Capítulo 4: Cadê o botão de Reset?

Caminhando na rua com o pergaminho mágico, Naru e Keitarô saem em direção à casa em que o mago Finneas ordenara entregar o mesmo. Ambos estavam querendo terminar o mais rápido possível a missão e ir embora do mundo virtual, só que não queriam acabar de forma humilhante, sem quaisquer feitos notáveis. Se pelo menos entregassem o pergaminho e recebessem a recompensa prometida de 500 GPs, estariam no lucro.

- Venha, Keitarô, vamos terminar a missão e encerrar, pelo menos por hoje, nossa carreira de aventureiros. - Fala Naru com um certo tom de decepção na voz, como se esperasse mais da aventura virtual.

- Está certo, Narusegawa. Espero que da próxima vez eu me lembre de equipar meu personagem com pelo menos uma armadura...

- Hmmm... Acho que não é apenas de armadura que você está precisando... - Responde Naru olhando sarcasticamente para seu companheiro.

- O que quer dizer com isto, Narusegawa? - Olha Keitarô para sua parceira com ar de quem não entendeu nada.

Naru olha para o rosto de Keitarô e nota que ele estava mais sério do que de costume. Até que ele ficava mais bonito e menos abobalhado quando estava compenetrado em alguma coisa. Keitarô também nota que Naru está sem os costumeiros óculos redondos de estudo e ela também estava ainda mais jovem e bonita.

A tensão que Naru possuía quando estava estudando para passar no vestibular e a responsabilidade de manter sua posição como a aluna mais inteligente do Japão tinha sido deixada para trás. Naru reparou que Keitarô estava olhando para ela e por um momento pensou em sorrir para ele, só que não queria "dar bandeira" a respeito de seus sentimentos verdadeiros e então ela agarrou de brincadeira o pescoço dele, com uma expressão sapeca no rosto.

- Seu bobo! Vira este pescoço para lá - Disse ela com uma cara de criança levada, estilo Sarah Mac Dougal.

- Ahhhh! o que está fazendo comigo??? - Debate-se desajeitadamente Keitarô sem entender direito o que deu na Narusegawa.

- Hihihi... Não é nada! Vamos andando, Keitarô. - Naru repentinamente larga o pescoço de Keitarô e põe-se a andar com passos rápidos e decididos.

Pouco antes de chegar a seu destino, Keitarô olha para o pergaminho, cuidadosamente enrolado numa fita de cor vermelha e fica curioso:

- Naru, o que será que tem neste pergaminho? Será mágico?

- Deixa disto, Keitarô. Não é de nossa conta.

Keitarô nota que apesar de bem elaborado, a fita do pergaminho está fácil de ser desfeita e abre o mesmo. Só que não entende nada do que está escrito dentro.

- Ué? O que é isto? - Estranha ele ao tentar ler os caracteres escritos em estilo gótico.

- Deixe-me ver... Ummmm... Não parece ser nem inglês e nem alemão... Muito menos francês ou italiano... Que linguagem é esta? - Indaga Naru, finalmente vencida pela curiosidade.

- "Vocês não podem ler o pergaminho porque suas classes não permitem usar magias" - Diz uma voz desconhecida e ao mesmo tempo pitoresca e engraçada, como a de um bichinho de anime, mas que parecia vir de lugar nenhum.

- Foi você que falou isto, Keitarô?

- Não. Não fui. Quem será?

- "Fui eu".

Aí Keitarô repara que um estranho animalzinho falante está empoleirado no seu ombro. Do tamanho de um porquinho da índia, o estranho e exótico bichinho era um misto de camundongo, coelho, gato e hamster e tinha uma longa cauda com ponta emplumada. E, surpreendentemente, suas orelhas eram longas e funcionavam como asas improvisadas, como no personagem Dumbo.

- Que gracinha! Qual é o seu nome, bichinho, e o que faz? - Pergunta Naru, acariciando as orelhas e as costas do animalzinho.

- "Meu nome é Chii. Ou Chii-chan para os mais íntimos. Sou um sistema de I.A. avançado e auto-regulável de ajuda tutorial e tira-dúvidas para principiantes e jogadores ocasionais". - Responde formalmente o pequeno animal.

- Prazer em conhecer, Chii-chan. Meu nome é Naru Narusegawa e este é o Keitarô, meu parceiro.

