Atravessando os Sete Mares
Capítulo II – Destino
Quatre estava preocupado, pois fazia dois dias que Duo havia saído de sua casa e não retornara. Ele havia prometido voltar no dia seguinte, mas não aparecera e, como não sabia onde ele havia ido à cidade, não poderia mandar procurá-lo.
"Será que aconteceu alguma coisa com ele? E se ele teve de fugir, mas Duo não deixaria Hell aqui, e se fosse assim ele teria me avisado e mandado busca-lo. Droga Duo onde você se meteu".
Quatre andava de um lado para outro, sendo acompanhado pelos olhos dourados do falcão. Como Duo não aparecera na tarde seguinte, conforme o prometido, Quatre resolveu tirar o falcão de dentro do quarto, preocupado que o animal se tornasse muito arrisco quando trancado o tempo inteiro. Então Quatre levava o animal consigo a qualquer parte da casa. No momento, ele estava em seu gabinete, pensando onde seu amigo poderia estar, quando alguém bateu a porta.
*Bam...bam*
- Entre.
- Lorde Quatre?
- Sim, Rashid.
- O senhor tem visitas.
- Visitas? Quem poderia ser? Não estou aguardando ninguém no momento, a não ser o Duo que ainda não deu notícias.
- São dois jovens, senhor. Eles estão usando as roupas da marinha real.
- Droga! Será que o Duo foi preso?
- Não creio senhor. Eles disseram se chamar Yuy e Barton.
- Heero?
- Conhece, senhor?
- Claro, traga-os até aqui, por favor, Rashid.
- Como quiser senhor.
Rashid deixou o gabinete e dirigiu-se a sala onde aguardavam os dois jovens de boa aparência e olhar frio.
- Senhores, o Marquês Winner irá recebe-los no gabinete. Sigam-me, por favor.
Os dois jovens se levantaram e seguiram o criado em direção ao gabinete. Heero não sabia qual o motivo o levara a querer procurar seu antigo amigo Quatre, eles não se viam há quase um ano, trocavam correspondências uma vez ou outra. Na verdade fora uma surpresa saber que Quatre estava na cidade, uma vez que ele quase não saía da cidade de Turshinz. Assim que chegara ao porto esta manhã, ele e seu imediato decidiram providenciar acomodações confortáveis na cidade, até que a fragata, na qual serviriam, estivesse pronta para deixar o porto. Heero desejava também enviar uma correspondência ao seu amigo o informando sobre sua nova posição, à frente de uma fragata, por isso procurou uma das residências dos Winner's, como sempre fazia quando queria enviar alguma correspondência ao amigo, mas ao chegar a residência na cidade, para perguntar se poderiam levar a carta, um empregado o informará que o mesmo se encontrava em casa.
Aos 25 anos de idade Heero Yuy era o mais novo capitão de fragata da marinha real. Muitos homens invejavam sua posição e diziam que ele não possuía idade suficiente, nem experiência para estar à frente de uma fragata do calibre da Wing Zero. De descendência estrangeira, possuidor de olhos azuis profundos e cabelos castanhos escuros, que insistiam em crescer desordenadamente, mas que lhe davam um aspecto capaz de atrair olhares de inúmeras moças e também rapazes. Ele sabia que sua aparência costumava atrair as pessoas, mas ele não se interessava por elas, seu único desejo era ser o comandante de uma fragata. Ele fora o mais jovem a se formar e agora era o mais jovem capitão da marinha, como desejava, mas ele ainda sentia que faltava algo em sua vida.
Rashid bateu novamente na porta do gabinete e ouviu Quatre lhe dizendo para entrar. Assim que a porta se abriu, dois jovens vestindo as roupas da marinha real entraram, fazendo o falcão empoleirado na haste de madeira em forma de T se agitar um pouco.
- Rashid, traga alguma coisa, por favor.
- Como quiser, senhor.
- Heero, há quanto tempo!
Quatre se levantou e abraçou o amigo carinhosamente. Heero retribuiu o abraço, um tanto quanto desconfortável. Ele não estava muito acostumado a abraços e outras demonstrações de afeto, mas ele sabia o quanto seu amigo era amável para com as pessoas mais chegadas. Na verdade, Quatre costumava ser amigável com todo mundo. Ele continuava com o mesmo olhar doce e gentil de sempre; não importavam as dificuldades, Quatre sempre sorria, mesmo depois de ter ficado quase um ano a mercê de um pirata perigoso e dois anos depois ter pedido o pai, ele continuava sorrindo.
Quatre se afastou ligeiramente de Heero, ele sabia que seu amigo não gostava de ser tocado dessa forma ou de demonstrações de afeto em geral, mas ele não pudera evitar, era uma alegria vê-lo novamente, ainda mais agora quando estava preocupado. Foi então que Quatre notou um outro rapaz, um pouco mais alto, de incríveis olhos verdes e cabelos castanhos com uma franja que cobria um dos olhos. Por algum motivo, sentiu um arrepio percorrer seu corpo, quando seus olhos encontraram a íris verde. Heero notou o olhar entre os dois e decidiu apresenta-los.
- Barton ,este é o Marquês Quatre Raberba Winner, um bom amigo. Quatre, este é o Tenente Trowa Barton, um amigo meu.
- É um prazer conhece-lo, Marquês.
- O prazer é todo meu. Mas, por favor, me chame apenas de Quatre.
- Tudo bem, Quatre.
Quatre se sentiu ruborizar no instante que sua mão tocou a do outro rapaz, nunca em sua vida isso tinha acontecido antes. Por algum motivo ele não conseguia desviar dos olhos de Trowa, e o rapaz também parecia fascinado pelo jovem loiro. Heero achou engraçada a reação dos dois, que pareciam não terem notado que estavam segurando um a mão do outro e se observando há alguns minutos. Trowa pareceu sair do encantamento primeiro e sorriu fazendo o loiro ruborizar ainda mais. Quatre foi salvo de um constrangimento maior ao ouvir uma batida na porta indicando o retorno de Rashid. Ele soltou a mão do moreno e pediu que Rashid entrasse.
- Sente-se, por favor, Heero. Faz muito tempo que não nos vemos não é. Como soube que eu estava na cidade?
- Na verdade, eu vim para perguntar se podiam entregar uma carta minha a você, quando Rashid me informou que você estava aqui.
Rashid colocou uma bandeja com três canecas, uma jarra de vinho, pão, queijo, pedaços de carne e algumas frutas sobre a mesa se retirando em seguida. Todos se serviram de uma caneca.
- E o que dizia a carta?
- Nada de muito importante. Eu queria apenas saber como estava e dizer que agora sou o mais novo capitão da fragata da marinha real.
Os olhos de Quatre brilharam em alegria pelo amigo. Era muito bom saber que Heero havia conseguido chegar ao comando de um navio. Ele sabia o quanto era difícil chegar a tal posto e que tal posição era o sonho de seu amigo. O falcão saiu da janela e pousou nas costas da cadeira cutucando a cabeça de Quatre com o bico. Quatre sorriu coçando a cabeça e dando um pedaço de carne para a ave. Heero ficou admirando o animal que tinha as penas das asas e da cabeça negras e o peito branco, ele também tinha incríveis olhos dourados que pareciam analisa-lo.
- Não sabia que tinha um pássaro, Quatre? É um falcão não é?
No mesmo instante, Heero pode notar que Quatre ficou um tanto apreensivo, apesar de continuar a sorrir. Seu sorriso estava diferente. Trowa também pode notar que as feições do rapaz a sua frente haviam mudado ligeiramente, como se algo o estivesse preocupando. Quatre sabia que suas feições haviam mudado quando Heero perguntou sobre o falcão, ele sabia que não conseguiria mentir então ele achou que não precisaria contar toda a verdade.
- É um falcão sim, mas não é meu, é de...um amigo. Ele me pediu para tomar conta.
- Tomar conta?
- É, ele tinha alguns assuntos a resolver, e não poderia leva-lo, assim me pediu este favor e eu não pude recusar. Você sabe como eu sou.
- Eu sei. O animal parece gostar de você.
- É ele está acostumado...quer dizer ele se acostumou... comigo....eu acho, pelo menos ele ainda não tentou me bicar.
- Por quanto tempo vai ficar com ele?
- Não sei. O dono já deveria ter voltado a alguns dias, mas ele não deu notícias até agora e estou começando a ficar preocupado.
