Capítulo 7 - Segredos e lembranças
Oliver a despertou com cuidado.
- Chegamos no quartel da Ordem da Fênix - disse ele, tentando parecer calmo. - Venha. Você precisa de um remédio.
Gina apoiou-se em Oliver, e ele a ajudou a se levantar. Com a varinha, Oliver abriu a porta do quartel. A jovem ainda estava extremamente tonta, e Writhe a fez sentar-se em uma poltrona. Depois, foi procurar alguém, na esperança de encontrar algo para ajudar Gina. Ela estava sofrendo os efeitos retardados de uma poção Maléfica, e era preciso achar alguma Poção Anti-Maldade. Era até uma crueldade, ferir a pureza daquela jovem - uma anjinha, contaminada com as Trevas. Um Anjo das Trevas. Isso não combinava com ela, e Oliver não queria isso.
Sentado em uma mesa da cozinha, tomando um café, Lupin olhava algum ponto indefinido, pensativo. Mas "acordou" imediatamente ao ouvir o som da campainha tocar.
- Ah, boa noite, Oliver. - Num breve instante, ele olhou para um ponto além de Writhe, como se procurasse algo. - Demorou... Foi tudo bem? - disse ele vagamente, desviando os olhos para a parede novamente.
- Depois, Remo, depois. Eu realmente preciso da sua ajuda. A Gina não está bem!
A voz de Oliver era sempre brincalhona, e como dessa vez ele falava sério, Lupin se levantou, completamente desperto.
- O quê? Como assim?
- A Poção da Maldade. Ou os efeitos dela.
- Onde ela está?
- Sentada no Hall, naquela poltrona.
- E você a deixou sozinha? Raios! - o rosto de Lupin se transformara. Anos foram retirados dele, e ele correu, eficiente, até o Hall.
Gina estava completamente deitada, com a cabeça apoiada no braço da poltrona. Lupin se ajoelhou no chão, ao seu lado, apalpando a testa de Gina.
- Como eu imaginava... - murmurou ele, e em seu rosto a preocupação estava escrita. Então, retirou um lenço do bolso das vestes, secando o suor do rosto de Gina. - Ela está com febre, e agradeço a Deus por não ser nada pior. - Lupin olhou para Oliver, que estava com uma cara de quem não sabia o que fazer. - Sabe onde está o Severo?
- Ele deve ter ido para a casa dele... ah, sei lá! Foi você quem ficou aqui.
- É, realmente... - Lupin não pareceu nem um pouco desconcertado. - Desculpe, Oliver... Ele não estava na festa, então.. Eu preciso de um favor seu. Envie uma coruja ao Snape, ou tente procurá-lo na casa dele... não sei. Mas ache-o e peça para ele preparar a Poção. Diga-lhe que estarei esperando no apartamento de Gina. Rápido!
Sem nenhuma palavra, Oliver, aparatou.
Lupin secou a face dela mais uma vez, e ficou um segundo admirando-a. Então, despertou-a com carinho.
- Ãhn, o quê?
- Calma... - sussurrou ele. - Venha, levante-se para eu te ajudar a aparatar...
Com muito esforço, ele a ajudou a ficar de pé. Passou um braço de Gina pelo seu pescoço, mas Gina conservava sua fraqueza.
Então, aparataram.
Gina tinha vagos momentos de consciência e estes não duravam mais que dois minutos. A dor de cabeça aumentava, e ela chegava a achar que esta explodiria. Então, desmaiava novamente.
Mas agora, ela sentia-se menos inconsciente, e a dor de cabeça estava suportável. Percebeu quando alguém a fez aparatar, e fez um esforço para perceber onde estava.
- Não se esforce - disse-lhe uma voz agradável, com carinho e preocupação. - Você não pode gastar energia, Gina. Segure-se em mim, venha.
Ela teve uma breve noção de que alguém a ajudava a andar, antes de mergulhar em sonos profundos e agitados, nos quais os rostos de Riddle e Voldemort misturavam-se.
A preocupação estava estampada no rosto de Lupin, enquanto ele gentilmente depositava Gina no centro da cama dela. Apalpou-a mais uma vez, e percebendo que ela estava muito quente, fez um feitiço para descobrir com quantos graus ela estava.
- 39 graus... - murmurou ele, nervoso. - Cadê o Snape? Cadê o Oliver?
