Alguém para Amar
Nota: CCS é do grupo CLAMP, como eu estou cansada de falar!
Syaoran: . . .
Eu: O que foi, Li?
Syaoran: Não é nada...
Eu: Kyaaaa~~~~ XD
Olá pessoas!! Desculpem a enorme demora para publicar este capítulo, mas o tempo está realmente curto... e aproveitando o comecinho para agradecer a Rô pela dica do flashback! É muito útil sim e eu nem tinha pensado nisso... Valeu mesmo Rô ^_^v
-------------------------------------------------------------------------------
04 - O Primeiro Baile
#Continuação do Flashback#
Nos seis meses seguintes, Touya se dedicou a superar todos os obstáculos que poderiam evitar que Sakura fizesse uma aparição espetacular. Uma certa sra. Rika foi contratada para treiná-la naquelas habilidades sociais que não haviam sido ensinadas nem por sua mãe nem por sua governanta, que incluíam bocejar graciosamente quando desejasse se retirar polidamente de uma conversa com um rapaz intediante, entre outras coisas. Com a sra. Rika, Sakura aprendeu que jamais deveria demonstrar que era inteligente, culta ou que nutria o mais vago interesse pelas plantas.
Uma famosa costureira chinesa foi escolhida para desenhar e confeccionar todos os vestidos e kimonos que a sra. Rika julgava necessários para a temporada.
A srta. Sae Aikawa-Kyrou, dama de companhia contratada por várias debutantes bem-sucedidas de temporadas anteriores, foi para Tomoeda a fim de ocupar a posição de acompanhante de Sakura. Com cinqüenta anos e grossos cabelos que puxava para trás num coque, e dona de uma postura rígida e ereta, a srta. Sae mantinha o rosto numa constante expressão de contrariedade, como estivesse sentindo um cheiro desagradável mas fosse educada demais para comentar. A velha tinha a capacidade de ficar sentada serenamente por horas, sem mover um músculo.
Quando os Kinomoto, juntamente com Sae e todos os criados necessários, chegaram na cidade, Sakura já havia aprendido tudo o que a sra. Rika podia lhe ensinar, e sentia-se capaz de enfrentar os desafios que lhe haviam sido descritos. Na verdade, além de memorizar regras de etiqueta, estava um pouco perplexa com o enorme espalhafato que se fazia em torno daquilo. Afinal, aprendera a dançar em seis meses. E, pelo que pudera concluir até ali, suas únicas obrigações como debutante seriam conversar educadamente sobre assuntos triviais, disfarçar sua inteligência a qualquer custo e dançar.
Um dia depois que Sakura e Touya se instalaram na casa que haviam alugado, a madrinha que a apresentaria aos nobres da cidade, Lady Mino, foi visitá-los levando as duas filhas: Soi e Shinobu. Soi era um ano mais velha que Sakura e debutara na temporada anterior. Shinobu era cinco anos mais velha - e a jovem viúva do velho Lord Nagahama, que bateu as botas um mês após as núpcias, deixando a recém-casada rica, aliviada e completamente independente.
Nas duas semanas antes do início da temporada, Sakura passou um tempo considerável com as ricas debutantes que se reuniam na sala dos Mino para mexericar alegremente sobre todos e qualquer um. Todas elas haviam ido a capital com a mesma nobre obrigação e o mesmo objetivo familiar: casar de acordo com os desejos da família com o mais rico pretendente que pudessem arranjar, e, ao mesmo tempo, aumentar a riqueza e posição social de sua família.
Foi naquela sala que a educação de Sakura prosseguiu e completou-se. Um pouco chocada, descobriu que a sra. Rika estava certa a respeito de nomes que caíam no esquecimento. Também soube que, aparentemente, entre a sociedade não era considerada falta de educação a discussão aberta da situação financeira de uma pessoa - principalmente a situação e o futuro de um cavalheiro solteiro. Logo no primeiro dia, foi com dificuldade que conseguiu esconder a ignorância, suprimindo um gritinho horrorizado diante da conversa em pauta no momento:
- Lord Shoji é um excelente partido. Ora, ele tem uma ótima renda e a probabilidade de ser nomeado herdeiro do baronato do tio, se este falecer devido à doença do coração, o que todos esperam que aconteça - anunciara uma das garotas.
Todas as outras tinham também uma opinião:
- Massato é dono de uma esplendida propriedade, e mamãe anda roendo as unhas, na expectativa de que ele se declare. Imagine só... as esmeraldas dos Massato!
- Akiko está desfilando com um belo par de sapatos do exterior, mas papai diz que ele está com dívidas até o pescoço e que, de maneira alguma, devo considerá-lo como pretendente. Sakura, espere até conhecer Satoshi Toyomura! não permita, em nenhuma circunstância, que ele a engane com seu charme; é um patife completo e, apesar de vestir-se na última moda, não tem onde cair morto! - Este último aviso veio de Soi, a quem Sakura elegera sua melhor amiga, entre as garotas.
Ela aceitava de bom grado a amizade coletiva e também seus conselhos. Entretanto, sentia um desconforto crescente em relação a algumas de suas atitudes para com as pessoas que julgavam inferiores - o que não era de se admirar vindo de uma jovem que considerava o mordomo e o cocheiro como seus iguais. E estava feliz por estar na capital, com todas aquelas luzes e aquele movimento. A cidade estava viva.
#########
Na noite do seu primeiro baile, no entanto, quase toda a alegria e a autoconfiança de Sakura desapareceram de repente. ao subir a escadaria da casa dos Mino, tendo Touya ao seu lado, sentiu-se subitamente invadida por um terror inigualável. A cabeça girava com todos os "pode" e "não pode" que ela mal se dera ao trabalho de memorizar, e tinha uma certeza mórbida de que acabaria recebendo o maior e mais famoso "chá de cadeira" da temporada.
Porém, quando entrou no salão de baile, o cenário que a recebeu a fez esquecer de todos os temores, e sus olhos brilhavam de admiração. Candelabros reluziam com centenas de velas; homens atraentes e mulheres lindamente vestidas deslizavam de um lado para o outro, envoltos em sedas e cetins.
Sem reparar nos rapazes que se viravam para admirá-la, ergueu os brilhantes olhos verdes para o irmão sorridente.
- Touya - sussurrou, radiante -, alguma vez você já imaginou que existiam pessoas tão bonitas e salões tão grandiosos?
Trajando um fino vestido branco, bordado com fios dourados, com rosas brancas enfeitando os cabelos e os olhos verdes reluzindo, Sakura Kinomoto parecia uma princesa em conto de fadas.
Estava encantada, e este encantamento lhe emprestava uma luminosidade quase etérea, quando finalmente se recobrou o suficiente para notar a presença de Soi e suas amigas.
No final daquela noite, Sakura sentia-se como num sonho. Os rapazes haviam se aglomerado em torno dela, implorando para ser apresentados, por uma dança e pela chance de lhe servir uma bebida. Ela sorriu e dançou, mas nem por um momento lançou mão dos artifícios que as outras garotas usavam para flertar. Pelo contrário, ouvia os rapazes com genuíno interesse e um sorriso caloroso, deixava-os à vontade e puxava conversa quando a levavam para dançar. Sakura, com sua beleza angelical, tomara a cidade de surpresa. Era o assunto do momento.
Os visitantes começaram a chegar na casa , na manhã seguinte, numa seqüência interminável. E foi ali, e não nos salões de baile, que Sakura fez suas maiores conquistas, pois ela não era apenas linda de se ver, mas ainda mais agradável ao conversar. Depois de três semanas, catorze cavalheiros lhe propuseram casamento, e o local fervilhava com tal ocorrência sem precedentes. Nem mesmo srta. Nanami, a beldade que reinara por duas temporadas consecutivas, havia recebido tantas propostas.
Doze dos pretendentes de Sakura era jovens, arrogantes e aceitáveis; dois eram bem mais velhos e igualmente arrogantes. Touya, com grande orgulho e uma proporcional falta de tato, dispensou os pretendentes, rejeitando-os rudemente como impróprios e inadequados. Ele esperava, mantendo-se fiel à promessa que fizera a Sakura, pelo marido ideal com quem ela pudesse ser feliz.
O décimo quinto candidato preencheu todos os requisitos de Touya. Extremamente rico, atraente e apresentável, o visconde Suzuhara, de vinte e cinco anos, era sem dúvida o melhor partido da temporada. Touya sabia disso e, conforme disse a sakura naquela noite, ficara tão animado que quase se esquecera de tudo e pulara na escrivaninha a fim de congratular o jovem pelo seu casamento iminente.
Sakura ficara satisfeita e emocionada ao saber que aquele cavalheiro, a quem ela havia particularmente admirado, oferecera-se como pretendente e fora escolhido.
- Ah, touya, ele é bom demais... Eu não estava bastante segura de que havia gostado de mim o suficiente para pedir-me em casamento.
O irmão deu um beijo carinhoso em sua testa.
- Princesa - brincou -, qualquer homem que olhe para você perde completamente a cabeça. É apenas uma questão de tempo.