- Talvez ele esteja visitando uma mulher.
- Não... Duo não faria isso sabendo que eu o estou esperando. Ele não costuma mentir e faltar a seus compromissos. Se ele não apareceu ainda é porque aconteceu alguma coisa.
- Você não sabe aonde ele foi? Você poderia mandar procura-lo.
- Não, ele não me disse e eu também não perguntei.
- Então ele não mora na cidade?
- Não ele...não costuma vir muito a cidade...quero dizer a Alfard.
Heero olhava desconfiado para o jovem loiro a sua frente, ele parecia confuso com as palavras como se não soubesse o que dizer ou estivesse escondendo algo. De repente o falcão levantou a cabeça e deu um pio alto, que fez Quatre dar um pulo na cadeira assustado, uma vez que ele ainda o estava alimentando. O falcão começou a ficar inquieto e Quatre não sabia o que fazer, então a porta do gabinete se abriu e o falcão voou para a porta. Antes que Quatre pudesse fazer alguma coisa para impedir que o pássaro atacasse a pessoa que estava entrando, ouviu o som da voz que esperava há dois dias.
- Hei, tudo isso e saudade de mim garotão. Que foi ? O Quatre não tem cuidado bem de você, é?
No instante em que o jovem viu duas pessoas, usando a roupa da marinha real, seu sorriso desapareceu e sua voz sumiu. Ele poderia reconhecer o uniforme de olhos fechados. A calça e o colete de um cinza azulado, a camisa branca rendada. O casaco azul escuro curto na frente e mais comprido nas costas, com duas pontas de igual tamanho, ornado com ombreiras e punhos num tom um pouco mais escuros que a calça e o colete, os botões dourados, a bota preta que ia até a um pouco abaixo dos joelhos e o chapéu no mesmo tom escuro do casaco.
Quatre notou que o sorriso de Duo havia sumido e seus olhos se tornaram um pouco escuros, ele deveria ter avisado a Rashid para prevenir Duo sobre os visitantes. Heero ainda estava de costas tentando acalmar seu coração, que tinha começado a bater ruidosamente, ao ouviu uma voz tão melodiosa e alegre. Ele jamais havia se sentido assim antes, nem ao menos sabia quem era o visitante que acabava de chegar, mas apenas o som de sua voz o havia desconcertado. Ele olhou para Quatre que estava pálido e então resolveu levantar e se virar para descobrir a quem pertencia a voz.
Assim que se virou, seu olhar encontrou um jovem com os olhos mais incríveis que ele já havia visto. Eles tinham um tom meio violeta, que pareciam tão irreais, que ele teve de piscar para saber se estava vendo direito. O rapaz a sua frente possuía uma beleza quase elementar: cabelos castanhos dourados, lábios cheios e vermelhos. Ele se vestia com elegância: uma calça e um casaco curto em veludo na cor vinho, uma blusa branca rendada nos punhos e na gola, que se estendia até o meio do peito, uma faixa amarrada na cintura da mesma cor peculiar dos olhos e luvas brancas.
Duo sentiu-se aprisionado, diante do olhar do homem a sua frente, os olhos dele pareciam penetrar-lhe a alma, como se pudesse descobrir seus segredos mais escondidos. Os olhos dele eram tão azuis que pareciam negros, os cabelos desgovernados de um castanho escuro, os ombros largos. Duo sentiu-se endurecer ligeiramente; seu corpo jamais demonstrou tal reação à presença de uma mulher ou de outro homem, nem ao menos sabia quem era aquele rapaz. Sabia apenas que ele poderia representar sua prisão, caso descobrisse sua identidade. Tentando voltar a pensar e manter o controle, Duo voltou a sorrir, como se nada houvesse acontecido, entrando no gabinete deu dois assobios curtos o que fez o falcão voar para o poleiro e ficar lá parado, ele se virou e fechou a porta dando aos dois jovens a visão de sua longa trança.
Heero viu que o belo rapaz possuía uma longa trança que pendia em suas costas, até a altura da cintura, como uma cobra. Ele jamais encontraria outro rapaz com cabelos tão belos e compridos, e por um instante se imaginou desfazendo em mechas o cabelo trançado, deixando que suas mãos acariciassem os fios... Isso o fez sentir um ligeiro incomodo, na parte de baixo de seu corpo. A voz do rapaz o tirou de seus pensamentos, o obrigando a prestar atenção ao que dizia.
- Desculpe, Quatre, não sabia que tinha visitas. Quando cheguei não me avisaram, me disseram apenas que estava no gabinete.
Duo retirou suas luvas enquanto olhava para Quatre e evitava encarar os olhos do rapaz que o havia desconcertado.
- A culpa foi minha, eu me esqueci de mandar avisa-lo assim que chegasse. Estes são Heero Yuy e Trowa Barton. Heero, Trowa este é...
Quatre não sabia como apresentar o pirata sem que isso viesse a revelar sua verdadeira identidade. Duo pareceu notar a confusão de Quatre e resolveu socorre-lo.
- É um prazer conhece-los. Eu me chamo Duo Wavewild. Precisamente Conde Wavewild, embora não goste do titulo.
- É um prazer conhece-lo, Conde Wavewild.
- Por favor, me chame de Duo. Pela divisa, se não estiver enganado, é tenente, não é mesmo senhor Barton.
- Exatamente Duo, mas me chame de Trowa.
- Neste caso é um prazer conhece-lo, Trowa.
- E você deve ser o Capitão Yuy, estou certo.
- Sim, mas basta que me chame de Heero.
- É um prazer conhece-lo, Heero.
- Digo o mesmo Duo.
Assim que suas mãos se tocaram, ambos sentiram como se tivessem levado um choque: seus corações começaram a bater mais forte, seus corpos estremeceram levemente e seus olhares se encontraram. Duo não sabia o que estava acontecendo. Ele sentia sua garganta seca e uma necessidade inexplicável de conhecer melhor o capitão da marinha, Heero Yuy, mesmo que isso viesse a significar sua ruína.
Heero não conseguia entender por quê um simples toque tivesse desconcertado-o, a ponto de desejar tomar os lábios do rapaz a sua frente nos seus. Ele nunca pensara em relacionamentos, satisfazer seus desejos carnais, ou muito menos vontade de beijar outra pessoa, muito menos outro homem. A única coisa que ele sempre desejou, foi ser tornar capitão de fragata, assim como seu pai fora, e agora ele se via desejando conhecer mais o rapaz que segurava sua mão. Tomando conhecimento que ainda segurava a mão do outro, Duo puxou sua mão.
- Desculpe-me.
- Tudo bem.
Quatre pode notar que Duo havia ficado encantado com Heero e o mesmo parecia ter acontecido a ele. Mas o jovem loiro também sabia o quanto seria perigoso para Duo caso eles descobrissem quem ele era.
- Sente-se Duo. Por que não toma um pouco de vinho e me conta por que me deixou preocupado.
- Sinto muito Quatre. Acabei levando mais tempo do que pretendia. Eu teria manda-lo avisa-lo, mas eu...
Quatre notou que Duo não desejava falar na frente dos dois e se contentou em saber que ele estava bem, mais tarde ele sabia que Duo lhe contaria o motivo do atraso.
- Tudo bem... é que eu fiquei preocupado.
- Eu sei e sinto muito por isso, mas me diga He...ele deu muito trabalho.
- Não. Ele ate que se comportou bem.
- Que bom.
Duo precisava saber se os homens da marinha representavam algum perigo e decidiu descobrir tudo o que pudesse sobre os dois, precisamente sobre o rapaz de olhos frios como o gelo.
- Então Quatre... vocês se conhecem há muito tempo?
- Sim! Heero e eu nos conhecemos há muito tempo, quando minha mãe ainda era viva.
- Ah!
- Nossos pais eram velhos conhecidos.
- O pai de Heero também era da marinha, e às vezes fazia a escolta dos nossos navios.
- Sei. E você Trowa qual a sua história?
- Eu?
- É. Também conhecia o Quatre há muito tempo?
- Não foi a primeira vez que o vi.
Duo notou o olhar profundo de Trowa sobre Quatre e o mesmo ruborizar. Ele não pode impedir de dar um sorriso. Depois seu olhar se encontrou com o de Heero que o observava em silêncio. Duo sentiu como se sua pele estivesse queimando, devido à intensidade daquele olhar. Poderia parecer loucura, mas ele desejava saber o que aquele olhar dizia.
