CAPÍTULO 15:
UMA PROPOSTA IRRECUSÁVEL
Minutos depois, o grupo sai da estalagem e caminha em direção à Taverna Old Legs, que parece estar lotada.
A Old Legs funcionava o dia todo. Seus funcionários alternavam-se na arrumação do local e na limpeza, em esquema de rodízio. O horário mais movimentado era a partir das Oito Horas da noite, indo madrugada adentro.
O dono do local, o obeso e bigodudo senhor que acolhera o pessoal da pensão antes, era um mercador aposentado, que ficava lá cuidando do caixa e se encarregava de atender os pedidos de bebidas no balcão.
Ele costumava ficar do Meio-Dia até as Duas da Madrugada, quando se recolhia para dormir, deixando a tarefa ao cargo de um empregado de confiança.
Embora ele se chamasse Brad, era mais conhecido no local como "chefe" ou o "dono". Sua reputação era variável, dependendo do seu estado de humor e o tipo de cliente. Alguns achavam-no chato, ranzinza e antipático, enquanto outros gostavam de seu forte senso de humor, a disposição invejável para trabalhar e a franqueza pessoal.
Assim que entram na Old Legs, Keitarô, Tama e as garotas são cumprimentadas e até aplaudidas como os heróis do dia por vários aventureiros.
Não era todo dia em que um grupo desconhecido salvava pessoas inocentes de um ataque de monstros e derrotava em combate um mago odiado por todos.
Conforme o prometido, o taverneiro Brad se encarregou de dar uma rodada grátis de cerveja, para alegria geral de todos.
Keitarô e as garotas da pensão Hinata foram colocadas numa das melhores mesas.
Logo em seguida o jantar da noite foi servido: uma porção generosa de batata frita, um prato de bifes com molho levemente picante, outro prato com sopa de cereais e legumes diversos, pão caseiro, queijo tipo provolone cortado em fatias e uma torta de frutas.
Para beber, havia vários tipos de cerveja, vinho, licores de frutas e água.
Keitarô e Naru comeram muito bem, já que os dois estavam horas sem comer e beber nada, desde que foram ao Shopping naquela fatídica tarde.
Mutsumi e Tama-chan fizeram a festa com os bifes e a cerveja, mostrando um apetite invulgar.
Kitsune comeu um pouco de tudo, mas também acabou reforçando o time da cerveja, fazendo trio com Mutsumi e Tama. Ela facilmente ficou bêbada, misturando vários tipos de bebidas... em seu estômago.
Motoko, como sempre, comeu com muita moderação, estranhando o cardápio abundante em carnes, o que não era do agrado dela.
Apegada aos costumes orientais, quase não comeu nada dos bifes e batatas fritas, contentando-se apenas com sopa, uma fatia de pão e uma fatia ainda mais fina de torta de amora.
Para bebida, tomou apenas água. Em compensação, achou a sopa nutritiva e saborosa, tomando-a com apetite.
Com um relance nos olhos, Keitarô repara que no canto oposto ao seu estava sentada numa mesa redonda a jovem Yuri, jantando sozinha e conversando com dois ou três aventureiros.
Ela percebe à distância o olhar de seu jovem companheiro de quarto, percebe que ele está muito bem "acompanhado" e devolve com um sorriso sutil antes que a ciumenta Narusegawa perceba o fato.
Keitarô fica meio chateado por não poder ir até lá conversar com ela, pois sabia do risco que corria.
Os ciúmes da Naru e Motoko, mais a malícia de Kitsune iriam infernizá-lo se soubessem que seu "companheiro" de quarto era uma mulher. E ainda mais jovem e bonita.
- A conversa está boa, mas precisamos decidir o que nós faremos a partir de amanhã. - Comenta Naru num tom sério.
- Bem, estava pensando em pagar as contas na loja de roupas e ver se nossas roupas ficaram limpas na lavanderia... - Pondera Kitsune.
- Tudo bem, mas acho que o que Naru-sempai quis dizer está certo. - Comenta Motoko - Além de adquirirmos equipamento adequado, precisamos traçar um plano para descobrir informações de onde estamos e como sair daqui.
- Bem, pelo que me lembro, a Kaolla disse que as maneiras de sairmos deste mundo virtual eram as seguintes: Encontrar um tal de Warp Point, terminar o jogo ou morrermos fisicamente. - Comenta Kitsune.
- Ah, agora eu me lembro, o Tarsius falou em algo parecido sobre o tal do Warp Point, quando ficamos presos na casa dele. - Relembra Narusegawa.
- Morrer evidentemente está fora de questão. E acho incerta também a chance da gente de terminar o jogo. Sou de opinião que o mais fácil é tentar encontrar onde fica este tal de Warp Point. - Pondera Motoko, toda séria.
- Concordo. - Apóia Naru.
- Mas o que vem a ser este tal de Warp Point? - Pergunta Keitarô.
- Sei lá, é uma pena que a Su-chan não esteja aqui para explicar. Mas se for uma espécie de saída deste mundo louco, eu topo. - Responde Naru.
- E como iremos descobrir onde fica e como acessar o Warp Point? - Questiona Kitsune.
- Quem tem boca vai à Roma... Vamos ter que conversar com todos, encontrar pistas, e andarmos por aí até acharmos o dito lugar. - Responde Naru.
- Pode ser que exista gente com o mesmo problema que nós e que saiba de alguma pista... - Teoriza Kitsune.
- Verdade... - Concorda Motoko.
- O que faremos amanhã, Narusegawa? - Indaga Keitarô.
- Bem, não estou 100% certa, mas sou de opinião de que ficar nesta cidadezinha não vai resolver nosso problema. Proponho que depois de fazermos o desjejum amanhã, a gente compre o máximo de equipamento para podermos viajar, ver se arranjamos um mapa da região e descobrir as pistas que nos levem ao Warp Point. - Naru se empolga com a sua própria idéia.
- Grande Naru! - Entusiasma-se Kitsune.
- Mew!Mew!Mew! - Apóia a pequena Tama-chan, enquanto ela toma um drinque por dentro do chapéu de Mutsumi.
- Falou e disse. - Conclui Motoko.
- E você, Keitarô, qual a sua opinião? - Entra na conversa Mutsumi, até então concentrada em terminar com sua fatia de torta.
- Bem, eu pergunto se o dinheiro que temos será suficiente para tudo isto. - Questiona Keitarô.
- Sem problemas, Keitarô. Depois que tomei banho, andei fazendo uns rolos, e após trocar os itens que achamos na casa do Tarsius e comprar as poções de cura que o doutor indicou, ainda nos sobrou mais de 600 GPs! - Exulta a esperta amiga de Naru.
Neste momento, a tranqüilidade do local é interrompida por um grupo de homens uniformizados com expressões sérias no rosto, que entram silenciosamente na taverna, liderados por um oficial de carreira.
Todos os homens trajavam armaduras de couro e portavam cada um, uma espada curta, uma adaga e um cassetete de madeira.
O líder deles estava equipado com uma espada longa, uma adaga brilhantemente trabalhada e uma armadura de cota de malha que reluzia à luz das velas e lustres do local.
Os homens começam a fazer perguntas e interrogar os aventureiros de mesa em mesa até que se aproximam do local aonde Keitarô e as garotas se encontram.
- Boa noite, cidadãos, vocês são por acaso Keitarô, Naru, Motoko, Mutsumi e... e..? - Pergunta o oficial, visivelmente embaraçado ao ver uma tartaruga embaixo do chapéu da Mutsumi.
- Esta é a Tama-chan, nossa mascote. Tama, por favor, cumprimente o homem. - Diz Mutsumi inocentemente.
- Mew!
- Meu nome é Eldrick, o condestável da região e gostaria de fazer algumas perguntas aos senhores. - Disse o líder dos homens armados num tom cortês, mas com autoridade.
- B-boa noite. O que é um condestável? - Pergunta Keitarô ingenuamente.
- Sou o responsável pela ordem e segurança de Smallville. Estou investigando sobre um ataque de monstros no centro da cidade e a morte do mago Tarsius. - Explica Eldrick.
- M-mas, nós não somos assassinos! Aquele mago foi quem começou tudo! Protesta Naru de forma nervosa, quebrando o silêncio do local.
- Nós lutamos apenas para nos defender. - Diz Motoko, procurando manter-se calma.
- É e depois... - Tenta esclarecer Keitarô, mas este é interrompido por um gesto do condestável.
- Não estou acusando ninguém por enquanto, apenas averiguando os fatos.