Lupin teve uma idéia repentina, e perguntou-se a si mesmo por que não tinha pensado naquilo antes. Foi até o banheiro, à procura de alguma toalha. Havia um armário com várias, e não foi difícil achá-lo. Mergulhou-o sob a torneira da pia, e abriu a torneira. Água morna jorrou dela.
Então, Remo voltou ao quarto, e sentou-se na cama, ao lado de Gina. Secou o seu rosto com a toalha úmida. Ela murmurava, agitada, e Lupin conjurou um copo d'água. Levantou a cabeça dela e a ajudou a beber todo o copo. Então, deitou-a entre os travesseiros, e apertou a sua mão, instigando-lhe coragem.
Gina teve outro breve momento de consciência. Seus olhos estavam parcialmente fechados, e ela teve a percepção de que alguém estava apertando-lhe a mão e a acariciava com carinho. Ela apenas apertou-a também, antes de novamente perder os sentidos.
Lupin desviou os olhos quando Gina apertou a sua mão. Percebeu que ela voltara a dormir quando a sua cabeça pendeu molemente para o lado. Hesitou um pouco, então lhe beijou a fronte, no exato momento em que duas pessoas aparatavam no quarto.
- Ei! - disse ele, soltando sua mão da de Gina. Severo Snape e Oliver Writhe acabavam de aparatar naquele cômodo. Embora seu rosto estivesse sonolento, Severo mal disfarçou o sorriso cínico que se formou quando viu aquela cena - como se já tivesse visto aquela mesma cena antes - mas talvez, com outros personagens. - Que susto! - acrescentou Lupin, ignorando o olhar de Snape, assim como o de Oliver, que era incriminador.
- Hum, hum. - Aquilo parecia ser a única coisa que Severo podia dizer. O seu sorriso falava tudo.
- Imagino... Você parecia muito ocupado, Remo. Francamente! - Oliver sorria fortemente.
- Não estou pra brincadeiras, Oliver. - Lupin abanou a cabeça. - Ela está mal, e precisa de uma Anti-poção.
- Claro. - Ele procurou algo dentro das vestes. - Eu supus que essa garota não iria resistir aos efeitos da Poção, e preparei uma Anti-Poção. AH! Aqui está.
- Ela nunca tinha bebido isso antes! - argumentou Lupin com uma pontinha de raiva.
Snape apenas sorriu, retirando um frasquinho com um líquido branco. Entregou-o a Lupin.
- Ela tem que beber a metade do frasco, e novamente, daqui a meia hora, então, alguém precisa fazer companhia a ela. Poderíamos leva-la à Toca... - disse ele, mas Lupin o interrompeu.
- Essa hipótese está fora. Molly não sabe nada.
Snape deu de ombros. Lupin desviou os olhos e abriu o frasquinho - um cheiro doce se espalhou no ar. Ele acordou Gina novamente a fez beber apenas um gole. A jovem respirou fundo, e despertou brevemente. Acomodou-se na cama, mas Lupin a fez deitar-se novamente.
- Não pode fazer muito esforço - disse Snape. - É melhor dormir.
- Claro. - Gina sorriu, e se acomodou novamente, em um sonho com Riddle.
Lupin mordeu os lábios enquanto olhava para Gina. Então, disse, como se aquilo fosse o seu dever - ou vontade:
- Eu fico.
Snape assentiu com a cabeça, enquanto o sorriso de Oliver aumentava.
- Ok. Qualquer coisa, avise. Agora, vou dormir... - Snape desaparatou, em um bocejo.
- Eu também já vou... - Oliver bocejou. - Até breve, Remo. E cuidado, hein! A Weasley ainda está muito fraca... nada de esforço, não se esqueça!
- O que você quer dizer com isso?
- Nada que você não entenda... O que você estava fazendo... digo, o que você ia fazer quando eu e o Snape chegamos aqui?
- Você tá viajando, Oliver. Completamente. - Oliver não respondeu. Com um aceno, desaparatou.
Lupin abanou a cabeça e voltou a sua atenção para Gina. Como era noite de Lua Cheia, não sentia sono. Era um dos efeitos da Poção - e ele suspeitava que estava condenado a permanecer sem sono, preso à imagem da Lua Cheia, bela e magnânima. Ele voltou a sua atenção para Gina, que dormia a sono alto. Ela parecia tão frágil, e ao mesmo tempo forte. Era como um anjo. Um anjo que ele tinha medo de machucar, e certamente teria ódio de quem a ferisse. Mas ele não se comprometeria a protege-la - já falhara uma vez. Tiago e Lílian haviam morrido...
