confiar a tarefa mais importante que um amigo confiaria a outro...

Se Sirius tivesse aparecido na universidade no horário combinado com Teresa, talvez pudesse prever os acontecimentos terríveis daquele dia. Naquela tarde, Sirius levou Pedrinho a Godric's Hollow e convenceu Tiago e Lílian de que aquela era melhor alternativa. Se Remo fosse mesmo o traidor, seria fácil deduzir que Sirius era o fiel do segredo dos Potter, uma vez que Tiago havia lhe mandado uma coruja contando o plano.

Como todo mundo já sabe, Rabicho era o traidor e naquela mesma noite o império de Voldemort caiu por terra, à custa das vidas dos pais do pequeno Harry. A mesma noite em que Sirius Black foi preso pelo crime que nunca cometeu e que resultaria em 13 anos na temida prisão de Azkaban. Não vou narrar aqui os fatos criados por J.K. Rowling, deixo esse trabalho para ela, em seus próximos livros.

Helen Silver ficou sabendo sobre os acontecimentos quase dois meses depois, quando o governo soviético finalmente se convenceu de que a carta remetida por Frank Longbottom – que viria a ser torturado e mandado para o Hospital St. Mungus num estado irrecuperável antes da carta chegar às mãos da jovem - não continha nenhum código secreto. Naquele mesmo dia, ela finalmente aceitou o pedido de namoro de Dmítri Rasputin, com quem viria a se casar e ter dois filhos. Ela nunca chegou a saber que o Ministério havia lhe dado uma nova oportunidade de terminar seus estudo, e seguiu sua vida trouxa até que sua filha Lyra completasse 11 anos. Mas essa já é uma outra história...

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