- Você é o capitão de que fragata, Heero?
- Da fragata Wing Zero.
- Wing Zero!
- Você a conhece Duo?
- Já ouvi falar dela. Dizem que é uma bela embarcação.
- Sim ela é, e estamos aguardando o abastecimento e alguns reparos e partiremos em uma semana.
- Eu o vi no porto...realmente belíssimo! – "Tanto quanto o seu capitão" pensou Duo.
Duo sorriu. Sim era uma belíssima embarcação, mas não capaz de desafiar o Deathscythe e o seu capitão. Quatre olhou para Duo, na certa seu amigo estava tentando obter informações para saber se Heero e Trowa ofereciam algum perigo imediato. Quatre não tinha dúvidas de que Duo pudesse esconder sua identidade dos outros, mas não estava tão certo quanto esconde-la de Heero. Ele sabia que seu amigo capitão era astuto e inteligente o suficiente para saber quando alguém estava escondendo alguma coisa. Duo sabia que não deveria se arriscar permanecendo ali, por isso se levantou e assobiou fazendo Hell pousar em seu ombro, ele pegou uma fruta e se dirigiu a Quatre.
- Quatre se não se importa eu gostaria de tomar um banho.
- Claro Duo, seu quarto está arrumado vou pedir pa...
- Não é necessário. Eu mesmo pergunto a ele, não seria educado negligenciar seus convidados. Conversaremos mais tarde. Senhores foi um prazer conhece-los, espero que possamos nos encontrar no jantar.
- Claro, seria ótimo.
- Com licença, então.
Duo abriu a porta e antes de sair sorriu e piscou para Quatre dizendo que estava tudo bem. Ele sabia que Quatre deveria estar pensando se os convidava ou não para ficarem pelo tempo em que o Wing Zero estaria aportado. Duo sabia que se não estivesse presente Quatre já teria oferecido estadia aos dois e ele não queria levantar suspeitas fazendo o loiro agir diferente do habitual.
Ele encontrou Rashid e o mesmo o levou aos aposentos que lhe fora reservado. Ele entrou e colocou Hell no braço da cadeira, enquanto observava o porto. Ele viu a fragata Wing Zero, um pouco menor que o Deathscythe: apenas três mastros e o dobro de poderio de fogo que o Deathscythe. Ainda assim, ele não acreditava que a fragata pudesse oferecer qualquer perigo a sua embarcação, ele confiava em seu comando, em seus homens e em seu navio. Ele olhou para o céu que começava a escurecer, uma brisa suave balançou uma mecha que havia se soltado da trança e um arrepio percorreu o seu corpo.
"Espero apenas que "ele" também não seja conhecido de Quatre e venha lhe fazer uma visita. Senão eu terei que partir imediatamente. Alguma coisa me diz que eu vou encontra-lo novamente e eu prefiro não estar aqui quando isso acontecer".
Duo lavou as mãos e o rosto na bacia em cima da estante. A grande tina com água já havia sido providenciada. Ele poderia tomar um banho antes de descer para jantar. Ele tinha tanta coisa a decidir ainda, mas era inevitável sua saída da cidade, logo seu caminho cruzaria novamente com o do homem que procurava evitar, já bastava o tempo em que ficou prisioneiro daquele homem há dois anos. Foram os três piores dias de sua vida como pirata, e bastava lembrar-se do que passara, para sentir a raiva crescendo por dentro, e cada vez que via as marcas da tortura, as lembranças da humilhação em seu corpo voltavam vívidas em sua mente.
"Eu não passarei por tudo isso novamente, eu prefiro a morte a ter que suporta-lo... Ah Deus! Se eu pudesse esquecer o que aconteceu, mas cada vez que fecho os meus olhos eu o vejo, ouço e o sinto tão real como naqueles dias. Como posso dizer a Quatre que esse foi um dos motivos que me levaram a me afastar. Eu jurei me vingar e o farei, nem que me custe a vida inteira, ele pagara o que fez comigo ou eu não me chamo Shinigami".
Duo olhou para o espelho e viu seu rosto molhado pelas lágrimas. A dor ainda era forte, o desejo de vingança ecoava em seu coração e ele atenderia ao chamado.
******
Quando Quatre viu Duo sair do gabinete, soube que seu amigo notara que não poderia se expor demasiadamente na frente dos dois rapazes, principalmente de Heero, que parecia não fazer outra coisa a não ser analisa-lo desde de que chegara. Quando Duo falara sobre o jantar, havia dado a Quatre a oportunidade que precisava para convidar os dois jovens a permanecerem hospedados em sua casa, como seria o natural a fazer. Mas ele não queria colocar em risco a segurança do amigo, por isso ainda não havia feito o convite, no entanto com a menção do reencontro no jantar, Duo havia deixado claro que Quatre estava livre para fazer o pedido, sem que isso viesse a coloca-lo em maus lençóis.
- Heero, por que você e Trowa não ficam hospedados em minha casa, até que o Wing Zero esteja pronto para zarpar?
- Não queremos incomoda-lo Quatre.
- Não será incomodo algum, a casa é grande e ficaria feliz em tê-los comigo pelo tempo que vocês acharem necessário. A menos é claro que vocês já tenham outros planos.
- Não, de forma alguma, mas nossa bagagem está no navio e...
- Sem mas... vocês ficaram aqui. Pedirei a um dos empregados que peguem suas coisas e informe no porto onde vocês estão e alguém vai avisa-los assim que chegar o momento. Além do mais, o porto e visível daqui.
- Neste caso eu aceito o convite Quatre. Você se incomoda, Trowa, de aceitar a hospitalidade de Quatre?
- De modo algum Heero. Se ele tiver certeza de que não iremos atrapalhar.
- Não me atrapalharam em nada, eu garanto. Pedirei a Rashid que providenciem quartos para vocês em um instante.
Quatre se levantou e deixou o gabinete, para informar a Rashid que Heero e Trowa ficariam com eles, e que mandasse um dos empregados ao porto avisar sobre a permanência deles em sua casa. Alguns minutos depois Quatre retornou junto com Rashid.
- Tudo pronto, os quartos de vocês já estão prontos, já mandei alguém buscar as bagagens e avisar que ficaram hospedados aqui. Desta forma, se alguém os procurar já saberão onde encontra-los. Vocês devem querer tomar um banho antes do jantar, não é?
- Seria bom.
- Rashid, poderia leva-los, por favor?
- Perfeitamente, senhor. Senhores.
Quatre aguardou que eles saíssem do gabinete, para depois seguir a mesma direção, rumo aos quartos. Ele precisava falar com Duo e saber como estava e o que havia acontecido. Quatre deixou o gabinete e foi para o quarto que havia reservado para Duo.
Duo tentava enxugar as lágrimas, não queria que o vissem chorando, mas sabia que seria difícil esconder o fato de Quatre, uma vez que seus olhos o denunciavam. Enquanto retirava suas roupas, Duo permitiu que o ódio aflorasse em seu coração a cada peça de roupa que retirava.
"Assim como essas lágrimas, eu derramarei o sangue do homem que se atreveu a fazer o que vez comigo, ele conhecerá o inferno pelas minhas mãos, ele pagará por me fazer chorar, por ter me capturado, torturado e...".
Uma batida na porta interrompeu os pensamentos de Duo. Ele estava se preparando para retirar o restante das roupas, quando ouviu a voz suave e baixa de Quatre, perguntando se podia entrar. Duo foi até a porta e a abriu.
- Claro, Quatre, afinal a casa é sua. Entre.
Quatre entrou e notou que Duo parecia ter chorado. Notou também que o amigo estava sem o casaco e a blusa, o que significava que ele estava preste a tomar banho. Quatre entrou no quarto e notou a cicatriz antiga que cobria parte das costas, seguindo pelo lado esquerdo e que pegava uma parte da frente do corpo de Duo. Quatre lembrava do ferimento que havia originado a cicatriz, que agora não passava de algumas pequenas saliências na pele. Na época, o ferimento causou verdadeiro terror a Quatre e aos outros a bordo do Deathscythe. Duo fechou a porta e se virou. Percebeu que Quatre parecia olhar para algum ponto distante em seu corpo. Olhando para seu abdômen, descobriu o que se passava. Duo passou os dedos sobre a cicatriz, ele ainda se lembrava da forma como a havia adquirido, o terror que havia vivido, havia noites em que ele ainda acordava assustado, sentindo seu corpo sendo rasgado e puxado, havia acontecido apenas três meses após o ataque ao Sandrock.