Lílian Evans - o grande amor da sua vida. Seu segredo. Ninguém realmente sabia disso, embora alguns como Snape desconfiassem e lançassem indiretas sobre isso. Não sabia o que faria se alguém descobrisse o seu segredo - não queria ferir a imagem de um dos seus melhores amigos. Lílian fora uma grande amiga, apoiando-o em diversos momentos. Amiga. Sim. Ela só fora isso. E ele só fora isso dela.
Remo voltou a sua atenção ao presente e acomodou-se no sofá onde estava sentado. Precisava dar o remédio a Gina em poucos minutos.
Remo despertou Gina com cuidado. Ela bebeu todo o líquido, e sentou-se na cama.
- É melhor se deitar... - começou Lupin, mas Gina interrompeu-o.
- Frio... - murmurou ela.
- Accio cobertor.
Um cobertor fino, veio flutuando até eles. Remo o pegou e depositou-o sobre Gina.
- Obrigada. - ela sorriu, mas não fez nenhum movimento para voltar a dormir. Não queria admitir, mas tinha medo de sonhar - esse era o único símbolo de seu fracasso - a única coisa que podia vence-la com facilidade. Sabia que precisava dele. De Riddle. Ele era uma parte de si - uma ligação, sim, era o que ela ainda possuía com Riddle.
- Você tem que...
- Eu sei que preciso dormir. Mas... - ela calou-se, envergonhada. Não queria que Lupin pensasse mal dela.
- Você tem em mim um amigo, Gina. Mais que um professor, mais que um profissional. Um amigo. Se quiser pode me contar. Seria um segredo nosso.
Gina abanou a cabeça.
- Sei disso, Remo. Mas é uma coisa minha, sério. Ainda não me sinto bem o bastante para dizer, de qualquer modo, você não entenderia, porque nem eu entendo, e eu sonho com ele toda noite!
Remo se levantou e sentou-se na cama ao lado de Gina. Deitou a cabeça dela em seu ombro.
- Tente dormir um pouco. Eu estou aqui com você - disse ele, acariciando os cabelos dela amigavelmente.
Então se seguiu um longo silêncio. Lupin usou a varinha para apagar a luz do abajur.
- Tem certeza que não quer ir embora? - perguntou Gina, baixinho, levantando a sua cabeça, e olhando seriamente para Lupin. Ele não desviou o olhar.
- Quer que eu vá embora?
- Sabe que não é isso - replicou ela calmamente. - Só não quero que você se canse. Tem um outro quarto aqui. Se você quiser...
- Eu tenho que cuidar de você. Não se preocupe comigo. - Ele se calou por um tempo, então acrescentou: - Eu não durmo em noites de Lua Cheia. A... a poção do Mata-Lobo. É um dos efeitos dela. Mas ainda é melhor do que virar um lobisomem por uma semana.
Remo ficou quieto, mergulhado em lembranças dolorosas. Gina hesitou um segundo, então perguntou:
- Como... como era virar lobisomem?
- Estranho, doloroso, complicado, triste... Não sei bem. Antes eu perdia totalmente a consciência e acho que era um pouco melhor, mesmo que seja um risco para outros. Não sei direito com falar. É horrível. Eu perdi uma namorada por causa do maldito dia em que eu fui imprudente... Eu gostava muito dela, da Jane. A minha primeira namorada... Mas uma amiga me ajudou a superar. Uma grande amiga. E não é só isso. Eu sofria, não só por mim, mas pelos meus pais. Eu amava-os, Katherine e Johnny Lupin... o nome deles. A minha mãe ficava tão triste quando eu me transformava, nas férias, ou antes de entrar em Hogwarts. O meu pai... ele fingia-se de forte, mas no fundo eu sabia que ele sofria. E isso me machucava.
"Um dia ouvi a conversa deles. Meu pai não me condenava, mas dizia que ficava infeliz por saber que eu sofria. Ele não queria isso. Nunca chorei tanto quanto naquele dia - e jurei a mim que mesmo eu sendo um lobisomem, daria orgulho para eles. E sei que fiz tudo direitinho. O máximo de N.O.M's, assim como Tiago e Sirius. O mínimo de detenções possíveis... eu era monitor... tudo perfeito. Mesmo eu sendo o que era.