Ela lhe enviou um sorriso breve, encolhendo os ombros. Já estava começando a sentir um profundo cansaço com a maneira com que as pessoas falavam de seu rosto, como se não houvesse um cérebro por trás dele.
- Suzuhara pretende lhe fazer uma visita esta tarde - Touya continuou -, mas vou esperar uma ou duas semanas, antes de dar a resposta. A espera servirá para fortalecer sua decisão e, além disso, você merece mais alguns dias de liberdade antes de se tornar uma jovem noiva.
Uma jovem noiva, ela pensou, sentindo um estranho desconforto e uma nítida inquietação, embora soubesse que era pura tolice de sua parte.
- Confesso que senti um pouco de medo quando disse a ele seu pequeno dote, mas ele não pareceu se importar. Muito pelo contrário, garantiu que o que importava era você e que pretendia cobri-la de rubis do tamanho da palma de sua mão...
#####
O visconde Suzuhara chegou às três horas e sakura recebeu-o no salão amarelo. Ele entrou, olhou em volta da sala, depois tomou-lhe as mãos entre as suas e sorriu ternamente, fitando-a nos olhos.
- A resposta é sim, não é? - falou, mas era mais uma afirmação do que uma pergunta.
- Já conversou com meu irmão? - Sakura tornou, surpresa.
- Não, ainda não.
- Então como sabe se a resposta é sim? - indagou ela, sorrindo.
- Porque a sempre presente e "olhos de águia" srta. Aikawa-Kyrou não está ao seu lado, pela primeira vês em um mês! - pressionou um leve beijo em sua testa, que a pegou desprevenida e a fez ruborizar. - Será que tem idéia do quanto é linda?
Sakura tinha uma vaga idéia, desde que todos viviam lhe dizendo isso, e suprimiu o impulso de perguntar: Você tem idéia do quanto sou inteligente? Não que fosse, nem de longe, do tipo intelectual, mas realmente gostava de ler, de pensar e até debater assuntos que lhe interessavam, mas não tinha muita certeza de que Suzuhara apreciaria tais atributos na futura esposa. Ele próprio jamais expressara uma opinião a respeito de nada, exceto as trivialidades mais banais, e nunca lhe pedira uma opinião.
- Você é encantadora - ele murmurou, e Sakura perguntou-se, muito seriamente, o por que de ele pensar assim.
Ele não sabia o quanto ela adorava pescar, ou rir, ou que usava uma espada tão bem que era quase uma perita. Não sabia que as flores pareciam desabrochar de maneira especial para ela. Ele sabia pouco a seu respeito; ela sabia menos ainda a respeito dele.
#####
Desejava poder aconselhar-se com a dama de companhia, mas a mulher encontrava-se adoentada, e não saíra do quarto desde o dia anterior.
Sakura continuou um pouco preocupada até a tarde do dia seguinte, quando partiu para uma pequena viagem de fim de semana, a fim de participar da festa que a colocaria no caminho de Syaoran Li e mudaria o rumo de sua vida. A festa começou na linda casa de campo pertencente à irmã mais velha de Soi, Lady Shinobu Nagahama.
Quando Sakura chegou, a propriedade já estava repleta de convidados, que flertavam, riam e bebiam. Pelos padrões da capital, a quantidade de pessoas reunidas para a festa era pequena: não mais de cento e cinqüenta convidados estavam presentes, e apenas vinte e cinco, incluindo Sakura e suas amigas, ficariam por todo o final de semana. Se ela não tivesse sido tão ingênua, teria reconhecido o clima de "arranjos rápidos" naquela noite. teria percebido, num instante, que os convidados eram muito mais velhos, mais experientes e muito mais exuberantes do que aqueles com quem ela estivera antes. E teria ido embora.
---
As flores balançavam ao vento no jardim austero, quando ela saíra à procura das amigas. Peônias. Em toda parte era possível sentir o perfume inebriante de flores. No salão de baile, a orquestra terminava a afinação dos instrumentos e, subitamente, os primeiros acordes de uma linda melodia ressoaram lá fora, enchendo de música o ar. Era a hora do crepúsculo e os criados moviam-se pelos terraços e pelas trilhas do jardim, acendendo as tochas enfeitadas. Não que as trilhas ficassem iluminadas, naturalmente - aquelas que seguiam abaixo da escadaria do terraço permaneciam sob uma escuridão conveniente, para os casais que, mais tarde, procurassem um pouco de intimidade entre as sebes ou na estufa, mas Sakura só se deu conta disso bem depois.
Levou quase mais hora para encontrar as garotas, pois elas haviam se reunido para um animado mexerico, no extremo oposto do jardim, onde ficavam parcialmente escondidas por um arbusto alto e fechado. Ao aproximar-se das garotas, Sakura percebeu que não estavam apenas perto do arbusto, mas sim espiando atrás dele, tagarelando alvoroçadas sobre alguém a quem observavam - alguém que parecia lhes provocar delírios de excitação e curiosidade.
- Meu Deus! - Soi suspirou, espiando pelo arbusto. - Isto é o que minha irmã chama de "encanto másculo"?
Com um breve e reverente silêncio, as três jovens examinaram o exemplo de masculinidade que recebera tal elogio de Shinobu, a bela e exigente irmã de Soi.
Sakura acabara de reparar numa mancha de terra em seu sapatinho cor de lavanda, e calculava, com infelicidade, o custo exorbitante de um novo par, ao mesmo tempo em que imaginava se seria possível comprar apenas um sapato.
- Ainda não posso acreditar que seja ele! - Cochichou Soi. - Shinobu disse que talvez ele viesse, mas não lhe dei muito crédito. Não acham que todos da cidade irão morrer de inveja, quando dissermos que o vimos? - acrescentou. Só então percebeu a presença de Sakura e fez um gesto para que se juntasse a elas, atrás da sebe. - Olhe, Sakura: ele não é divino, de um modo assim meio misterioso, depravado?
Em vez de espreitar pelo arbusto, Sakura olhou pelo jardim, que estava repleto de homens e mulheres que riam e conversavam, enquanto encaminhavam-se lentamente para o salão onde se daria o baile, seguido pela ceia. Seu olhar perdido vagava por entre os homens que trajavam roupas coloridas, que os tornava parecidos com brilhantes pavões.
- Quem eu deveria ver?
- O sr. Syaoran Li, sua tolinha! Não, espere, não é possível vê-lo agora. Ele se afastou das tochas.
- Quem é Syaoran Li? Este nome não é chinês?
- Aí é que está: ninguém sabe. Ou ninguém realmente sabe! - Num tom de quem compartilha uma novidade suculenta, Soi juntou: - Mas dizem que é neto do Duque Li!
Como todas as jovens debutantes, Sakura fora obrigada a estudar o Nobiliário, um livro que a sociedade reverenciava com quase tanto fervor quanto o que um devoto presbiteriano dedicava à Bíblia.
- O Duque Li é um homem idoso, - Sakura lembrou, depois de pensar um pouco. - E não tem nenhum herdeiro.
- Sim, todo mundo sabe disso. Mas comenta-se que Syaoran Li é o seu... - a voz de Soi abaixou num sussurro - seu neto ilegítimo.
- É o seguinte - intercedeu Hokuto, que acabava de se juntar ao grupo: - O duque Li teve mesmo um filho, mas deserdou-o anos atrás. Mamãe me contou tudo sobre isso... foi um escândalo e tanto. - Diante da palavra "escândalo", todas se viraram, interessadas, e ela prosseguiu - o filho do velho duque casou-se com a filha de um chinês. Dizem que ela era uma pessoa horrível, sem importância nenhuma. E Syaoran Li poderia ser neto dele.
- As pessoas acham que é ele apenas por causa do sobrenome - acrescentou Soi. - Porém, é um sobrenome bastante comum na China.
- Ouvi dizer que ele é tão rico que apostou quinhentas moedas de ouro numa única rodada de cartas, certa noite num salão de jogos no Sul.
- Ah, pelo amor de Deus! - Hokuto exclamou, exasperada. - Ele não fez isso por ser rico, mas sim porque ele é um jogador inveterado! Meu irmão o conhece e disse que Syaoran Li não passa de um jogador comum... uma pessoa sem antecedentes, educação, relações sociais e muito menos riqueza!
- Eu também ouvi isso - Soi admitiu, tornando a espiar pela sebe. - Olhem! Vocês podem vê-lo agora. Lady Katsuragui está praticamente atirando-se sobre ele!
As garotas inclinaram-se tanto que quase caíram sobre os arbustos.
- Acho que seria capaz de derreter, se ele olhasse para mim.
- Ora, tenho certeza de que não - disse Sakura, com um leve sorriso, sentindo que deveria dar alguma contribuição para aquela conversa.
- Mas você nem o viu!
Ela não precisava olhar, pois sabia exatamente o tipo de jovem atraente que provocava suspiros em suas amigas: cabelos pretos e lisos, magros e altos.
- Creio que Sakura já tem muitos pretendentes ricos nas mãos para importar-se com um mero senhor, não importa quão atraente ou intrigante seja - disse Soi, enquanto Sakura mantinha um silêncio polido.