- Em primeiro lugar, onde vocês estavam quando todos aqueles monstros começaram a atacar os cidadãos? Por pouco não acontece uma tragédia!.. - Exalta-se Naru, apontando o dedo para Eldrick.
- Quem faz as perguntas aqui sou eu, senhorita. Bem, queiram me acompanhar até a Casa da Guarda, por gentileza. - Disse rispidamente o oficial.
- O quê? - Grita Naru, incrédula, ao ouvir o que parecia ser uma ordem de prisão.
- (Tenha calma, Naru. Se nós ficarmos nervosos será pior.) - Cochicha Keitarô no seu ouvido.
- Tudo bem, oficial, nós iremos junto com vocês. - Resigna-se Kitsune, tentando ganhar tempo. Ela sabe que o seu pó de carisma seria inútil neste momento devido ao fato de que havia muitas pessoas vendo a cena e o truque seria evidente.
O desafortunado grupo acompanha os guardas até o austero prédio da Guarda de Smallville, que serve como posto militar, quartel e prisão.
Sob escolta, Keitarô, Tama e as meninas entram na sala do oficial, que está alumiada por um lampião e três candeeiros cheios de velas.
- Bem, eu e meus homens estávamos numa missão nas fazendas a Leste daqui caçando um bando de orcs. As Testemunhas que estavam na cidade ouviram uma explosão na casa do mago Finneas e viram alguns de vocês entrando nela. Quando chegamos à cidade, no final da tarde, vasculhamos tanto a casa de Tarsius como a de Finneas e encontramos nada mais além de ruínas e o corpo do ilusionista congelado. O que tem a dizer de tudo isto? - Diz Eldrick num tom calmo, mas olhando firmemente o grupo.
- Bem, Oficial, nós não viemos aqui nesta vila por vontade própria. A gente estava tentando sair quando o tal do Finneas nos convenceu a entregar um pergaminho mágico para o Tarsius, argumentando que não podia ir pessoalmente, coisa tal! - Começa a falar Naru, tentando não gesticular muito, embora seu nervosismo fosse evidente.
- Sim, continue.
- Eu e o Keitarô, meu amigo, fomos até o local e ficamos presos pelo tal do Tarsius, achando que nós éramos inimigos dele. - Tenta responder Naru. Keitarô quase tem uma indigestão quando Naru se referiu a ele como "amigo", sentindo-se não correspondido.
- E como apareceram as centopéias?
- Eu e a Narusegawa tentamos fugir da mansão, só que acabamos entrando no covil das criaturas, que ficava numa espécie de laboratório. Elas iriam nos devorar e tentei no desespero detê-las jogando um preparado químico. - Tenta explicar Keitarô.
- Só que este bobão errou e acertou a parede, explodindo-a! Depois elas escaparam pelo buraco aberto e foram em direção à cidade. - Conclui Naru com gestos dramáticos.
- E qual o envolvimento de vocês três? - Disse o condestável se referindo a Motoko, Mutsumi e Kitsune.
- A gente tinha acabado de chegar na vila quando ouvimos o pânico da multidão e o rugido dos monstros. Três aventureiros que tentaram deter as feras estavam feridos - um gravemente, e uma criancinha estava prestes a ser devorada pelas feras. Não podíamos evitar o confronto. - Toma a palavra Motoko, pesando bem cada frase.
- Bem, temos várias testemunhas que apontaram o salvamento dos feridos e da menina, bem como o extermínio das criaturas. E o que me dizem a respeito da explosão da mansão do Sr. Finneas e o congelamento de Tarsius?
- Quanto à explosão que houve primeiro foi da autoria de Tarsius! Este covarde foi acertar as contas com Finneas e ambos lutaram entre si. A gente foi lá para salvarmos nossas amigas das garras de Finneas e quando a gente chegou o safado aproveitou para fugir! - Esbraveja Naru só de se lembrar da cena.
- Chuif... Fui eu... Fui eu!... A-aquele pobre homem... snif... Morreu por minha culpa! - Começa a chorar Mutsumi, sentindo-se culpada novamente.
- Então foi você que matou Tarsius? - Eldrick fica surpreso ao reparar na aparente fragilidade da jovem de Okinawa e conhecendo a fama do poder do falecido mago.
- Não! Não é bem isto que aconteceu! Nós fomos obrigados a lutar contra ele pois ele estava disposto a nos matar. Tarsius tentou atacar Motoko pelas costas com uma magia. - Explica Naru ao mesmo tempo em que tenta consolar Mutsumi.
- A Mutsumi percebeu isto e tentou se defender com uma proteção. Só que ao invés de absorver a magia, acabou refletindo de volta para ele. - Responde Motoko.
O oficial começa a pensar com as mãos na cabeça, como se estivesse imerso em pensamentos profundos. Minutos angustiantes se passam e em seguida levanta-se da cadeira e diz:
- Bem, talvez vocês não saibam de certos fatos, por serem forasteiros. Tanto Finneas como Tarsius eram cidadãos de prestígio, tendo apoios políticos entre os nobres da região. Era notório que ambos eram inimigos públicos, porém jamais fizeram nada fora da lei até hoje... - Tenta falar com voz pausada o oficial.
- Diga isto aos três aventureiros que ficaram feridos por causa dos monstros e a criancinha que quase foi devorada! Estes açougueiros também quase mataram nossas amigas! - Exalta-se Naru.
- Abaixe este tom de voz, senhorita, ou serei forçado a prendê-la por desacato à autoridade. - Disse Eldrick num tom de voz ríspido, irritado pela frase de Narusegawa.
- Mas o fato de enganar inocentes, manter cárcere privado e criação de monstros não é considerado crime? - Pergunta Keitarô em tom mais cordato.
- O primeiro fato depende de fazermos uma acareação confrontando a palavra de Finneas contra a de vocês. Em segundo lugar, o direito da pessoa usar meios de defesa mágicos para proteger uma propriedade particular não é crime, embora o finado Tarsius possa ser responsabilizado por abuso de poder, o que foi o caso. A terceira acusação de sua parte realmente procede, mas precisamos de provas materiais para comprovar que Tarsius estava envolvido na fabricação dos monstros perigosos...
Subitamente, uma aglomeração popular se faz ouvir. Vários cidadãos e aventureiros, ao saberem que os heróis de Smallville foram levados pelas autoridades, fazem uma concentração em frente à casa da guarda e começam a gritar palavras de ordem e exigir a liberdade de seus heróis.
Nervosos, uma parte da guarda fica em formação para proteger a entrada e um soldado entra na sala do oficial Eldrick para contar o que está acontecendo.
- Heh... eu não esperava que o clamor popular fosse tão rápido... Tudo bem, soldado, irei falar aos populares. Com licença, volto num instante.
O oficial se ausenta à sala para falar ao povo, deixando dois guardas vigiando os interrogados.
Minutos tensos se passam. Keitarô e as garotas aguardam angustiosamente a chegada de Eldrickm, sob o olhar atento de dois guardas.
- Que bela enrascada nos metemos. Acabamos passando de heróis para criminosos. E tudo porque aqueles dois magos sacanas eram influentes na cidade!... - Desabafa Naru, a ponto de chorar.
- Bem, pelo menos o povo não pensa desta forma. - Tenta-se conformar Kitsune.
- Pense bem, Kitsune. Se ocorrer um tumulto popular por nossa causa, será ainda pior! Se houver vítimas, seremos responsabilizados. Por nós sermos forasteiros, a nossa palavra não valerá muita coisa contra a do oficial. - Comenta Naru, aplicando os seus conhecimentos de Direito na situação atual em que se encontram.
- E agora, Urashima, o que faremos? Se a Kaolla e as meninas ficarem desamparadas aqui... - Angustia-se Motoko com o absurdo da situação. Ela que nunca cometeu nenhuma infração na vida, na iminência de ser presa como arruaceira num vilarejo medieval!
Sob esta emoção, a garota espadachim esquece o incidente com Keitarô antes e procura sentir nele aquele apoio moral de quando foi enfrentar sua irmã mais velha em Kioto. Kitsune malandramente percebe o fato, mas evita maliciar. O clima não estava propício para isto.
- Eu acho que por enquanto, dependemos mais do que o oficial decidir do que nós mesmos. Naru, você que está estudando Direito, como vê a atuação do oficial Eldrick? - Responde Keitarô com raro bom senso.
- Olha, não conheço como funcionam as leis deste mundo, mas na minha opinião, este homem está tentando seguir à risca o código legal que rege esta cidade... Do contrário teria nos torturado ou posto a gente no calabouço. Só espero que a manifestação lá fora seja a nosso favor e não contra. - Pondera Naru, concluindo que nervosismo e histeria não iriam adiantar nada.