Flash Back
"14 de Março de 1484 – Em alguma parte do Caribe"
O dia estava lindo. Eles estavam próximo à costa. O capitão olhava do leme para o menino e a menina no convés do navio: ela estava curada, graças aos conhecimentos do homem a quem todos chamavam de professor J. O professor possuía uma aparência estranha e, muitas vezes, parecia querer usar os marujos como experimentos, buscando descobrir o quanto de dor eles eram capazes de suportar; mas seu experimento preferido parecia ser o capitão do navio. J vivia o observando e cada vez que o capitão se machucava, ele estava pronto para testar um remédio novo ou um novo procedimento médico.
Shinigami olhou para a costa. Eles precisavam de provisões para o navio, tais como frutas frescas, carne, peixe e alguma madeira. Para isso, teriam que ir até a ilha. Ele olhou para o menino, tentando decidir se o levava ou não com ele. O jovem marquês parecia ter adquirido uma certa afeição pelo capitão, sempre conversando e procurando aprender coisas novas com ele, em contrapartida, o capitão não se importava com isso, pelo contrário, até gostava da curiosidade do menino. Mesmo o outro sendo dois anos mais novo e tendo uma vida de regalias, ele parecia um verdadeiro homem do mar, tirando o fato do jovem loiro não saber nadar.
Wufei se aproximou do capitão, que guiava o navio em direção à costa. Ele notou que os laços entre o capitão e o menino, que haviam trazido a bordo, haviam se estreitado, e se preocupava quanto a isso, pois logo entregariam o menino a seu destino, conforme o Shinigami havia prometido. Wufei estava a pouco mais de um ano no Deathscythe, conhecia muito pouco sobre o passado do capitão, apenas que aos quatorze anos ele havia se tornado o capitão do navio pirata Deathscythe e aos quinze se tornara o pirata mais temido dos sete mares. O restante era um mistério para ele e para o restante da tripulação, com exceção, talvez, do professor, que conheceu o capitão anterior. Mas ele tinha plena confiança no comando do garoto de dezesseis anos, que guiava o navio com a experiência de um lobo do mar.
Shinigami teve seu olhar atraído para o jovem chinês que o observava. Chang Wufei era um dos poucos com quem ele podia contar a bordo do navio, apesar dos dezenove anos. Wufei possuía a inteligência, a força e a coragem que não encontrava na maioria dos homens abordo. Eles se conheceram já havia um ano, quando ele estivera em um dos portos do oriente e o rapaz aparecera em seu navio solicitando permissão para se unir à tripulação. Muitos dos homens tinham lhe dito para não aceitar um pele amarela a bordo, mas Shinigami olhou nos olhos escuros do rapaz e disse que ele seria bem-vindo. Ele jamais perguntara por quê motivo Wufei quisera se juntar à tripulação, pois ele não parecia o tipo de pessoa interessada em ouro, riquezas. Mas Shinigami sabia que o garoto seria alguém com quem poderia contar, e Wufei mostrou que ele não estava errado.
- É ai Wufei? Vai ficar me olhando?
- Não, capitão, queria apenas fazer uma pergunta. – disse ele sorrindo.
- O quê?
- Quem vai até a ilha para buscar as provisões necessárias?
O capitão demorou alguns minutos para responder, não seriam necessários mais do que oito homens para expedição a ilha, e eles deveriam levar mais ou menos quatro dias para encontrar tudo o que precisavam.
- Oito homens serão mais que suficiente para o trabalho.
- E quem seriam eles?
- Hum... Aron, Fernandes, David, Miguel, Ramires, Juan, John e eu. Você fica a bordo, em minha ausência você será o capitão. Diga aos homens que os quero preparados em duas horas para irmos até a ilha.
- Sim, senhor.
- Eu posso ir?
O capitão e o marujo olharam para Quatre, que havia se aproximado. O capitão sorriu para o menino e o chamou.
- Venha até aqui, Quatre.
O menino se aproximou e Shinigami colocou-o a sua frente, dispondo às mãos do menino uma de cada lado do timão. O meninos sorriu, e o capitão olhou para Wufei, piscando.
- Não vai dar, Quatre.
- Por quê?
- Você ainda não sabe nadar e não sabemos que tipos de animais poderemos encontrar na ilha. E se acontecesse alguma coisa a você?
- Mas eu posso me defender, sei usar uma espada.
- Eu sei pequeno, mas ainda assim é perigoso para um menino como você.
- Tá bom...
- Além do mais, eu preciso que ajude Wufei a manter o navio em ordem. O que me diz?
- Claro, capitão!
Shinigami sorriu e com um gesto de cabeça mandou que Wufei providenciasse o que havia pedido. Em pouco mais de uma hora, os homens já estavam a postos para seguirem para a ilha junto com o capitão. Ele ordenou que lançasse a âncora e comunicou quem estaria no comando em sua ausência.
- Homens... Wufei estará responsável pelo comando em minha ausência. Suas ordens deveram ser obedecidas como se fossem as minhas. Entenderam?
- Sim, capitão!
- E qualquer insubordinação, ele tem a minha autorização para fazer o que achar necessário.
Nisso ele correu seus olhos por cada um dos marujos, que ficariam a bordo, se detendo em um deles: o marujo chamado Smith, que sorria cinicamente enquanto olhava para Wufei, que permanecia ao lado do capitão. Wufei notou o olhar sobre si e a forma como ele sorria, sabia que logo teria problemas, e esperava que pudesse resolver tudo a contento.
O primeiro dia correu normalmente, sem maiores problemas a bordo do navio, Wufei apenas tinha que manter um olho na tripulação, outro no Smith e outro no menino e seus acompanhantes. O problema, é que ele tinha somente um par de olhos e eles não viram o problema que estavam se formando.
Smith achava um absurdo deixar o comando de um navio tão majestoso, quanto o Deathscythe, nas mãos de um garoto de dezesseis anos, que não conhecia quase nada do mundo, e agora esse garoto ter dado ao chinês o comando do navio em sua ausência, e autorizado que ele tomasse a decisão sobre qualquer tipo punição necessária, no caso de insubordinação da tripulação, era o cúmulo.
Nisso o jovem loiro passou, sozinho, em direção a cabine do professor. Seria tão fácil pegar o garoto. O menino o havia atraído desde o início, mas o capitão o havia colocado sobre sua proteção, assim como a menina e o empregado, deixando claro o que aconteceria caso alguém se metesse com alguns deles.
Mas... e se o menino provocasse alguém da tripulação? Pelo código que seguiam, eles não precisavam aceitar provocações de ninguém, mesmo de alguém sobre a proteção do capitão. Então ele poderia ter o menino para si, e o capitão nada poderia fazer para impedir. Um sorriso perverso surgiu na face deformada do marujo, enquanto um plano traiçoeiro se formava em sua mente.
"O único problema é o chinês, mas não por muito tempo".
*******
Eles já haviam conseguido quase toda a provisão necessária, para que pudesse chegar até o próximo porto. Duo estava na praia, olhando para o Deathscythe ancorado a três milhas da ilha. Os fanais acessos eram a única indicação de onde estava o navio, que tinha suas formas envolvidas pela escuridão. O capitão voltou seus olhos para as estrelas que brilhavam. Apesar da beleza da noite, algo o incomodava. Ele voltou seus olhos novamente para o navio e pensou no menino de olhos claros. Era com sua segurança que estava preocupado, eles ainda tinham três dias pela frente, antes de retornarem, mas por algum motivo, ele sabia que deveria voltar antes.
"Alguma coisa vai acontecer, eu posso sentir isso. Smith vai aprontar alguma, mas será a última!"
O capitão voltou para perto dos marujos, que bebiam ao redor da fogueira acesa, para espantar os animais selvagens. Ele se deitou olhando as estrelas, logo seus olhos fecharam dando lugar ao sono.
Já era quase dia, o céu já começava a clarear com sol despontando no horizonte e os sons da mata já se faziam presentes. O capitão acordou e olhou para o céu claro, detestava acordar tão cedo, mas a verdade é que mal conseguira dormir, sabia que ainda era muito cedo para acordar o restante dos homens. Ele se levantou e reacendeu a fogueira, que deveria ter se apagado durante a noite. Sacudindo a areia do corpo, pegou uma pistola e uma espada e caminhou em direção a floresta a sua frente.
