CAPÍTULO 19

Sentimentos Dolorosos.

Terminadas as compras, o grupo decidiu voltar para a hospedaria. Foi combinado que as garotas iriam mudar a disposição de vagas nos quartos, devido à presença de Yuri.

Ela, Mutsumi (com Tama-chan), Kitsune e Naru iriam dormir neste novo quarto e a Motoko, Kaolla, Sarah e Shinobu em outro.

Por motivos óbvios, Keitarô iria ter que se contentar com o seu quartinho onde dormira na véspera, desta vez sozinho.

Evidentemente, Yuri fez se de desentendida e não comentou que na véspera estivera no mesmo quarto com o rapaz, para não despertar desconfianças no grupo, especialmente de Narusegawa.

Eram seis da tarde quando as aventureiras de Hinata retornaram ao alojamento com as compras - exceto Yuri, que supostamente foi buscar suas "bagagens" em outro lugar e reservar duas mesas para a janta na taverna - pelo menos é o que ela disse para as meninas.

O pessoal teria duas horas e meia para tomar banho, descansar e aguardar o jantar, que foi marcado para 8 e meia da noite, na mesma taverna da noite passada.

A partida de Smallville rumo à fronteira Orc foi marcada para depois das 6 horas da manhã seguinte.

As meninas chegaram à estalagem bem exaustas. A tarde foi puxada, tanto pelos treinos, bem como a corrida às compras.

Pelo menos naquela noite, o pessoal iria conseguir dormir mais tranqüilo, sem a falta de privacidade da vêspera. A estalagem estava um pouco mais vazia, devido ao fato de muitos mercenários terem conseguido serviço nos feudos vizinhos.

Porém nem tudo eram rosas. Após terem trazido a bagagem para o quarto novo - as garotas mais velhas - mais a Motoko, que veio ajudar na mudança - estavam desabafando suas impressões sobre a nova guia:

- Naru, eu acho que a gente devia ter dado o pé desta vilinha enquanto podia - Diz Kitsune com uma expressão de desagrado, apenas com o corpo coberto com uma toalha, se preparando para tomar banho.

- Por quê, Kitsune? - Naru pergunta, também ela estando de toalha e se preparando para entrar na tina com água morna. Além de sabão e uma escova, ainda havia dois baldes extras de água para eventuais trocas.

- Sei lá, acho que não fui muito com a cara da nova guia, a tal da Yuri. Ela me parece muito "milica" para o meu gosto...

- A Shinobu e as outras estavam se queixando dela também... - Comenta Motoko, que também decidiu tomar banho com suas amigas mais velhas. As endiabradas Kaolla e Sarah estavam fazendo a maior bagunça no banheiro vizinho.

- Ara, Aconteceu alguma coisa? - Pergunta Mutsumi entrando na conversa.

- Quando fomos comprar os mantimentos para a viagem de amanhã, a Yuri cortou metade da lista das coisas que a Shinobu planejava comprar, o que fez deixar ela sentida. Nossa guia também tirou as frutas e doces que Kaolla e Sarah queriam... - Conclui Motoko.

- Ao que indica, ela quer que a gente passe esta aventura a pão e água! As únicas coisas que a Yuri deixou comprar foram rações desidratadas, tabletes de açúcar mascavo e sal, carne seca defumada e uns biscoitos duros de dar medo! - Dramatizava Kitsune.

- Só isto? - Naru pensava, tentando entender os motivos de Yuri.

- Sem falar que ela não me deixou "fazer a festa"! Ela "só" mandou comprar duas garrafinhas de whisky e ainda me disse que não era para beber, mas sim para emergências! - Complementa a melhor amiga de Naru.

- Calma, Kitsune e Motoko-chan. Acho que ela deve ter os seus motivos... - Naru pessoalmente não sentia antipatia pela guia loira até porque não sabia de seu "affair" com Keitarô.

- Antes fosse só isto. Na loja de roupas, ela mandou devolver as roupas que compramos, fazendo questão de escolher os modelos mais horrorosos, além de pegar uma porção de mantos e ponchos! - Exalta-se a garota com olhos de raposa.

- Quanto aos kits de emergência e remédios, até eu entendo, mas não compreendo por que não deixou a gente comprar uma barraca que iria servir para nos alojarmos durante a noite. - Comenta Motoko com uma expressão de inquietude.

- Ehehe, meninas, acalmem-se. Ficarem bravas não vai adiantar muito. Quem sabe, se a gente pedir com jeito amanhã, não podemos...

- Na minha opinião, a Yuri é uma chata! - Desabafa Kitsune.

- Isto mesmo! Ela é uma ... - Motoko ia complementar quando de repente elas percebem a presença da Yuri, parada na entrada do quarto, com uma mochila no braço.

- Yuri-chan? - Naru fica surpresa ao perceber que a guia loira estava lá o tempo todo sem que ninguém percebesse.

- Desculpem-me, mas interrompi alguma coisa? - Yuri pergunta com a maior simplicidade do mundo.

- IIIIKH! - Kitsune se encolhe toda, envergonhada do que falou.

- Desde quando estava aqui, Yuri? A gente... - Motoko tenta falar alguma coisa.

- Aliás, o que vem a ser uma "milica", Mitsune? - Yuri se dirige à amiga da Naru falando pelo seu nome verdadeiro, que ficou sabendo durante a apresentação do pessoal.

- Não! É que... É que... - O rosto de Kitsune estava corado como um pimentão.

- É o seguinte, Yuri, as meninas estavam fazendo alguns comentários a respeito de algumas compras que você mandou fazer, e a gente queria saber dos detalhes. - Naru decide abrir o jogo, falando a verdade.

- Bem é o seguinte... Infelizmente, como se trata de uma missão de reconhecimento, não podemos levar muita coisa. - Yuri começa a falar, de forma objetiva.

- Sério? - Kitsune indaga sem saber as implicações da afirmação de Yuri.

- Foi duro para a Maehara entender, mas tivemos que cortar frutas, verduras frescas e guloseimas da lista. No calor que enfrentaremos, elas não durariam muito. Levaremos apenas items que agüentem os cinco ou seis dias que irão durar esta missão... - A guia começa a explicar da forma mais inteligível possível.

- Mas e os tabletes de açúcar e sal? - É a vez de Mutsumi entrar na roda de debates.