A porta se abre e o oficial Eldrick chega com seus guardas, visivelmente aliviado:
- Bem, em primeiro lugar, devo avisá-los de que a população exigiu que vocês fossem soltos. Normalmente não levo em conta a exaltação popular e disse que vocês não estavam sendo presos, mas apenas interrogados e que seriam liberados mais tarde. O povo entendeu e se retirou para seus lares. - Conclui salomonicamente o condestável.
- Verdade? Nós somos inocentes? Podemos ir para a casa? - Empolga-se Keitarô.
- Não tão rápido. Preciso conversar um assunto de importância vital.
- Assunto vital? - Indaga Naru.
- Sim. Guardas, vocês podem se retirar, eu preciso conversar com estes jovens.
Assim que os guardas saem da sala, Eldrick respira fundo e em seguida se dirige à sua escrivaninha. Keitarô, Tama e as meninas ficam todos inquietos, imaginando o teor da conversa.
- Qual é o assunto que deseja nos conversar, oficial? - Pergunta Naru.
- Calma, que chegaremos lá. Mas antes, precisam entender o que está acontecendo em nossa terra. - O oficial Eldrick faz uma pausa e começa a andar em círculos, gesticulando - Até meses atrás, Smallville era um centro comercial promissor, sendo ponto de partida de várias caravanas para os reinos vizinhos. A região era próspera e a guarda tinha que lidar com poucos incidentes. O máximo que ocorria aqui era um raro ataque dos orcs às fazendas do sul ou uma briga de bar.
Fazendo uma breve pausa para beber água, Eldrick olha bem nos olhos do pessoal e diz:
- Contudo, de três meses para cá, a situação ficou tensa demais. Os orcs começaram a ficar mais agressivos e eles estão atravessando a fronteira leste do nosso reino, Arkadia, com mais freqüência, atacando caravanas e saqueando as fazendas da região. Nesta semana, o conselho local de mercadores suspendeu todas as caravanas até segunda ordem, após três comboios com escolta armada terem desaparecido...
- Não tem como colocar patrulhas para evitar que estes monstros atravessem a fronteira? - Pergunta Motoko.
- Infelizmente, a nossa "fronteira" nada mais é do que dezenas de quilômetros de terras ermas, sem barreira natural, como um rio profundo ou uma cordilheira. Como nossos efetivos são limitados... - Suspira Eldrick.
- Os orcs podem atacar em vários pontos simultaneamente e logo vocês não teriam forças suficientes para defender a cidade... - Conclui Motoko.
- Exatamente, minha jovem. Vocês perceberam que possuo apenas vinte soldados fixos e trinta voluntários para patrulhar uma área de mais de 35 quilômetros de extensão... Os orcs normalmente são covardes e pouco armados, mas em grande número, podem se tornar uma ameaça real a nossa cidade.
Agora as coisas estavam começando a ficar claras.
- E quais seriam os outros problemas? - Pergunta Naru.
- Smallville vem há décadas tentando se manter como uma cidade comercial livre. Nós devemos lealdade apenas ao nosso Rei. - Eldrick faz uma breve pausa procurando medir as palavras e continua - Por azar, ela fica no limite de dois baronatos locais. Ao norte estão as Terras do Barão Khazar, que é conhecido por sua crueldade e prepotência. E ao sul fica o domínio do Barão de Strongald, um tirano que sofre de mania de perseguição... - Eldrick aponta para um mapa na parede, mostrando a vizinhança de Smallville.
- Mas isto tem a ver com o ataque dos orcs? - Pergunta Motoko, intrigada.
- É bem provável que a recente agressão dos orcs pode estar sendo manipulada por um ou por ambos os barões como pretexto para anexar a cidade aos seus domínios. Só que não temos como provar isto. Os barões se julgam acima da lei comum.
- Se isto for verdade, o que pode acontecer de pior? - Pergunta Kitsune.
- Se Smalville for atacada e saqueada pelos orcs, os barões podem intervir na cidade alegando motivos de segurança e como um odeia o outro, um massacre pode ocorrer, completando nossa desgraça. - Eldrick abaixa a cabeça como se mostrasse estar impotente diante desta alternativa sinistra.
- Não tem jeito de encontrar um acordo pacífico entre estes dois nobres? - Pergunta Keitarô.
- Infelizmente, não. Ironicamente, o representante do barão de Khazar na cidade era o agora foragido Finneas e o de Strongald era o conhecido Tarsius. A fuga do primeiro e a morte do segundo vão dar mais motivos para os barões quererem a cabeça do conselho local.
- E não dá para recrutar os mercenários que vem na região para reforçar a defesa da cidade? - Sugere Kitsune.
- Não perceberam? A maioria dos mercenários está sendo contratada pelos nobres para engrossar seus exércitos particulares. Infelizmente a cidade tem poucos fundos para contratar uma milícia permanente, devido ao declínio da atividade comercial, o que resultou na queda brutal de impostos.
- O senhor tem algum plano para evitar que aconteça esta tragédia e o fim da cidade? Pergunta Naru.
Eldrick esboça um leve sorriso, satisfeito com a inteligência da jovem ruiva.
Ele abre uma pasta que estava em cima da escrivaninha e mostra um pergaminho ricamente trabalhado com caracteres góticos escritos à bico de pena. Abaixo do citado papel estava o brasão de armas de Smalville.
- Bem, em primeiro lugar, estou terminando de escrever uma carta solicitando o envio de reforços para o nosso Rei, que é uma pessoa séria e imparcial com relação às disputas dos barões. Só que ele naturalmente não irá mandar tropas aqui à toa, sem um bom motivo.
- Qual é o seu interesse em nós, para encurtarmos a conversa? - Indaga Naru, imaginando a resposta a seguir.
- Eu preciso de "voluntários" para descobrirem quem e o quê está por trás dos ataques orcs e - se possível - arranjarem provas de que eles estão preparando uma guerra. Com estas provas, podemos mandar um mensageiro com escolta à nossa capital de nossa província, Brightstone, que fica a 3 dias de viagem.
- Você não está querendo dizer que...
Eldrick se levanta da cadeira e abre os seus braços num largo sorriso, se dirigindo a todos:
- Bem, vocês são as pessoas mais indicadas para esta missão. São de fora, não tem envolvimento com as facções locais e acima de tudo, são bons de briga, habilidosos, e confiáveis! Em resumo, gostei de vocês!
- M-mas... - Tenta objetar Keitarô.
- Desculpem-me pela rudeza no interrogatório, mas era necessário ter certeza dos fatos e de sua confiabilidade. Confesso que fiquei impressionado com a sua sinceridade.
- Desculpe-me, seu Eldrick, mas a gente planejava ir embora daqui amanhã... Viemos parar no seu reino de bobeira e ficamos presos... Temos que achar um portal chamado Warp Point para podermos voltar para casa... - Tenta explicar Naru.
- Sinto, mas caso recusem, terei que convocá-los compulsoriamente, na qualidade de condestável e membro do conselho da cidade. A situação atual é muito grave e infelizmente nesta cidade e nas redondezas não existe nenhum Warp Point. - Interrompe o magistrado.
- E se nós recusarmos? - Objeta Kitsune já pensando em alguma maneira de sacanear aquele condestável chato e fugir o mais depressa desta cidade.
- Serei obrigado a colocar uma gorda recompensa pela captura de vocês, caso banquem os espertinhos. - Conclui com um sorriso o oficial.
Um arrepio de preocupação percorre a espinha dos improvisados aventureiros.
- Por favor, não queremos sacanear ninguém, apenas ir embora para casa! - Implora Keitarô.
- Entendo a situação, mas se vocês andarem por aí sem rumo, serão alvos fáceis para os orcs ou para os mercenários dos barões. Caso salvarem Smalville, não somente terão condições para efetuarem sua busca sem problemas como terão uma excelente recompensa.
- Recompensa? - Pergunta Kitsune visivelmente interessada!
- Como disse, não temos uma grande fortuna para financiar um exército, mas temos algum dinheiro e jóias que podem ser suficientes para um grupo entre seis a dez pessoas...
- Dinheiro! Jóias? Oba! Nós... mmmmphhhhh... - Kitsune se empolga diante da possibilidade de ficar rica, mas Naru impede-a de falar, tampando a boca.
- Não temos interesse em recompensa, mas sim na chance de encontrarmos o Warp Point. O senhor conhece algum? - Pergunta Naru, enquanto tenta manter Kitsune calada, conhecendo a sua ganância.
- Não entendo muito de magia, mas acho somente magos muito poderosos podem ativar um portal destes... Talvez na capital da província, Brightstone... - Pensa Eldrick.