*****
Smith já havia bolado uma maneira de fazer com que o garoto fosse dele. O menino sempre acordava cedo e costumava ir até a roda do leme para observar o mar, e esse seria o momento perfeito para provoca-lo, uma vez que ele tinha conseguido convencer Irvin a trocar de turno com ele. Bastariam apenas algumas poucas palavras e o menino aceitaria a provocação. Ele já havia percebido que o menino o temia, podia ver o medo em seus olhos cada vez que o menino notava-o observando-lhe, ele sabia também o quanto o menino se preocupava com a menina, então bastariam as palavras certas e o garoto seria seu, e de mais ninguém.
Quatre acordou cedo, como sempre, trocou de roupa, e olhou para sua prima e Rashid, que ainda dormiam. Ele vestiu suas roupas: uma calça marrom escura, uma blusa branca, uma faixa bege, amarrada na cintura, e botas pretas. Depois ele saiu da cabina, subiu as escadas, indo para o convés. Toda manhã ele fazia a mesma coisa, exceto nos dias em que Smith era o responsável pelo turno de vigia pela manhã. Ele tinha verdadeiro pavor do marujo, principalmente da forma como ele o olhava. Por diversas vezes já o tinha encontrado o observando, de uma forma que lhe dava nojo e calafrios. Por sorte, ele, Dorothy e Rashid estavam sobre a proteção do capitão e pelo o que Wufei havia lhe explicado, ninguém poderia tocar neles, sob o risco de serem mortos. Mas Quatre não acreditava que Smith desse alguma importância a esse fato, ele, na verdade, não parecia nem um pouco preocupado com que o Shinigami pudesse fazer a ele.
Quatre caminhou até o convés, respirando o ar puro da manhã. Ele gostava muito dessa hora do dia, sempre ia para o leme, pois de lá se podia ter a visão do convés inteiro, do sol passando por entre os mastros e banhando tudo com seu brilho. Assim que chegou ao convés ele olhou em volta para encontrar Irvin, pois segundo Wufei, era a vez dele fazer a vigia do convés esta manhã. Ele caminhou até a roda do leme, pensando que o marujo talvez ele estivesse por lá.
"Estranho... onde será que ele foi? Eu estou sentindo uma algo estranho".
Smith viu quando o menino chegou ao convés, e procurou se esconder, para que não fosse visto. Quatre subiu ao deck, onde ficava a roda do leme, e viu que não havia ninguém ali. Ele procurou ignorar a sensação de perigo em sua mente. De repente seu corpo ficou ligeiramente arrepiado e, então ouviu uma voz, que fez seu corpo inteiro tremer.
- Olá, menino.
Smith estava a poucos centímetros de Quatre que sentiu seu corpo todo estremecer de medo. Ele olhou ao redor para verificar se não havia ninguém a quem pudesse recorrer, mas ele e Smith estavam sozinhos no convéns, não havia uma forma de Quatre escapar que não fosse passando pelo marujo na escada, Quatre olhou para o chão onde havia uma espada, mas ele saberia usa-la tão habilmente quanto o outro marujo, pelo menos não aquele tipo de espada. O capitão o havia ensinado o básico sobre o manejo de sabres, para que pudesse se defender, mas ele não tinha certeza se poderia vencer alguém em uma luta, nunca havia entrado em uma antes. O marujo notou o medo nos olhos claros do menino a forma como a pele dele ficou arrepiada isso fez com que um sorriso diabólico surgisse em seu rosto uma vez que seu plano parecia estar dando certo bastava agora o menino morder a isca. Smith se aproximou lentamente do menino, mas ainda se manteve próximo a escada para que o menino não pudesse passar.
- Não precisa ter medo de mim. Não tenho a intenção de fazer...mal a você.
*****
Shinigami caminhou por alguns minutos, localizando o riacho do dia anterior. Ele tinha visto algumas flores amarelas muito bonitas que, tinha certeza, agradariam a menina. Enquanto colhia as flores, ouviu o som de piados. O capitão foi atrás do som, que à medida que avançava mata adentro, ficava mais forte. Ele olhou ao redor, procurando pelo barulho, foi quando avistou no chão o que parecia ser o resto de um ninho. Chegando mais perto, viu o filhote de um pássaro, que, pelo tamanho e a falta de penas, deveria ter poucos dias de vida. Ele não entendia muito sobre pássaros, por isso não sabia de que espécie era. Olhou ao redor, tentando achar os pais do filhote, mas não os localizou em lugar algum. Shinigami olhou para o filhote: ele deveria estar com fome e se o deixasse ali, certamente morreria de fome ou devorado por outro animal.
- Acho que eu posso ter um bichinho de estimação. E o professor deve saber de que espécie você é, pequenino. O que acha de vir comigo? Como se você fosse responder outra coisa que não fosse um piado. Vou encontrar algo para você comer, e depois leva-lo para o professor assim, eu tenho uma desculpa plausível para voltar ao Deathscythe.
******
Quatre sabia muito bem o quanto as palavras de Smith eram mentirosas, pois a demora em pronunciar que não queria lhe fazer mal e o sorriso em seu rosto, deixavam claras as intenções do marujo. Tudo o que ele podia fazer era torcer para que alguém aparecesse logo e ignorar as palavras de Smith.
O marujo ficou observando, por uns instantes, as feições suaves do menino, tentando descobrir suas reações. Ele não poderia demorar muito em executar o seu plano, pois logo o resto da tripulação acordaria, assim como o detestável chinês, responsável pela segurança do menino e dos outros.
- Sabe...desde que o vi, eu me senti atraído por você, menino, mas o capitão foi mais esperto e deixou claro que também o queria.
- É mentira.
- Verdade? Então por que o capitão esta sempre o observando e o mantendo por perto?
- Eu...
- Ele também o deseja, assim como eu.
Quatre olhava em dúvida para o marujo. Seria verdade o que ele estava dizendo? Que o capitão o tratava com carinho e o protegia por querê-lo apenas para si? Quatre tentou tirar tais pensamentos da cabeça. Mas não se deu conta de que o marujo se aproximava perigosamente dele.
"Não, é mentira, ele não faria isso. Eu sei disso, posso ver em seus olhos e eles não mostram a mesma luxúria de Smith e dos outros. Eles demonstram carinho, respeito e amizade. Ele esta apenas tentando me confundir apenas isso, não posso deixar que ele me encha de dúvidas e medos. Não pelo capitão".
Quando deu por si, Smith estava a poucos centímetros. Ele teve apenas o reflexo de abaixar, pegar a espada e se afastar da roda do leme. Smith deu um sorriso perverso e levantou a sombracelha direita, em sinal de ironia.
- Pretende me atacar com a espada, menino?
- Se for necessário...
Smith sorriu e continuou a se aproximar. Seu plano estava dando certo, ele sabia que o menino não deveria estar acostumado a usar uma espada. Ele tinha visto o capitão o ensinando e o menino parecia um peixe fora d'água, como se nunca tivesse empunhado uma antes. Ele precisava apenas provoca-lo mais, e sabia exatamente como fazê-lo.
******
Shinigami colocou o filhote dentro da blusa, para mantê-lo aquecido e voltou para o riacho. Colheu algumas flores e voltou para o acampamento, encontrando os homens já acordados. Eles haviam estranhado a ausência do capitão quando acordaram, mas imaginaram que ele deveria estar explorando a região ao redor e logo voltaria. Assim eles começaram a preparar o café, pois certamente o capitão estaria de volta em breve. Quando sentiu o cheiro da comida, o capitão descobriu-se com fome. Ele colocou as flores em um canto, ignorando os olhares dos homens sobre si. Depois, retirou o filhote de dentro da roupa e olhou, tentando descobrir o que daria para ele comer. Os homens ouviram os pios de alguma coisa que estava com o capitão.
- Alguém de vocês sabe o que um filhote come?
- Depende de que tipo de animal ele seja, capitão.
Os homens se aproximaram para ver o filhote na mão do capitão.
- Pretende ficar com ele, capitão?
- Sim, mas eu não sei o que ele é, e estava pensando em leva-lo para o professor. Acham que podem se virar umas horas sem mim.
- Claro, capitão.