- No caso de açúcar, para manter o nível de glicose do corpo. E o sal, misturado com água, para repor as perdas do suor e evitar câimbras nas pernas. - Yuri aplica seus conhecimentos de sobrevivência em ambientes hostis.

- Pó, Yuri, eu não podia levar umas garrafas "disto" e "daquilo" para tomar um trago durante a viagem? Acho que andar no deserto deve ser o maior tédio! - Kitsune contra-argumenta, sorrindo malandramente e fazendo gestos como se desenhasse no ar uma garrafa e um copo.

- Mitsune, nesta viagem nós teremos que se virar apenas com água. Quatro litros e meio por dia por pessoa será o suficiente, afora o necessário para nossa higiene pessoal. - Yuri contra-argumenta.

- O quê? - Kitsune fica incrédula.

- Se beber um gole que seja de álcool - além de passar mal, você irá ficar com mais sede ainda, podendo acabar com sua reserva de água antes do tempo. Dá para contar nos dedos os locais aonde encontraremos água potável na nossa viagem - A expressão da guia fica um pouco mais séria e compenetrada.

- E as garrafinhas de whisky que você comprou? - Tenta protestar a garota de cabelos castanhos curtos.

- Servirão para desinfetar feridas e eventualmente reanimar alguém que fique inconsciente numa emergência, querida. E só para isto. Se terminarmos a viagem, teremos tempo de sobra para encher a cara em qualquer taverna. - Yuri volta a sorrir de forma discreta para Kitsune.

- Aproveitando, Yuri-San, por que você mandou a gente comprar peças de roupa com mangas compridas e todos aqueles ponchos? Não faz muito calor no deserto? - Motoko tenta argumentar achando aquilo ilógico.

- Verdade. Só que da mesma forma que faz muito calor durante o dia, a temperatura cai abruptamente à noite, podendo chegar perto de zero grau. Neste caso, os ponchos ajudariam a gente se aquecer. E as peças compridas servem evidentemente para proteger a pele dos insetos, espinhos e das nuvens de poeira. - Explica Yuri.

- Como você sabe disto tudo Yuri? Você é uma aventureira do tipo Indiana Jones? - Naru fica surpresa diante de tantos conhecimentos da loira.

- Não chego a tanto, mas no passado, andei em lugares diversos. Conheci selvas, savanas, desertos e montanhas geladas... Aproveitando a pergunta, alguém de vocês tem experiência em sobrevivência no deserto? - Yuri fecha os olhos, como se pensasse em seu passado.

- Bem... A gente já ficou perdida no Deserto da Ilha Pararacelso, no Oceano Pacífico. Mas foi por acidente... - Naru explica.

- Se vocês sobreviveram, fizeram um curso de sobrevivência completo. Aquele lugar, apesar de não ser muito grande, é um dos desertos mais perigosos da Terra. - Yuri sorri, diante da resposta de Naru.

- Verdade? Que legal, Tama! - Mutsumi fica contente.

- Mew! Meeew! - A mascote do grupo dá as caras - escondida que estava debaixo do chapéu da Mutsumi.

- Iiiikk! Mu-mutsumi! Tar-ta... - Motoko tem outro de seus ataques de pânico ao ver o pequeno quelônio.

- Calma, Aoyama-san, no lugar aonde iremos, não existe risco de sermos atacadas por tartarugas. - Sorri Yuri.

- Vamos ter que encontrar com muitos animais pelo caminho? Bem é que... Não queremos topar com muitos monstros... - Motoko fica algo incomodada e tenta-se recompor, após Mutsumi ter colocado Tama de volta no chapéu esquisito que ela usava.

- Nem tanto. Afora os orcs e alguns goblins, vamos ter que tomar cuidado apenas com os lobos e coiotes gigantes. Não iremos correr muito perigo com répteis e insetos venenosos, que são raros na região. - Responde a loira.

- Bem, se for só isto... - Naru tenta sentir mais alívio, mas...

- Dizem que mais para o interior do Deserto existem outros perigos, como bandos de salteadores, grifos selvagens, esfinges, homens-cactos e vermes de areia. Há boatos que falam de raças há muito perdidas como homens-serpentes, gigantes do deserto, plantas carnívoras subterrâneas e até dragões. Só que pessoalmente não conheci ninguém que viu isto...

- Humpf, bela aula... Até parece a descrição de um livro de mitologia. - Motoko cruza os braços, adotando uma expressão de ceticismo no rosto.

- Yuri, quanto tempo vai durar esta missão? - Naru torna a falar.

- Bem, pelos meus cálculos, se formos rápidas, a viagem de ida durará dois dias. Depois, teremos de um a dois dias para fazermos o reconhecimento. Para voltar, mais dois. Ao todo, cinco a seis dias.

- Quantos quilômetros nós teremos que andar? - Kitsune fica incrédula ao ver a quantidade de tempo que iriam gastar.

- Até o platô aonde os orcs moram são sessenta quilômetros. Para chegarmos lá, teremos que andar trinta quilômetros por dia num período de oito a dez horas.

- Putz, você quer nos matar? Andar trinta quilômetros num deserto? - Kitsune começa a se arrepender de ter aceitado a missão.

- Bem, os primeiros trinta quilômetros vão ser relativamente fáceis. Os orcs não vão nos incomodar - muito. A fronteira em si não é muito desértica e teremos facilidade de achar água pelo caminho. Por outro lado... - Yuri fica com uma expressão sisuda no rosto.

- "Sabia que ela ia dizer isto!" - Kitsune tenta esconder a irritação que sente em seu pensamento.

- No segundo dia, teremos que tomar cuidado, pois os poços e fontes de água serão escassos e a probabilidade de encontrarmos nossos amigos orcs será muito maior, à medida que chegarmos perto do platô onde estão as tribos mais fortes.

- Bem, pelo menos sabendo disto, a gente fica mais tranqüila. Você iria nos acompanhar até a capital deste reino, caso terminarmos a missão? - Naru volta a falar, lembrando-se do que o condestável Eldrick disse.

- Creio que sim. Conheço a cidade de Brightstone na palma da minha mão. Aliás, trabalhei por uns tempos no exército de lá. - Yuri torna a sorrir novamente.

- Como que é a experiência de uma mulher viver no meio de tantos soldados? Quer dizer... Você tem que ser um pouco liberal para agüentar certas... Propostas. - Kitsune capta a mensagem e tenta especular a respeito da vida pessoal da loira.

