Nota de maio de 2005: por causa de uma outra norma imbecil, idiota e (porque não dizer também) estúpida deste site, tive que retirar a letra da música que acompanha este songfic. Mas a versão completa já existe em outro site - ver profile.

Send me an Angel

Início

Música: "Send me an Angel", do grupo Scorpions.

Para Lally-dono.

Um quarto de hospital.

Sim, era mesmo um quarto de hospital. As impressões dele não estavam erradas.

Há quanto tempo estava ali?

Fechando novamente os olhos que abrira para reconhecer o lugar, Li Syaoran respirou fundo e apurou os ouvidos. O único som que havia naquele lugar era o gotejar do soro que estava ligado em sua veia. Abriu novamente os olhos e virou lentamente o rosto para o lado, enxergando assim o poste com a bolsa ligada por um fio na veia.

Há quanto tempo estava ali?

Fechou novamente os olhos, tentando lembrar-se dos últimos acontecimentos antes de parar lá. Tinha certeza de que estava numa festa. Era uma festa, Eriol também estava lá. Eriol, a "esposa" dele, alguns intermediários...

"Malditos...", pensou.

Há meses não tinha uma recaída, e desta vez a coisa pareceu mais séria. Eriol deve tê-lo levado àquele hospital, e ainda sentia o braço doer.

Os intermediários que encontrara na festa eram velhos conhecidos. Os três – porque eram três – conseguiram fazê-lo ter...

Há quanto tempo estava ali?

A única coisa que se lembrava era de ter usado o braço para injetar a droga. Nunca tinha feito aplicação naquele local, e preferiu ali na hora para não deixar Eriol desconfiado. Mas lembrou-se depois da dor... A primeira, a segunda... Na terceira vez, sentiu a veia estourar e o sangue escorrer pelo braço e sujar o tapete.

Eriol realmente deve ter ficado furioso. A "esposa" dele não deve ter gostado do sangue no carpete limpo.

Depois que a família morreu, há dois anos, a vida de Syaoran virou o que ele mesmo chamava de "inferninho". O pai era um rico empresário chinês, tinha também irmãs, a mãe... Todos morreram num acidente de avião.

Os meses seguintes foram de depressão profunda. Não terminou o penúltimo ano de Direito e viveu às custas do dinheiro da herança, gastando-o com bobagens, até que finalmente começou a gastá-lo com drogas.

Em um ano e meio, Syaoran teve diversas recaídas, sempre arrependendo-se depois de usá-las. Por um acaso, depois de ter sido preso por porte de algumas drogas perigosas, reencontrou um dos colegas da antiga faculdade, Hiragiizawa Eriol, que se formara e começara a administrar a herança do rapaz por ordens de alguns membros da família em Hong Kong. Mas não foi por acaso que Eriol descobriu o que Syaoran passava no momento.

Eriol o convidou para morar na casa dele para vigiá-lo melhor, conheceu também a adorável namorada dele, a qual carinhosamente a chamava de "esposa do senhor Eriol" ...

Qual era o nome dela mesmo?

Claro que conseguia escapar da vista do amigo algumas vezes, mas na última – não – na penúltima agora, o rapaz ficara furioso com Syaoran e teve uma violenta conversa com ele, ameaçando-o mandá-lo para uma clínica de dependentes e tirar-lhe o direito da herança se usasse alguma droga de novo.

Eriol deve ter ficado furioso.

Por que ele sentia um peso tão grande na consciência?

Afinal, ele se importava tanto com aquele dinheiro para sentir a falta dele?

Syaoran não sabia nem o porquê de começar a usar aquilo. Apenas para se sentir melhor e sair da depressão, talvez. Nem conseguia encontrar uma resposta. Pelo menos sempre se cuidou: nunca usou agulhas e dessa última vez tomou cuidado de não usar uma seringa compartilhada. Afinal, ele não era tão doido assim, não queria pegar nenhuma doença e...

Por que aquilo parecia uma desculpa esfarrapada para o que sentia no momento?

-Maldição... – ele murmurou numa voz fraca e rouca. Até o corpo pareceu doer com o movimento dos lábios.

-Já acordou?

Syaoran teve que forçar a cabeça a virar para o outro lado. Ao fazê-lo, encontrou Eriol sentado em uma poltrona, fechando um jornal que lia antes do rapaz acamado acordar. E, diga-se de passagem para Syaoran, não parecia de bom humor.