Aquele comentário lhe parecia ocultar uma boa dose de inveja e maldade, mas Sakura descartou rapidamente a sensação, achando a suspeita desagradável demais. Não fizera mal algum a Soi ou a qualquer outra pessoa para merecer tal animosidade. Mesmo agora, sentia um desconforto diante das coisas que as amigas diziam a respeito do homem a quem observavam. Sakura achava que uma pessoa tinha direito à sua dignidade, não importava qual fosse sua origem. Mas esta, naturalmente, era uma opinião minoritária, que beirava a heresia aos olhos da sociedade. Por isso Sakura tratava de mantê-la apenas para si.
Naquele instante, entretanto, ela sentia que tais pensamentos eram desleais às suas amigas e, mais ainda, que provavelmente estava agindo como uma "desmancha prazeres", por não juntar-se à diversão e tentar compartilhar o alvoroço em torno do sr. Syaoran Li. Esforçando-se para entrar np espírito do momento, sorriu para Soi e disse:
- Não tenho tantos admiradores assim, e estou certa de que, se pudesse vê-lo, ficaria tão intrigada quanto vocês.
Por algum motivo, suas palavras provocaram uma divertida e conspiratória troca de olhares entre Soi e Hokuto. Mas Soi apressou-se em lhe explicar o motivo:
- Ainda bem que concorda, sakura, por que nós estamos com um probleminha e contamos com sua ajuda para resolvê-lo.
- Que tipo de problema?
- Bem, você sabe - Soi começou, com uma exuberância ofegante que sakura julgou ser causada pelas taças de vinho que os criados serviam incessantemente para os convidados, inclusive a elas -, quando soubemos que o sr. Syaoran Li estaria aqui, dissemos para Shinobu que queríamos vê-lo. Mas minha irmã garantiu que ele não nos daria a mínima atenção por que somos jovens de mais e nem de longe o tipo de mulher que ele prefere...
- E provavelmente está certa - Sakura falou com um sorriso despreocupado.
- Ah, mas isto não pode acontecer! - Lançando um olhar para as outras, com em busca de reforços, Soi finalizou, enfática: - Ele não pode nos ignorar, Sakura, por que nós apostamos toda a nossa mesada com Shinobu, que ele iria convidar uma de nós para dançar, esta noite.
- Sua mesada inteira? - Sakura repetiu, horrorizada com o risco extravagante. - Mas...
- Esperem! Ele está vindo nesta direção, e está sozinho! Não teremos oportunidade melhor de atrair sua atenção, a não ser agora.
- Neste caso por que Soi não vai, já que ela teve a idéia de tudo? - Sakura perguntou, rindo daquela aposta absurda.
- Por que nós escolhemos você! - Soi retrucou num tom ríspido e determinado.
- Eu? Mas por que teria de ser eu?
- Porque você é a única que já recebeu catorze pedidos de casamento e é perfeitamente óbvio que tem mais chances de sucesso. Decida-se logo, Sakura, ele está quase chegando aqui!
- Pois muito bem, acho que sim.
- Ótimo. Mas não esqueça, ele terá que dançar com você esta noite, ou perderemos nossas mesadas! - Rindo, Soi deu-lhe um tapinha encorajador, antes de girar nos saltos dos sapatinhos de cetim e correr atrás das risonhas amigas.
O arbusto por onde elas espiavam o homem bloqueava a visão de Sakura. Olhou em volta então, tentando decidir se ficaria ou iria se sentar em um dos bancos de pedra à sua esquerda. Decidiu-se pelo banco. O ruído de botas batendo contra a pedra ressoou no ar: uma vez, duas vezes... e lá estava ele.
Sem reparar na sua presença, Syaoran Li deu mais um passo para a frente, parou próximo a uma das tochas iluminadas e retirou um charuto do bolso. Sakura o observava, tomada pelo temor e por uma excitação trepidante, desconhecida, causada tanto pela aparência dele como por sua missão secreta.
Ele não se assemelhava em nada ao que ela esperava ver. Além de mais velho do que imaginava - pois agora calculava que ele tivesse aproximadamente vinte e seis anos -, era admiravelmente alto, ombros fortes e pernas longas, musculosas. Os cabelos rebeldes não eram pretos, mas sim castanhos, uma cor de chocolate. Sakura foi invadida pela impressão perturbadora de que Syaoran Li parecia uma água predatória em meio a um bando de ruidosos e coloridos pavões.
Enquanto o observava, ele acendeu o charuto, inclinando levemente a cabeça e protegendo a chama com as mãos. Sakura pôde ver que ele tinha as mãos e o rosto profundamente bronzeados.
Soltou o ar, que nem sequer percebera estar prendendo, e o leve som o fez erguer a cabeça, bruscamente. Os olhos estreitaram-se, com surpresa ou desprazer - Sakura não tinha certeza. Apanhada em flagrante, oculta entre as sombras e observando-o, balbuciou a primeira tolice que surgiu na sua mente.
- É a primeira vez que vejo um homem fumar um charuto. Eles... Vocês sempre se retiram para uma sala reservada...
As sobrancelhas escuras ergueram-se numa indagação distraída.
- Importa-se? - perguntou, acabando de acender o charuto.
Duas coisas nele logo chamaram a atenção de Sakura: os olhos penetrantes eram de uma cor castanha, como âmbar reluzentes enquanto a voz possuía uma textura rica e profunda. A combinação provocou-lhe um frui na espinha.
- Se me importo com o quê? - repetiu, tolamente.
- Com o charuto - ele disse.
- Ah... Não, não me importo - ela apressou-se em lhe assegurar. Porém tinha a nítida impressão de que ele fora até ali em busca de privacidade para deleitar-se com o charuto e que, se dissesse que sim, que se incomodava, ele lhe daria as coisas e se afastaria, em vez de apagar o charuto e permanecer ao seu lado.
Alguns metros adiante pôde-se ouvir os risinhos histéricos de Soi e as outras meninas ressoando no ar. Sakura virou-se sem querer, conseguindo ter um rápido vislumbre do vestido rosado de Soi, antes que elas corressem para as sebes espessas.
Sentiu um rubor subindo-lhe ao rosto, diante do comportamento embaraçoso das amigas, e quando tornou a virar-se, reparou que seu acompanhante a observava, com as mãos nos bolsos e o charuto preso entre os dentes tão alvos quanto a camisa. Com uma imperceptível inclinação da cabeça, ele indicou o lugar onde ocorrera a breve aparição.
- Amigas suas? - perguntou, e Sakura teve a nítida impressão de que, de alguma forma, ele sabia de tudo o que havia sido tramado.
Ficou tentada a lhe dizer uma mentirinha mas, além do fato de não gostar de mentir, os olhos dele, penetrantes, a fitavam intensamente.
- São, sim - respondeu. Fez uma pausa a fim de arrumar melhor as saias cor de lavanda e ergueu o rosto para ele, com um sorriso embaraçado. Só então lhe ocorreu que não tinham sido apresentados em desde que não havia ninguém ali para fazê-lo apropriadamente, decidiu agir por si mesma, de maneira um tanto brusca e desajeitada.
- Meu nome é Sakura Kinomoto - anunciou.
Inclinando a cabeça, numa evidente imitação de reverência, ele a cumprimentou dizendo simplesmente:
- Srta. Kinomoto...
Sem outra escolha, ela viu-se obrigada a indagar:
- E o senhor, quem é?
- Syaoran Li.
- Como vai, sr. Li? - Sakura estendeu a mão, num gesto formal.
Aquilo provocou nele um sorriso repentino, lento e absolutamente encantador, enquanto fazia a única coisa que poderia fazer: deu um passo a frente e segurou-lhe a mão.
- Muito prazer - disse, embora a voz contivesse um leve tom de zombaria.
Começando a se arrepender de ter concordado com aquele plano, Sakura forçou a cabeça imaginando como iniciar uma conversa, tarefa que, no passado, deixava a cargo dos desesperados rapazes que desejavam entreter a ela com algum assunto. Pessoas conhecidas eram o tópico sempre bem-aceito na sociedade, e ela tratou de agarrar-se a isso com alívio. Fazendo um gesto com as mãos, na direção de onde suas amigas tinham sido vistas, disse:
- A jovem de vestido rosa era a srta. Soi Mino, e com ela está a srta. Hokuto. - Quando ele não deu o menos sinal de reconhecimento, acrescentou, solícita: - A srta. Mino é filha de Lord e Lady Mino. - Ele continuava olhando-a, sem muito interesse. Sakura tentou mais uma vez, quase entrando em desespero: - São os Mino, o senhor sabe... o conde e a condessa.
- É mesmo? - ele falou, com distraída complacência.
- É sim - ela balbuciou, sentindo-se mais insegura a cada segundo. - E srta. Hokuto é filha do Barão e da Baronesa.
- É mesmo? - ele zombou, observando-a num silêncio curioso.
