Capítulo 20:
A CAMINHO DA FRONTEIRA.
Após o derradeiro café da manhã na estalagem, o H.A.T. (Hinata Attack Team) - como foi apelidado pela Kaolla e Sarah - se prepara para a missão que lhe foi confiada.
Depois dos preparativos finais, Keitarô e as meninas se encarregaram de colocar todos os equipamentos necessários nas sacolas e mochilas, bem como encher os vários cantis que levariam com água fresca.
Enquanto isto, Yuri foi ver com Eldrick um problema logístico sério: quais os animais de carga que levariam.
Sob o ponto de vista tático, o ideal seria que todos soubessem cavalgar. Contudo, do grupo, apenas Yuri e talvez Motoko - devido ao treinamento de samurai, que exigia luta a cavalo - estavam preparadas.
Não valia aqui a desastrosa experiência que Kitsune, Mutsumi e Motoko tiveram com avestruzes na desesperada tentativa de resgate de Keitarô e Naru no Deserto das Ilhas Pararacelso, já que elas mal sabiam controlar aquelas criaturas.
Como nenhuma das meninas estavam dispostas para deixar a Kaolla inventar uma versão medieval do Mecha-Tama 4 - por motivos óbvios - a solução foi encontrar uma alternativa intermediária.
Em instantes, Yuri voltou com dois jumentos de carga. Estes animais pequenos - mas mansos e muito resistentes às condições adversas - seriam usados para carregar itens que o pessoal não pudesse levar a pé, além de servirem como montaria para Shinobu, Kaolla e Sarah, caso ficassem cansadas.
Particularmente cômico foi o momento em que - após colocar os alforjes com os mantimentos nos jumentos - Keitarô tomou um belo de um coice de um deles, enquanto estava contando vantagem para as meninas.
As patas do quadrúpede serviram para aproximá-lo de Narusegawa, embora não da forma que ele desejava.
Ao perceber que suas mãos estavam em contato direto com os peitos de sua amada, ele teria sido arremessado aos céus por mais um "Naru-Punch", se não fosse a intervenção da Yuri, acalmando os ânimos da temperamental ruiva.
A partida de Smallville em si não foi tão empolgante. Com a presença apenas do condestável Eldrick, do chefe da guilda dos mercadores local (típico burguês: calvo, queixo duplo e bem gordo, trajando roupas elegantes), do prefeito da cidade - um velho de uns sessenta anos e claramente despreparado para os desafios de seu cargo - e de alguns curiosos, o H.A.T., guiado pela aventureira Yuri, se põe a caminho da fronteira.
A idéia era do grupo caminhar durante oito horas em dois turnos de quatro horas cada. Entre as 12:00 e 15:00 horas da tarde o pessoal faria uma pausa para o almoço e para se proteger do calor escaldante, retomando a caminhada até o pôr do Sol.
A meta do primeiro dia era percorrer metade do trajeto e acampar num local relativamente protegido, com acesso à água.
Pessoalmente, Yuri preferiria - como guia experiente que era - que todos os movimentos fossem feitos a noite, reservando-se o dia para descansar, ficando fora das trilhas conhecidas, mais propensas a emboscadas.
Só que ela sabia que o grupo era inexperiente em matéria de sobrevivência e ela não podia dar mais um dia de vantagem para os orcs ou quem quer que fosse o mandante dos ataques às caravanas.
O H.A.T. deu início à sua marcha rumo ao Leste seguindo uma formação ordenada.
Por orientação de Yuri, o grupo andava dividido numa formação em forma de uma cruz simétrica, com uma distância de 20 metros entre cada pessoa que cuidava das extremidades da formação.
Na frente do grupo, encabeçando o topo da cruz, estava a própria Yuri, que atuava como guia e vanguarda do grupo. No braço direito da cruz estava a Narusegawa e no braço esquerdo, Keitarô; cada qual cuidando dos flancos. Na retaguarda andava a Motoko, tendo uma boa visão de toda a formação, podendo dar cobertura a qualquer lado de onde viesse o perigo.
No centro da formação em cruz, unindo as extremidades, ficavam Sarah, Shinobu, Kaolla, Kitsune e Mutsumi - com a Tama devidamente oculta sob o chapéu.
As garotas que usavam magias deviam dar apoio aos que cuidavam das extremidades da formação, ao passo que Sarah, Tama e Kaolla protegiam não somente Shinobu, como a Kitsune e a Mutsumi.
Quando Yuri precisava recuar para informar o restante da coluna, Tama-chan trocaria de lugar com ela, se fosse necessário, apenas tendo o cuidado de ficar fora da linha de visão da Motoko, por motivos óbvios.
A idéia desta formação - usada pelos rangers americanos da época colonial - era de poder cobrir uma área relativamente ampla e evitar que todos fossem surpreendidos ao mesmo tempo.