- Tudo bem, Aron e Fernandes carreguem dois escaleres com tudo o que já conseguimos, vocês virão comigo e depois retornamos. Os outros, continuem a obter o restante da provisão.
******
- Sabe o que eu vou fazer menino?
- ...
- Eu vou mata-lo, usar o seu corpo e joga-lo no mar para os peixes.
Quatre estremeceu ligeiramente, o que não passou despercebido pelo marujo. O menino procurou manter sua voz firme, mas sabia tinha falhado terrivelmente, ao ouvir a própria voz.
- O capitão... e... Wufei vão... desconfiar.
- Você acha? Talvez, mas aí você já estaria morto e eu já teria provado do seu corpo e...
- E?
- E da sua deliciosa prima. Apesar de jovem, ela também é muito bonita, ficaria feliz em mostrar a ela os prazeres que um homem pode oferecer a uma jovem.
- Bastardo! Não se aproxime dela!
Quatre sentiu a raiva crescer em seu peito, quando ouviu o que aquele monstro pretendia fazer a ele e a sua prima. Por nada neste mundo ele permitiria que o bastardo maculasse a honra de sua prima, mesmo que ele tivesse que perder sua vida, Smith jamais tocaria em Dorothy.
Smith sorriu, consciente de que seu plano havia dado certo, no entanto ele se surpreendeu com o olhar do menino, que outrora demonstrava medo e receio, e agora mostravam apenas raiva e determinação. Por um instante o marujo não soube o que fazer e isso permitiu a Quatre feri-lo no braço esquerdo, fazendo um corte não muito profundo, mas suficiente para sangrar. Smith enfim despertou ao ouvir o menino gritar e sentir o corte em seu braço. O pirralho o havia ferido, mas isso não ficaria assim.
- NUNCA! Eu vou mata-lo antes que encoste um dedo nela.
Wufei despertou de repente, ao ouvir um berro alto do convés. Por um instante ele ficou parado, tentando ouvir alguma coisa, quando o som de espadas se chocando ficou mais alto. Ele vestiu sua blusa rapidamente e pegou sua espada, subindo correndo as escadas.
Toda a tripulação do Deathscythe pareceu ter sido despertada pelo grito dado no convés e logo todos estavam a caminho dos sons de uma luta violenta. Quando Wufei chegou ao convés, encontrou Smith e o menino lutando com espadas, e os marujos em volta, os incitando a continuar a luta um contra o outro. Wufei abriu caminho entre os marujos e tentou pará-los.
- Smith o que você pensa que está fazendo?
- Defendendo-me. O menino me atacou primeiro!
- Não minta! O menino não iria atacá-lo.
- Pergunte a ele então.
- Quatre, isso é verdade?
Quatre conseguia se defender dos ataques de Smith, mas estava ficando cansado. Ele não estava acostumado a lutas, e a espada era muito pesada para suas pequenas e desacostumadas mãos, que já se encontravam vermelhas e com bolhas. Smith tinha que admitir, o menino parecia saber como manejar uma espada, como se tivesse sido ensinado desde pequeno. Mas a espada nas mãos dele era grande e pesada demais para ele. Smith tinha conseguido fazer um corte superficial no abdômen e na perna direita do menino. Quatre ouviu a pergunta de Wufei e sentiu novamente a raiva crescer e inflamar os seus sentidos o impelindo novamente para cima de Smith.
- Ele disse que faria mal a Dorothy.
- Smith você ameaçou os convidados do capitão?
- Por que eu faria isso, Wufei? Eu sei o meu lugar, o menino me atacou sem motivos.
- MENTIROSO!
Wufei, por um instante, observou os dois lutarem: o menino estava ficando cansado, mas lutava bravamente. Ele não duvidava de que Quatre tivesse sido provocado pelo marujo, pois a forma irônica com que Smith o havia respondido, e pronunciado seu nome, demonstrava claramente o que ele havia feito. Wufei sabia que não poderia se intrometer na luta, essa eram as regras a bordo do navio: se alguém da tripulação fosse provocado tinha o direito de se defender com qualquer arma que quisesse, como também tinha o direito de deixar que o capitão resolvesse a pendência. Mas como havia sido Quatre a atacar primeiro, Smith aceitou a luta que ele mesmo havia induzido o menino a criar.
******
O capitão olhava para o mar em volta, quando avistou uma criatura cinzenta na água, que rondava o navio desde que haviam ancorado. Os marujos costumavam chamar a criatura de Demoague ou demônio de sangue, sempre atrás de uma presa ferida ou não. Foram muitas ás vezes em que presenciou a ferocidade da criatura em alto mar, sempre presentes em naufrágios, a espera de alimento fácil.
Ele voltou sua atenção para outro lugar, enquanto seguiam em direção ao navio ancorado. Shinigami olhava para o navio com um terrível pressentimento de que alguma coisa estava acontecendo. Quando estavam próximos, notou a tripulação aglomerada no convés, como se assistissem a alguma coisa. Podia ouvir os gritos de incentivo dos marujos. Uma luta deveria estar sendo travada a bordo do navio. Quando estava a apenas a 500 metros pode ouvir dois nomes. Um que o encheu de preocupação e outro de infinito ódio.
"Por todos os oceanos, Smith e Quatre estão lutando!"
- Fernandes mais rápido, antes que aconteça uma tragédia.
Smith achou que a luta já havia se estendido por tempo demais, por isso, começou a golpear o menino uma vez após a outra, fazendo com que ele recuasse, até não ter para onde fugir. Ou Quatre o enfrentava, ou cairia do navio, uma vez que ele se encontrava na abertura onde geralmente era colocada a rampa para o acesso ao convés, quando ancorado em terra.
O capitão chegou ao navio e teve a visão do menino: um passo a mais e ele cairia no mar, à mercê do Demoague próximo ao navio. Assim que o navio estava próximo ele ficou em pé no escaler e apanhou a corda escalando-a o mais rapidamente possível até chegar ao convés. Assim que chegou abriu caminho entre os homens, se colocando ao lado de Wufei. Quando o primeiro imediato viu e ouviu a voz do capitão, sabia que tudo acabaria bem ou pelo menos ele achava que sim.
- Posso saber, por todos os oceanos, o que esta acontecendo aqui? Smith abaixe essa espada! Quatre saia daí!
Smith não esperava ver o capitão. O fato dele ter deixado a ilha antes do previsto não estava em seus planos, pois sabia que o capitão jamais acreditaria nele. Podia ver o olhar do Shinigami queimando. O violeta de seus olhos adquirindo um tom frio e escuro, uma escuridão que fazia tremer o mais forte dos homens, não era a toa que ele era conhecido como o Deus da Morte. Smith sabia que não seria perdoado tão facilmente. Então porque não levar o menino consigo. Ainda sentindo o olhar frio e perigoso sobre si, ele deu um sorriso malicioso e uma resposta atravessada.
- Nem que eu tenha de morrer! O menino irá comigo.
Unindo seus gestos as palavras, Smith apontou a espada em direção ao menino, que surpreso recuou para o vazio. O capitão correu em direção a abertura na amurada, olhando atemorizado para Quatre, que despencava em direção ao mar. Os marujos próximos ainda tentaram pegar o garoto, mas não conseguiram.
Smith começou a rir, mas teve seu riso cortado por um soco, dado na altura do estômago. O marujo ainda levantou a cabeça, para encontrar os olhos do capitão, que pareciam arder em chamas. Depois ele se curvou sobre o próprio abdômen, devido à dor, e foi desarmado por Fernandes e Wufei.
O capitão avistou novamente o Demoague, que com certeza iria atrás de sua presa indefesa, a menos que ele pudesse impedir. Wufei não tinha idéia do que o Shinigami poderia fazer, mas sabia que ele não ficaria parado assistindo a morte do garoto. O capitão retirou o filhote de dentro da blusa, o entregando a Fernandes, pegou a espada de Smith e um punhal, cortando seu braço direito e se posicionando no alto da amurada. Quatre sentiu suas costas baterem na água e se viu sendo engolido por ela. Ele tentou nadar para chegar a superfície, mas não sabia direito como faze-lo e, aliado ao cansaço e a dor do corpo, começou a afundar. Dorothy assistiu o primo caindo do navio e correu para a abertura, sendo segurada por Rashid, que tinha assistido a tudo sem poder fazer nada. A menina berrou o nome de Quatre, assistindo-o afundar nas águas.
- Quatre!