Só então Sakura lembrou-se do comentários das amigas sobre a ascendência questionável de Syaoran Li, e sentiu-se gelar de vergonha pela maneira inconsequente como ficara falando de títulos de nobreza para alguém que, provavelmente, fora privado de seu próprio título. As palmas de suas mãos estavam úmodas e ela esfregou-as na saia. Ao perceber o que estava fazendo, parou no mesmo instante. Depois, limpou a garganta e abanou-se com o leque.
- Nós... Nós estamos aqui por causa da temporada - finalizou, pouco convincente.
Os frios olhos cor de chocolate aqueceram-se de repente num misto de divertimento e simpatia, e havia uma sombra de riso na voz dele quando perguntou:
- E estão se divertindo?
- Sim, muito - ela respondeu, com um suspiro de alívio ao ver que, finalmente, ele decidira participar um pouco da conversa. - a srta. Hokuto, embora o senhor não a tenha visto daqui, é extremamente bonita, com os modos mais doces que se pode imaginar. Possui dezenas de pretendentes.
- Todos com títulos de nobreza, suponho?
Ainda pensando que ele estivesse ansiando pelo título de duque que lhe fora negado, Sakura mordeu o lábio e assentiu, levemente perturbada.
- Receio que sim - admitiu, resignada e, para suasurpresa, aquilo sim o fez sorrir. Um sorriso radioso espalhou-se pelos seus traços bronzeados. Com o coração aos saltos, ela pôs-se de pé, tomada de extrema agitação. - A srta. Mino também é adorável - continuou, retornando ao assunto de suas amigas e sorrindo, incerta.
- Quantos pretendentes existem para a mão dela?
Finalmente Sakura deu-se conta de que ele estava brincando, e sua visão irreverente daquilo que todos consideravam como questões de extrema gravidade, provocou-lhe um riso espontâneo e aliviado.
- Fiquei sabendo de fonte segura - respondeu, tentando imitar o tom grave e brincalhão - que os pretendentes marcharam diante do pai de Soi em número recorde.
Ele sorriu e, enquanto o fitava sorrindo também, ela sentiu toda a tensão e nervosismo evaporando-se. De uma forma súbita e inexplicável, sentia-se como se fossem grandes e velhos amigos, compartilhando a mesma secreta irreverência. Só que ele era seguro o bastante para admitir os seus sentimentos, enquanto que ela ainda tentava reprimir os seus.
- E quanto à senhorita?
- Eu?
- Quantas propostas recebeu?
um risinho de surpresa escapou-lhe dos lábios. Sakura balançou a cabeça. Comentar com orgulho sobre os atributos das amigas era aceitável, mas gabar-se dos próprios estava além de todos os limites, e ela tinha certeza de que ele sabia disso.
- Ora, ora - repreendeu-o com risonha severidade. - Isso foi uma maldade de sua parte.
- Peço-lhe desculpas - ele disse, inclinando novamente a cabeça, com a mesma falsa reverência de antes.
A escuridão da noite já cobria o jardim e, mesmo sabendo que deveria entrar, Sakura decidiu ficar mais um pouco, relutante em deixar aquela acolhedora intimidade. Cruzando as mãos levemente às costas, olhou para as estrelas que começavam a reluzir no céu.
- Esta é a hora do dia que mais gosto - confessou, num tom suave. Olhou-o de relance, a fim de verificar se ele se aborrecia com o assunto, mas ele havia se virado e olhava para o céu, como se também se interessasse pelo que havia ali.
Sakura procurou pela constelação da Ursa Maior e a encontrou.
- Veja - disse, indicando a estrela brilhante -, ali está Vênus. Ou será jupiter? Eu nunca tenho muita certeza.
- É Jupiter. E, mais adiante, está a Ursa Maior.
Ela riu, balançando a cabeça, e desviou os olhos do céu.
- Talvez pareça com um grande urso para você e para todos os outros - disse. - Mas, para mim, todas as constelações são um punhado de estrelas juntas. Na primavera até posso encontrar a Cassiopéia, mas não por achá-la semelhante a um leão. No inverno, consigo distinguir a constelação de arcturus, embora não entenda como alguém jamais viu um arqueiro em meio a todo aquele aglomerado de estrelas. Você acha que pode existir vida em algum lugar lá em cima?
Ele virou o rosto, encarando-a com espanto genuíno.
- O que você acha? - ele disse.
- Acho que sim. Na verdade, creio que seja até arrogância presumir que, dentre milhares de estrelas e vários outros planetas, nós sejamos os únicos a realmente existir. Quase tão arrogante quanto a antiga crença de que a Terra era o centro do universo, e de que tudo giraria em torno de nós. Embora as pessoas não tenham ficado exatamente gratas a Galileu, não é? Imagine, ter sido arrastado diante da inquisição e forçado a renunciar a algo que ele sabia ser verdadeiro e poderia provar com suas teorias!
- Desde quando debutantes estudam astronomia? - ele perguntou, quando Sakura se virou para pegar a taça que deixara sobre o banco.
- Tive muitos anos de leitura - ela admitiu, ingenuamente. Sem perceber a intensidade com que ele a fitava, tornou a virar-se. - Preciso entrar, agora, e arrumar-me para o baile.
Ele assentiu em silêncio, e Sakura começou a se afastar. Então mudou de idéia e hesitou, lembrando-se das mesadas das amigas, e no quanto estavam contando com ela.
- Tenho um pedido estranho a lhe fazer... um favor que quero lhe pedir - disse, devagar, rezando para que ele tivesse apreciado, tanto quanto ela, a breve conversa. Sorrindo, juntou: - Será que o senhor poderia... por motivos que não posso explicar... - calou-se, extremamente embaraçada.
- Qual é o favor?
Ela despejou tudo de um só fôlego:
- Será que poderia convidar-me para dançar, esta noite?
A expressão dele não se modificou; não mostrou-se chocado, nem lisonjeado com o pedido. Porém, dos lábios saiu a resposta firme:
- Não.
Sakura estava mortificada com a recusa, porém ainda mais atônita com o evidente tom de pesar que percebeu na voz dele. Fitou-o por um longo instante, querendo ler a resposta nos traços indecifráveis de seu rosto, até que o som de risos, vindo de algum lugar próximo, quebrou o encanto. Sakura juntou as saias, a fim de se retirar. Num esforço consciente para deixar a voz vazia de qualquer emoção, disse, com tranquila dignidade:
- Boa noite, sr. Syaoran Li.
Atirando longe o charuto, ele assentiu:
- Boa noite, srta Kinomoto...
##### Pausa no Flashback #####
Agora, sentada na saleta de Tomoeda, refletindo sobre sua desastrosa insensatez naquele fim de semana, admirou-se da sua própria ingenuidade.
Recostando novamente a cabeça no sofá, fechou os olhos e engoliu em seco o nó de humilhação que se formara em sua garganta. Porque, perguntou-se em desespero, as lembranças felizes desaparecem e se apagam, até que não se possa mais distingui-las, enquanto as lembranças horríveis parecem manter-se claras e nitidamente dolorosas?
~ Continua...
------------------------------------------------------------------------------------------------------
Oeee esse capítulo ficou maior do que eu esperava... mas foram semanas sem um capítulo novo, não poderia deixar vocês sem o querido Syaoran :D Por falar nisso gostaram da aparição dele? Tomara que sim, por que eu gosto muito da personalidade dele nessa história ^_^
Agradecendo aos comentários:
Violet-Tomoyo: Não precisa mais ficar ansiosa, por que a partir de agora o Syaoran vai aparecer sempre e tudo será esclarecido ^^ Obrigada novamente!
Serenite: Mistério é o que não vai faltar :D Obrigada pelo Review!
Jenny-Ci: Ainda bem que curiosidade não mata ne? ^^ Mas aí está o nosso querido e tudo de melhor Syaoran, espero que tenha gostado desse capítulo!
Anna: Obrigadinha pelo comentário ^_^v E como eu poderia não ler suas fics maravilhosas? Abraços!
Camis: Por partes, o tio da Sakura é um mala, mas ele ainda vai aprontar mais, aguarde ^^ Obrigada pelo elogio *emoção*! Viciada em InuYasha sim, mas a Kikyou...aquela coisa de barro, adora estragar os episódios! Visite esse site super engraçado (http://geocities.yahoo.com.br/kagome_7/killer.html) e veja como matar a Kikyou ^^v
Rô: Obrigada novamente pela dica super útil! E pode ser intrometida mesmo! Se eu não quisesse ser criticada não publicava nada, não é mesmo? Não se pode receber apenas elogios! E adorei a dica :D Obrigada mesmo!
Spooky: Também gostei muito da Sakura nessa história! Mais capítulos chegando, desculpe a demora e obrigada pelo comentário ^^
Sayo Amakusa: A Sakurinha merecia ser condessa ne? Só o Syaoran é que merecia algo mais ^^ ehhehehe E quem é Calerom? :P
---------
Abraços para todos que estão acompanhando a história ^^ E obrigada pelo review de todos. É realmente muito gratificante receber comentários, dicas e críticas! Desculpem a demora para publicar este capítulo. Beijos para todos!
Shaiene-chan (fundadora do fã-clube "Sesshoumaru é demais" e Anti-Kikyou 4ever)
Nota: CCS é do grupo CLAMP, como eu estou cansada de falar!