Ela permaneceria enquanto eles tivessem terreno aberto pela frente. Do contrário, Yuri alteraria a disposição conforme a situação tática.
O trajeto da parte da manhã não teve muitos problemas, pelo menos até as dez horas da manhã. A partir daí, o calor começou a se acentuar bastante, com a temperatura subindo para mais de trinta graus e com o ar seco.
Cada um dos aventureiros levava dois cantis de água presos à cintura, mais dois cantis extras por pessoa - que ficavam junto com os animais de carga.
Yuri não havia fixado medida alguma para racionar água, até porque pelo menos na primeira metade do trajeto não teriam problemas em encontrar água fresca, nos poços e riachos que irrigavam as terras vizinhas a Smallville.
Mas ela avisou o pessoal a tentar manterem pelo menos os cantis de reserva até o grupo chegar no local designado para reabasteçimento.
- Ai que sede, que tédio... Só vejo pedras, areia e um monte de arbustos amarelados... Quem me dera se estivesse tomando um banho de sol nas termas de Hinata agora... Já sei! Vou amenizar esta caminhada chata com um pouquinho de alegria! - Kitsune não resistiu à sua tentação. Desobedecendo as ordens expressas de Yuri, ela malandramente havia enchido um dos cantis com uísque puro.
Após uns três ou quatro goles, as pessoas mais próximas perceberam que a garota nascida em Osaka estava meio que alterada.
- Kitsune-san, Você... Você está sentindo-se bem? - Pergunta Shinobu ao reparar nas faces avermelhadas e na expressão alegremente idiota no rosto da garota de Osaka.
- Fica esperta, senão a "Sarge" Yu vai te dar uma bronca!... - Sussurra a observadora Sarah. Embora ela não tivesse muita afinidade com a garota mais velha por ter ciúmes dela - devido ao Professor Seta, não queria que ela se prejudicasse com a sua atitude tola.
- Nyahhhh... A Kitsune tá cheirando esquisito... -Comenta Kaolla, com o seu jeito característico.
- (Hic.) não é nada não, pessoal! Agora (hic) tô tããão legal... Ei, Keitarô, sabia que você é um gato?... - Diz a jovem Konno tentando chamar as atenções do pobre rapaz de uma forma ousada.
À medida que os minutos passavam e a temperatura foi subindo, Mitsune Konno acabou esvaziando todo o cantil de bebida e em seguida começou a passar mal, quase vomitando.
Por pouco não se sufoca ao tentar beber o cantil reserva de água de uma só vez, derrubando-o na seqüência por estar completamente bêbada.
Se não fosse a ajuda das meninas que estavam próximas, ela teria caído de cara no chão pedregoso e quente.
Yuri, Keitarô e as outras vieram correndo e a guia teve que improvisar um soro caseiro à base de açúcar e sal, para impedir a desidratação rápida do corpo debilitado da garota-raposa, no calor que já estava atingindo um nível escaldante.
Infelizmente, não havia tempo a perder.
O jeito foi colocar a jovem de Osaka - protegida com um manto na cabeça - no lombo de um dos burros e retomar a viagem o mais depressa possível, tendo que aturar os seus devaneios alcoólicos até que ela se cansasse de falar bobagens.
Naturalmente era quase impossível dar uma repreensão ou um aviso para Kitsune naquele estado deplorável.
Pouco mais de uma hora, os sinais de cansaço já eram evidentes.
Naru suava muito, procurando proteger-se ao máximo do Sol inclemente. Keitarô estava começando a tropeçar em suas pernas, bambas de tanto andar.
As meninas mais novas tinham que fazer um revezamento para ver quem montava por alguns minutos no jumento restante - o outro ainda estava ocupado pela Kitsune.
Mesmo Motoko - que era a mais forte e resistente do grupo - mostrava um ar de abatimento em seu semblante todo molhado de suor. A sua pele branca começava a adquirir tons mais bronzeados, apesar de ter colocado antes da viagem uma versão medieval de filtro solar que a protegia do Sol e da poeira do clima árido.
Yuri percebeu o fato e decidiu checar a posição usando uma bússola e o mapa que carregava.
Por sorte, eles estavam a poucos metros de um pequeno rio de águas rasas e cristalinas, o local ideal para a primeira parada do dia.
As margens - cobertas pelo verde da relva, flores e pequenos arbustos - contrastavam com a austeridade do panorama monótono que se desenrolara até então - quilômetros e mais quilômetros de uma estrada tortuosa serpenteando entre colinas escassamente cobertas por árvores retorcidas, arbustos espinhentos e raras flores que teimavam em doar suas cores e beleza para aquela terra semidesértica. Alguns pequenos animais - a maioria inofensivos - aproveitavam aquele lugar para vir beber a preciosa água. Só muito esporadicamente aparecia um predador de porte, como um lobo, um coiote ou mesmo um puma - se saciar nas margens do pequeno rio.