Depois de quase um minuto de silêncio, Eriol voltou a falar:

-Não vai falar nada?

Syaoran apenas o olhava, esperando pacientemente pela "explosão". Não demoraria muito...

-Bem, então deixe-me falar... – Eriol largou o jornal dobrado em cima de uma mesa ao lado da poltrona e levantou-se.

O rapaz na cama via-o aproximar-se lentamente, mas esqueceu-se por completo dele ao baixar um pouco mais os olhos e ver o outro braço engessado. Lembrou-se de como o machucara: a carne doendo, a veia estourando, o cérebro ficar alucinado, a sensação de horror misturado à sensação de alegria que a droga proporcionou...

Como tinha agüentado aquilo? Pensando agora, era realmente uma sensação apavorante. E há quanto tempo estava ali?

-Vendo o estrago que causou? – escutou Eriol perguntar. Por uma estranha razão, estava disposto a escutar o que o rapaz tinha a dizer, coisa que usualmente detestava fazer.

Eriol puxou uma parte da calça social que usava para poder se ajoelhar perto da cama. Os olhos dele brilhavam estranhamente furiosos e a voz soou fria quando falou:

-Muito obrigado – as sobrancelhas de Syaoran se arquearam ao escutar aquilo – Muito obrigado mesmo... Por gritar como um animal na minha festa, assustar meus convidados e sujar o chão da casa com sangue.

Syaoran não comentou.

-Li... – Eriol deu um suspiro e fechou os olhos – Que diabos tem nessa cabeça? Geléia com prazo de validade vencido?

Diante do silêncio, o jovem advogado continuou:

-Fala alguma coisa, damm!

Mais um momento de silêncio. Eriol levantou-se subitamente, inclinando-se momentos depois para falar num tom mais frio próximo do rosto de Syaoran:

-Você teve sorte... eu impedi que os médicos amputassem o seu braço, sabia?

-Eriol! – uma voz feminina soou no quarto. O rapaz chamado levantou-se depressa e olhou para trás.

Uma graciosa figura estava parada na entrada do quarto segurando um pequeno vaso de violentas. A garota entrou e fechou a porta, aproximando-se depois da cama, não deixando de mandar um olhar zangado para o namorado. E somente naquela hora é que Syaoran pôde ver-lhe o rosto.

Estava disposto a dar uma moeda para quem o fizesse lembrar do nome dela. Bem, esperava que pelo menos o namorado o pronunciasse...

-Querida – Eriol começou -, você veio com quem?

-O irmão de uma amiga me trouxe aqui – ela começou, desviando o olhar para Syaoran, colocando depois o vaso na mesa que havia do lado oposto ao soro – Você está melhor? Eu trouxe umas flores pra alegrar o quarto, já que não sabemos quando tempo ficará aqui...

Mas quanto tempo fazia que estava ali?

-É melhor deixar longe dele, ou ele vai pegar pra tirar ópio pensando que é papoula. – Eriol falou, sarcasticamente.

-Pare com isso! – a garota redargüiu – Não ligue pra ele, Li. Eriol ainda não se acalmou. Você o deixou muito nervoso.

A garota esperou por alguma fala de Syaoran, mas o rapaz permaneceu calado, tentando lembrar-se do nome dela.

-Ele não quer falar – Eriol comentou – Vamos voltar pra casa, estou precisando dormir... – afastou-se da cama e levou-a em direção da porta.

-Mas o Syaoran...

-Vamos, vamos... Deixe-o aí. Ele é do tipo que gosta de sofrer e que tenham pena...

A namorada mandou um olhar triste para a cama onde estava Syaoran.

Quando já estavam na porta, Eriol parou quando escutou o nome dele:

-Hiragiizawa?

Tanto ele quanto a namorada viraram para olhar Syaoran. Este olhava para o teto, mas percebendo que tinha a atenção daqueles dois, virou o rosto lentamente e perguntou com uma voz embargada:

-Há quanto tempo estou aqui?

o-o-o

A paisagem passava rápido pelo vidro da janela, mas Syaoran tentava prestar atenção em tudo do caminho até chegar à clinica de dependente químicos.

"-Tomoyo, querida... pode esperar lá fora?

-Ok... – a garota saiu depois de lançar mais um olhar preocupado a Syaoran.

-Eu trouxe você pra cá ontem de madrugada – Eriol começou depois que a garota saiu. Intimamente Syaoran estava feliz por finalmente lembrar o nome dela – Você realmente passou dos limites."