Syaoran: . . .
Eu: O que foi, Li?
Syaoran: Não é nada...
Eu: Kyaaaa~~~~ XD
Olá pessoas!! Desculpem a enorme demora para publicar este capítulo, mas o tempo está realmente curto... e aproveitando o comecinho para agradecer a Rô pela dica do flashback! É muito útil sim e eu nem tinha pensado nisso... Valeu mesmo Rô ^_^v
-------------------------------------------------------------------------------
04 - O Primeiro Baile
#Continuação do Flashback#
Nos seis meses seguintes, Touya se dedicou a superar todos os obstáculos que poderiam evitar que Sakura fizesse uma aparição espetacular. Uma certa sra. Rika foi contratada para treiná-la naquelas habilidades sociais que não haviam sido ensinadas nem por sua mãe nem por sua governanta, que incluíam bocejar graciosamente quando desejasse se retirar polidamente de uma conversa com um rapaz intediante, entre outras coisas. Com a sra. Rika, Sakura aprendeu que jamais deveria demonstrar que era inteligente, culta ou que nutria o mais vago interesse pelas plantas.
Uma famosa costureira chinesa foi escolhida para desenhar e confeccionar todos os vestidos e kimonos que a sra. Rika julgava necessários para a temporada.
A srta. Sae Aikawa-Kyrou, dama de companhia contratada por várias debutantes bem-sucedidas de temporadas anteriores, foi para Tomoeda a fim de ocupar a posição de acompanhante de Sakura. Com cinqüenta anos e grossos cabelos que puxava para trás num coque, e dona de uma postura rígida e ereta, a srta. Sae mantinha o rosto numa constante expressão de contrariedade, como estivesse sentindo um cheiro desagradável mas fosse educada demais para comentar. A velha tinha a capacidade de ficar sentada serenamente por horas, sem mover um músculo.
Quando os Kinomoto, juntamente com Sae e todos os criados necessários, chegaram na cidade, Sakura já havia aprendido tudo o que a sra. Rika podia lhe ensinar, e sentia-se capaz de enfrentar os desafios que lhe haviam sido descritos. Na verdade, além de memorizar regras de etiqueta, estava um pouco perplexa com o enorme espalhafato que se fazia em torno daquilo. Afinal, aprendera a dançar em seis meses. E, pelo que pudera concluir até ali, suas únicas obrigações como debutante seriam conversar educadamente sobre assuntos triviais, disfarçar sua inteligência a qualquer custo e dançar.
Um dia depois que Sakura e Touya se instalaram na casa que haviam alugado, a madrinha que a apresentaria aos nobres da cidade, Lady Mino, foi visitá-los levando as duas filhas: Soi e Shinobu. Soi era um ano mais velha que Sakura e debutara na temporada anterior. Shinobu era cinco anos mais velha - e a jovem viúva do velho Lord Nagahama, que bateu as botas um mês após as núpcias, deixando a recém-casada rica, aliviada e completamente independente.
Nas duas semanas antes do início da temporada, Sakura passou um tempo considerável com as ricas debutantes que se reuniam na sala dos Mino para mexericar alegremente sobre todos e qualquer um. Todas elas haviam ido a capital com a mesma nobre obrigação e o mesmo objetivo familiar: casar de acordo com os desejos da família com o mais rico pretendente que pudessem arranjar, e, ao mesmo tempo, aumentar a riqueza e posição social de sua família.
Foi naquela sala que a educação de Sakura prosseguiu e completou-se. Um pouco chocada, descobriu que a sra. Rika estava certa a respeito de nomes que caíam no esquecimento. Também soube que, aparentemente, entre a sociedade não era considerada falta de educação a discussão aberta da situação financeira de uma pessoa - principalmente a situação e o futuro de um cavalheiro solteiro. Logo no primeiro dia, foi com dificuldade que conseguiu esconder a ignorância, suprimindo um gritinho horrorizado diante da conversa em pauta no momento:
- Lord Shoji é um excelente partido. Ora, ele tem uma ótima renda e a probabilidade de ser nomeado herdeiro do baronato do tio, se este falecer devido à doença do coração, o que todos esperam que aconteça - anunciara uma das garotas.
Todas as outras tinham também uma opinião:
- Massato é dono de uma esplendida propriedade, e mamãe anda roendo as unhas, na expectativa de que ele se declare. Imagine só... as esmeraldas dos Massato!
- Akiko está desfilando com um belo par de sapatos do exterior, mas papai diz que ele está com dívidas até o pescoço e que, de maneira alguma, devo considerá-lo como pretendente. Sakura, espere até conhecer Satoshi Toyomura! não permita, em nenhuma circunstância, que ele a engane com seu charme; é um patife completo e, apesar de vestir-se na última moda, não tem onde cair morto! - Este último aviso veio de Soi, a quem Sakura elegera sua melhor amiga, entre as garotas.
Ela aceitava de bom grado a amizade coletiva e também seus conselhos. Entretanto, sentia um desconforto crescente em relação a algumas de suas atitudes para com as pessoas que julgavam inferiores - o que não era de se admirar vindo de uma jovem que considerava o mordomo e o cocheiro como seus iguais. E estava feliz por estar na capital, com todas aquelas luzes e aquele movimento. A cidade estava viva.
#########
Na noite do seu primeiro baile, no entanto, quase toda a alegria e a autoconfiança de Sakura desapareceram de repente. ao subir a escadaria da casa dos Mino, tendo Touya ao seu lado, sentiu-se subitamente invadida por um terror inigualável. A cabeça girava com todos os "pode" e "não pode" que ela mal se dera ao trabalho de memorizar, e tinha uma certeza mórbida de que acabaria recebendo o maior e mais famoso "chá de cadeira" da temporada.
Porém, quando entrou no salão de baile, o cenário que a recebeu a fez esquecer de todos os temores, e sus olhos brilhavam de admiração. Candelabros reluziam com centenas de velas; homens atraentes e mulheres lindamente vestidas deslizavam de um lado para o outro, envoltos em sedas e cetins.
Sem reparar nos rapazes que se viravam para admirá-la, ergueu os brilhantes olhos verdes para o irmão sorridente.
- Touya - sussurrou, radiante -, alguma vez você já imaginou que existiam pessoas tão bonitas e salões tão grandiosos?
Trajando um fino vestido branco, bordado com fios dourados, com rosas brancas enfeitando os cabelos e os olhos verdes reluzindo, Sakura Kinomoto parecia uma princesa em conto de fadas.
Estava encantada, e este encantamento lhe emprestava uma luminosidade quase etérea, quando finalmente se recobrou o suficiente para notar a presença de Soi e suas amigas.
No final daquela noite, Sakura sentia-se como num sonho. Os rapazes haviam se aglomerado em torno dela, implorando para ser apresentados, por uma dança e pela chance de lhe servir uma bebida. Ela sorriu e dançou, mas nem por um momento lançou mão dos artifícios que as outras garotas usavam para flertar. Pelo contrário, ouvia os rapazes com genuíno interesse e um sorriso caloroso, deixava-os à vontade e puxava conversa quando a levavam para dançar. Sakura, com sua beleza angelical, tomara a cidade de surpresa. Era o assunto do momento.
Os visitantes começaram a chegar na casa , na manhã seguinte, numa seqüência interminável. E foi ali, e não nos salões de baile, que Sakura fez suas maiores conquistas, pois ela não era apenas linda de se ver, mas ainda mais agradável ao conversar. Depois de três semanas, catorze cavalheiros lhe propuseram casamento, e o local fervilhava com tal ocorrência sem precedentes. Nem mesmo srta. Nanami, a beldade que reinara por duas temporadas consecutivas, havia recebido tantas propostas.
Doze dos pretendentes de Sakura era jovens, arrogantes e aceitáveis; dois eram bem mais velhos e igualmente arrogantes. Touya, com grande orgulho e uma proporcional falta de tato, dispensou os pretendentes, rejeitando-os rudemente como impróprios e inadequados. Ele esperava, mantendo-se fiel à promessa que fizera a Sakura, pelo marido ideal com quem ela pudesse ser feliz.
O décimo quinto candidato preencheu todos os requisitos de Touya. Extremamente rico, atraente e apresentável, o visconde Suzuhara, de vinte e cinco anos, era sem dúvida o melhor partido da temporada. Touya sabia disso e, conforme disse a sakura naquela noite, ficara tão animado que quase se esquecera de tudo e pulara na escrivaninha a fim de congratular o jovem pelo seu casamento iminente.
Sakura ficara satisfeita e emocionada ao saber que aquele cavalheiro, a quem ela havia particularmente admirado, oferecera-se como pretendente e fora escolhido.
- Ah, touya, ele é bom demais... Eu não estava bastante segura de que havia gostado de mim o suficiente para pedir-me em casamento.
O irmão deu um beijo carinhoso em sua testa.
- Princesa - brincou -, qualquer homem que olhe para você perde completamente a cabeça. É apenas uma questão de tempo.