- "Os pergaminhos de magia somente podem ser preparados ou lidos por magos, clérigos, sorcerers e classes afins. Personagens guerreiros e commoners somente adquirem a habilidade de ler magia se ganharem levels e poder mágico o suficiente".

- Que classe de personagem é a minha? - Pergunta Naru, curiosa.

- "Você é uma Fighter especializada em combate desarmado e em artes marciais. Não pode usar ainda armas como espadas e escudos e muito menos armaduras, mas tem mais agilidade e força que guerreiros comuns".

- Mas, Chii-chan, esta roupa está me incomodando! Será que no jogo tem algo mais decente para uma donzela inocente e pura como eu poder usar?

- "Trajes de combate e roupas para diversas ocasiões podem ser encontradas na Moe's Boutique, que fica na Seven Flowers Tower, a cinco quadras à direita daqui. Existe um traje de combate que traz mais proteção ao corpo, mas ele somente está disponível para personagens de level 2. Por enquanto você é uma personagem de level 1 e vai demorar... unnnn... mais três lutas para seu level-up".

- Level-up? O que é isto? - Pergunta Naru evidenciando seu pouco conhecimento de RPG de computador.

- "Personagens jogadores como vocês ganham pontos de experiência à medida que vencem lutas ou resolvem missões. Quando reúnem pontos de experiência suficientes para subir de nível, podem optar por melhorar suas habilidades de combate ou ganhar habilidades novas. A isto se chama Level-up".

- Ei, Chii, e eu? Que classe eu tenho e como posso fazer para ficar mais forte? - Keitarô decide entrar na conversa.

- "O Sr. Urashima escolheu a classe de Commoner. Ela é indicada para papéis como camponês, taverneiro, mercador e outros".

Em seguida Chii começa a pensar e a girar a cabeça, como se estivesse processando alguma informação. Passados alguns segundos, ele conclui:

"Como o Sr. Urashima concentrou todos os pontos de bônus e atributos na sua constituição física, seu personagem surpreendentemente pode agüentar uma dose extraordinária de dano físico corporal. Só que não tem habilidades de combate e de magia".

- Buáááá... Até nisto eu levo sorte... - Keitarô abaixa a cabeça, decepcionado com a verdade.

- Bem, mas pelo menos reflete a realidade. Você é quase imortal pelo número de acidentes e golpes que sofreu até hoje... - Graceja Naru, esquecendo se de mencionar que ela era a responsável de pelo menos METADE dos tais "acidentes e golpes".

De repente o robô-mascote fica com uma expressão séria e saindo do ombro de Keitarô diz, flutuando no ar com suas orelhas.:

- "O limite de perguntas grátis por dia foi alcançado. Eu Chii, agradeço a atenção de todos e sob o patrocínio da Microtel e da Matrix Corporation, vou me despedindo. Perguntas adicionais podem ser feitas a custo unitário de 5000 GPs por questão. Para perguntas gratuitas, terão que esperar até amanhã. Até amanhã".

- O quê? Isto é um roubo! - Exclama Keitarô.

- Chii-chan! Volte, precisamos de você! - Exclama desesperadamente Naru, só que o boneco se teleporta de forma misteriosa.

- Naru, a gente podia ter aproveitado para perguntar como a gente sai deste jogo. Não estou encontrando o botão de reset no menu virtual. - Fala Keitarô preocupado com a aparente falta de comando numa espécie de menu semitransparente que se manifestava quando queria.

- Seu bobo! Você desperdiçou o limite de perguntas diárias fazendo aquela questão imbecil do seu alter-ego!

- Eu não sabia disto! Foi você que fez mais perguntas a aquele bichinho mercenário capitalista!

- Bem... Deixa para lá. Interrompe Naru antes que ficasse mais irritada - Vamos mesmo entregar este pergaminho e ir embora deste mundo maluco.

A dupla de aventureiros principiantes finalmente chega à casa de Tersias, o destinatário do estranho pergaminho de Finneas.

Era um sobrado de um andar, de decoração simples só que de muito bom gosto. Neste momento, a trilha sonora do jogo muda, passando a tocar uma música medieval requintada, com acompanhamento de cravo e órgão.

- E agora? Pergunta Keitarô.

- Vamos resolver pelo jeito mais simples. Bater na porta.

Naru dá três batidas na porta e espera que alguém abra. Passam um, dois, três minutos, mas ninguém vem ao encontro para recebê-los. Ela começa a ficar impaciente.