- Kitsune, pare de fazer perguntas maliciosas a Yuri-san! - Protesta Naru.

- Eheh... entendi o que quis dizer, Mitsune. De fato, o pessoal fica meio que assanhado no início, mas se você impor o respeito devido, a gente passa ser tratada como igual a eles. Não tem esta de ter que aceitar propostas maliciosas, a não ser que a gente dê mole... - Yuri parece ter entendido a pergunta.

- E você chegou a receber alguma coisa deste tipo? - Motoko fica incrédula ao perceber o pensamento da guia a respeito de amizades masculinas.

- Só uma vez, mas acalmei a libido do rapaz com um bom chute bem colocado. - Yuri tenta acalmar Motoko.

- Hihihi, até parece a Naru-chan! - Mutsumi sorri, lembrando-se dos inúmeros Naru-Punchs que Keitarô recebeu por entrar nas termas nas horas mais impróprias.

- Humpf, se fosse comigo, daria um bom soco nestes assanhados. - Naru faz um biquinho típico de menina mimada, cruzando os braços.

- E eu teria "meios" mais do que adequados para fazer estes homens entrarem na linha. - Motoko comenta, com uma expressão de severidade no rosto, naturalmente se referindo à sua espada.

- Bem, sou contra os excessos e não tolero abusos de malandros. Mas, por outro lado, entendo um pouco o lado dos soldados. Vários deles são noivos ou casados e ficam por vários meses fora de casa sem ver a esposa ou a amada. Imaginem o que é viver numa caserna, passando por todo tipo de perigo e ainda vivendo uma vida dura e repleta de humilhações... - responde Yuri, aludindo às agruras da vida em caserna.

- Bem, não tinha pensado neste lado. - Comenta Motoko, não totalmente satisfeita com a explicação.

- Pode até ser, mas, Yuri-San, eu peço para tomar muito cuidado com o Keitarô. Ele pode ser um rapaz bonzinho e o nosso kanrinin, mas ele é um safado e pervertido de primeira linha! - Naru tenta advertir Yuri como se ela não conhecesse o rapaz...

- Perdão, mas o que é kanrinin? Meu conhecimento do idioma japonês é muito básico, sabe? - Yuri pergunta, com delicadeza.

- Bem... é que... é que... a gente mora na vida real numa pensão chamada Hinata-Sou. O Keitarô é neto da fundadora desta pensão e atual gerente. Kanrinin é uma palavra que quer dizer gerente. - Naru fica meio constrangida ao tentar explicar as circunstâncias do local onde ela e as garotas viviam.

- Certo... Mas ele é tão "perigoso" assim? - Yuri pergunta com a maior expressão de inocência no rosto, arrancando um riso forçado de Kitsune e uma expressão de indignação da Motoko.

- Você ainda não o conhece! Na primeira vez que ele veio na pensão, o safado entrou fazendo a maior confusão. E até hoje ele tem o péssimo hábito de aparecer quando a gente está tomando banho, trocando de roupa, etc. - Desta vez é a hora de Naru dramatizar um pouco, fazendo gestos exagerados, quase derrubando a sua toalha.

- Sem falar no desastre natural que ele é! Se o Urashima ficar a menos de um metro de distância de uma garota, ele arranja um jeito de tocar nos peitos, Cair no colo dela ou fazer coisas piores... Ele é o maior pervertido que eu conheci! - Complementa Motoko, com uma expressão de evidente desagrado ao relembrar os primeiros tempos de convivência com o atrapalhado rapaz.

- Bem, espero que ele não aja desta forma comigo, senão ele é que iria sofrer um acidente! - Sorri Yuri, fingindo entrar no jogo das garotas, embora sua frase tivesse um fundo de verdade.

- Agora senti firmeza de sua parte, Yuri! - Naru faz um sinal de positivo com a mão direita.

- Gostei de ver! O Urashima que se cuide! - Finalmente Motoko parece sentir que Yuri é digna de seu respeito como guerreira.

- Yuri-san, não quer tomar banho agora? A gente já está terminando... - propõe Narusegawa.

- Tudo bem. Vamos ter que aproveitar para descansar, comer e dormir bem, porque amanhã começa o nosso trabalho. - Yuri volta a sorrir e deixa a sua mochila perto do beliche.

No instante seguinte, a experiente aventureira retira suas roupas diante das garotas.

Para a surpresa delas, a jovem loira revela ser não uma "tábua de passar roupas", mas uma adolescente bonita.

Sem a rigidez da armadura e das roupas masculinizadas, ela mostra um corpo de estatura mediana e bem proporcionado.

Kitsune olha com uma certa inveja dos seios de Yuri.

Embora eles não fossem tão grandes como os da Otohime e dela, tinham formato de pêra, com mamilos rosados e deveriam ser bem firmes.

A loira não tinha o menor sinal de barriga e em contraste com a cintura fina e bem delineada, seu traseiro era bem marcante.

Narusegawa também sentia uma certa ponta de inveja.

Exceto por duas pequenas cicatrizes - uma no ombro direito e outra no antebraço esquerdo - a pele de Yuri era perfeita: Macia, e recoberta por uma delicada penugem loira.

Suas mãos tinham os dedos longos e unhas bem feitas, embora o seu aperto de mãos habitual fosse forte e sem cerimônia, talvez refletindo o passado de aventuras e o presente militar.

E as pernas eram bem proporcionadas em relação ao corpo, não havendo sinal algum de estrias ou manchas.

Embora não tivesse um corpaço de miss - Yuri era apenas um pouco mais alta do que ela e Mutsumi, talvez chegando perto da estatura da Haruka, a tia do Keitarô - ainda assim, a estrangeira seria capaz de chamar a atenção em qualquer rua aonde andasse.

Motoko - que já estava de saída - também reparou nestes detalhes. Mas não se deixava enganar pelos mesmos. Yuri era de fato linda, mas por outro lado, estava longe de ser uma donzela indefesa.

A praticante do estilo Shinmei havia percebido que a loira tinha um pouco de músculo nos braços e nas coxas, evidenciando que a aventureira não desdenhava treinamentos e esforço físico.

O seu bronzeado não havia sido obtido nas férias passadas em uma praia ou piscina, mas em incontáveis marchas e viagens pela natureza.

E decerto, a ausência de barriga não era devida ao uso de dietas ou malhações, mas sim à vida árdua e exercícios constantes.