Syaoran olhou para a paisagem de novo. Estavam indo para uma das zonas mais calmas e ecológicas de Tomoeda. Nunca tinha passado por aquelas bandas, por isso resolveu prestar atenção à tudo.

"-Já sabe que não tem mais dinheiro, né?

-Eu deveria... me importar com isso?

-Aa... Então está feliz por ser um homem pobre? Que bom. Não se importará muito em saber que seu dinheiro foi para algumas instituições de caridade."

-Acho que essa clínica deve ter recebido; devo ser "dono" dela, eu acho... – ele falou em tom vago. O motorista baixou o vidro ao escutá-lo falar.

-O senhor disse algo? – perguntou.

-Nada importante – Syaoran respondeu – Falta muito para chegarmos?

-Não realmente, senhor.

-Certo – o rapaz voltou a olhar a paisagem.

"-Assim que terminarem de tratar seu braço, você irá pra uma clínica de dependentes.

-O... O quê...? – Syaoran perguntou num fio de voz.

-Você é o culpado disso. E não precisa ficar assim: foi algo que já tínhamos combinado!"

Foram duas semanas de tratamento até a recuperação. Syaoran lançou um olhar ao braço e dobrou-o diversas vezes, confirmando o fato dele já estar bom.

"-Tudo bem que me mande pra uma clínica, mas por que o meu dinheiro, a minha herança?

-Porque assim você não tem como comprar drogas – Eriol sentou-se de novo e cruzou as mãos num gesto elegante.

-Mas...

-Você assinou um compromisso, Li. Não tem como fugir dele. "

E não deu mesmo para fugir. Logo depois que o médico atestou que Syaoran já estava melhor, Eriol só o levou para casa apenas para escolher as roupas que levaria para passar seis meses na clínica.

"-Tudo que queremos é que saia disso! Deus, você... – Eriol tomou fôlego – Você quase perdeu um braço por causa daquela maldita heroína! Os policiais pensaram que EU estava te fornecendo! Estou até o pescoço enrolado com essa história porque as autoridades acham que EU sou o responsável por você, como se eu fosse a sua babá!"

Syaoran riu com aquela lembrança.

-Já estamos chegando, senhor.

-Obrigado – ele respondeu.

"-Eu não sou babá de ninguém, Li! Mas eu... – ele deu um longo suspiro – Eu não posso ignorar o que está passando... Acredito que.. no fundo... Você está sofrendo muito também..."

-Chegamos, senhor.

Syaoran olhou curiosamente para a fachada da clínica pela janela.

"-Tomoyo já encontrou um lugar. Você vai passar seis meses lá."

O motorista abriu a porta com uma das mãos, segurando uma das malas de Syaoran na outra.

Seriam longos seis meses ali.

"-Espero que você se recupere, Li. Não só eu espero, mas também Tomoyo quer... Pense na sua família também... Não acredito que eles estariam gostando do que está passando – Eriol se levantou e foi até a porta – Assim que sair daqui, vamos levar você pra lá.

Estava para sair quando escutou Syaoran chamá-lo de novo:

-Hiragiizawa?

-Hai? – ele parou.

-Arigatou.

Depois de um momento de silêncio, Eriol respondeu:

-Volte a salvo pra todos, Li."

Syaoran segurava as duas malas, escutando o carro atrás de si ir embora. Olhou para a entrada e leu a placa com o nome da clínica.

Clow.

Era um nome muito engraçado para um lugar que inspirava seriedade. O jardim era muito bem cuidado, tudo era muito limpo e arrumado. Olhou para alguns bancos e viu alguns descansando, lendo livro, conversando. Apenas naquela hora se deu conta de que não era o único no mundo passando por aquele problema.

-Seis meses... – ele falou com um suspiro e desanimado.

Caminhou até a porta de entrada para falar com algum responsável dali.

o-o-o

Duas semanas pareceram uma eterna tortura para Syaoran. O rapaz se sentia ainda mais deprimido por não poder usar mais drogas, sem contar que sentia-se como um presidiário numa clínica com centenas de enfermeiros que vigiavam o quarto e muitos doutores fazendo exames. Desde o momento que pusera os pés no local, Syaoran nunca mais tinha saído para ir à cidade, saindo apenas para passear pelos jardins. Conhecera alguns dependentes também, mas não os conhecia direito, sequer importando-se em saber o nome deles.