Ela lhe enviou um sorriso breve, encolhendo os ombros. Já estava começando a sentir um profundo cansaço com a maneira com que as pessoas falavam de seu rosto, como se não houvesse um cérebro por trás dele.
- Suzuhara pretende lhe fazer uma visita esta tarde - Touya continuou -, mas vou esperar uma ou duas semanas, antes de dar a resposta. A espera servirá para fortalecer sua decisão e, além disso, você merece mais alguns dias de liberdade antes de se tornar uma jovem noiva.
Uma jovem noiva, ela pensou, sentindo um estranho desconforto e uma nítida inquietação, embora soubesse que era pura tolice de sua parte.
- Confesso que senti um pouco de medo quando disse a ele seu pequeno dote, mas ele não pareceu se importar. Muito pelo contrário, garantiu que o que importava era você e que pretendia cobri-la de rubis do tamanho da palma de sua mão...
#####
O visconde Suzuhara chegou às três horas e sakura recebeu-o no salão amarelo. Ele entrou, olhou em volta da sala, depois tomou-lhe as mãos entre as suas e sorriu ternamente, fitando-a nos olhos.
- A resposta é sim, não é? - falou, mas era mais uma afirmação do que uma pergunta.
- Já conversou com meu irmão? - Sakura tornou, surpresa.
- Não, ainda não.
- Então como sabe se a resposta é sim? - indagou ela, sorrindo.
- Porque a sempre presente e "olhos de águia" srta. Aikawa-Kyrou não está ao seu lado, pela primeira vês em um mês! - pressionou um leve beijo em sua testa, que a pegou desprevenida e a fez ruborizar. - Será que tem idéia do quanto é linda?
Sakura tinha uma vaga idéia, desde que todos viviam lhe dizendo isso, e suprimiu o impulso de perguntar: Você tem idéia do quanto sou inteligente? Não que fosse, nem de longe, do tipo intelectual, mas realmente gostava de ler, de pensar e até debater assuntos que lhe interessavam, mas não tinha muita certeza de que Suzuhara apreciaria tais atributos na futura esposa. Ele próprio jamais expressara uma opinião a respeito de nada, exceto as trivialidades mais banais, e nunca lhe pedira uma opinião.
- Você é encantadora - ele murmurou, e Sakura perguntou-se, muito seriamente, o por que de ele pensar assim.
Ele não sabia o quanto ela adorava pescar, ou rir, ou que usava uma espada tão bem que era quase uma perita. Não sabia que as flores pareciam desabrochar de maneira especial para ela. Ele sabia pouco a seu respeito; ela sabia menos ainda a respeito dele.
#####
Desejava poder aconselhar-se com a dama de companhia, mas a mulher encontrava-se adoentada, e não saíra do quarto desde o dia anterior.
Sakura continuou um pouco preocupada até a tarde do dia seguinte, quando partiu para uma pequena viagem de fim de semana, a fim de participar da festa que a colocaria no caminho de Syaoran Li e mudaria o rumo de sua vida. A festa começou na linda casa de campo pertencente à irmã mais velha de Soi, Lady Shinobu Nagahama.
Quando Sakura chegou, a propriedade já estava repleta de convidados, que flertavam, riam e bebiam. Pelos padrões da capital, a quantidade de pessoas reunidas para a festa era pequena: não mais de cento e cinqüenta convidados estavam presentes, e apenas vinte e cinco, incluindo Sakura e suas amigas, ficariam por todo o final de semana. Se ela não tivesse sido tão ingênua, teria reconhecido o clima de "arranjos rápidos" naquela noite. teria percebido, num instante, que os convidados eram muito mais velhos, mais experientes e muito mais exuberantes do que aqueles com quem ela estivera antes. E teria ido embora.
---
As flores balançavam ao vento no jardim austero, quando ela saíra à procura das amigas. Peônias. Em toda parte era possível sentir o perfume inebriante de flores. No salão de baile, a orquestra terminava a afinação dos instrumentos e, subitamente, os primeiros acordes de uma linda melodia ressoaram lá fora, enchendo de música o ar. Era a hora do crepúsculo e os criados moviam-se pelos terraços e pelas trilhas do jardim, acendendo as tochas enfeitadas. Não que as trilhas ficassem iluminadas, naturalmente - aquelas que seguiam abaixo da escadaria do terraço permaneciam sob uma escuridão conveniente, para os casais que, mais tarde, procurassem um pouco de intimidade entre as sebes ou na estufa, mas Sakura só se deu conta disso bem depois.
Levou quase mais hora para encontrar as garotas, pois elas haviam se reunido para um animado mexerico, no extremo oposto do jardim, onde ficavam parcialmente escondidas por um arbusto alto e fechado. Ao aproximar-se das garotas, Sakura percebeu que não estavam apenas perto do arbusto, mas sim espiando atrás dele, tagarelando alvoroçadas sobre alguém a quem observavam - alguém que parecia lhes provocar delírios de excitação e curiosidade.
- Meu Deus! - Soi suspirou, espiando pelo arbusto. - Isto é o que minha irmã chama de "encanto másculo"?
Com um breve e reverente silêncio, as três jovens examinaram o exemplo de masculinidade que recebera tal elogio de Shinobu, a bela e exigente irmã de Soi.
Sakura acabara de reparar numa mancha de terra em seu sapatinho cor de lavanda, e calculava, com infelicidade, o custo exorbitante de um novo par, ao mesmo tempo em que imaginava se seria possível comprar apenas um sapato.
- Ainda não posso acreditar que seja ele! - Cochichou Soi. - Shinobu disse que talvez ele viesse, mas não lhe dei muito crédito. Não acham que todos da cidade irão morrer de inveja, quando dissermos que o vimos? - acrescentou. Só então percebeu a presença de Sakura e fez um gesto para que se juntasse a elas, atrás da sebe. - Olhe, Sakura: ele não é divino, de um modo assim meio misterioso, depravado?
Em vez de espreitar pelo arbusto, Sakura olhou pelo jardim, que estava repleto de homens e mulheres que riam e conversavam, enquanto encaminhavam-se lentamente para o salão onde se daria o baile, seguido pela ceia. Seu olhar perdido vagava por entre os homens que trajavam roupas coloridas, que os tornava parecidos com brilhantes pavões.
- Quem eu deveria ver?
- O sr. Syaoran Li, sua tolinha! Não, espere, não é possível vê-lo agora. Ele se afastou das tochas.
- Quem é Syaoran Li? Este nome não é chinês?
- Aí é que está: ninguém sabe. Ou ninguém realmente sabe! - Num tom de quem compartilha uma novidade suculenta, Soi juntou: - Mas dizem que é neto do Duque Li!
Como todas as jovens debutantes, Sakura fora obrigada a estudar o Nobiliário, um livro que a sociedade reverenciava com quase tanto fervor quanto o que um devoto presbiteriano dedicava à Bíblia.
- O Duque Li é um homem idoso, - Sakura lembrou, depois de pensar um pouco. - E não tem nenhum herdeiro.
- Sim, todo mundo sabe disso. Mas comenta-se que Syaoran Li é o seu... - a voz de Soi abaixou num sussurro - seu neto ilegítimo.
- É o seguinte - intercedeu Hokuto, que acabava de se juntar ao grupo: - O duque Li teve mesmo um filho, mas deserdou-o anos atrás. Mamãe me contou tudo sobre isso... foi um escândalo e tanto. - Diante da palavra "escândalo", todas se viraram, interessadas, e ela prosseguiu - o filho do velho duque casou-se com a filha de um chinês. Dizem que ela era uma pessoa horrível, sem importância nenhuma. E Syaoran Li poderia ser neto dele.
- As pessoas acham que é ele apenas por causa do sobrenome - acrescentou Soi. - Porém, é um sobrenome bastante comum na China.
- Ouvi dizer que ele é tão rico que apostou quinhentas moedas de ouro numa única rodada de cartas, certa noite num salão de jogos no Sul.
- Ah, pelo amor de Deus! - Hokuto exclamou, exasperada. - Ele não fez isso por ser rico, mas sim porque ele é um jogador inveterado! Meu irmão o conhece e disse que Syaoran Li não passa de um jogador comum... uma pessoa sem antecedentes, educação, relações sociais e muito menos riqueza!
- Eu também ouvi isso - Soi admitiu, tornando a espiar pela sebe. - Olhem! Vocês podem vê-lo agora. Lady Katsuragui está praticamente atirando-se sobre ele!
As garotas inclinaram-se tanto que quase caíram sobre os arbustos.
- Acho que seria capaz de derreter, se ele olhasse para mim.
- Ora, tenho certeza de que não - disse Sakura, com um leve sorriso, sentindo que deveria dar alguma contribuição para aquela conversa.
- Mas você nem o viu!
Ela não precisava olhar, pois sabia exatamente o tipo de jovem atraente que provocava suspiros em suas amigas: cabelos pretos e lisos, magros e altos.
- Creio que Sakura já tem muitos pretendentes ricos nas mãos para importar-se com um mero senhor, não importa quão atraente ou intrigante seja - disse Soi, enquanto Sakura mantinha um silêncio polido.