O que Motoko não conformava era o fato de uma guerreira como Yuri tolerar o convívio com os homens.

Até o seu vocabulário estava contaminado - a seu ver - com o jargão de caserna e pela indesejável influência masculina.

Para a jovem praticante das artes marciais, a guerreira perfeita tinha que se manter pura e imaculada, e não deixar que as paixões dominassem sua mente e seus pensamentos.

Era por isto que ela não admitia em público os sentimentos nascentes que possuía em relação ao tarado e irresponsável do Urashima.

Sua técnica não começou a decair quando ele surgiu em sua vida, a despeito de todos os treinos feitos?

Só que havia algumas contradições.

Ela ainda não compreendia direito o motivo por que sua irmã mais velha continuava muito forte, apesar de ter parado de treinar durante anos, e ainda ter se casado.

E ironicamente foi o "inútil" do Urashima que a ajudou a desenvolver sua técnica mais poderosa, o "Zanmaken Ni no Tachi", além de ter ajudado a recuperar sua confiança perdida na revanche contra sua irmã.

Yuri? Como seria a sua real força? E sua mentalidade como guerreira?

Motoko observava Yuri conversando animadamente com Naru-sempai, Kitsune e Otohime, estando bem a vontade. Sim, realmente ela era bonita e seu corpo era desejável...

Só que Motoko estava não se apaixonando por ela, mas sim tentando ver se encontrava algum ponto fraco em sua rival em potencial.

Exceto por sua irmã, ela nunca havia encontrado alguém que se igualasse a ela. Já havia enfrentado outras garotas em campeonatos escolares, só que derrotando facilmente todas elas. Além do kendô básico, ela conhecia várias técnicas, bloqueios e golpes que um praticante comum nunca iria conhecer e nem refutar.

Motoko havia pensado inicialmente que Yuri era apenas um soldado qualquer e que iria derrotá-la no treino simulado, usando no máximo um Zan-Kuu-Sen simples.

Sendo uma ocidental, Yuri decerto não conhecia nada sobre a energia "Ki" e suas técnicas e iria ser pega de surpresa, pensava a garota Kendô.

Mas estava enganada. A loira não somente resistiu ao primeiro Zan-Ma-Ken, como também se desviou dele, trocando vários golpes em combate próximo.

Aquela loira era uma amadora ou uma louca?

Qualquer amador sabia que o nunchaku era uma arma inferior num combate contra a katana, mesmo que fosse feito de ferro.

E foi preciso ela apelar para o Zan-Tetsu-Sen para inutilizar aquela rústica arma feita de madeira e crina de cavalo.

Yuri conseguiu sacar ainda a tempo sua espada curta para deter o curso da lâmina de Motoko. Senão teria sido derrotada naquele breve combate simulado.

Mesmo aquela arma medieval era ainda inadequada para enfrentar uma katana de primeira linha, como sua Shisui.

A fina lâmina da espada de Yuri era adequada mais para perfurar e não para cortar. E dificilmente romperia a defesa que a longa lâmina da Shisui impunha.

Mas como ela conseguiu não somente bloquear seus golpes como também impedir que aquela frágil lâmina se estilhaçasse em mil pedaços? Seria uma arma como as legendárias Massamune ou mesmo uma arma mágica?

Motoko estava começando a pensar em lutar com força total, quando o treino teve fim.

Em sua última tentativa, o Zan-Ma-Ken que ela jogou chegou a danificar o muro do quartel de Eldrick, provocando rachaduras inclusive numa igreja que estava próxima - após Yuri ter se esquivado com rara maestria.

Para evitar mais dissabores, a aventureira e a samurai tiveram que interromper o combate e deixar para mais tarde uma eventual continuação.

Embora Motoko não gostasse do palavreado meio solto de Yuri e por suas eventuais tendências "liberais" com relação ao sexo oposto, a samurai a admirava por sua evidente técnica de luta e pelo fato de ter sido a primeira mulher - fora de seu clã - a entrar num combate de igual para igual com ela, ganhando um certo respeito.

Enquanto a jovem guerreira saía do quarto - voltando para onde Shinobu e as outras estavam tomando banho - Kitsune resolveu aprontar das suas. Aproveitando o fato de que Yuri estava distraída, tomando banho na tina e contando piadas para a Naru e Otohime, ela sorrateiramente se aproxima por trás e em seguida põe as mãos nos seios da garota.

- Ei, Mitsune! O que está fazendo comigo? - Yuri se assusta no início, mas depois entra no espírito da brincadeira, fingindo-se de boba. Ela havia feito coisas semelhantes com outras meninas quando estudava no colégio, em sua vida real.

- Hummm... Até que seus peitos estão... Grandinhos! - Kitsune começa a mexer para cá e para lá. Ela percebe que os seios de Yuri são firmes e macios.

- Ahahah! Pare com isto, Mitsune! Está me fazendo cócegas - Yuri dá uma risada, embora "cócegas" não seja exatamente o termo.

- Ki-Kitsune! Tenha modos! Pare de importunar a Yuri-San! - Naru está um pouco brava com a atitude impertinente da amiga e espantada com a cena insólita. Ainda bem que Keitarô não estava por perto...

- Ara, ara, até que a Kitsune está se dando bem com a Yuri-San - Comenta Mutsumi com sua pequena Tama.

- Só vou largar quando você me contar suas medidas, Yuri! - Sorri marotamente a amiga de Naru.

- Ahahahahah! P-por que q-quer saber disto? - Diz Yuri agarrando a coxa direita de Kitsune para não perder o equilíbrio em cima da tina de água quente, arrancando um arrepio desta.

- Fala, ou eu continuo! - Desta vez é Kitsune que tem que fazer forças para não se desequilibrar.

- Tá bom, as minhas medidas são 84-60-88. - Se Kitsune continuasse mexendo daquele jeito, Yuri seria capaz de ter um orgasmo.

- Valeu, Yuri, acho que agora você pertence ao nosso time! - Sorri a jovem de cabelos castanhos batendo com a palma de sua mão na palma da mão de Yuri, num sinal de fraternidade.

- Que time, Mitsune? - Yuri finge-se de desentendida.

- O das peitudas do Hinata Team! - Gargalha Kitsune.

- Kitsune, só você mesmo para dizer uma coisa dessas! - Naru fica abobalhada ao perceber a ausência de seriedade de sua amiga.