Naquela manhã, resolvera passear pelos jardins depois de cinco dias sem sair do quarto. Nos primeiros dias, o rapaz passou por crises de insônia e ataques de raiva, algo comum quando se estava em lugares como aquele. Na segunda noite, começou a quebrar os móveis do quarto achando que alguém havia escondido alguma droga ali, chamando assim a atenção de muitos enfermeiros e médicos que tentavam acalmá-lo. Quase não foi possível: parecia que o Syaoran tinha a força de cinco homens num só. Por causa disso, era difícil para ele andar pelos corredores sem a companhia de um enfermeiro que tinha o tamanho de um armário. A lembrança de ter quebrado uma televisão no pé de um dos médicos causava-lhe risos.

Mas nos últimos dias sentia-se ainda mais deprimido. O fato de não conhecer ninguém para poder conversar e de ser proibido de telefonar para outras pessoas por questão de segurança do próprio local estavam fazendo Syaoran entrar numa depressão profunda. Queria muito escutar a voz de algum conhecido e não podia, sentia vontade de gritar e não conseguia.

Estava sofrendo.

-Como está se sentindo, senhor Li? – o médico que cuidava dele perguntou. Syaoran nem percebeu a aproximação dele.

-Doutor Tsukishiro... – ele murmurou.

-Ainda está querendo destruir os móveis da clínica? – ele perguntou gentilmente, sentando-se ao lado de Syaoran em um dos bancos do jardim.

-Eu sinto muito pelo seu pé... – ele falou, baixando o rosto.

-Não se preocupe com isso – o médico falou de novo – Outros pacientes já tentaram me matar, sabia? – viu Syaoran arquear as sobrancelhas – Além disso, ele já está bom. Ainda estou mancando, mas daqui a algum tempo vou melhorar.

-Se já está bom, poderia, por favor, pedir pra aquele "armário" – apontou para frente, onde depois o médico avistou um rapaz muito alto em pé e vigiando Syaoran à distancia – parar de me seguir?

Syaoran viu o médico reprimir um sorriso.

-Isso eu não posso fazer... Ainda está em observação. Além disso, Tooya não o está atrapalhando em alguma coisa, está?

-Mas eu... – Syaoran baixou de novo a vista – Quanto tempo ainda ficarei em "observação"? Dá a impressão de que sou um presidiário aqui, outras vezes parece que sou uma cobaia de todos os médicos!

O sorriso gentil do médico morreu e ele olhou sério para Syaoran.

-Estamos fazendo isso para o seu próprio bem. A pessoa que o internou aqui quer que você volte livre do vicio, senhor Li. – o médico levantou-se do banco e ficou em pé em frente de Syaoran – O que está passando é normal. Acredito que daqui a algum tempo irá superar tudo. Quanto ao que diz em ser um "presidiário", saiba que daqui a algum tempo poderá sair para passear fora da propriedade da clínica. Por enquanto, ainda não sair.

Um minuto de silêncio se seguiu antes do médico continuar:

-Quer falar com alguém que conhece?

Syaoran levantou o rosto, expressando no olhar a surpresa que sentia pela pergunta.

-Eu... Eu posso ligar pra alguém?

-Um telefonema é o suficiente. Pode fazer isso depois de sua sessão de terapia.

Ah, não... A terapia fazia Syaoran se sentir menos confortável em estar ali. E não podia nem fugir dela por causa do enfermeiro que o vigiava e que o lembrava de todos os compromissos do dia. Mas se era o único jeito poder dar um telefonema, de falar com alguém, então tinha que aceitar.

-Depois da terapia, você pode pedir para Tooya levá-lo até minha sala, certo? – o médico deu outro sorriso gentil.

-Entendi.

-Até mais tarde, senhor Li. – Syaoran o viu afastar-se e depois aproximar-se do enfermeiro. Viu-o conversando com ele e algumas vezes o médico apontou para Syaoran e continuou falando com o "vigia". Provavelmente estava falando a ele que o levasse para a sala para dar o telefonema.

E Syaoran já sabia para quem ligaria.

o-o-o

O motivo de Syaoran detestar as sessões de terapia era que o rapaz sempre encontrava alguém que estava em estado mais miserável que o dele. Pessoas falavam das experiências que tiveram com drogas, do que estavam passando no momento, e Syaoran parecia sentir todo o peso do mundo na memória. Escutava pessoas falando de como tentaram matar os pais, os irmãos, roubar, escutava os depoimentos de intermediários... Tudo aquilo o fazia sentir-se mais deprimido e com mais ansiedade de sair dali.