- E onde poderemos achar um mago de alto nível? - Pergunta Naru.
- O único mago poderoso que conheço que pode ajudá-los é o arquimago Kadghar, o conselheiro real de Brightstone. Mas ele é um homem muito ocupado e somente os atenderá se vocês estiverem em missão oficial, acompanhando meu mensageiro.
- Bem, este era o assunto que o senhor tinha a tratar com a gente? É que nós não terminamos ainda nosso jantar e temos que pagar a conta... - Lembra uma preocupada Mutsumi.
- Não seja por isto... Ainda é cedo. Bem, gostaria de saber a resposta de vocês. Se concordarem com a missão, colocarei à disposição de vocês um guia confiança, bem como equipamento, comida e armas adequadas, por nossa conta, sem falar num pequeno adiantamento financeiro...
- Bem, seu Eldrick, nós aceitamos. Quando nos reuniremos? - Fala Naru em nome de todas as garotas.
- Podem descansar e cuidar de seus afazeres. Amanhã, após o desjejum, encontrem-me neste local, às dez e meia. Combinado?
Eldrick se despede dos recém-contratados aventureiros e deixa com o Keitarô uma pequena quantia em dinheiro para pagar a conta da taverna e da estalagem em nome do Conselho da cidade.
Embora o veterano oficial fosse meio pomposo, detalhista e um pouco chato, ele sabia ser razoável e justo desde que o respeitassem.
O jovem estudante da Toudai, Tama-chan e as garotas voltam à taverna, ocupando os seus lugares na mesa antes da entrada de Eldrick e dos guardas.
Excepcionalmente, ninguém havia retirado, provado dos pratos ou mesmo usado as cadeiras, enquanto o grupo estava sendo interrogado. Contudo, a comida já havia esfriado.
O garçom percebe a chegada do grupo e Keitarô aproveita para pagar a conta.
- Com licença, meus jovens, querem que eu esquente a comida ou traga algo para beber, por conta da casa? - O obeso atendente estava bem mais atencioso e simpático depois que Keitarô e sua turma provaram serem honestos e não apenas um bando de caloteiros.
Keitarô olha para as garotas e todas elas recusam, através de olhares, mostrando que comeram o suficiente.
- Não, obrigado. Só peço que traga duas garrafas de água fresca e uma marmita contendo uma porção de batata frita e bife ao molho, conforme o combinado. - Responde ele, se lembrando do pedido que Kaolla fizera antes deles saírem para jantar.
O garçom se retira e o grupo aproveita para trocar as impressões daquela noite nada comum.
- Era só o que faltava! Logo agora que a gente estava para sair daqui, vem este tal do Eldrick e nos "convence" a fazer uma missão suicida nas terras daqueles bichos verdes! - Esbraveja Kitsune.
- Bem, a gente não tem muita escolha... Nossa única chance é fazer esta missão o mais rápido possível e depois irmos para Brightstone, tentarmos falar com o tal do Kadghar... - Pondera Naru.
- Mas, e por que não a gente enrolar o cara e irmos diretamente em segredo para esta cidade? - Questiona Kitsune insistindo na sua tese.
- Hmmm... Acho que não daria certo, Kitsune. Lembra que o Eldrick disse que a gente iria precisar de um guia experiente? Não conhecemos direito o terreno e é bem provável que estes caminhos estejam infestados de monstros... - Pondera Motoko.
- Falando nisto, o que são os orcs? Indaga Keitarô, que ironicamente ainda não tinha visto ou lutado com um deles, junto com Naru.
- Bem, os orcs são uns humanóides monstruosos. A sua aparência é um misto de buldogue, gorila e porco... A gente derrotou um bando deles antes de chegarmos nesta cidade. - Responde Motoko.
- Sem falar que são verdes e cheiram muito mal... ugh... - Comenta Kitsune com uma careta de repugnância.
- Naru-san, o que faremos amanhã? - Pergunta Mutsumi, como sempre, um pouco fora do contexto.
- Bem, vamos ter que acordar as meninas e explicar a elas o que aconteceu hoje. Depois vamos tomar nosso desjejum aqui e conversarmos com o tal do Eldrick. Quem me dera se as coisas fossem fáceis... - Suspira a ruiva, imaginando se encontraria com um cara ainda mais meticuloso e chato do que aquele oficial.
- Bem, o importante é que escapamos de ficarmos presas na cadeia nesta noite... - Conclui Mutsumi.
- Mew, mew,mew!
- Concordo, Mutsumi, mas isto não refresca muito nossa situação. Se Eldrick estiver certo, teremos que enfrentar não somente os orcs como os mercenários dos dois barões briguentos e quem sabe o Finneas. - Objeta Motoko, sendo realista como sempre.
- Ah, nem me diga o nome deste tratante! Se nós encontramos de novo com ele, prometo que eu darei um soco bem caprichado nas fuças daquele salafrário! - Naru fica brava somente de pensar naquele mago de fala fácil e venenosa.
Neste momento o garçom retorna, trazendo duas garrafas de água potável fresca e uma marmita de comida, cuidadosamente embrulhada, entregando-a nas mãos de Naru.
- Bem, pessoal, acho que por hoje, chega. Vamos descansar e amanhã teremos que enfrentar um novo dia.
- Falou e disse, Naru!
O grupo se levanta e todos resolvem voltar para a estalagem. O trajeto de volta foi relativamente rápido e sem incidentes.
Embora tivesse economizado o dinheiro para pagar a janta e o pernoite, Kitsune estava visivelmente frustrada pelo fato de que cumprir aquela missão doida não iria ser tão fácil assim.
Se o idiota do Eldrick não tivesse aparecido, ela iria arranjar um jeito de gastar boa parte do dinheiro em roupas, jóias, perfumes e quem sabe, arranjar um jeito de levar as compras para o mundo real...
Mutsumi, embora estivesse ainda sentida pelo fato de ter sido envolvida na morte de Tarsius, estava mais conformada e com um pouco de sorte, aquela ferida da alma iria se cicatrizar.
Motoko estava com sentimentos conflitantes em sua alma.
De um lado, estava exultante por ter recuperado parcialmente sua capacidade de combate e ter provado ser digna diante de oponentes de respeito.
De outro, sentia-se confusa e terrivelmente sozinha num mundo virtual que não conseguia entender e que lhe causava náuseas.
Ela queria de alguma forma se abrir com Keitarô e desabafar alguma coisa, mas a proximidade deste com a Naru era um empecilho visível.
A impaciência inicial em sair do mundo de Fantasy havia desaparecido em parte dentro de Narusegawa. Todos os perigos passados nas últimas horas e a sensação de medo haviam se apagado quando ela encontrou com seus amigos.
Certo que o fato de Tarsius ter ferido Sarah, Shinobu e Kaolla, havia deixado Narusegawa e os outros chocados.
Só que Naru estava um pouco mais confiante em suas novas habilidades e ela sentia-se contente pelo fato de Keitarô ter mostrado um novo lado durante a luta contra o maligno ilusionista.
Diferente do estudante medroso e sem autoconfiança do passado, Keitarô havia demonstrado muita coragem, arriscando-se a si mesmo para tentar salvar as meninas em pelo menos duas ocasiões.
Isto a deixava mais confiante e menos preocupada com o futuro.
Para Naru, não seria tanto uma questão de QUANDO, mas sim de COMO ela e os outros iriam sair do mundo virtual e de como as experiências vividas nesta aventura iriam influenciar no futuro deles, especialmente da pessoa que ela mais amava no momento.
Keitarô mantinha se aparentemente calmo, mas o seu interior era uma fornalha de impressões e sentimentos conflitantes.
Seu maior desejo era ainda de encontrar um tempo para se abrir com Narusegawa, mas tudo conspirava contra ele.
Ele sabia que amava dela, mas desejava sentir o mesmo vindo da jovem de cabelos ruivos compridos.
Se por um lado, a chegada do pessoal da pensão para resgatá-los ajudou a manter a Naru mais calma, por outro isto significava menos chance de ter a privacidade necessária para conversar com a ruiva.
Ainda mais com a fofoqueira da Kitsune e a intromissão constante da Kaolla.
Embora ele não pensasse em algo mais profundo do que amizade, Keitarô já desconfiava que os sentimentos de Shinobu e mesmo os da Motoko com relação a ele estavam bem mais evoluídos, sem falar no fato de que Mutsumi ainda gostava dele.
Só que tudo isto tornava-se secundário diante do seu desafio imediato: Como lidar com a jovem loira Yuri, que seria sua companheira de quarto naquela noite...