Era quase Meio-Dia. O Sol estava no seu ponto mais alto e o calor iria se intensificar até as Duas e Meia da Tarde.
Não valeria a pena continuar a marcha naquelas condições infernais.
Enquanto Shinobu aproveitava para improvisar um almoço, Kitsune foi colocada numa esteira de dormir a abrigo do Sol. Pior para ela. A maioria das meninas aproveitou a pausa para se banhar no ribeiro, cujas águas eram claras e refrescantes.
Yuri não se juntou a elas, permanecendo de vigia - ao mesmo tempo em que observava os jumentos descansando, comendo e bebendo grama.
Ela somente iria descansar depois que todos fizessem o mesmo. Tempo teria de sobra.
- Hummm... Onde estou? - Kitsune sente a cabeça latejar à medida que os efeitos da bebida desvanecem. Um cheiro familiar chama a sua atenção.
- Pessoal! O almoço de hoje está pronto! - Grita uma entusiasmada Shinobu. Cozinheira experiente, ela sabia criar pratos deliciosos, usando os ingredientes mais simples.
- Ueba! Hora da bóia da Shinomu! - Grita uma entusiasmada Kaolla, saindo da água, com apenas uma toalha envolvendo seu corpo.
- Comida! Comida! - Exclama Sarah. Embora esta não fosse de comer tanto, a viagem lhe havia aberto o apetite.
- Ara, Ara, a Yuri-san não vai comer junto com a gente? - Pergunta a Mutsumi.
- Falando nisto, ela ainda nem descansou e nem tomou banho... - Repara Motoko, admirada pela resistência da aparentemente frágil americana.
- Yuri-san, por favor, venha! A gente vai começar o almoço. - Grita Naru depois de certificar-se de que todas estavam por perto.
- Agradeço a gentileza, mas é meu dever cuidar da segurança, enquanto vocês descansam. Depois eu venho. - Responde Yuri.
- Se quiser, depois troco de posto com você - diz Motoko, um pouco penalizada por não estar ajudando a guia.
- Tudo bem, daqui a quinze ou vinte minutos...
- Ué, cadê o Keitarô-sempai? - Estranha Shinobu, ao fazer menção de pegar a porção "caprichada" que ela costumava fazer ao seu amor.
- Xi... Esquecemos de soltar ele. - Comenta Naru, dando um leve tapa na sua própria cabeça.
- Soltar?
- É. A Motoko e eu o amarramos num poste para evitar que ele fizesse algum ato pervertido enquanto a gente estivesse tomando banho!...
- Mas se o soltarmos agora, ele vai aprontar uma das suas! A Kitsune ainda não tomou banho, Shinobu também não e nem a Yuri-San. - Protesta Motoko.
- Pois é... Mas se ele ficar naquele sol não é perigoso demais fritar o pobre cérebro dele? - Comenta Yuri.
Enquanto o pessoal discutia sobre a sorte do único membro masculino do H.A.T., Yuri aproveitou este momento para cortar as cordas que prendiam Keitarô a um pedaço de madeira que já fora uma árvore, ao mesmo tempo em que jogava o conteúdo de água de um cantil em cima de sua cabeça. Mais um pouco e ele teria desmaiado por insolação.
- Glub... Glub... Hã, Yuri? - Keitarô sentia sua cabeça latejar devido ao choque entre o calor que sentia e o contato gelado da água.
- Pelo visto, você é imortal, não é, rapaz? Beba um gole de água depois vá comer com o pessoal. Acho que hoje você vai ser o último a tomar banho nestas paragens... - Responde a moça sorrindo. Aparentemente ela não estava mais zangada ou triste pelo ocorrido na noite passada. Yuri saberia esperar a chance ideal para conversar intimamente com o seu novo protegido.
- Eheh, não se preocupem, se for tomar banho, prometo que vai ser bem longe de onde vocês estão.
- Por mim tudo bem, só que suas amigas seriam contra. Só não se afaste demais. Os lobos e coiotes costumam freqüentar as fontes de água em busca de presas... - Pisca Yuri para Keitarô.
- O quê??? - O jovem aluno da Toudai arregala os olhos, imaginando coisas.
Passados quinze minutos, Yuri, a pequena Shinobu e a Kitsune - no final de sua bebedeira - foram se refrescar nas águas frescas do pequeno rio.
Motoko assumiu o papel de vigia, enquanto Narusegawa foi conversar com Keitarô - que comia a sua porção de comida sem olhar para as garotas que estavam tomando banho - tanto para por em prática a sugestão de Kitsune na véspera, como para certificar-se de que ele não iria fazer alguma safadeza.