- Droga! Que gente mal-educada para deixar uma linda dama como eu esperando... - Naru começa a se irritar com a falta de educação do destinatário.

- Ó de Casa, alguém está aí? Viemos entregar uma encomenda! - Grita Keitarô a plenos pulmões.

- Quem são vocês e o que desejam? - Ouve-se uma voz fria e desprovida de emoção, mas que parecia não vir de lugar algum.

- Somos Naru Narusegawa e Keitarô Urashima, aventureiros. Viemos entregar uma encomenda da parte de Finneas, o mago! - Responde Naru, tentando controlar seus nervos.

- Não os conheço. Fora daqui. - Diz secamente a voz.

- Mas, mas...

- Já disse. Fora e não voltem mais!

- Grrr... Isto são modos de tratar uma linda adolescente como eu?

Naru fica irritada e dá um soco potente na porta, no seu melhor estilo marcial, destruindo-a num ruído ensurdecedor. A música medieval pára abruptamente quando os últimos fragmentos da porta de madeira caem no chão.

- N-Naru, a-acho que a gente não devia ter feito isto, o dono da casa vai ficar furioso! - Assusta-se Keitarô imaginando como ficaria sua cara se levasse uma porrada destas. Só que ele não percebe que a mão de Narusegawa está inchada e sangrando levemente.

- Ai! - Naru faz uma careta de dor e se agacha.

- O que foi, Narusegawa?

- Está doendo! Acho que usei toda minha força naquele soco. Ai... ui... Que dor... - Naru geme e tenta assoprar na mão para aliviar o inchaço. Keitarô fica com aquela grande gota na cabeça.

- Vamos aproveitar para deixar esta encomenda em qualquer lugar e cair fora deste lugar. Depois, o tal do Tarsius que se entenda com o Finneas. - Decide Keitarô.

Amparando Naru, Keitarô adentra o hall de entrada, luxuosamente decorado, mas eles nada encontram ninguém para recebê-los.

Subitamente ouve-se uma gargalhada sinistra e antes que eles esbocem qualquer reação, uma grade de aço desce do alto, no mesmo local da porta destruída, fechando a saída.

- Estamos presos, Keitarô!

- É uma armadilha! Acho que fomos enganados!

- Muito observadores... Só que sua inexperiência irá custar-lhes caro. Diz a mesma voz fria que os recepcionou lá fora, só que agora vinda de trás dos aventureiros atrapalhados.

- Hã... Quem é você? - Naru se volta e percebe que está atrás dos dois um mago velho, calvo e com nariz semelhante ao bico de um abutre. A sua expressão denotava sarcasmo e um brilho de crueldade iluminava os olhos pequenos e de pupilas negras.

- Meu nome é Tersias, mago e mestre das ilusões. E vocês, intrusos, serão meus prisioneiros aqui. - Tarsius usava um robe roxo cravejado de rubis e com um cajado ornamentado com cristais, denotando seu poder e riqueza.

- Acho que deve ser um engano, Tarsius, m-meu nome é Naru e este é o meu parceiro Keitarô. Fomos contratados para entregar este pergaminho pelo mago Finneas. Não somos ladrões e nem intrusos! Por favor... - Naru se deixa intimidar pela aparência hedionda do mago, um pouco arrependida da besteira de ter quebrado a porta impulsivamente. Mesmo para uma pessoa desprovida de poderes mágicos podia sentir a aura de grande poder e maldade ainda maior que emanava daquele velho idoso.

Usando uma das suas magias, Tarsius transporta o pergaminho misterioso até sua mão e em seguida invoca uma magia de adivinhação. Em seguida gargalha de forma sinistra e diz:

- Então meu inimigo usa um golpe tão baixo para tentar me destruir! Um pergaminho disfarçado de carta e programado para me desintegrar quando ele fosse aberto... Hahahah! Este truque é mais velho do que andar para frente. Lamento informá-los, meus jovens, mas Finneas os enganou.

- Por favor, desculpe-nos pelo engano! A gente não sabia! - Implora a Naru, de joelhos.

- Infelizmente, minha jovem, a única recompensa que terão será a de ficar como meus prisioneiros na minha casa até eu derrotar Finneas e decidir o que fazer com vocês!

- O quê? - Grita Naru, incrédula.

- Vamos, Naru, depressa! - Exclama Keitarô de forma inesperada.