UMA PROPOSTA IRRECUSÁVEL
Minutos depois, o grupo sai da estalagem e caminha em direção à Taverna Old Legs, que parece estar lotada.
A Old Legs funcionava o dia todo. Seus funcionários alternavam-se na arrumação do local e na limpeza, em esquema de rodízio. O horário mais movimentado era a partir das Oito Horas da noite, indo madrugada adentro.
O dono do local, o obeso e bigodudo senhor que acolhera o pessoal da pensão antes, era um mercador aposentado, que ficava lá cuidando do caixa e se encarregava de atender os pedidos de bebidas no balcão.
Ele costumava ficar do Meio-Dia até as Duas da Madrugada, quando se recolhia para dormir, deixando a tarefa ao cargo de um empregado de confiança.
Embora ele se chamasse Brad, era mais conhecido no local como "chefe" ou o "dono". Sua reputação era variável, dependendo do seu estado de humor e o tipo de cliente. Alguns achavam-no chato, ranzinza e antipático, enquanto outros gostavam de seu forte senso de humor, a disposição invejável para trabalhar e a franqueza pessoal.
Assim que entram na Old Legs, Keitarô, Tama e as garotas são cumprimentadas e até aplaudidas como os heróis do dia por vários aventureiros.
Não era todo dia em que um grupo desconhecido salvava pessoas inocentes de um ataque de monstros e derrotava em combate um mago odiado por todos.
Conforme o prometido, o taverneiro Brad se encarregou de dar uma rodada grátis de cerveja, para alegria geral de todos.
Keitarô e as garotas da pensão Hinata foram colocadas numa das melhores mesas.
Logo em seguida o jantar da noite foi servido: uma porção generosa de batata frita, um prato de bifes com molho levemente picante, outro prato com sopa de cereais e legumes diversos, pão caseiro, queijo tipo provolone cortado em fatias e uma torta de frutas.
Para beber, havia vários tipos de cerveja, vinho, licores de frutas e água.
Keitarô e Naru comeram muito bem, já que os dois estavam horas sem comer e beber nada, desde que foram ao Shopping naquela fatídica tarde.
Mutsumi e Tama-chan fizeram a festa com os bifes e a cerveja, mostrando um apetite invulgar.
Kitsune comeu um pouco de tudo, mas também acabou reforçando o time da cerveja, fazendo trio com Mutsumi e Tama. Ela facilmente ficou bêbada, misturando vários tipos de bebidas... em seu estômago.
Motoko, como sempre, comeu com muita moderação, estranhando o cardápio abundante em carnes, o que não era do agrado dela.
Apegada aos costumes orientais, quase não comeu nada dos bifes e batatas fritas, contentando-se apenas com sopa, uma fatia de pão e uma fatia ainda mais fina de torta de amora.
Para bebida, tomou apenas água. Em compensação, achou a sopa nutritiva e saborosa, tomando-a com apetite.
Com um relance nos olhos, Keitarô repara que no canto oposto ao seu estava sentada numa mesa redonda a jovem Yuri, jantando sozinha e conversando com dois ou três aventureiros.
Ela percebe à distância o olhar de seu jovem companheiro de quarto, percebe que ele está muito bem "acompanhado" e devolve com um sorriso sutil antes que a ciumenta Narusegawa perceba o fato.
Keitarô fica meio chateado por não poder ir até lá conversar com ela, pois sabia do risco que corria.
Os ciúmes da Naru e Motoko, mais a malícia de Kitsune iriam infernizá-lo se soubessem que seu "companheiro" de quarto era uma mulher. E ainda mais jovem e bonita.
- A conversa está boa, mas precisamos decidir o que nós faremos a partir de amanhã. - Comenta Naru num tom sério.
- Bem, estava pensando em pagar as contas na loja de roupas e ver se nossas roupas ficaram limpas na lavanderia... - Pondera Kitsune.
- Tudo bem, mas acho que o que Naru-sempai quis dizer está certo. - Comenta Motoko - Além de adquirirmos equipamento adequado, precisamos traçar um plano para descobrir informações de onde estamos e como sair daqui.
- Bem, pelo que me lembro, a Kaolla disse que as maneiras de sairmos deste mundo virtual eram as seguintes: Encontrar um tal de Warp Point, terminar o jogo ou morrermos fisicamente. - Comenta Kitsune.
- Ah, agora eu me lembro, o Tarsius falou em algo parecido sobre o tal do Warp Point, quando ficamos presos na casa dele. - Relembra Narusegawa.
- Morrer evidentemente está fora de questão. E acho incerta também a chance da gente de terminar o jogo. Sou de opinião que o mais fácil é tentar encontrar onde fica este tal de Warp Point. - Pondera Motoko, toda séria.
- Concordo. - Apóia Naru.
- Mas o que vem a ser este tal de Warp Point? - Pergunta Keitarô.
- Sei lá, é uma pena que a Su-chan não esteja aqui para explicar. Mas se for uma espécie de saída deste mundo louco, eu topo. - Responde Naru.
- E como iremos descobrir onde fica e como acessar o Warp Point? - Questiona Kitsune.
- Quem tem boca vai à Roma... Vamos ter que conversar com todos, encontrar pistas, e andarmos por aí até acharmos o dito lugar. - Responde Naru.
- Pode ser que exista gente com o mesmo problema que nós e que saiba de alguma pista... - Teoriza Kitsune.
- Verdade... - Concorda Motoko.
- O que faremos amanhã, Narusegawa? - Indaga Keitarô.
- Bem, não estou 100% certa, mas sou de opinião de que ficar nesta cidadezinha não vai resolver nosso problema. Proponho que depois de fazermos o desjejum amanhã, a gente compre o máximo de equipamento para podermos viajar, ver se arranjamos um mapa da região e descobrir as pistas que nos levem ao Warp Point. - Naru se empolga com a sua própria idéia.
- Grande Naru! - Entusiasma-se Kitsune.
- Mew!Mew!Mew! - Apóia a pequena Tama-chan, enquanto ela toma um drinque por dentro do chapéu de Mutsumi.
- Falou e disse. - Conclui Motoko.
- E você, Keitarô, qual a sua opinião? - Entra na conversa Mutsumi, até então concentrada em terminar com sua fatia de torta.
- Bem, eu pergunto se o dinheiro que temos será suficiente para tudo isto. - Questiona Keitarô.
- Sem problemas, Keitarô. Depois que tomei banho, andei fazendo uns rolos, e após trocar os itens que achamos na casa do Tarsius e comprar as poções de cura que o doutor indicou, ainda nos sobrou mais de 600 GPs! - Exulta a esperta amiga de Naru.
Neste momento, a tranqüilidade do local é interrompida por um grupo de homens uniformizados com expressões sérias no rosto, que entram silenciosamente na taverna, liderados por um oficial de carreira.
Todos os homens trajavam armaduras de couro e portavam cada um, uma espada curta, uma adaga e um cassetete de madeira.
O líder deles estava equipado com uma espada longa, uma adaga brilhantemente trabalhada e uma armadura de cota de malha que reluzia à luz das velas e lustres do local.
Os homens começam a fazer perguntas e interrogar os aventureiros de mesa em mesa até que se aproximam do local aonde Keitarô e as garotas se encontram.
- Boa noite, cidadãos, vocês são por acaso Keitarô, Naru, Motoko, Mutsumi e... e..? - Pergunta o oficial, visivelmente embaraçado ao ver uma tartaruga embaixo do chapéu da Mutsumi.
- Esta é a Tama-chan, nossa mascote. Tama, por favor, cumprimente o homem. - Diz Mutsumi inocentemente.
- Mew!
- Meu nome é Eldrick, o condestável da região e gostaria de fazer algumas perguntas aos senhores. - Disse o líder dos homens armados num tom cortês, mas com autoridade.
- B-boa noite. O que é um condestável? - Pergunta Keitarô ingenuamente.
- Sou o responsável pela ordem e segurança de Smallville. Estou investigando sobre um ataque de monstros no centro da cidade e a morte do mago Tarsius. - Explica Eldrick.
- M-mas, nós não somos assassinos! Aquele mago foi quem começou tudo! Protesta Naru de forma nervosa, quebrando o silêncio do local.
- Nós lutamos apenas para nos defender. - Diz Motoko, procurando manter-se calma.
- É e depois... - Tenta esclarecer Keitarô, mas este é interrompido por um gesto do condestável.
- Não estou acusando ninguém por enquanto, apenas averiguando os fatos.
- Em primeiro lugar, onde vocês estavam quando todos aqueles monstros começaram a atacar os cidadãos? Por pouco não acontece uma tragédia!.. - Exalta-se Naru, apontando o dedo para Eldrick.