Sarah e Kaolla estavam dormindo na sombra de uma árvore enquanto Mutsumi dava banho na sua tartaruga Tama-chan, usando para isto um pouco da água do rio levemente aquecida.
- Hã, Narusegawa? É você? - Como sempre, Keitarô é pego desprevenido.
- Sou eu, seu bobo. Quem mais poderia ser? - A ruiva aparentava estar com um humor melhor, após ter tomado banho, almoçado e descansado.
- Que bom, Eu estava pensando mesmo falar em particular com você... - Keitarô sorri, imaginando que a sua maré de azar tinha passado. Só que Naru interpreta o seu sorrido de outra forma.
- E por que aceitaria? Não vê que estou tranquila? - Ela começa a se fazer de difícil novamente, só para testar o rapaz.
- Não! É que... É que... - Keitarô hesita.
- Anda, Keitarô, fale o que você quer! Não comece a enrolar! - Meio brava e meio sorrindo, Naru dá um tapa nas costas do rapaz, com um pouco de força.
- Desculpa pelo que ocorreu no Shopping, se não fosse por minha culpa... - Esquecendo-se do que iria dizer, Keitarô começa a enrolar batendo num surrado argumento.
- Não fique com isto, Keitarô. Aconteceu, tinha que acontecer. E pelo visto, não somos os únicos que estão presos neste game... A Yuri também deve estar na mesma situação que a nossa! - Suspira Naru, certificando-se de que ninguém mais estava assistindo à sua conversa.
- Mas e a sua prova? - Keitarô lembra-se que Naru iria ter uma prova na faculdade justo neste dia, se não tivessem sido abduzidos pelo programa virtual.
- Sabe, no começo eu fiquei com raiva só de pensar de perder o semestre por causa daquela bendita prova, mas paciência. O importante é que estamos dentro da Toudai... Primeiro, nós iremos dar um jeito de encontrar o tal do Warp Point e depois pensamos no futuro. - Comenta, meio resignada, a ruiva.
- Você ainda está brava comigo? Quer dizer...
- Keitarô, você precisa não dramatizar tanto as coisas... Só agi daquele jeito ontem porque você me fez passar vergonha diante da Yuri-San. Mais alguma coisa para me dizer, senhor aventureiro? - Naru naturalmente queria falar mais só que o seu orgulho fala mais alto.
- É que... Fiquei com vontade de te ver... - Keitarô fala num tom sumido, como se tivesse monologando consigo mesmo.
- ?
- É sério, Narusegawa!
- Ahahahah! Conta outra, Keitarô! Estamos mais tempo juntos neste RPG louco do que em seis meses da Toudai! - A ruiva fica contente ao ouvir isto, mas prefere partir para a gozação. Só que estava intimamente feliz com isto.
- Estarmos juntos com as meninas é uma coisa, mas... a gente, nós dois... Eu queria ficar... - Keitarô tenta lutar com a sua timidez.
- O que quer dizer com isto? Parece bobo! Nem somos namorados!... - Naru toca na ferida exposta do sentimento do rapaz.
- Mas eu... Eu te amo, Narusegawa! Eu... - Pela segunda vez, Keitarô se declara à Narusegawa, quase chorando.
- Eu sei... Kei...
Naru por um momento sente o seu coração bater forte e o impulso de se jogar aos braços de Keitarô, chorando e declarando também o seu amor.
Só que o seu orgulho inato e o pensamento de como as outras meninas iriam reagir falam mais rápido e com uma expressão entre sapeca e sem graça, dá um genkotsu na cabeça do pobre rapaz.
- Itaaai! Narusegawa, por que você?... - Keitarô protesta, surpreso com a reação inesperada.
- Baka! Eu sou uma moça de família... Sou muiiito recatada... - Diz ela em um tom irônico.
- Mas eu não fiz nada de mais!...
- Fez sim! - Sorri a garota.
- Mas, você me ama?... - Pela primeira vez, Keitarô reúne coragem para falar isto.
- Keitarô, apesar de você... Ser o cara mais sem-vergonha, sacana, safado e imoral que eu conheço... - Naru fecha os olhos e começa a exprimir os seus sentimentos pelo rapaz.
- "Ih, acho que desta vez eu queimei o filme" - 1o pensamento do Keitarô.
- Você tem sido muito mais do que um amigo para mim...
- "Será que ela vai se declarar agora?" - 2o pensamento do Keitarô.
- Só que eu ainda não sinto... Que é ainda é hora para te dar uma resposta...
- "De novo não!" - 3o Pensamento do Keitarô.
- Mas... Vou pensar com carinho no seu caso... Está bem? Só não vá me atentar com safadezas!
- Naruse...
- Vai, como você está bonzinho hoje, vou te dar um bom motivo de você ficar feliz!
- O quê?
- Isto!