- Steven e Karl, prendam Smith. Johnson pegue o arpão e desça em um dos escaleres. Wufei, assim que eu pular, você vai atrás do garoto. Rashid, leve a garota para a cabina.
- Mas capitão...
- Se eu não voltar, Wufei, você será o novo capitão do Deathscythe e estarei aguardando a alma deste desgraçado do outro lado.
- Sim, capitão!
Wufei subiu na amurada, ao lado do capitão, enquanto Johnson descia o escaler na água. Os dois homens amarraram Smith ao mastro grande, enquanto os restantes dos marujos debruçaram-se na amurada a estibordo [1], onde o Shinigami e Wufei estavam em pé. Shinigami não pensou duas vezes e pulou, para logo em seguida ser a vez de Wufei . Quatre afundava rapidamente, já que estava inconsciente, mas Wufei viu o menino e nadou em sua direção, ignorando o perigo ao qual o capitão havia se lançado, para dar-lhe tempo de resgatar o garoto.
O capitão avistou seu marujo nadando em direção ao menino, e voltou sua preocupação para a fera que teria que enfrentar. Seu sangue escorria do ferimento aberto e com isso ele esperava chamar a atenção do animal sobre si. Sabia que as chances de sobreviver eram pequenas, mas ele simplesmente não poderia ficar parado. Cortando esses pensamentos, ele viu uma sombra escura movendo-se rapidamente em sua direção. Ele segurou a espada em sua mão direita e o punhal na outra, enquanto que a criatura se aproximava em círculos, atraída pelo cheiro do sangue. Wufei alcançou o menino e nadou o mais rápido que pode para a superfície. Parou por um momento, para olhar para o capitão, que estava sendo circundado pela criatura que media quase quatro metros.
O capitão acompanhava, com o olhar, o animal que o rondava, mas viu quando Wufei pegou o garoto, e isso o fez sorrir. Mas seu descuido fez com que não percebesse a investida do animal, antes que pudesse se defender.
Wufei viu horrorizado o momento em que o monstro atacou o capitão, abocanhado-o pelo seu lado esquerdo. Logo a água ficou turva pelo sangue. Shinigami sentiu quando a mandíbula poderosa do animal se fechou ferozmente ao redor de seu corpo, suas presas rasgando sua carne. O Demoague sacudiu sua presa de um lado para o outro, o sabor do sangue apenas o tornava mais voraz. Mas sua presa não estava disposta a tornar-se seu almoço.
Wufei submergiu próximo ao escaler, trazendo o menino em seus braços. Johnson o ajudou a colocar Quatre dentro, que mal estava respirando. Wufei olhou para a água agitada e manchada com sangue, o sangue de seu capitão.
- Johnson, me dê o arpão e leve o garoto para o professor, depois desça novamente o escaler.
- Wufei, o que você vai fazer?
- Vou ajudar o capitão.
- Mas ele mandou que...
- Não posso deixa-lo enfrentar sozinho aquele animal, ele morrerá!
- Mas se alguma coisa acontecer a você.
- Diga ao professor que ele esta no comando.
Wufei tomou fôlego e mergulhou, nadando em direção ao capitão. Ele tinha que ajuda-lo logo, pois o local estaria cheio de predadores, atraídos pelo cheiro do sangue, em poucos minutos. O escaler começou a subir enquanto todos olhavam para a água, receosos e tristes. Assim que o escaler chegou ao topo, Johnson passou o menino para outro marujo e desceu novamente. O professor pegou Quatre e começou a fazer respiração boca a boca. Logo o menino começou a tossir, enquanto o professor virava a cabeça do menino para o lado, para que ele pudesse expelir a água que havia engolido.
O capitão sentia uma dor insuportável, mas seu desejo em sobreviver era ainda maior. Reunindo sua forças, ele pegou o punhal e procurou atingir o olho do animal, conseguindo causar-lhe um ferimento, mas não o suficiente para soltá-lo. Isso apenas pareceu enfurecer ainda mais o animal. Cada vez mais, Shinigami perdia sangue e o ar se tornava escasso, mas ele não morreria, não ali. Ele era o Shinigami, o Deus da Morte, o pirata mais temido dos sete mares. Não era seu destino morrer ali.
De repente o Demoague o soltou, ele olhou ao redor e viu que Wufei havia atingido a barriga do tubarão por baixo. Duo tentou esquecer a dor da carne rasgada, e num último esforço, conseguiu enfiar a espada na boca do animal, quando este o soltou, desfalecendo logo em seguida. Wufei nadou até o capitão e o segurou, o Demoague já não oferecia mais perigo. Segurando Shinigami contra o corpo, nadou até o escaler. Os marujos nada viam, a não ser as águas vermelhas, e todos, sem exceção, acreditavam que o capitão já estava morto. Nenhum ser humano poderia resistir a força de um Demoague. Mas os pensamentos funestos foram interrompidos quando, subitamente, Wufei apareceu próximo ao escaler, trazendo o capitão quase morto. Johnson se surpreendeu e ajudou o chinês a colocar o capitão dentro do escaler, eficou surpreso ao perceber que o capitão ainda respirava. Era impossível ver os ferimentos, devido à quantidade de sangue que banhava seu corpo, as roupas rasgadas e grudadas.
Os homens puxavam o escaler, enquanto Quatre olhava o corpo pálido do capitão, todo coberto de sangue. O professor abriu caminho entre os homens que se aglomeravam próximo ao escaler.
- Andem, saiam da frente. Tragam-no para minha cabina rápido!
J sabia que a situação não era nada boa para o rapaz, ele precisava ser rápido se quisesse salvar o jovem pirata. Wufei olhou para o causador de tudo, Smith, que estava amarrado ao mastro principal, e cujo olhos pareciam sorrir em escárnio, enquanto os de Wufei se encontravam negros pelo ódio.
Ele caminhou até Smith, quando sentiu alguém o puxando por trás. Ele se virou e viu os olhos amedrontados do menino que o observava. Ele olhou suas vestes cobertas de sangue e tentou imaginar o que estaria passando pela cabeça do menino. Será que o temível Shinigami sobreviveria?
- Ele vai sobreviver, não é?
- Vai, não se preocupe. Tudo ficará bem. Por que vai para a cabina junto com Rashid e Dorothy? Assim que tiver notícias eu aviso.
Wufei viu lágrimas mancharem o rosto do menino, enquanto ele balançava a cabeça concordando e indo na direção da cabina. Então uma risada irônica ecoou, chamando novamente sua atenção para o homem amarrado. Ele olhou para o marujo e se aproximou, sua voz era fria e seu olhar estava sombrio, quando encarou Smith.
- Se ele morrer, você vai desejar estar no lugar dele. Por que NADA vai me impedir de vinga-lo, e posso garantir que sua morte será lenta e dolorosa. Amordacem-no!
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O capitão foi levado para sua cabina e estava desacordado há aproximadamente quatro dias, com uma febre que parecia não ceder. Quatre ficou ao lado do Shinigami todos os dias. Seus ferimentos já estavam cicatrizando e algumas vezes Wufei aparecia para ver como estava o capitão. Eles estavam a caminho da cidade de Trunda, a fim de conseguirem medicamentos que pudessem ajudar na recuperação do capitão. Wufei ainda continuava no comando do navio, e a primeira providência foi colocar Smith a ferros, no porão do navio, e o canalha era sempre vigiado por dois homens.
O Deathscythe levaria pelo menos vinte dias para chegar a cidade, mas o professor não achava necessário irem até a cidade em busca de remédios, garantindo que era capaz de cuidar do capitão perfeitamente. J acreditava que o jovem capitão não morreria tão fácil, se ele tinha sobrevivido ao Demoague não seria uma febre que o mataria, mesmo que sua aparência não fosse das melhores.
A pele do capitão estava coberta por uma palidez quase mórbida. Ele não se movida ou gemia, se não fosse pelo leve levantar do peito, indicando que ainda respirava, poderia perfeitamente ser confundido com um morto. Os ferimentos encontravam-se avermelhados e secreções saiam deles. Toda a extensão ao redor ardia, significando que o ferimento se encontrava inflamado. O professor tinha encarregado Quatre de limpar os ferimentos, a cada quatro horas, e trocar o pano sobre sua testa para aplacar a febre. Era tudo o que eles poderiam fazer no momento, uma vez que o capitão não acordava, não tinha como faze-lo beber um pouco de água ou o estranho remédio, de cheiro forte e coloração amarelada feito pelo professor.