- Qual é, Naru? Não vem que não tem! Você também é uma das nossas, assim como a Otohime! - Kitsune volta a dar risada.

Embora tivessem várias similaridades físicas - ambas eram bonitas, tinham um bom par de seios e corpos bem proporcionados - além do cabelo cortado curto - Yuri e Kitsune possuíam algumas diferenças.

O cabelo de Yuri tendia mais para o loiro, ao passo que o da Kitsune era castanho-claro. O penteado de Yuri era mais simétrico, com 6 franjinhas (três de cada lado) na frente. Enquanto que o da Kitsune era meio que rebelde na frente. E faltava nela a "antena" que Kitsune sempre trazia.

O olhar da estrangeira era bem diferente do jeitão de raposa de Mitsune Konno. As íris de Yuri eram de um azul claro e a expressão do olhar variava de acordo com seu estado de espírito.

Ela ficava terrivelmente sombria quando estava brava ou de mau-humor, mas era de uma doçura incomparável quando estava de bem com a vida.

Embora o estilo de se vestir fosse parecido - tanto Yuri como Kitsune gostavam de estilos práticos e algo masculinos - a forma de uso das roupas era um pouco diferente.

Kitsune era procurava andar mais na moda, embora tendesse a buscar peças que realçavam sua beleza e sensualidade.

Yuri gostava de roupas mais funcionais, não ligando muito em mostrar o seu corpo, muito pelo contrário.

Ela valorizava mais o conforto e praticidade do que outras coisas. Sua coleção de lingeries não se comparava às peças erotizadas que Kitsune utilizava.

Só que isto não impedia que ela mostrasse um lado sedutor.

Diferentemente de Kitsune, Yuri não se importava de usar vestidos longos, saias e sapatos de salto alto, quando a ocasião fosse apropriada.

As atitudes das duas também variavam.

Embora ambas tivessem um jeito direto e informal de falar e encarar as coisas, a americana era um pouco mais séria e responsável, apesar do gosto inato pelo risco

Yuri gostava de trabalhar com objetivos definidos e levava as coisas mais a sério, diferentemente da jovem de Osaka. Ela sabia ser brincalhona, irreverente e até maliciosa, mas quando a ocasião o permitia ser.

Só que faltava nela aquele lado de "irmãzona" de todas que a Kitsune sabia fazer tão bem. Yuri preferia estar mais na frente das coisas que manobrar pelos bastidores.

Mutsumi e Tama já estavam tirando uma soneca, enquanto Yuri terminava se de banhar na tina de água morna.

Kitsune e Naru já estavam de roupas novas e trocavam impressões e fofocas. Para descontrair o clima, Yuri contava piadas para as duas, a respeito de casos e locais pitorescos de sua juventude.

Em outro quarto, Keitarô tomava banho silenciosamente.

Seu astral não era dos melhores, não apenas pelo "Naru Punch" que levara à tarde como também pelo fato de estar claro que Narusegawa o estava evitando deliberadamente.

Tudo o que ele mais queria era conversar e se abrir com ela, mas parecia que estava impossível.

Para piorar, Yuri estava de volta, como guia da missão.

Keitarô não sabia se a evitava, deixando-a de escanteio, ou se ele tentava conversar em particular com a loira, explicando que ele gostava da Naru e não tinha pretensão de namorar outra pessoa por enquanto.

Não que ele detestasse a estrangeira. Ela tinha várias qualidades que ele apreciava. Era bonita, jovem, inteligente e em certo ponto, era mais compreensiva do que a ruiva.

Só que Keitarô tinha um pouco de medo do estilo ousado da Yuri se relacionar, bem como suas atitudes com relação ao amor.

Educado numa família conservadora, e também pelo fato de nunca ser correspondido por alguém do sexo oposto, Keitarô não tinha habilidade em lidar com as sutilezas de um relacionamento adulto, temendo perder o controle da situação, como aconteceu na véspera.

Outro motivo de dúvida foi o treino da tarde.

Ele ficou impressionado com a técnica de luta da garota e ficou alimentando novos temores. Seria ela uma outra Motoko?

Ele ficou especulando a respeito de onde a moça teria ganhado tamanha perícia em combate...

Será que Yuri era uma aventureira, mercenária, ou quem sabe militar? E se ela fosse uma terrorista de algum grupo radical ou mesmo uma fria assassina paga?

Com todas estas especulações, seu sentimento tendia a se afastar de Yuri, ao mesmo tempo em que ele tentava reconciliar-se com Naru.

A única esperança de Keitarô residia no fato de Mutsumi ser tanto amiga dele como da Narusegawa, e que a jovem de Okinawa ajudasse-o a fazer as pazes com a ruiva.

Só que Urashima não tinha certeza se Otohime ainda se lembrava da conversa de manhã. Às vezes ela era desligada com as coisas...

Keitarô sentia-se carente e solitário. Aqueles carinhos e abraços que havia tido com Yuri de madrugada, ele queria recebê-los de outra pessoa. De sua amada Narusegawa.

Mas este era um sonho distante. Era mais fácil Keitarô achar um Warp Point sozinho de olhos vendados do que Naru declarar publicamente e sem medo o amor que sentia por ele.

Enquanto tomava banho, Keitarô teve outro de seus devaneios típicos.

Ele imaginava-se relaxando numa banheira, e de repente a Narusegawa aparecendo de surpresa no quarto, apenas coberta por uma toalha curta.

Keitarô, no sonho, pergunta a ela o que queria.

Naru responde-lhe, com um olhar aflito e ansioso: "Keitarô, perdoe-me. Eu preciso muito de você... Também me sinto muito sozinha aqui...".

Inesperadamente Narusegawa se aproxima dele e retira a toalha, se descobrindo toda. Ela o abraça e beija-o, deixando o seu corpo macio tocar o dele. Ele acaricia o seu lindo rosto e começa a beijá-la na boca, e no pescoço.

Em instantes, ambos os corpos, mentes e sentimentos tornam-se um dentro da banheira.

De repente, o sonho virtual de Keitaró é bruscamente interrompido por uma batida seca na porta.

O choque da realidade é tão grande que ele perde a concentração e a sua sensação de prazer se esvai em poucos instantes, dando lugar à uma enorme frustração.

Reprimindo um pensamento bobo pela intromissão, ele sai da acanhada tina de água onde estava e cobre-se com uma toalha. Ele pergunta quem queria conversar com ele.