Sem aviso prévio, Naru encosta rapidamente seus lábios na boca de Keitarô e lhe oferece um beijo, abraçando-o levemente. Um selinho rápido e discreto, é verdade, mas que causou um impacto enorme no tímido rapaz.
Em seguida, como quem não quer nada, se afastou sem dizer palavras.
Enquanto isto, Shinobu, Kitsune e Yuri tomavam banho, refrescando-se nas águas frescas e limpas.
A jovem Shinobu sentia suas energias voltando, enquanto até a Kitsune estava começando a voltar no seu eu habitual, contando piadas e conversando abobrinhas.
Yuri permanecia em silêncio. Embora estivesse procurando relaxar, ela mantinha um olho atento. Por via das dúvidas, deixara a sua besta carregada e armada perto de sua mochila, a um metro do alcance de seu braço.
Com o canto do olho ela tinha visto a reconciliação entre Naru e Keitarô.
Se por um lado estava feliz com o fato - ela estava se entendendo bem com a jovem ruiva e até começou a se simpatizar com ela - por outro, uma pontada de tristeza e ciúme percorria a sua alma, como um dardo envenenado.
Como uma jovem dinâmica e ativa como ela foi se apaixonar pelo desastrado e desengonçado Keitarô? O que ela tinha visto nele para sentir-se atraída por Urashima à primeira vista? Um sentimento de proteção? Por ele ser semelhante a algum amor que teve no passado? Química? Carência... Ou algo a mais?
Diferentemente de Narusegawa, Yuri sabia muito bem o que estava passando dentro de si e não iria perder tempo tentando negar para si mesma aquilo que sentia a respeito de Keitarô. E nem fazer jogos de ciúmes infantis.
Contudo, não iria renunciar ou desistir simplesmente do rapaz de olhos negros, como Mutsumi fez no passado.
Ela nunca foi de largar as suas paixões pura e simplesmente. Iria esperar, aguardar o momento certo e lutar pelo que ela queria. Por mais que gostasse de Narusegawa, Yuri seria capaz de enfrenta-la pelo amor de Urashima.
O grupo retomou a caminhada por volta das três horas da tarde. O Sol ainda castigava, mas sem a mesma força que tinha no Meio-Dia.
O caminho que ligava a rota comercial do reino de Arkadia aos impérios do Oriente deixou para trás as fazendas e o rio onde o Hinata Attack Team esteve, prosseguindo em direção a uma série de pequenas colinas e vales.
A paisagem - antes amenizada pela proximidade do pequeno rio - voltou à rotina de arbustos semi-secos e espinheiros, além de estranhas formações rochosas que pareciam esculturas abstratas moldadas por um artista singular.
Por volta das cinco da tarde, faltavam ainda nove quilômetros de um total dos trinta a percorrer. O Sol iria se pôr daqui a uma hora e meia e eles iriam ter que andar mais um pouco no início da noite.
Percebendo as expressões de esgotamento do pessoal, Yuri lançou mão de seu recurso secreto: Serviu a todos um pequeno trago de uma poção encantada que reduzia a fadiga e o cansaço físicos a um mínimo.
Embora parecesse pouco, a dose da dita bebida produziu os efeitos esperados.
A marcha adquiriu novo ímpeto, como se o pessoal estivesse descansado, e o humor melhorou, fazendo voltarem as piadinhas e os casos engraçados.
Kaolla, Shinobu e Sarah cantavam canções infantis como se estivessem numa excursão e até o trio Mutsumi-Narusegawa-Urashima resolveu cantar o tema do antigo anime do Liddo-Kun, alegrando a todos.
Yuri - sem deixar de vigiar o caminho - começou a cantar algumas músicas dos anos 60 e 70, como Beatles e os da dupla Paul Simon e Garfunkel, o que causou estranheza por parte da Sarah.
Embora apreciasse a música erudita desde a infância, Yuri gostava das músicas dos anos 60 e início dos anos 70. E estranhamente era muito pouco fã dos sucessos do final dos anos 80 e início dos anos 90, quando era apenas uma adolescente como as outras.
Antigos hits como "Help me", "Yellow Submarine", "Cecília" e "The Sounds of Silence" preencheram a vastidão deserta.
Apenas Motoko ficava silenciosa, lançando um claro olhar de desaprovação, ao mesmo tempo em que verificava se certa tartaruga não estava por perto...
O grupo parou perto de um poço de água potável, logo após as sete horas.
Todos estavam exaustos, mas sentindo-se vitoriosos pela meta alcançada.
O acampamento daquela noite foi montado sem pressa. Uma fogueira foi instalada e a jovem Shinobu - esquecendo-se do suor e da fadiga - começou a fazer uma refeição ligeira a título de jantar.
Ela gostava do que fazia e isto a inspirava buscar novas forças em seu corpo cansado.