Definitivamente, aquilo não o fazia sentir-se bem.

Logo depois que acabou a sessão, Syaoran procurou o enfermeiro para que o levasse até a sala do médico que o tratava. Tooya o guiou até lá no habitual silêncio. Quase nunca falava, a não ser para responder por monossílabos algumas perguntas que Syaoran fazia-lhe.

Assim que chegaram na sala, Syaoran encontrou o médico sentado numa confortável cadeira e lendo alguns formulários. Quando este o viu entrar ao lado de Tooya, ele se levantou e foi até ele.

-Não precisa ficar aqui, Tooya. Já pode até ir embora, se quiser.

Syaoran olhou curiosamente para o enfermeiro. Então ele iria sair mais tarde? E ia deixá-lo sozinho?

Tooya fez um sinal com a cabeça e saiu da sala.

-Bem... – o médico começou – Pra quem você quer ligar?

-O senhor vai ficar aí e escutar a conversa?

-Não, não vou. – ele sorriu gentilmente – Apenas quero saber. Ninguém vai escutar sua conversa, mas preciso saber pra quem vai ligar por questão de segurança. É apenas uma norma, não ligue. – ele pegou o fone e esperou pacientemente pelo número que Syaoran forneceria.

-Vou ligar pra um amigo... O que me colocou aqui.

-Ah, o senhor Hiragiizawa... Muito bem. Eu já sei o número dele. – e começou a discar.

Syaoran arqueou as sobrancelhas. Eriol por acaso conversava com aquele médico?

-Moshi moshi? – o médico começou depois de esperar pacientemente que alguém atendesse no outro lado da linha – Hiragiizawa-san está? Hai. Aqui é Tsukishiro Yukito-sensei, o médico responsável pelo senhor Li.

Depois de mais de um minuto de espera, Yukito voltou a falar:

-Senhor Hiragiizawa? Sim, estou bem. Ah, não aconteceu nada com ele, imagine... Ele apenas quer conversar um pouco, pode ser? Não está atrapalhando a sua pessoa? Muito bem... Vou passar pra ele agora. Obrigado.

Yukito estendeu o fone para Syaoran e este o pegou, vendo depois o médico levantar-se e sair da sala.

-Vou esperar lá fora. – disse antes de fechar a porta.

Na sala, o rapaz respirou fundo antes de começar a falar:

-Moshi moshi?

-Queria falar comigo? a voz de Eriol soou sarcástica do outro lado.

-Eu queria apenas dizer que já estou bem...

-"Bem"? Como assim, "bem"?

-Eu já estou melhor, não preciso mais ficar aqui.

-Isso soa tão estranho de alguém que quebrou o pé de um médico há pouco tempo...

-Como você...? Caramba... Estou falando sério, droga! – Syaoran começou a irritar-se – Não quero mais ficar aqui!

Mais de um minuto de seguiu antes de Eriol voltar a falar:

-Não posso, Li.

-Por quê? – a voz de Syaoran saiu angustiada – Eu não quero ficar aqui. Este lugar me dá nos nervos.

-Pelo menos você sente que tem algum nervo. Há pessoas viciadas que nem sentem mais os dedos escutou Eriol dar um suspiro – Você não pode sair daí, embora eu acredite que realmente esteja melhor. Mas é muito fácil sair dizendo que está melhor e depois voltar pra clínica porque teve uma recaída. Eu quero que realmente se livre do vício.

-Mas...

-Li, não vou tirar você daí. Da última vez você ficou dois meses longe delas antes de tentar destruir as veias do braço. Você não me inspira muita confiança estando só duas semanas aí. escutou-o parar de falar para conversar com alguém do outro lado – Espere um pouco, Tomoyo quer conversar com você.

-Li? a voz de Tomoyo soou na linha.

-Como você está? – ele perguntou sem emoção.

-Estou muito preocupada com você. Espero que melhore, tá?

-Tá – Syaoran não sentia nem mais vontade de conversar depois daquela conversa com Eriol.

-Melhore, por favor, Syaoran... - Tomoyo parecia querer chorar de preocupação.

-Tá. – ele respondeu sem emoção.

-Quer falar com Eriol?

-Não.

-Mas, Li...

-Adeus, Tomoyo. – Syaoran desligou o telefone sem dar a chance para a garota terminar.