Keitarô pega na mão de Naru e tenta correr até a saída, só que a grade de ferro é pesada demais para ser levantada por ambos e no mesmo instante, Tarsius baixa magicamente uma nova porta - só que de ferro maciço - obstruindo a passagem para a rua.

- Essa não! Estamos presos. - Constata Keitarô desolado.

- Ahahahah! Aproveitem para desfrutar de minha hospitalidade... Sintam-se livres para explorarem minha humilde residência, intrusos, mas devo lembrá-los de que ninguém, NINGUÉM jamais saiu vivo daqui!

- Keitarô, isto está ficando ridículo. Vamos desligar este jogo sádico e sair agora! - Grita Naru indignada, tentando usar o último recurso.

- Está certo!

Keitarô e Naru procuram os controles para resetar a partida e voltar ao mundo real, só que não encontram nada. Pior, o botão de reset sumiu definitivamente das opções. E para seu pavor, descobrem que sua consciência está fundida, presa dentro dos avatares que escolheram.

- Arghhhhh! Não consigo sair!... Keitarô! Faça alguma coisa! - Grita Naru, à beira de um colapso nervoso.

- Fazer o quê, Naru, nós estamos presos de verdade! - Responde o jovem, tentando acionar freneticamente todos os botões que encontrava.

- Idiotas! Lamento desapontá-los, mas somente poderão sair deste mundo se encontrar um Warp Point. Mas não é o caso de vocês! Bem, eu tenho que acertar minhas contas com aquele mago de meia tigela... Aproveitem as poucas horas de vida que lhe restam... Adeus!

O ilusionista desaparece com uma magia sem deixar vestígios. A trilha sonora muda, para uma música sinistra e perturbadora, como num filme de horror... Naru começa a chorar de forma convulsiva, como uma criança perdida.

- Buááá! Eu quero voltar para a pensão! Só de lembrar que semana que vem tenho uma prova decisiva!... Por que fui na onda da Su-chan e resolvi experimentar este game maluco que nem botão de Reset tem?

Keitarô surpreendentemente está um pouco mais calmo, tentando se concentrar nas referências dos RPGs que havia praticado antes e dá uma olhada na mesinha no final do hall de entrada da sombria mansão.

- Naru! Veja o que encontrei! - Grita entusiasmado o jovem japonês.

- Snif... O que foi? - Naru enxuga suas copiosas lágrimas e lança um olhar de ceticismo para Keitarô, imaginando ser impossível para um rapaz tão abobalhado ter uma idéia genial numa crise destas.

- Uma caneta-tinteiro e um papel em branco... Deve ser o local para registrar o nosso progresso e gravar o jogo. - Keitarô aponta para uma mesinha pequena colocada num dos cantos da sala e estranhamente iluminada por uma fonte de luz que parecia vir de lugar algum, somente para chamar a atenção.

- Não diga bobagens, o que isto tem a ver? - Resmunga Naru, enfurecida consigo mesma por ter se interessado num jogo bizarro e com o Keitarô, por não ter se oposto.

- Lembra o jogo "Bio Hazard" da Capcom? A gente salvava o progresso nos locais aonde tinha algo parecido.

- Mas como isto vai nos ajudar?... A gente está presa num lugar doido e não sabemos sequer onde fica aquele tal do Save Point que aquele ilusionista sacana nos disse!...

- A Su disse que dá para trocar mensagens entre jogadores pelo e-mail... Acho que se a gente escrever uma mensagem de socorro neste papel informando nossa posição, a Su-chan e as meninas possam nos achar pelo game dela. Só espero que elas resolvam jogar o game nesta noite!

- E você acha que vai dar certo?

- Talvez, mas é a única esperança que temos agora. - A expressão de Keitarô naquele momento é séria e decidida, bem diferente do rapaz inseguro e complexado de dois anos atrás que se martirizava por bobagens.

A experiência vivida nas aventuras com o Seta-san e a recente estadia na Pararacelso despertaram um certo espírito de luta e adaptação no rapaz tido como perdedor e fracassado.

- Bem, faça o que quiser, senhor esperto. - Naru cruza os braços e faz um beicinho como se não quisesse admitir a validade da idéia de Keitarô.

Keitarô escreve uma mensagem no papel e em seguida coloca-a numa garrafa vazia. A garrafa desaparece como que por encanto. Realmente era o sistema de save game com e-mail incorporado, que a Su-chan havia dito que existia neste jogo. Agora era só uma questão de cruzar os dedos e torcer para que desse certo.