A parte mais difícil naquela noite foi a de Yuri convencer as demais meninas a fazerem sua higiene pessoal usando pouco menos de meio litro de água para tomar banho.
Isto era necessário, até porque o dia seguinte iria ser igual, se não pior.
Perto do platô, antes deles infiltrarem-se no covil dos orcs, não haveria um poço de água, mas uma mera fonte escorrendo no meio dos rochedos, para saciar a sede, preparar comida e banhar-se.
A onipresente espada Shisui de Motoko cuidou para que Keitarô não ficasse pensando em safadezas, enquanto as garotas viravam-se como podiam com o banho improvisado.
Eventuais reclamações foram logo esquecidas quando Shinobu terminou o jantar. O pequeno banquete era feito de carne defumada, feijão, uma sopa e rações de campanha. Como sobremesa, biscoito e chocolate amargo. O rústico jantar foi saudado por todos como um autêntico banquete.
Finda a refeição e depois que Keitarô terminou de tomar "banho" - longe da vista de todas, claro - Yuri aproveitou para traçar o plano de infiltração da fortaleza orc.
Em minutos, todo o pessoal da pensão Hinata estava agrupado, aquecendo-se ao longo da pequena fogueira montada.
Já fazia menos de dez graus centígrados e neste momento os ponchos e os mantos adquiridos pela Yuri começaram a mostrar a sua utilidade. Ninguém mais questionava quanto a isto e a sua credibilidade dela como guia aumentou ao longo da viagem.
Reunindo o pessoal ao redor da fogueira, ela iniciou a preleção, com o mapa estendido no chão.
- Devo dar parabéns a todas e ao Keitarô por terem passado o teste deste primeiro dia. Contudo, o desafio maior nos aguarda amanhã. Não somente teremos que andar mais cedo para chegarmos ao local onde acamparemos, como também nos prepararmos para infiltrar na aldeia dos orcs a seguir.
- Ahhhh... Que peninha - Esclama com desânimo Kitsune. Embora gostasse da vida de aventureira pela excitação e adrenalina que lhe oferecia, ela detestava o lado mais cansativo, o de caminhar quilômetros, comer pouco e mal e ficar dias inteiros sem tomar banho.
- A gente vai ter que acordar mais cedo? - Pergunta Kaolla.
- Exato. Amanhã teremos que levantar acampamento às cinco horas da manhã, se nós quisermos chegar ao nosso posto definitivo antes que o sol se ponha.
- Posto definitivo, por quê? - Indaga Motoko.
- Evidentemente, não podemos acampar perto demais dos orcs sem que eles suspeitem. Eles têm patrulhas e qualquer sinal como fogueiras, pegadas, restos de comida e coisas parecidas podem denunciar a nossa presença. Vamos ter que ficar a uns cinco ou seis quilômetros do platô, para termos uma margem de segurança caso surja algum imprevisto.
- Mas os orcs não vão nos incomodar esta noite? - Preocupa-se Shinobu, temerosa.
- Pode ser que sim, pode ser que não. A parte mais chata desta noite é que pelo menos seis de nós teremos que montar guarda no acampamento enquanto o restante dorme. Sugiro montarmos 2 turnos de três pessoas com 4 horas cada. Quando o primeiro turno acabar, o pessoal descansa e o segundo turno vigia.
- Só quatro horas de sono? - Kitsune arregala os olhos.
- Exato. Vamos ter que guardar ainda nossas energias para a noite seguinte, quando tivermos que entrar no covil do inimigo...
- Bem, neste caso, podemos fazer o seguinte: Eu, o Keitarô, e a Tama-Chan montamos o primeiro turno. Motoko-chan, a Kitsune e você podem fazer o segundo... - Propõe Naru, se antecipando à guia.
- Eu quero participar! Quero testar o meu novo equipamento de visão noturna! - Implora Kaolla mostrando um estranho binóculo.
- Eu também! Já fiz isto com o papai numa expedição passada! - Fala Sarah.
- Eu entendo vocês, mas vocês precisam descansar, meninas. Amanhã vai ser um dia duro... - Sorri Yuri, com um pouco de complacência.
- Ara, eu também posso entrar no turno de guarda? - Oferece-se Mutsumi.
- Mutsumi, pode deixar. A gente dá um jeito. - Naru polidamente recusa, temendo pela saúde da amiga. Embora tivesse melhorado, depois que Otohime começou a fazer esportes na faculdade, ela ainda inspirava cuidados.
- Mais alguma coisa Yuri? - Pergunta Keitarô se aprontando para fazer a vigília.
- Quando todos se retirarem para dormir, vamos ter que apagar a fogueira. Não creio que teremos muitos problemas esta noite, mas é bom tomarmos as precauções necessárias. Amanhã, quando fizermos este acampamento, vamos ter que evitar ao máximo de usar fogo e deixarmos sinais de nossa presença, pois estaremos na boca do inimigo.