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Quatre trocou os panos sobre a testa do Shinigami e molhou-o com água fria. Diferente dos outros dias, o capitão pronunciou algumas palavras incompreensíveis. Segundo o professor, ele estava melhorando e, pela primeira vez, eles conseguiram fazer com que ele bebesse um pouco de água e tomasse um pouco da mistura estranha que o professor fizera.
- Acha que ele vai acordar logo?
- Sim, esse garoto é muito mais forte do todos pensam.
- É, eu sei. Ele conseguiu enfrentar o Demoague.
- Hn! Não deveria dar atenção ao que falam. Um bando de marujos burros e supersticiosos. Demoague é apenas uma lenda criada por eles, o que o meu garoto enfrentou, não passava de um tubarão branco.
- Um tubarão?
- Sim, um predador, um animal que vive apenas para saciar sua fome de carne. Ele sente o cheiro de sangue a 500 metros de distância, e teria pego você, se o garoto não tive se colocado entre vocês e não creio que você tivesse a mesma...sorte.
- Oh!
- Mas deixemos isso de lado. Não acredite em tudo o que ouve dos marujos ou acabará ficando tão burro quanto eles.
- Obrigado, professor.
- De nada menino. Vou para minha cabina fazer mais algum remédio, ele precisara toma-lo quando acordar.
J deixou a cabina e Quatre continuou ao lado do capitão. Ele passou a madrugada toda acordado ao seu lado, sobre os protestos de Rashid, que insistia que o jovem deveria descansar um pouco, deixando o capitão a seus cuidados. Mas Quatre não queria que ninguém mais se responsabilizasse pela recuperação do Shinigami, uma vez que ele havia sido o principal responsável pelos acontecimentos, era sua a responsabilidade de cuidar dele. Mas acabou vencido pelo sono e adormeceu. Mais um dia estava nascendo e o capitão não dava mostras de despertar, felizmente a febre havia cedido na noite anterior.
O capitão abriu os olhos e sentiu uma massa de fios macios próximos a sua mão esquerda. Ele levou sua mão direita a testa, empurrando o pano sobre ela, e mexeu em seu cabelo, que parecia um emaranhado de fios soltos. Tentou lembrar-se onde estava e o porquê de seu abdômen doer terrivelmente. Ele olhou para o lugar e reconheceu como sendo sua cabina, Rashid e a menina dormiam no canto, enquanto Quatre dormia sentado ao seu lado. Ele tentava se lembrar como havia chegado a sua cabina e o que havia acontecido, mas por mais que tentasse não conseguia descobrir. Quando ele tentou se levantar, sentiu uma dor aguda, que o fez gritar acordando a todos na cabina.
Quatre olhou para o capitão, que gemia e respirava devagar, a fim de tentar amenizar a dor alucinante. Ele se levantou e passou as mãos pelos cabelos castanhos dourados do capitão, que o olhava em confusão para o menino. Quatre teve que rir quando Shinigami falou com ele.
"Dá para me dizer por quê eu estou deitado, em plena manhã. E por quê meu abdômen doe tanto?"
Fim do Flash Back
Duo viu que Quatre tinha os olhos arejados de lágrimas e aproximou-se, o acolhendo em seus braços. Quatre encostou sua cabeça no peito do amigo, deixando que as lágrimas caíssem, ele ainda se culpava pelo o que havia acontecido ao amigo. Duo sabia o quanto o loiro se culpava pelo o que havia lhe acontecido, ele poderia ter morrido naquele dia. Depois do ocorrido, ele foi levado a cabina do professor, que o examinou, limpou e suturou cada um dos ferimentos. No total, ele acabou com 462 pontos.
- Shhhhh... Hei, Quatre, não chore. Eu estou bem.
- Mas...você....
- Não pense sobre isso. Eu sobrevivi, não foi. Eu ainda me lembro da sua cara quando eu acordei.
Quatre riu e balançou a cabeça. Sim, ele se lembrava. Como poderia esquecer aquela manhã? Ele havia dormido sentado, com a cabeça encostada na cama, próxima a mão do capitão.
- Não foi exatamente a pergunta que esperavam ouvir, não é?
- Não, não era, mas ficamos aliviados quando acordou.
- Então não chore e esqueça isso, está bem? Mas não creio que esse tenha sido o motivo que o levou a vir até aqui, não é.
- Não. Eu queria saber por que você demorou tanto para voltar.
Duo se afastou de Quatre e sentou-se na cama, enquanto batia no espaço ao seu lado para que o amigo fizesse o mesmo. Quatre enxugou as lágrimas e caminhou em sua direção, quando reparou na cicatriz, na altura do pescoço, próximo ao ombro direito e ela não parecia ser muito antiga. Duo olhou na direção dos olhos de Quatre e instintivamente colocou sua trança por sobre o ombro direito, tentando dar um sorriso, mas falhou terrivelmente. Quatre sentou-se ou seu lado e retirou a trança, passando os dedos por sobre a cicatriz. Duo tentou recuar, mas foi impedido pelas mãos suaves de Quatre em seu pulso, e foi quando notou a cicatriz no antebraço esquerdo do amigo. Os olhos de Quatre se abriram surpresos, ao descobrir pequenas cicatrizes em todo o corpo de Duo, cicatrizes quase imperceptíveis, se observadas de longe, mas perfeitamente visíveis, se vistas de perto. Não eram grandes, mas cobriam boa parte do corpo, principalmente os pulsos, costas e a parte superior da frente, na altura do tórax.
Duo abaixou a cabeça, não querendo encarar o olhar triste e repleto de perguntas de Quatre. No entanto, a voz suave do amigo chegou ao seu ouvido, assim com a pergunta que não tinha a menor intenção de responder.
- Duo, o que aconteceu com você?
*******
Heero ainda se sentia intrigado quanto às sensações despertadas pelo Conde Wavewild. Sentado na cama do quarto, que lhe havia sido reservado, ele pensava como era possível que o simples pensamento, em relação ao Conde, o fizesse se sentir tão estranho Nunca sentira tantas emoções, quanto ás que sentia no momento.
"Por quê? Por que a presença dele me perturbar tanto? E por que diabos, eu fico pensando em vê-lo novamente?"
Á vontade de reencontra-lo parecia ter se tornado sua maior preocupação no momento. Ele teve que se controlar para não dizer sim, imediatamente, quando Quatre sugeriu que permanecessem hospedados em sua casa. Logo, eles se encontrariam durante o jantar, e ele poderia ver mais uma vez os olhos, de cor tão peculiares e extremamente cativantes, do jovem Conde. Uma batida na porta o despertou de seus pensamentos, levantou-se e caminhou até a porta. Um dos empregados o entregou sua bagagem e o informou que o pessoal do porto os avisaria quando estivessem prontos para zarpar. Heero agradeceu com um aceno de cabeça e fechou a porta atrás de si, se preparando para lavar o corpo, se preparar para o jantar e o encontro com o Conde Wavewild.
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Quatre ficou olhando para Duo, a espera de uma resposta, mas o amigo não dava sinais de que iria responder a pergunta. Ele continuava com a cabeça abaixada, no entanto, percebeu uma leve parada na respiração de Duo e um estremecimento. Então Duo levantou a cabeça, com os olhos marejados. Ele não queria responder a Quatre, mas sabia que o amigo aguardaria até que ele lhe dissesse qualquer coisa.
- Desculpe Quatre, mas eu não quero falar sobre isso. Ainda é...muito doloroso.
- Tudo bem, Duo, mas quando quiser falar sobre isso, sabe que pode contar comigo. Estarei aqui se quiser alguém para ouvir ou apenas alguém para enxugar suas lágrimas.
- Lágrimas? Que lágrimas?
Duo passou a mão nos olhos tentando impedir as lágrimas, que nem havia percebido que caiam de seus olhos, como um rio cristalino. Quatre sorriu e entregou-lhe um lenço, curvou-se e beijou o amigo, suavemente, no rosto, como costumava fazer quando pequeno, fazendo com que Duo sorrisse.
- Pode deixar. Quando eu estiver pronto, conterei tudo que você deseja saber.
Continua.....
Agradecimentos a Lien pela betagem e dicas
A Kary, a Dhandara e a Lú pela ajuda e opinião
[1] Estibordo é o lado direito do navio, olhando-se da popa para a proa.