- Quem faz as perguntas aqui sou eu, senhorita. Bem, queiram me acompanhar até a Casa da Guarda, por gentileza. - Disse rispidamente o oficial.
- O quê? - Grita Naru, incrédula, ao ouvir o que parecia ser uma ordem de prisão.
- (Tenha calma, Naru. Se nós ficarmos nervosos será pior.) - Cochicha Keitarô no seu ouvido.
- Tudo bem, oficial, nós iremos junto com vocês. - Resigna-se Kitsune, tentando ganhar tempo. Ela sabe que o seu pó de carisma seria inútil neste momento devido ao fato de que havia muitas pessoas vendo a cena e o truque seria evidente.
O desafortunado grupo acompanha os guardas até o austero prédio da Guarda de Smallville, que serve como posto militar, quartel e prisão.
Sob escolta, Keitarô, Tama e as meninas entram na sala do oficial, que está alumiada por um lampião e três candeeiros cheios de velas.
- Bem, eu e meus homens estávamos numa missão nas fazendas a Leste daqui caçando um bando de orcs. As Testemunhas que estavam na cidade ouviram uma explosão na casa do mago Finneas e viram alguns de vocês entrando nela. Quando chegamos à cidade, no final da tarde, vasculhamos tanto a casa de Tarsius como a de Finneas e encontramos nada mais além de ruínas e o corpo do ilusionista congelado. O que tem a dizer de tudo isto? - Diz Eldrick num tom calmo, mas olhando firmemente o grupo.
- Bem, Oficial, nós não viemos aqui nesta vila por vontade própria. A gente estava tentando sair quando o tal do Finneas nos convenceu a entregar um pergaminho mágico para o Tarsius, argumentando que não podia ir pessoalmente, coisa tal! - Começa a falar Naru, tentando não gesticular muito, embora seu nervosismo fosse evidente.
- Sim, continue.
- Eu e o Keitarô, meu amigo, fomos até o local e ficamos presos pelo tal do Tarsius, achando que nós éramos inimigos dele. - Tenta responder Naru. Keitarô quase tem uma indigestão quando Naru se referiu a ele como "amigo", sentindo-se não correspondido.
- E como apareceram as centopéias?
- Eu e a Narusegawa tentamos fugir da mansão, só que acabamos entrando no covil das criaturas, que ficava numa espécie de laboratório. Elas iriam nos devorar e tentei no desespero detê-las jogando um preparado químico. - Tenta explicar Keitarô.
- Só que este bobão errou e acertou a parede, explodindo-a! Depois elas escaparam pelo buraco aberto e foram em direção à cidade. - Conclui Naru com gestos dramáticos.
- E qual o envolvimento de vocês três? - Disse o condestável se referindo a Motoko, Mutsumi e Kitsune.
- A gente tinha acabado de chegar na vila quando ouvimos o pânico da multidão e o rugido dos monstros. Três aventureiros que tentaram deter as feras estavam feridos - um gravemente, e uma criancinha estava prestes a ser devorada pelas feras. Não podíamos evitar o confronto. - Toma a palavra Motoko, pesando bem cada frase.
- Bem, temos várias testemunhas que apontaram o salvamento dos feridos e da menina, bem como o extermínio das criaturas. E o que me dizem a respeito da explosão da mansão do Sr. Finneas e o congelamento de Tarsius?
- Quanto à explosão que houve primeiro foi da autoria de Tarsius! Este covarde foi acertar as contas com Finneas e ambos lutaram entre si. A gente foi lá para salvarmos nossas amigas das garras de Finneas e quando a gente chegou o safado aproveitou para fugir! - Esbraveja Naru só de se lembrar da cena.
- Chuif... Fui eu... Fui eu!... A-aquele pobre homem... snif... Morreu por minha culpa! - Começa a chorar Mutsumi, sentindo-se culpada novamente.
- Então foi você que matou Tarsius? - Eldrick fica surpreso ao reparar na aparente fragilidade da jovem de Okinawa e conhecendo a fama do poder do falecido mago.
- Não! Não é bem isto que aconteceu! Nós fomos obrigados a lutar contra ele pois ele estava disposto a nos matar. Tarsius tentou atacar Motoko pelas costas com uma magia. - Explica Naru ao mesmo tempo em que tenta consolar Mutsumi.
- A Mutsumi percebeu isto e tentou se defender com uma proteção. Só que ao invés de absorver a magia, acabou refletindo de volta para ele. - Responde Motoko.
O oficial começa a pensar com as mãos na cabeça, como se estivesse imerso em pensamentos profundos. Minutos angustiantes se passam e em seguida levanta-se da cadeira e diz:
- Bem, talvez vocês não saibam de certos fatos, por serem forasteiros. Tanto Finneas como Tarsius eram cidadãos de prestígio, tendo apoios políticos entre os nobres da região. Era notório que ambos eram inimigos públicos, porém jamais fizeram nada fora da lei até hoje... - Tenta falar com voz pausada o oficial.
- Diga isto aos três aventureiros que ficaram feridos por causa dos monstros e a criancinha que quase foi devorada! Estes açougueiros também quase mataram nossas amigas! - Exalta-se Naru.
- Abaixe este tom de voz, senhorita, ou serei forçado a prendê-la por desacato à autoridade. - Disse Eldrick num tom de voz ríspido, irritado pela frase de Narusegawa.
- Mas o fato de enganar inocentes, manter cárcere privado e criação de monstros não é considerado crime? - Pergunta Keitarô em tom mais cordato.
- O primeiro fato depende de fazermos uma acareação confrontando a palavra de Finneas contra a de vocês. Em segundo lugar, o direito da pessoa usar meios de defesa mágicos para proteger uma propriedade particular não é crime, embora o finado Tarsius possa ser responsabilizado por abuso de poder, o que foi o caso. A terceira acusação de sua parte realmente procede, mas precisamos de provas materiais para comprovar que Tarsius estava envolvido na fabricação dos monstros perigosos...
Subitamente, uma aglomeração popular se faz ouvir. Vários cidadãos e aventureiros, ao saberem que os heróis de Smallville foram levados pelas autoridades, fazem uma concentração em frente à casa da guarda e começam a gritar palavras de ordem e exigir a liberdade de seus heróis.
Nervosos, uma parte da guarda fica em formação para proteger a entrada e um soldado entra na sala do oficial Eldrick para contar o que está acontecendo.
- Heh... eu não esperava que o clamor popular fosse tão rápido... Tudo bem, soldado, irei falar aos populares. Com licença, volto num instante.
O oficial se ausenta à sala para falar ao povo, deixando dois guardas vigiando os interrogados.
Minutos tensos se passam. Keitarô e as garotas aguardam angustiosamente a chegada de Eldrickm, sob o olhar atento de dois guardas.
- Que bela enrascada nos metemos. Acabamos passando de heróis para criminosos. E tudo porque aqueles dois magos sacanas eram influentes na cidade!... - Desabafa Naru, a ponto de chorar.
- Bem, pelo menos o povo não pensa desta forma. - Tenta-se conformar Kitsune.
- Pense bem, Kitsune. Se ocorrer um tumulto popular por nossa causa, será ainda pior! Se houver vítimas, seremos responsabilizados. Por nós sermos forasteiros, a nossa palavra não valerá muita coisa contra a do oficial. - Comenta Naru, aplicando os seus conhecimentos de Direito na situação atual em que se encontram.
- E agora, Urashima, o que faremos? Se a Kaolla e as meninas ficarem desamparadas aqui... - Angustia-se Motoko com o absurdo da situação. Ela que nunca cometeu nenhuma infração na vida, na iminência de ser presa como arruaceira num vilarejo medieval!
Sob esta emoção, a garota espadachim esquece o incidente com Keitarô antes e procura sentir nele aquele apoio moral de quando foi enfrentar sua irmã mais velha em Kioto. Kitsune malandramente percebe o fato, mas evita maliciar. O clima não estava propício para isto.
- Eu acho que por enquanto, dependemos mais do que o oficial decidir do que nós mesmos. Naru, você que está estudando Direito, como vê a atuação do oficial Eldrick? - Responde Keitarô com raro bom senso.
- Olha, não conheço como funcionam as leis deste mundo, mas na minha opinião, este homem está tentando seguir à risca o código legal que rege esta cidade... Do contrário teria nos torturado ou posto a gente no calabouço. Só espero que a manifestação lá fora seja a nosso favor e não contra. - Pondera Naru, concluindo que nervosismo e histeria não iriam adiantar nada.