Aquele comentário lhe parecia ocultar uma boa dose de inveja e maldade, mas Sakura descartou rapidamente a sensação, achando a suspeita desagradável demais. Não fizera mal algum a Soi ou a qualquer outra pessoa para merecer tal animosidade. Mesmo agora, sentia um desconforto diante das coisas que as amigas diziam a respeito do homem a quem observavam. Sakura achava que uma pessoa tinha direito à sua dignidade, não importava qual fosse sua origem. Mas esta, naturalmente, era uma opinião minoritária, que beirava a heresia aos olhos da sociedade. Por isso Sakura tratava de mantê-la apenas para si.
Naquele instante, entretanto, ela sentia que tais pensamentos eram desleais às suas amigas e, mais ainda, que provavelmente estava agindo como uma "desmancha prazeres", por não juntar-se à diversão e tentar compartilhar o alvoroço em torno do sr. Syaoran Li. Esforçando-se para entrar np espírito do momento, sorriu para Soi e disse:
- Não tenho tantos admiradores assim, e estou certa de que, se pudesse vê-lo, ficaria tão intrigada quanto vocês.
Por algum motivo, suas palavras provocaram uma divertida e conspiratória troca de olhares entre Soi e Hokuto. Mas Soi apressou-se em lhe explicar o motivo:
- Ainda bem que concorda, sakura, por que nós estamos com um probleminha e contamos com sua ajuda para resolvê-lo.
- Que tipo de problema?
- Bem, você sabe - Soi começou, com uma exuberância ofegante que sakura julgou ser causada pelas taças de vinho que os criados serviam incessantemente para os convidados, inclusive a elas -, quando soubemos que o sr. Syaoran Li estaria aqui, dissemos para Shinobu que queríamos vê-lo. Mas minha irmã garantiu que ele não nos daria a mínima atenção por que somos jovens de mais e nem de longe o tipo de mulher que ele prefere...
- E provavelmente está certa - Sakura falou com um sorriso despreocupado.
- Ah, mas isto não pode acontecer! - Lançando um olhar para as outras, com em busca de reforços, Soi finalizou, enfática: - Ele não pode nos ignorar, Sakura, por que nós apostamos toda a nossa mesada com Shinobu, que ele iria convidar uma de nós para dançar, esta noite.
- Sua mesada inteira? - Sakura repetiu, horrorizada com o risco extravagante. - Mas...
- Esperem! Ele está vindo nesta direção, e está sozinho! Não teremos oportunidade melhor de atrair sua atenção, a não ser agora.
- Neste caso por que Soi não vai, já que ela teve a idéia de tudo? - Sakura perguntou, rindo daquela aposta absurda.
- Por que nós escolhemos você! - Soi retrucou num tom ríspido e determinado.
- Eu? Mas por que teria de ser eu?
- Porque você é a única que já recebeu catorze pedidos de casamento e é perfeitamente óbvio que tem mais chances de sucesso. Decida-se logo, Sakura, ele está quase chegando aqui!
- Pois muito bem, acho que sim.
- Ótimo. Mas não esqueça, ele terá que dançar com você esta noite, ou perderemos nossas mesadas! - Rindo, Soi deu-lhe um tapinha encorajador, antes de girar nos saltos dos sapatinhos de cetim e correr atrás das risonhas amigas.
O arbusto por onde elas espiavam o homem bloqueava a visão de Sakura. Olhou em volta então, tentando decidir se ficaria ou iria se sentar em um dos bancos de pedra à sua esquerda. Decidiu-se pelo banco. O ruído de botas batendo contra a pedra ressoou no ar: uma vez, duas vezes... e lá estava ele.
Sem reparar na sua presença, Syaoran Li deu mais um passo para a frente, parou próximo a uma das tochas iluminadas e retirou um charuto do bolso. Sakura o observava, tomada pelo temor e por uma excitação trepidante, desconhecida, causada tanto pela aparência dele como por sua missão secreta.
Ele não se assemelhava em nada ao que ela esperava ver. Além de mais velho do que imaginava - pois agora calculava que ele tivesse aproximadamente vinte e seis anos -, era admiravelmente alto, ombros fortes e pernas longas, musculosas. Os cabelos rebeldes não eram pretos, mas sim castanhos, uma cor de chocolate. Sakura foi invadida pela impressão perturbadora de que Syaoran Li parecia uma água predatória em meio a um bando de ruidosos e coloridos pavões.
Enquanto o observava, ele acendeu o charuto, inclinando levemente a cabeça e protegendo a chama com as mãos. Sakura pôde ver que ele tinha as mãos e o rosto profundamente bronzeados.
Soltou o ar, que nem sequer percebera estar prendendo, e o leve som o fez erguer a cabeça, bruscamente. Os olhos estreitaram-se, com surpresa ou desprazer - Sakura não tinha certeza. Apanhada em flagrante, oculta entre as sombras e observando-o, balbuciou a primeira tolice que surgiu na sua mente.
- É a primeira vez que vejo um homem fumar um charuto. Eles... Vocês sempre se retiram para uma sala reservada...
As sobrancelhas escuras ergueram-se numa indagação distraída.
- Importa-se? - perguntou, acabando de acender o charuto.
Duas coisas nele logo chamaram a atenção de Sakura: os olhos penetrantes eram de uma cor castanha, como âmbar reluzentes enquanto a voz possuía uma textura rica e profunda. A combinação provocou-lhe um frui na espinha.
- Se me importo com o quê? - repetiu, tolamente.
- Com o charuto - ele disse.
- Ah... Não, não me importo - ela apressou-se em lhe assegurar. Porém tinha a nítida impressão de que ele fora até ali em busca de privacidade para deleitar-se com o charuto e que, se dissesse que sim, que se incomodava, ele lhe daria as coisas e se afastaria, em vez de apagar o charuto e permanecer ao seu lado.
Alguns metros adiante pôde-se ouvir os risinhos histéricos de Soi e as outras meninas ressoando no ar. Sakura virou-se sem querer, conseguindo ter um rápido vislumbre do vestido rosado de Soi, antes que elas corressem para as sebes espessas.
Sentiu um rubor subindo-lhe ao rosto, diante do comportamento embaraçoso das amigas, e quando tornou a virar-se, reparou que seu acompanhante a observava, com as mãos nos bolsos e o charuto preso entre os dentes tão alvos quanto a camisa. Com uma imperceptível inclinação da cabeça, ele indicou o lugar onde ocorrera a breve aparição.
- Amigas suas? - perguntou, e Sakura teve a nítida impressão de que, de alguma forma, ele sabia de tudo o que havia sido tramado.
Ficou tentada a lhe dizer uma mentirinha mas, além do fato de não gostar de mentir, os olhos dele, penetrantes, a fitavam intensamente.
- São, sim - respondeu. Fez uma pausa a fim de arrumar melhor as saias cor de lavanda e ergueu o rosto para ele, com um sorriso embaraçado. Só então lhe ocorreu que não tinham sido apresentados em desde que não havia ninguém ali para fazê-lo apropriadamente, decidiu agir por si mesma, de maneira um tanto brusca e desajeitada.
- Meu nome é Sakura Kinomoto - anunciou.
Inclinando a cabeça, numa evidente imitação de reverência, ele a cumprimentou dizendo simplesmente:
- Srta. Kinomoto...
Sem outra escolha, ela viu-se obrigada a indagar:
- E o senhor, quem é?
- Syaoran Li.
- Como vai, sr. Li? - Sakura estendeu a mão, num gesto formal.
Aquilo provocou nele um sorriso repentino, lento e absolutamente encantador, enquanto fazia a única coisa que poderia fazer: deu um passo a frente e segurou-lhe a mão.
- Muito prazer - disse, embora a voz contivesse um leve tom de zombaria.
Começando a se arrepender de ter concordado com aquele plano, Sakura forçou a cabeça imaginando como iniciar uma conversa, tarefa que, no passado, deixava a cargo dos desesperados rapazes que desejavam entreter a ela com algum assunto. Pessoas conhecidas eram o tópico sempre bem-aceito na sociedade, e ela tratou de agarrar-se a isso com alívio. Fazendo um gesto com as mãos, na direção de onde suas amigas tinham sido vistas, disse:
- A jovem de vestido rosa era a srta. Soi Mino, e com ela está a srta. Hokuto. - Quando ele não deu o menos sinal de reconhecimento, acrescentou, solícita: - A srta. Mino é filha de Lord e Lady Mino. - Ele continuava olhando-a, sem muito interesse. Sakura tentou mais uma vez, quase entrando em desespero: - São os Mino, o senhor sabe... o conde e a condessa.
- É mesmo? - ele falou, com distraída complacência.
- É sim - ela balbuciou, sentindo-se mais insegura a cada segundo. - E srta. Hokuto é filha do Barão e da Baronesa.
- É mesmo? - ele zombou, observando-a num silêncio curioso.