Só que ninguém responde. Curioso, ele se aproxima da porta e vê um bilhete cuidadosamente dobrado debaixo da porta.

Ao abrir o bilhete, ele lê o seu conteúdo:

"Kei: Não vá dormir cedo. Precisamos conversar. Y."

O cérebro do pobre rapaz pareceu entrar em colapso. Era a última coisa que faltava. Por quê ela chamou o de "Kei" ao invés de Keitarô?

Embora ele tivesse uma sutileza de um invertebrado, Keitarô percebeu que a coisa estava indo longe demais.

Será que Yuri se apaixonou por ele? Isto seria muito perigoso...

Enquanto isto, em outro quarto, Kitsune, Mutsumi e Tama-chan tiravam uma soneca, enquanto Narusegawa e Yuri conversavam amenidades.

Naru falou a respeito de fatos de seu passado, da vida na pensão Hinata e da recente aprovação na Toudai.

Yuri revelou que era americana e que morava na Costa Oeste, além do seu gosto por aventuras e esportes radicais.

Revelou ainda que fizera um ano e meio de faculdade numa universidade famosa, mas que havia trancado a matrícula, ao descobrir que não era o que buscava.

O restante das conversas transcorreu morno, alternando entre piadas e trivialidades.

Tanto Naru como Yuri se entrosaram bem na primeira conversa, apenas evitando falar a respeito de assuntos amorosos ou íntimos.

Parte da impressão inicial negativa que Naru tinha da loira desfez-se, achando a guia bastante simpática e amistosa.

Por outro lado, Yuri percebeu que Naru era bastante perceptiva e sutil, e que teria um grande potencial de liderança dentro do grupo das meninas, se comparada com a Mitsune, Mutsumi ou mesmo Motoko. Apenas ficou imaginando como uma pessoa tão inteligente poderia ser capaz de ter uns certos ataques de ciúmes...

No terceiro quarto, Motoko tentava-se concentrar, confeccionando os fuuins com inscrições místicas, enquanto Kaolla e Sarah bagunçavam pelo quarto, tentando inventar apetrechos diversos com o Kit de Tecnomago comprado pela primeira. Embora não fosse comparável à parafernália eletrônica que Su tinha na pensão, era suficiente para criar alguns efeitos especiais.

Shinobu estava esgotada, descansando na parte de baixo do beliche, totalmente alheia à bagunça de suas amigas.

Ao contrário de Naru, Shinobu não sentiu muita simpatia pela nova guia. Ela achou Yuri um pouco ríspida e exigente demais. E o treino foi bastante puxado para a jovem ginasial, assustando-a mais ainda.

Para Maehara, Yuri seria um misto de Motoko com Sarah, com os defeitos de ambas, mas sem as mesmas qualidades.

Shinobu ficou realmente sentida quando a guia mandou cortar todas as guloseimas, frutas e vegetais da lista de compra, achando que ela fez isto por antipatizar-se com ela.

E ainda Yuri não havia explicado para a jovem Shinobu os motivos de tal atitude.

Contudo, Maehara não queria ficar inimiga dela. Seu espírito era muito bom para pensar numa coisa desta. Quem sabe, no almoço de amanhã ela tivesse uma chance para conversar com a estrangeira loira e descobrir o lado bom dela?

O jantar transcorreu sem muitas novidades.

Motoko, como sempre, evitou comer bastante, abrindo mão da sobremesa. Kaolla e Sarah atacaram literalmente os pratos e o trio Kitsune-Mutsumi- Tama-chan exagerou um bocado na bebida, fazendo a maior algazarra.

Shinobu olhava cada prato, por mais simples que fosse, tentando adivinhar a receita - pela textura da comida e pelo paladar - a fim de ampliar o seu repertório.

Keitarô e Naru não tiveram nenhum progresso no seu relacionamento.

A ruiva deliberadamente o ignorou, puxando conversa com Motoko, Yuri e Kitsune. Toda vez que o rapaz tentava entrar no assunto, ela cortava-o com algo rude.

E Urashima desistiu de tentar conversar, após a terceira tentativa mal-sucedida, preferindo trocar amenidades com Shinobu e Mutsumi.

Quase todo mundo percebeu que o clima entre os dois estava estranho, sem motivo definido.

O jantar terminou por volta das Nove da noite.

Os sessenta minutos seguintes foram dos mais angustiosos possíveis, tanto para Naru, como para Keitarô.

Encerrado em seu quarto, o jovem Urashima se torturava psicologicamente decidindo de ia ou não ia conversar com Yuri.

Obviamente ele estava chateado com a atitude ciumenta e infantil de Naresegawa durante o jantar, mas ainda ela era a garota que ele amava.

Só que ao mesmo tempo em que queria se afastar de Yuri, algo o atraia para perto dela, como se ele fosse um inseto fascinado pela luz de uma vela brilhando no escuro.

Ele gastou os minutos que restavam, estando deitado na esteira de dormir, pensando nas palavras certas que iria dizer para Yuri. Decidiu que ele iria pedir desculpas pelo incidente da véspera, que amava Narusegawa de verdade, e coisa tal, e que gostaria de tê-la apenas como amiga, mas sem intimidades.

Iria ser muito duro, mas era o que precisava ser feito. Por mais que ele gostasse de Yuri e das demais meninas da pensão, seu coração pertencia apenas à Narusegawa. E seria com ela que ele iria decidir o seu futuro, custasse o que custasse.

Enquanto isto, no outro quarto, Mutsumi e Tama-chan já estavam nocauteadas na cama, devido ao efeito da bebida. Yuri havia trocado de roupa e com a desculpa de que iria dar um pequeno passeio lá fora, saiu do quarto. Apenas estavam Narusegawa e Kitsune naquele momento.

Kitsune - esperta como é - percebera a atitude da amiga. E decidiu intervir mais uma vez.

- Ué, Naru? O que aconteceu entre você e o Keitarô? Você não quis puxar papo com ele. - Aproxima-se a esperta jovem, colocando a mão direita no ombro da Naru.

- Não estou com vontade de conversar com aquele bobo. - Naru tenta cortar a conversa desde o início.

- E como anda o relacionamento de vocês? - Kitsune pergunta em tom sutil.

- Ah! Sei lá!... - Naru se faz de desentendida.

- Então ainda não se abriu com ele desde aquele dia... - Kitsune se refere ao episódio aonde ela tentou conversar com Narusegawa, após ter descoberto que Keitarô finalmente se declarou à sua amiga.