A porta se abre e o oficial Eldrick chega com seus guardas, visivelmente aliviado:
- Bem, em primeiro lugar, devo avisá-los de que a população exigiu que vocês fossem soltos. Normalmente não levo em conta a exaltação popular e disse que vocês não estavam sendo presos, mas apenas interrogados e que seriam liberados mais tarde. O povo entendeu e se retirou para seus lares. - Conclui salomonicamente o condestável.
- Verdade? Nós somos inocentes? Podemos ir para a casa? - Empolga-se Keitarô.
- Não tão rápido. Preciso conversar um assunto de importância vital.
- Assunto vital? - Indaga Naru.
- Sim. Guardas, vocês podem se retirar, eu preciso conversar com estes jovens.
Assim que os guardas saem da sala, Eldrick respira fundo e em seguida se dirige à sua escrivaninha. Keitarô, Tama e as meninas ficam todos inquietos, imaginando o teor da conversa.
- Qual é o assunto que deseja nos conversar, oficial? - Pergunta Naru.
- Calma, que chegaremos lá. Mas antes, precisam entender o que está acontecendo em nossa terra. - O oficial Eldrick faz uma pausa e começa a andar em círculos, gesticulando - Até meses atrás, Smallville era um centro comercial promissor, sendo ponto de partida de várias caravanas para os reinos vizinhos. A região era próspera e a guarda tinha que lidar com poucos incidentes. O máximo que ocorria aqui era um raro ataque dos orcs às fazendas do sul ou uma briga de bar.
Fazendo uma breve pausa para beber água, Eldrick olha bem nos olhos do pessoal e diz:
- Contudo, de três meses para cá, a situação ficou tensa demais. Os orcs começaram a ficar mais agressivos e eles estão atravessando a fronteira leste do nosso reino, Arkadia, com mais freqüência, atacando caravanas e saqueando as fazendas da região. Nesta semana, o conselho local de mercadores suspendeu todas as caravanas até segunda ordem, após três comboios com escolta armada terem desaparecido...
- Não tem como colocar patrulhas para evitar que estes monstros atravessem a fronteira? - Pergunta Motoko.
- Infelizmente, a nossa "fronteira" nada mais é do que dezenas de quilômetros de terras ermas, sem barreira natural, como um rio profundo ou uma cordilheira. Como nossos efetivos são limitados... - Suspira Eldrick.
- Os orcs podem atacar em vários pontos simultaneamente e logo vocês não teriam forças suficientes para defender a cidade... - Conclui Motoko.
- Exatamente, minha jovem. Vocês perceberam que possuo apenas vinte soldados fixos e trinta voluntários para patrulhar uma área de mais de 35 quilômetros de extensão... Os orcs normalmente são covardes e pouco armados, mas em grande número, podem se tornar uma ameaça real a nossa cidade.
Agora as coisas estavam começando a ficar claras.
- E quais seriam os outros problemas? - Pergunta Naru.
- Smallville vem há décadas tentando se manter como uma cidade comercial livre. Nós devemos lealdade apenas ao nosso Rei. - Eldrick faz uma breve pausa procurando medir as palavras e continua - Por azar, ela fica no limite de dois baronatos locais. Ao norte estão as Terras do Barão Khazar, que é conhecido por sua crueldade e prepotência. E ao sul fica o domínio do Barão de Strongald, um tirano que sofre de mania de perseguição... - Eldrick aponta para um mapa na parede, mostrando a vizinhança de Smallville.
- Mas isto tem a ver com o ataque dos orcs? - Pergunta Motoko, intrigada.
- É bem provável que a recente agressão dos orcs pode estar sendo manipulada por um ou por ambos os barões como pretexto para anexar a cidade aos seus domínios. Só que não temos como provar isto. Os barões se julgam acima da lei comum.
- Se isto for verdade, o que pode acontecer de pior? - Pergunta Kitsune.
- Se Smalville for atacada e saqueada pelos orcs, os barões podem intervir na cidade alegando motivos de segurança e como um odeia o outro, um massacre pode ocorrer, completando nossa desgraça. - Eldrick abaixa a cabeça como se mostrasse estar impotente diante desta alternativa sinistra.
- Não tem jeito de encontrar um acordo pacífico entre estes dois nobres? - Pergunta Keitarô.
- Infelizmente, não. Ironicamente, o representante do barão de Khazar na cidade era o agora foragido Finneas e o de Strongald era o conhecido Tarsius. A fuga do primeiro e a morte do segundo vão dar mais motivos para os barões quererem a cabeça do conselho local.
- E não dá para recrutar os mercenários que vem na região para reforçar a defesa da cidade? - Sugere Kitsune.
- Não perceberam? A maioria dos mercenários está sendo contratada pelos nobres para engrossar seus exércitos particulares. Infelizmente a cidade tem poucos fundos para contratar uma milícia permanente, devido ao declínio da atividade comercial, o que resultou na queda brutal de impostos.
- O senhor tem algum plano para evitar que aconteça esta tragédia e o fim da cidade? Pergunta Naru.
Eldrick esboça um leve sorriso, satisfeito com a inteligência da jovem ruiva.
Ele abre uma pasta que estava em cima da escrivaninha e mostra um pergaminho ricamente trabalhado com caracteres góticos escritos à bico de pena. Abaixo do citado papel estava o brasão de armas de Smalville.
- Bem, em primeiro lugar, estou terminando de escrever uma carta solicitando o envio de reforços para o nosso Rei, que é uma pessoa séria e imparcial com relação às disputas dos barões. Só que ele naturalmente não irá mandar tropas aqui à toa, sem um bom motivo.
- Qual é o seu interesse em nós, para encurtarmos a conversa? - Indaga Naru, imaginando a resposta a seguir.
- Eu preciso de "voluntários" para descobrirem quem e o quê está por trás dos ataques orcs e - se possível - arranjarem provas de que eles estão preparando uma guerra. Com estas provas, podemos mandar um mensageiro com escolta à nossa capital de nossa província, Brightstone, que fica a 3 dias de viagem.
- Você não está querendo dizer que...
Eldrick se levanta da cadeira e abre os seus braços num largo sorriso, se dirigindo a todos:
- Bem, vocês são as pessoas mais indicadas para esta missão. São de fora, não tem envolvimento com as facções locais e acima de tudo, são bons de briga, habilidosos, e confiáveis! Em resumo, gostei de vocês!
- M-mas... - Tenta objetar Keitarô.
- Desculpem-me pela rudeza no interrogatório, mas era necessário ter certeza dos fatos e de sua confiabilidade. Confesso que fiquei impressionado com a sua sinceridade.
- Desculpe-me, seu Eldrick, mas a gente planejava ir embora daqui amanhã... Viemos parar no seu reino de bobeira e ficamos presos... Temos que achar um portal chamado Warp Point para podermos voltar para casa... - Tenta explicar Naru.
- Sinto, mas caso recusem, terei que convocá-los compulsoriamente, na qualidade de condestável e membro do conselho da cidade. A situação atual é muito grave e infelizmente nesta cidade e nas redondezas não existe nenhum Warp Point. - Interrompe o magistrado.
- E se nós recusarmos? - Objeta Kitsune já pensando em alguma maneira de sacanear aquele condestável chato e fugir o mais depressa desta cidade.
- Serei obrigado a colocar uma gorda recompensa pela captura de vocês, caso banquem os espertinhos. - Conclui com um sorriso o oficial.
Um arrepio de preocupação percorre a espinha dos improvisados aventureiros.
- Por favor, não queremos sacanear ninguém, apenas ir embora para casa! - Implora Keitarô.
- Entendo a situação, mas se vocês andarem por aí sem rumo, serão alvos fáceis para os orcs ou para os mercenários dos barões. Caso salvarem Smalville, não somente terão condições para efetuarem sua busca sem problemas como terão uma excelente recompensa.
- Recompensa? - Pergunta Kitsune visivelmente interessada!
- Como disse, não temos uma grande fortuna para financiar um exército, mas temos algum dinheiro e jóias que podem ser suficientes para um grupo entre seis a dez pessoas...
- Dinheiro! Jóias? Oba! Nós... mmmmphhhhh... - Kitsune se empolga diante da possibilidade de ficar rica, mas Naru impede-a de falar, tampando a boca.
- Não temos interesse em recompensa, mas sim na chance de encontrarmos o Warp Point. O senhor conhece algum? - Pergunta Naru, enquanto tenta manter Kitsune calada, conhecendo a sua ganância.
- Não entendo muito de magia, mas acho somente magos muito poderosos podem ativar um portal destes... Talvez na capital da província, Brightstone... - Pensa Eldrick.