"Minha mãe morreu no meu sexto ano... durante o Natal. Isso ficou no auge da minha loucura. Eu me senti culpado... Queria ir pra casa naquele ano, mas o Natal caía na Lua Cheia e isso significava mais sofrimento pros meus pais... Falei pra minha mãe isso, mas ela disse que não tinha problema. Que ela me amaria mesmo que eu fosse a pior pessoa do mundo. Mas ainda assim eu decidi ficar - e naquele Natal ela morreu. Nunca perguntei do que fora... até hoje não tenho coragem... Dumbledore foi pessoalmente falar comigo - e isso não é consolo, acredite. Eu não consegui falar nada... não podia. Tiago, Sirius e Pedro não tinham palavras e entenderam quando eu quis ficar sozinho. Mas mesmo assim eles me acompanharam como animagos... Grandes amigos, sim, eles eram. Pedro, ao seu modo, também era. Mas somente uma pessoa me fez sentir-me menos culpado. A Lílian... Um amor de pessoa ela era, e também tinha perdido o pai em outubro. Eu estava sentado na beira do lago, e ela veio e se sentou ao meu lado. Ficamos calados por horas... aí ela me disse que entendia como eu estava me sentindo. Uma grande amiga. Assim como Tiago.
"E meu pai... meu pai não viveu muito tempo depois da morte da minha mãe. Só mais sete meses. Conversei com ele uma última vez. Mas não quero falar disso. Faz tanto tempo, mas é algo tão... tão presente. Então, há dois anos, Dumbledore me contou que havia uma Poção que talvez fosse a cura definitiva para o meu 'problema'. Mas que poderia derivar algumas conseqüências... Então pensei nos sofrimentos dos meus pais. Decidi tomar a poção. De alguma forma queria tentar contornar o sofrimento deles. Sofro os efeitos... sabe, não durmo em noites de lua cheia, às vezes me pego olhando-a, como se precisasse dela e... mais algumas coisas. Mas não me arrependo."
Nesse ponto, Lupin se calou pensativo, e lágrimas de dor e tristeza surgiram em seus olhos, mas ele esforçou-se para contê-las, inutilmente. Elas escapuliram, silenciosas pelo seu rosto. Gina adiantou a mão, e com as costas desta, secou-as gentilmente, olhando nos olhos de Lupin. Então, beijou-o delicadamente na face, e acomodou a cabeça no peito dele, adormecendo tranqüilamente. Lupin sorriu, e beijou o topo da cabeça dela. Então se levantou com cuidado, e jogou-se em um sofá, adormecendo entre lembranças.
Gina acordou depois de um longo sono reparador. Bocejou e espreguiçou, antes de abrir os olhos. Lupin dormia a sono solto na poltrona perto do armário. Ela sorriu um pouco, então colocou um robe por cima do vestido preto. Estava tão cansada na noite anterior que nem trocara de roupa. A noite anterior... é. Ela teria que falar na Ordem da Fênix sobre seu encontro com Voldemort. Não havia sido nada mal, embora ela achasse seriamente que ele estava brincando com ela. Talvez fosse só impressão.
Aparatou no Balcão de Pedidos do Grand Wizard Hotel, e pediu para levarem um café-da-manhã completo e duplo para seu quarto. Logo que aparatou lá, duas bandejas já aguardavam na mesa. Então voltou ao seu quarto e ajoelhou-se perto do sofá para despertar Lupin.
- Remo... - chamou. Ele despertou de um salto.
- Gina? Desculpe. Já deve ser tarde. Eu preciso ir embora...
- Não se preocupe - ela sorria. - Já que você cuidou de mim durante a noite, hoje eu cuido de você. Venha tomar um café.
- Tudo bem... Você me venceu. Só vou ao banheiro antes.
Gina sorriu mais uma vez e não respondeu.
- Estava maravilhoso! - comentou Lupin, uma hora depois, ao se despedir de Gina. - Eu... eu queria agradecer você. Poder confiar em alguém para falar sobre coisas que estavam entaladas em mim há anos foi muito bom.
- Eu quem agradeço por você ter confiado em mim.
Eles ficaram em silêncio por um tempo, imersos em seus próprios pensamentos. Então Lupin quebrou-o.
- Dumbledore disse que tem uma reunião às 3 horas, pra você poder falar.
- Certo. - Novo silêncio.
- Acho que eu já vou ir. Qualquer coisa me chame.
- Certo - repetiu ela. - Então, até breve.
- Isso. - Ele estendeu a mão, que ela apertou calmamente. - Até breve.
E aparatou.