- Humpf, se os orcs forem tão incompetentes como os que encontramos dias atrás... Não teremos problemas... - Motoko sorri, desafiadora. Ela sabia que aqueles monstros não seriam páreo para suas técnicas.
- Que seja, Motoko, eles podem ser meio burros e grosseiros, só que ainda são orcs. E é bem provável que no platô possamos ver centenas deles armados até os dentes... - Comenta Yuri, um pouco preocupada com a atitude da jovem samurai.
- Yuri, existe algum tipo de orc que a gente deve temer? - Entra na conversa Narusegawa.
- Os soldados são a típica bucha de canhão. Os oficiais, também chamados de Chieftains, são um pouco melhores. Os Warlords, que são os líderes e os guerreiros de elite, devem ser respeitados por sua força e sagacidade. Existem ainda os Orcs Shamans, que são uma espécie de feiticeiros e conhecem um pequeno arsenal de truques e de magias negras. Mas pessoalmente, a pior tropa que podemos enfrentar da parte deles são os Wolfraiders...
- Wolf o quê? - Pergunta Keitarô antes de levar um "genkotsu" (croque) da Sarah por sua ignorância RPGística.
- Os Wolfraiders são cavaleiros orcs montados em lobos gigantes. É a tropa de choque deles. Estes lobos são também chamados de Wargs ou Worgs e são mais agressivos e cruéis do que o lobo comum.
- Eles são perigosos?... - Pergunta ingenuamente Shinobu.
- Bem... Dizem que estes bichos têm predileção especial pela carne humana, ainda mais se forem de jovens virgens... - Comenta Yuri com a cara mais inocente do mundo só para saber a reação da ginasial.
- Awawawawawa! Carne humana? Virgens? - a tímida jovem agita os braços e fica com os seus característicos olhos girando de pavor.
- Yuri, como vamos conseguir entrar no platô? Tem um plano? - Naru indaga, imaginando como seria a estratégia de infiltração nas aldeias orcs.
- É o seguinte, o platô tem apenas duas rampas de acesso, ambas fortemente vigiadas. Só que existe uma passagem secreta, quase desconhecida, que foi usada por um explorador falecido há quase um século antes. Sei disto porque vi o mapa escrito por ele. Vamos ter que escalar um trecho da elevação. Três ou quatro de nós iremos entrar por esta passagem e pegarmos as evidências. O restante fica esperando na parte de baixo, pronto para dar cobertura quando a missão terminar.
- Uma vez chegando lá, como entraremos dentro? O lugar deve estar muito bem protegido... - Pondera Naru.
- - Não precisaremos disparar uma só flecha. Vamos espionar os orcs com isto e pegar as informações necessárias. - Yuri abre a sua mochila e mostra um estojo de madeira com fino acabamento, abrindo-o.
- Uma luneta! - Kaolla exclama ao ver um tubo feito de metal polido, totalmente retrátil, com lentes nas extremidades. Pelo visto, o mundo onde estavam era mais adiantado do que a Idade Média real dos jogos de fantasia.
- É uma luneta mágica. Ela permite qualquer coisa com grande nitidez a uma grande distância. Seu tempo de funcionamento tem um limite, mas ela tem a característica de gravar tudo o que vemos no cristal da lente. O conteúdo fica todo armazenado num prisma dentro do tubo.
- E como dá para rever as imagens gravadas pela luneta? - Indaga a jovem tecnomaga inventora.
- As imagens podem ser reproduzidas com a magia "Projetar Visões" e confirmadas com a magia "Visão da Verdade", para evitar fraudes e manipulações.
- Que legal! Pode me emprestar, Yuri? - Entusiasma-se a pequena Su.
- Adoraria, só que tenho apenas esta luneta e ela não pode ser substituída ou reparada, querida Kaolla.
- Ahnnnnn... - Kaolla fica novamente inconformada. Será que Yuri estava de marcação com ela?
- Mas será que o pessoal de Brightstone vai acreditar nas informações deste brinquedinho? - Pergunta, meio cética, Motoko.
- Sim, até porque foi o próprio arquimado Kadghar que criou este artefato em escala limitada. Ele é usado apenas por espiões e agentes do governo.
- Mas o Eldrick pediu para pegarmos provas concretas... - Lembra-se Naru do que o condestável disse.
- A gente vai pegar as provas somente se estiverem ao nosso alcance. Pessoalmente acho o Eldrick muito teórico. Se for o que imagino, haverá cerca de 400 guerreiros orcs no platô, sem falar nos representantes de tribos que moram mais além... - Sorri Yuri como se estivesse contando uma piada.