- E onde poderemos achar um mago de alto nível? - Pergunta Naru.
- O único mago poderoso que conheço que pode ajudá-los é o arquimago Kadghar, o conselheiro real de Brightstone. Mas ele é um homem muito ocupado e somente os atenderá se vocês estiverem em missão oficial, acompanhando meu mensageiro.
- Bem, este era o assunto que o senhor tinha a tratar com a gente? É que nós não terminamos ainda nosso jantar e temos que pagar a conta... - Lembra uma preocupada Mutsumi.
- Não seja por isto... Ainda é cedo. Bem, gostaria de saber a resposta de vocês. Se concordarem com a missão, colocarei à disposição de vocês um guia confiança, bem como equipamento, comida e armas adequadas, por nossa conta, sem falar num pequeno adiantamento financeiro...
- Bem, seu Eldrick, nós aceitamos. Quando nos reuniremos? - Fala Naru em nome de todas as garotas.
- Podem descansar e cuidar de seus afazeres. Amanhã, após o desjejum, encontrem-me neste local, às dez e meia. Combinado?
Eldrick se despede dos recém-contratados aventureiros e deixa com o Keitarô uma pequena quantia em dinheiro para pagar a conta da taverna e da estalagem em nome do Conselho da cidade.
Embora o veterano oficial fosse meio pomposo, detalhista e um pouco chato, ele sabia ser razoável e justo desde que o respeitassem.
O jovem estudante da Toudai, Tama-chan e as garotas voltam à taverna, ocupando os seus lugares na mesa antes da entrada de Eldrick e dos guardas.
Excepcionalmente, ninguém havia retirado, provado dos pratos ou mesmo usado as cadeiras, enquanto o grupo estava sendo interrogado. Contudo, a comida já havia esfriado.
O garçom percebe a chegada do grupo e Keitarô aproveita para pagar a conta.
- Com licença, meus jovens, querem que eu esquente a comida ou traga algo para beber, por conta da casa? - O obeso atendente estava bem mais atencioso e simpático depois que Keitarô e sua turma provaram serem honestos e não apenas um bando de caloteiros.
Keitarô olha para as garotas e todas elas recusam, através de olhares, mostrando que comeram o suficiente.
- Não, obrigado. Só peço que traga duas garrafas de água fresca e uma marmita contendo uma porção de batata frita e bife ao molho, conforme o combinado. - Responde ele, se lembrando do pedido que Kaolla fizera antes deles saírem para jantar.
O garçom se retira e o grupo aproveita para trocar as impressões daquela noite nada comum.
- Era só o que faltava! Logo agora que a gente estava para sair daqui, vem este tal do Eldrick e nos "convence" a fazer uma missão suicida nas terras daqueles bichos verdes! - Esbraveja Kitsune.
- Bem, a gente não tem muita escolha... Nossa única chance é fazer esta missão o mais rápido possível e depois irmos para Brightstone, tentarmos falar com o tal do Kadghar... - Pondera Naru.
- Mas, e por que não a gente enrolar o cara e irmos diretamente em segredo para esta cidade? - Questiona Kitsune insistindo na sua tese.
- Hmmm... Acho que não daria certo, Kitsune. Lembra que o Eldrick disse que a gente iria precisar de um guia experiente? Não conhecemos direito o terreno e é bem provável que estes caminhos estejam infestados de monstros... - Pondera Motoko.
- Falando nisto, o que são os orcs? Indaga Keitarô, que ironicamente ainda não tinha visto ou lutado com um deles, junto com Naru.
- Bem, os orcs são uns humanóides monstruosos. A sua aparência é um misto de buldogue, gorila e porco... A gente derrotou um bando deles antes de chegarmos nesta cidade. - Responde Motoko.
- Sem falar que são verdes e cheiram muito mal... ugh... - Comenta Kitsune com uma careta de repugnância.
- Naru-san, o que faremos amanhã? - Pergunta Mutsumi, como sempre, um pouco fora do contexto.
- Bem, vamos ter que acordar as meninas e explicar a elas o que aconteceu hoje. Depois vamos tomar nosso desjejum aqui e conversarmos com o tal do Eldrick. Quem me dera se as coisas fossem fáceis... - Suspira a ruiva, imaginando se encontraria com um cara ainda mais meticuloso e chato do que aquele oficial.
- Bem, o importante é que escapamos de ficarmos presas na cadeia nesta noite... - Conclui Mutsumi.
- Mew, mew,mew!
- Concordo, Mutsumi, mas isto não refresca muito nossa situação. Se Eldrick estiver certo, teremos que enfrentar não somente os orcs como os mercenários dos dois barões briguentos e quem sabe o Finneas. - Objeta Motoko, sendo realista como sempre.
- Ah, nem me diga o nome deste tratante! Se nós encontramos de novo com ele, prometo que eu darei um soco bem caprichado nas fuças daquele salafrário! - Naru fica brava somente de pensar naquele mago de fala fácil e venenosa.
Neste momento o garçom retorna, trazendo duas garrafas de água potável fresca e uma marmita de comida, cuidadosamente embrulhada, entregando-a nas mãos de Naru.
- Bem, pessoal, acho que por hoje, chega. Vamos descansar e amanhã teremos que enfrentar um novo dia.
- Falou e disse, Naru!
O grupo se levanta e todos resolvem voltar para a estalagem. O trajeto de volta foi relativamente rápido e sem incidentes.
Embora tivesse economizado o dinheiro para pagar a janta e o pernoite, Kitsune estava visivelmente frustrada pelo fato de que cumprir aquela missão doida não iria ser tão fácil assim.
Se o idiota do Eldrick não tivesse aparecido, ela iria arranjar um jeito de gastar boa parte do dinheiro em roupas, jóias, perfumes e quem sabe, arranjar um jeito de levar as compras para o mundo real...
Mutsumi, embora estivesse ainda sentida pelo fato de ter sido envolvida na morte de Tarsius, estava mais conformada e com um pouco de sorte, aquela ferida da alma iria se cicatrizar.
Motoko estava com sentimentos conflitantes em sua alma.
De um lado, estava exultante por ter recuperado parcialmente sua capacidade de combate e ter provado ser digna diante de oponentes de respeito.
De outro, sentia-se confusa e terrivelmente sozinha num mundo virtual que não conseguia entender e que lhe causava náuseas.
Ela queria de alguma forma se abrir com Keitarô e desabafar alguma coisa, mas a proximidade deste com a Naru era um empecilho visível.
A impaciência inicial em sair do mundo de Fantasy havia desaparecido em parte dentro de Narusegawa. Todos os perigos passados nas últimas horas e a sensação de medo haviam se apagado quando ela encontrou com seus amigos.
Certo que o fato de Tarsius ter ferido Sarah, Shinobu e Kaolla, havia deixado Narusegawa e os outros chocados.
Só que Naru estava um pouco mais confiante em suas novas habilidades e ela sentia-se contente pelo fato de Keitarô ter mostrado um novo lado durante a luta contra o maligno ilusionista.
Diferente do estudante medroso e sem autoconfiança do passado, Keitarô havia demonstrado muita coragem, arriscando-se a si mesmo para tentar salvar as meninas em pelo menos duas ocasiões.
Isto a deixava mais confiante e menos preocupada com o futuro.
Para Naru, não seria tanto uma questão de QUANDO, mas sim de COMO ela e os outros iriam sair do mundo virtual e de como as experiências vividas nesta aventura iriam influenciar no futuro deles, especialmente da pessoa que ela mais amava no momento.
Keitarô mantinha se aparentemente calmo, mas o seu interior era uma fornalha de impressões e sentimentos conflitantes.
Seu maior desejo era ainda de encontrar um tempo para se abrir com Narusegawa, mas tudo conspirava contra ele.
Ele sabia que amava dela, mas desejava sentir o mesmo vindo da jovem de cabelos ruivos compridos.
Se por um lado, a chegada do pessoal da pensão para resgatá-los ajudou a manter a Naru mais calma, por outro isto significava menos chance de ter a privacidade necessária para conversar com a ruiva.
Ainda mais com a fofoqueira da Kitsune e a intromissão constante da Kaolla.
Embora ele não pensasse em algo mais profundo do que amizade, Keitarô já desconfiava que os sentimentos de Shinobu e mesmo os da Motoko com relação a ele estavam bem mais evoluídos, sem falar no fato de que Mutsumi ainda gostava dele.
Só que tudo isto tornava-se secundário diante do seu desafio imediato: Como lidar com a jovem loira Yuri, que seria sua companheira de quarto naquela noite...