- Kitsune, você pode ser minha melhor amiga, mas não acha que está exagerando? - Naru começa a ficar irritada.

- É justamente por gostar de vocês dois que eu quero saber.

- Ah... Como posso dizer? Fora as nossas briguinhas de sempre não aconteceu nada de mais de ontem para hoje. - Responde a ruiva, dando de ombros.

- E nem há motivo para você ficar de mal com ele assim. Pelo que me lembro, no domingo você estava até disposta a sair junto com ele, lembra? - Kitsune tenta refrescar a memória demasiadamente seletiva da sua amiga.

- Ah, mas isto já foi...

- E depois que derrotamos o sacana do Tarsius, reparei que você estava até orgulhosa dele não ter amarelado durante a luta, não é? - Pela primeira vez, a jovem de cabelos castanhos abre ambos os olhos desde que entrou no mundo virtual.

- É verdade, ele fez a parte dele... - Admite timidamente Narusegawa.

- Então você não tem motivo algum para ficar se torturando deste jeito. Vá à luta e agarre o Keitarô! - Kitsune dramatiza, fazendo uma pose e empunhando dois leques com as cores da bandeira japonesa, ao som de uma música patriótica.

- Kitsune! Eu... - Naru fica com duas gotonas na cabeça.

- Ou tem algum motivo a mais para não fazer isto?

- Bem... É que... Eu reparei que ele estava muito assanhado com a Shinobu-chan hoje cedo... - Diz Naru tentando criar uma desculpa.

- Ora, mas todo mundo sabe que ela gosta muito dele, e que Keitarô trata a Shinobu super bem, até você! E nunca te vi ficar com aquele ciúme da menina! Conta outra! - Kitsune, esperta como é, não cairia neste argumento tão primário.

- Sei lá, Kitsune... Às vezes acho que o meu destino é ficar sozinha! Quem vai gostar de uma garota cabeça-dura, geniosa e chata como eu? - Naru começa a desabafar, rompendo-se um pouco da casca com a qual cobria seus medos mais profundos.

- Agora que você descobriu que ele gosta de você vai entregar os pontos assim? Se for para desistir, fique sabendo que eu vou entrar no páreo! - Kitsune começa a provocar, sorrindo para sua amiga.

- Ah, Kitsune, não é justo! - Naru faz uma careta de protesto.

- Na guerra e no amor, vale tudo, querida! E depois, o nosso desastrado kanrinin não é de se jogar fora! - Kitsune começa a pensar nos momentos em que tentou seduzir Keitarô.

- Kitsune, eu... eu... - Naru começa a ficar com cara de choro.

- Coloque para fora o que você está sentindo. - Ao perceber que finalmente atingiu seu objetivo, a esperta jovem fita Narusegawa com ternura no olhar e começa a alisar seus cabelos.

- Não tenho certeza, mas acho que tenho medo... Sei que o Keitarô gosta de mim e se eu quisesse... Mas não sei... Se a gente começar a namorar, posso estar perdendo tudo o que conquistamos... - Naru deixa escapar uma discreta lágrima e começa a apalpar o crucifixo que costuma carregar, como se procurasse forças nele.

- Ah, se você pensar por este lado, você perdeu a batalha antes de começar a guerra! - Kitsune pela primeira vez fala sério.

- O quê? Não entendi? - Naru sente um pouco de medo e parece recuar.

- Quero dizer, se você ficar embaçando muito, pode perder o Keitarô por falta de iniciativa. - Kitsune insiste em sua argumentação.

- Mas, isto é impossível! Ele jamais iria... - Naru protesta, deixando escapar um de seus pensamentos pré-concebidos.

- Talvez. Mas lembre-se que não tem somente a Shinobu. A Mutsumi e a Motoko estão no páreo. E se bobear, eu acho que até a tal da Yuri vai tirar uma casquinha dele! - Responde Kitsune com o dedo indicador levantado, a início de forma séria e depois começando a sorrir.

- Yuri-san? Ela nunca seria capaz de... - Naru fica incrédula e paralisada diante desta possibilidade.

- Você tem muito a aprender na vida, Naru! Do pouco que vi, ela conversando, pude notar que ela não tem cara de boba!

- Se aquele otário der em cima da Yuri-San, eu juro que vou fazer ele ver estrelas!

- Não, não é assim que você tem que agir, Naru. O Keitarô só vai dar o fora se você se comportar de maneira infantil. Faça o que eu digo, dê uma chance a ele e aproveite a chance para ele sentir mais firmeza de você...

- Você não está querendo que eu...

- Não é isto que você está pensando. O que aquele rapaz precisa é apenas de atenção e de um ombro amigo.

- Mas da forma que estamos fica muito difícil... A gente quase não tem privacidade!

- Ah, chances aparecem! Mesmo quando estavam perdidos naquela mansão daquele mago, você não tiveram um clima???

- Kitsune!... Ah, ta bom, não prometo nada, mas vou fazer força para ser menos dura com ele... Isto é... se o Keitarô não vier com nenhuma safadeza para o meu lado.

- Assim é que se fala, minha amiga!

Naru e Kitsune começam a falar sobre outros assuntos. A ruiva até tinha pensado em dar uma passada no quarto do Keitarô, mas já estava tarde, e a conversa com Kitsune fez esquecer momentaneamente do que tinha planejado. Pois, tudo bem, ela ainda ia ter todo o tempo do resto de suas vidas.

Naquele momento, Keitarô sente algo de estranho. Ele já tinha terminado de trocar de roupa e aguardava inutilmente Narusegawa quando se volta para trás. Sem fazer barulho, Yuri entrara em seu quarto, pela janela. Por muito pouco ela não o pegara de surpresa.

- Yuri! - Keitarô exclama num misto de assombro e admiração.

- Keitarô... - A voz da loira sai quente, sussurrante e quase apelativa. Ela estava trajada com uma roupa leve negra

- Nós precisamos conversar... - Responde Keitarô, desviando o seu olhar do corpo da moça.

- Eu Também. - Responde Yuri, estranhando o comportamento do jovem.

Keitarô se assusta quando Yuri se aproxima dele e sem dizer mais nada, o beija na boca. A muito custo, ele se afasta daquele corpo quente.