Só então Sakura lembrou-se do comentários das amigas sobre a ascendência questionável de Syaoran Li, e sentiu-se gelar de vergonha pela maneira inconsequente como ficara falando de títulos de nobreza para alguém que, provavelmente, fora privado de seu próprio título. As palmas de suas mãos estavam úmodas e ela esfregou-as na saia. Ao perceber o que estava fazendo, parou no mesmo instante. Depois, limpou a garganta e abanou-se com o leque.
- Nós... Nós estamos aqui por causa da temporada - finalizou, pouco convincente.
Os frios olhos cor de chocolate aqueceram-se de repente num misto de divertimento e simpatia, e havia uma sombra de riso na voz dele quando perguntou:
- E estão se divertindo?
- Sim, muito - ela respondeu, com um suspiro de alívio ao ver que, finalmente, ele decidira participar um pouco da conversa. - a srta. Hokuto, embora o senhor não a tenha visto daqui, é extremamente bonita, com os modos mais doces que se pode imaginar. Possui dezenas de pretendentes.
- Todos com títulos de nobreza, suponho?
Ainda pensando que ele estivesse ansiando pelo título de duque que lhe fora negado, Sakura mordeu o lábio e assentiu, levemente perturbada.
- Receio que sim - admitiu, resignada e, para suasurpresa, aquilo sim o fez sorrir. Um sorriso radioso espalhou-se pelos seus traços bronzeados. Com o coração aos saltos, ela pôs-se de pé, tomada de extrema agitação. - A srta. Mino também é adorável - continuou, retornando ao assunto de suas amigas e sorrindo, incerta.
- Quantos pretendentes existem para a mão dela?
Finalmente Sakura deu-se conta de que ele estava brincando, e sua visão irreverente daquilo que todos consideravam como questões de extrema gravidade, provocou-lhe um riso espontâneo e aliviado.
- Fiquei sabendo de fonte segura - respondeu, tentando imitar o tom grave e brincalhão - que os pretendentes marcharam diante do pai de Soi em número recorde.
Ele sorriu e, enquanto o fitava sorrindo também, ela sentiu toda a tensão e nervosismo evaporando-se. De uma forma súbita e inexplicável, sentia-se como se fossem grandes e velhos amigos, compartilhando a mesma secreta irreverência. Só que ele era seguro o bastante para admitir os seus sentimentos, enquanto que ela ainda tentava reprimir os seus.
- E quanto à senhorita?
- Eu?
- Quantas propostas recebeu?
um risinho de surpresa escapou-lhe dos lábios. Sakura balançou a cabeça. Comentar com orgulho sobre os atributos das amigas era aceitável, mas gabar-se dos próprios estava além de todos os limites, e ela tinha certeza de que ele sabia disso.
- Ora, ora - repreendeu-o com risonha severidade. - Isso foi uma maldade de sua parte.
- Peço-lhe desculpas - ele disse, inclinando novamente a cabeça, com a mesma falsa reverência de antes.
A escuridão da noite já cobria o jardim e, mesmo sabendo que deveria entrar, Sakura decidiu ficar mais um pouco, relutante em deixar aquela acolhedora intimidade. Cruzando as mãos levemente às costas, olhou para as estrelas que começavam a reluzir no céu.
- Esta é a hora do dia que mais gosto - confessou, num tom suave. Olhou-o de relance, a fim de verificar se ele se aborrecia com o assunto, mas ele havia se virado e olhava para o céu, como se também se interessasse pelo que havia ali.
Sakura procurou pela constelação da Ursa Maior e a encontrou.
- Veja - disse, indicando a estrela brilhante -, ali está Vênus. Ou será jupiter? Eu nunca tenho muita certeza.
- É Jupiter. E, mais adiante, está a Ursa Maior.
Ela riu, balançando a cabeça, e desviou os olhos do céu.
- Talvez pareça com um grande urso para você e para todos os outros - disse. - Mas, para mim, todas as constelações são um punhado de estrelas juntas. Na primavera até posso encontrar a Cassiopéia, mas não por achá-la semelhante a um leão. No inverno, consigo distinguir a constelação de arcturus, embora não entenda como alguém jamais viu um arqueiro em meio a todo aquele aglomerado de estrelas. Você acha que pode existir vida em algum lugar lá em cima?
Ele virou o rosto, encarando-a com espanto genuíno.
- O que você acha? - ele disse.
- Acho que sim. Na verdade, creio que seja até arrogância presumir que, dentre milhares de estrelas e vários outros planetas, nós sejamos os únicos a realmente existir. Quase tão arrogante quanto a antiga crença de que a Terra era o centro do universo, e de que tudo giraria em torno de nós. Embora as pessoas não tenham ficado exatamente gratas a Galileu, não é? Imagine, ter sido arrastado diante da inquisição e forçado a renunciar a algo que ele sabia ser verdadeiro e poderia provar com suas teorias!
- Desde quando debutantes estudam astronomia? - ele perguntou, quando Sakura se virou para pegar a taça que deixara sobre o banco.
- Tive muitos anos de leitura - ela admitiu, ingenuamente. Sem perceber a intensidade com que ele a fitava, tornou a virar-se. - Preciso entrar, agora, e arrumar-me para o baile.
Ele assentiu em silêncio, e Sakura começou a se afastar. Então mudou de idéia e hesitou, lembrando-se das mesadas das amigas, e no quanto estavam contando com ela.
- Tenho um pedido estranho a lhe fazer... um favor que quero lhe pedir - disse, devagar, rezando para que ele tivesse apreciado, tanto quanto ela, a breve conversa. Sorrindo, juntou: - Será que o senhor poderia... por motivos que não posso explicar... - calou-se, extremamente embaraçada.
- Qual é o favor?
Ela despejou tudo de um só fôlego:
- Será que poderia convidar-me para dançar, esta noite?
A expressão dele não se modificou; não mostrou-se chocado, nem lisonjeado com o pedido. Porém, dos lábios saiu a resposta firme:
- Não.
Sakura estava mortificada com a recusa, porém ainda mais atônita com o evidente tom de pesar que percebeu na voz dele. Fitou-o por um longo instante, querendo ler a resposta nos traços indecifráveis de seu rosto, até que o som de risos, vindo de algum lugar próximo, quebrou o encanto. Sakura juntou as saias, a fim de se retirar. Num esforço consciente para deixar a voz vazia de qualquer emoção, disse, com tranquila dignidade:
- Boa noite, sr. Syaoran Li.
Atirando longe o charuto, ele assentiu:
- Boa noite, srta Kinomoto...
##### Pausa no Flashback #####
Agora, sentada na saleta de Tomoeda, refletindo sobre sua desastrosa insensatez naquele fim de semana, admirou-se da sua própria ingenuidade.
Recostando novamente a cabeça no sofá, fechou os olhos e engoliu em seco o nó de humilhação que se formara em sua garganta. Porque, perguntou-se em desespero, as lembranças felizes desaparecem e se apagam, até que não se possa mais distingui-las, enquanto as lembranças horríveis parecem manter-se claras e nitidamente dolorosas?
~ Continua...
------------------------------------------------------------------------------------------------------
Oeee esse capítulo ficou maior do que eu esperava... mas foram semanas sem um capítulo novo, não poderia deixar vocês sem o querido Syaoran :D Por falar nisso gostaram da aparição dele? Tomara que sim, por que eu gosto muito da personalidade dele nessa história ^_^
Agradecendo aos comentários:
Violet-Tomoyo: Não precisa mais ficar ansiosa, por que a partir de agora o Syaoran vai aparecer sempre e tudo será esclarecido ^^ Obrigada novamente!
Serenite: Mistério é o que não vai faltar :D Obrigada pelo Review!
Jenny-Ci: Ainda bem que curiosidade não mata ne? ^^ Mas aí está o nosso querido e tudo de melhor Syaoran, espero que tenha gostado desse capítulo!
Anna: Obrigadinha pelo comentário ^_^v E como eu poderia não ler suas fics maravilhosas? Abraços!
Camis: Por partes, o tio da Sakura é um mala, mas ele ainda vai aprontar mais, aguarde ^^ Obrigada pelo elogio *emoção*! Viciada em InuYasha sim, mas a Kikyou...aquela coisa de barro, adora estragar os episódios! Visite esse site super engraçado (http://geocities.yahoo.com.br/kagome_7/killer.html) e veja como matar a Kikyou ^^v
Rô: Obrigada novamente pela dica super útil! E pode ser intrometida mesmo! Se eu não quisesse ser criticada não publicava nada, não é mesmo? Não se pode receber apenas elogios! E adorei a dica :D Obrigada mesmo!
Spooky: Também gostei muito da Sakura nessa história! Mais capítulos chegando, desculpe a demora e obrigada pelo comentário ^^
Sayo Amakusa: A Sakurinha merecia ser condessa ne? Só o Syaoran é que merecia algo mais ^^ ehhehehe E quem é Calerom? :P
---------
Abraços para todos que estão acompanhando a história ^^ E obrigada pelo review de todos. É realmente muito gratificante receber comentários, dicas e críticas! Desculpem a demora para publicar este capítulo. Beijos para todos!
Shaiene-chan (fundadora do fã-clube "Sesshoumaru é demais" e Anti-Kikyou 4ever)