Colocou o fone no gancho e amparou a cabeça com as mãos. Sentia-se ainda mais deprimido depois de falar com Eriol, o que o deixava ainda com mais vontade de sair dali.

Mas ele já tinha algumas idéias para aquilo... E só havia uma saída...

o-o-o

Logo depois que Syaoran descobrira que aquele era o dia de folga de Tooya, o rapaz voltou para o quarto e esperava pacientemente que todos os corredores ficassem silenciosos. Ele queria que ninguém o impedisse de concretizar o plano.

Por que viver ali se não sentia vontade de conversar?

Por que viver ali se não tinha bem ao menos vontade de comer?

-Por que ficar vivo se ninguém confia em mim...? – ele falou sem emoção, olhando para o teto do quarto.

Era um quarto com pouquíssimos móveis. A televisão fora tirada de lá depois do incidente com o médico, havia apenas um armário, a cama, um criado mudo e uma poltrona, tudo muito limpo e arrumado. Diversas vezes ao dia, quando Syaoran não estava no quarto, os enfermeiros iam a todos os quartos para revistar os móveis e procurar por alguma coisa suspeita. E o de Syaoran não escapava da vistoria, o que o fazia sentir-se mais prisioneiro ali.

Naquele dia em que Tooya saiu, chegou um novo paciente que passara o dia trancado no quarto, gritando até a voz começar a soar rouca. Muitos enfermeiros vigiavam a porta do quarto do rapaz, que ficava ao lado do quarto de Syaoran.

Li Syaoran fechou os olhos. Não reclamava do barulho. Tinha certeza que os estragos que causara nos primeiros dias tinham sido bem piores que o daquele rapaz.

Naquele dia em que Tooya saiu e no qual o paciente chegou, Syaoran sairia dali.

Olhou mais uma vez para o relógio. Estava para dar onze da noite. O rapaz do quarto ao lado começou a gritar mais alto. Logo depois, Syaoran escutou o passo dos enfermeiros correndo pelo corredor e até a voz de Yukito falando em tom mais alto. Acreditava que estavam tendo problemas com ele. Escutou depois uma luta, mulheres gritando e o paciente gritar mais alto.

Naquele dia em que Tooya saiu, no qual o paciente chegou e em que Syaoran sairia dali, ninguém o atrapalharia.

Syaoran queria...

-Por que ficar vivo se ninguém confia em mim...?

...morrer.

O rapaz, percebendo que ninguém parecia preocupado com outros pacientes além do "Pavarotti" do quarto ao lado, levantou-se da cama e procurou por alguma coisa no quarto para ajudá-lo. Já sabia que uma tira do lençol da cama o ajudaria, mas precisava de algo para se pendurar.

Achou um gancho no teto, mas não o ajudaria muito por ser fraco para sustentar o peso do corpo. Aquilo o faria despencar sem ao menos arranhar o braço.

Olhou mais uma vez ao redor. Por que era tão difícil imaginar algo que o ajudaria?

O armário.

Li olhou atenciosamente para o móvel. E se conseguisse prender o lençol no alto da porta e fechá-la para prender?

Syaoran foi até o armário, contente consigo mesmo. Finalmente conseguiria sair dali, se não fosse por...

-Está trancado. – escutou uma voz feminina falar.

Syaoran ficou assustado ao virar o rosto para trás e ver uma enfermeira ali, parada na entrada do quarto, de olhos fechados e sorrindo gentilmente.

-Os quartos são preparados para não dar chance alguma aos pacientes tentarem suicídio. Muitos já tiveram a idéia de prender a ponta do lençol no armário para depois subir numa cadeira, com o nó no pescoço e chutar a cadeira para quebrar o pescoço. Por isso nós sempre trancamos as portas antes de todos irem dormir.

A enfermeira continuava sorrindo. Syaoran nem piscava, impressionado por ela estar ali e saber o que ele planejava.

-Acredito que seja muito doloroso, por isso eu peço a você que não tente fazê-lo.

A garota abriu os olhos e Syaoran pode encarar os brilhantes olhos verdes dela.

Por algum outro motivo que desconhecia, largou o lençol que não percebia que segurava.

o-o-o

Minna-san, ogenki ka (?)

Espero não tê-los decepcionado. Se considerarem este capítulo digno de um comentário, ficarei muito feliz em recebê-lo.

Kisu no Shampoo-chan. )