- Não me leve a mal, mas não pude demonstrar o meu sentimento hoje à tarde. Fiquei contente ao saber que vamos continuar a nossa aventura... Juntos! - Yuri novamente tenta abraçar o rapaz.

- Yuri... - Keitarô se afasta discretamente e fica sentado na esteira de dormir, na clássica posição de meditação.

- Que foi, amor? - Pela primeira vez, Yuri fala esta palavra, tão simples, mas tão complicada de se dizer.

- Pe-peço te perdão pe-pelo ocorrido ontem à noite... Não devia ter feito aquilo com você, a-aproveitando de sua solidão... Sou a-apenas digno de seu desprezo e ódio!... - Keitarô fala com um tom um pouco nervoso, quase gaguejando.

- Ué, Keitarô, do que está falando? - Yuri fica incrédula.

- Yuri! Fiz algo que não devia! E-eu... Você... A-acho que tivemos re...re... isto é... Fi-fizemos amor! - Keitarô começa a se emocionar e o tom de sua voz fica meio melodramática.

- Keitarô, não precisa se martirizar. Em primeiro lugar, NÃO aconteceu NADA naquela noite... - Yuri senta-se de frente na esteira com Keitarô, falando em voz baixa, com um pingo de tristeza e desapontamento.

- Não? Como Assim? O colchão estava com uma gota da... da... "daquilo"... - Keitarô fica envergonhado de dizer isto.

- Deixe-me explicar... Você estava tão cansado, que logo nos primeiros minutos acabou dormindo. Só trocamos uns beijos e uns abraços e foi só, antes de adormecer por completo. - Responde com um meio sorriso a garota.

- O quê? E... - O rapaz tenta juntar as peças deste quebra-cabeças em sua pobre mente.

- Não olhe para mim...Como já estava muito excitado, você acabou gozando sozinho, como se tivesse tido um sonho molhado... Ahahah, deu um trabalho para eu limpar tudo com um paninho, mas acho que acabei me esquecendo daquele detalhe que você viu! - Sorri a garota ao imaginar como seu tímido parceiro havia se torturado durante o dia.

- Então foi isto? - Keitarô tenta acreditar, entre aliviado e desapontado.

- Bem... Nada impede que... - Yuri tenta se aproximar novamente de Keitarô e seus olhos brilham. Ela lentamente acaricia o rosto e o pescoço do jovem nipônico.

- Não Yuri. Acho que não podemos correr mais este risco. - Responde Keitarô fechando os olhos.

- Por quê, que... quero dizer, Keitarô? - Yuri começa a sentir uma pontada de tristeza no fundo de sua alma.

- Eu... - Keitarô tenta fazer força para falar o que sente, mas está difícil.

- Eu? - O tom de voz da Yuri está entre triste e desapontado.

- Eu... eu... amo a Narusegawa! E mesmo que ela não nunca admita isto, acho que é muita sacanagem... de minha parte, ficar com duas pessoas ao mesmo tempo.

- Keitarô, eu...? Yuri tenta contra-argumentar, mas ela mesma começa a se emocionar também. Se alguma das meninas entrasse naquele momento no quarto, os dois estariam perdidos.

- Peço-te perdão! Eu...Eu... Devia ter falado isto a você desde o começo! - Keitarô abaixa a cabeça e faz o gesto japonês típico de pedir desculpas.

- Mas, Kei... Eu também gosto muito de você! Eu te amo! - O tom de voz da Yuri agora fica sério e dramático.

- Yuri, não me force... a falar algo muito duro. Mas acho que... Você precisa dar um tempo em seus sentimentos... Sinto que você está carente... Não tenho nada contra ti, você é uma pessoa muito legal e desejo que seja muito feliz... Mas com um rapaz que esteja à sua altura... - Keitarô fica um pouco comovido e penalizado, mas pensando na Naru, encontra forças para continuar a falar.

- Não, não foi um jogo o que aconteceu! Se não tivesse gostado de você... Desde que te vi... Digo que nem ficaria um segundo aqui! Eu... Eu... - Yuri fica sem saber o que fazer. Se ficava indignada e dava um tapa naquele rosto ou se ela o abraçava e chorava, implorando por uma demonstração de afeto.

- Yuri... já disse... A Naru é a garota de minha vida. - Keitarô consegue-se desvenchilhar da presença da loira e dá mostras de estar bastante cansado mentalmente.

- Tudo bem... Como quiser, Keitarô Urashima. Vou respeitar os seus sentimentos e os da Narusegawa. Mas... - Sussura Yuri, ao perceber que perdera aquela batalha, por enquanto.

- Mas?

Reprimindo uma lágrima, Yuri sai do quarto rapidamente sem dizer nada, e sem ao menos olhar para trás.

A frase que ela pensou em dizer para Keitarô seria: "Mas se um dia ela te dar um fora, eu entrarei em sua vida... definitivamente!".

Keitarô tem um impulso para sair do quarto e correr atrás de Yuri. Era penoso para ele ter deixado a jovem naquele estado, mas ele precisava deixar as coisas claras antes que uma confusão ainda maior se instalasse.

Ele mesmo não conseguiu entender como conseguiu falar tudo aquilo sem enrolar e muito menos fazer mais um de seus acidentes pervertidos que tudo botavam a perder!

Estranho que naquele breve momento em que Yuri e ele estiveram perigosamente juntos, não aconteceu nada de errado: Nada de Narusegawa ou Shinobu-chan abrir a porta sem avisar, da Kitsune ficar bisbilhotando, ou da Su-chan e da Sarah-chan aparecerem com mais uma de suas traquinagens!

Ao voltar para o seu quarto, Keitarô se deixa cair em sua cama, com uma expressão aliviada, mas vazia. Será que fizera a coisa certa? Mas mesmo assim, sentia pena por ter deixado a pobre garota machucar-se em seus sentimentos... Engraçado... Quando ele era mais novo nunca aconteciam coisas assim.

Todas as suas tentativas em declarar seu afeto para as meninas terminavam em fiasco, deixando ele com o moral baixo, mas isto passava.

O que surpreendia era o fato de pela primeira vez uma pessoa totalmente desconhecida para ele ter se apaixonado desta forma à primeira vista. E ele teria que conviver com ela nos próximos cinco a sete dias!

Sem muita alternativa, Keitarô tenta esquecer as impressões conflitantes em sua mente e entrega-se ao sono. Amanhã teria que acordar mais cedo.

Um novo desafio o esperava.

Escrito por: Calerom.

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