- Quatrocentos! Uaiiii! - Shinobu arregala os olhos, o mesmo acontecendo com Keitarô, Kitsune, Naru e Sarah. Apenas Motoko mantém a sua calma, Mutsumi não tem noção do perigo e Kaolla fica entusiasmada.
- Além dos orcs, teremos que enfrentar outros inimigos? - Motoko pergunta, certa de que não seria somente isto.
- Só espero que o Barão de Khazar não esteja envolvido nisto. Além de ser muito cruel, ele tem um bom exército particular, tanto em qualidade como em armamento... - A expressão do rosto de Yuri se altera e ela fica mais séria e pensativa.
- Mas por que um nobre local iria se aliar a estes monstros? - Pergunta Keitarô.
- Khazar é um cara muito ambicioso. Embora seja poderoso militarmente e tenha muita riqueza pessoal, suas terras são inapropriadas para o cultivo em grande escala e depende muito da exploração de minérios em seu feudo. Há anos atrás, ele queria que a estrada comercial da fronteira passasse por seu território, para ganhar mais impostos devido ao pedágio, porém uma petição do povo de Smallville e da guilda de mercadores ao rei impediu isto. Até hoje ele não engole o fato... - Yuri começa a relatar o que sabe do ambicioso nobre.
- Mas no que ele lucraria com a ruína de Smallville? - Naru tenta compreender a trama envolvendo a missão.
- Se os orcs conseguirem obstruir a rota comercial ou mesmo atacar diretamente Smallville, ele arranjaria um pretexto para intervir na região e tomar a cidade. Ou ainda obter uma concessão real para colocar postos de fronteira militarizados e cobrar impostos para quem passar.
- E o outro barão, o de Str... Stro... - Keitarô esquece o outro nome mencionado pelo Eldrick.
- Strongald? - Completa Yuri, olhando o jovem com certa sutileza.
- Isto mesmo.- Confirma o rapaz, de forma tímida.
- Acho pouco provável que esteja envolvido, apesar da rixa monumental que tem com o primeiro, ele não levaria muita vantagem numa eventual invasão orc. Suas terras, mais ao sul de Smallville, são férteis e ele não depende do comércio para sobreviver. Um ataque em massa poderia pôr tudo a perder para ele.
- Por que os dois não se bicam entre si? - Torna a perguntar de novo Narusegawa.
- Ninguém sabe ao certo como tudo começou, mas o fato é que suas famílias lutaram no passado por terras. Parece-me que a criação de Smallville como cidade livre foi uma medida do governo central para impedir que os dois brigões se destruíssem entre si.
- O Eldrick disse que o barão de Strongald era meio... - Comenta Kitsune, que até então estava somente ouvindo.
- Insano? Sim. Ele é notório por sua mania de perseguição e atitudes imprevisíveis. Uma vez, ele mandou massacrar migrantes indefesos que sem querer haviam entrado em seus domínios.
- Que miserável! - Indigna-se Naru, revoltada com tamanha atrocidade.
- Se o Barão de Strongald pode não estar envolvido com os ataques, porque a cidade não pede ajuda das tropas dele para se defender? - Pergunta Motoko.
- Como ele é meio louco, ele sempre vê perseguição em tudo. Os conselheiros de Smallville tentaram fazer um acordo, mas o Barão de Strongald achou que era mais um plano de enfraquecer a defesa de suas terras e terminou a reunião expulsando os emissários a chutes.
- E ainda assim há quem trabalhe para este gagá? - Fala Sarah de uma forma depreciativa.
- Por incrível que pareça, sim. O Barão Strongald somente confia na sua força militar e desde que não falem besteiras, os mercenários são bem vindos no seu exército. - Responde Yuri acariciando o polegar com o dedo indicador - o famoso gesto que indica "dinheiro".
- Ei, Yuri, se tanto o Khazar quanto o Strongald estavam contratando aqueles soldados, porque você não topou descolar um troco com eles? Não seria melhor do que se arriscar numa missão quase suicida? - Kitsune havia captado o sentido que Yuri se referiu e foi direto ao assunto.
- Eheh... Mitsune Konno, talvez pareça ridículo, mas ainda me considero um soldado de ideais... E depois sempre adorei desafios... - Sorri Yuri.
- "Era isto que eu temia...". - Kitsune pensa, quase se arrependendo de ter perguntado isto. Decerto Yuri devia ser outra maluca por trás da sua aparência calma e prudente. Uma viciada em adrenalina!
- Yuri, se antes os orcs não atacavam as caravanas, como é que passaram a fazer isto agora? - Keitarô aproveita para perguntar esta questão.
- Não é que não atacavam antes... A verdade é outra. Geralmente, por mais ínfima que seja, uma caravana típica em direção a El-Quattara compõe-se de cinco a dez carroças carregadas de mercadorias, sendo escoltadas por um ou dois guias experientes e entre vinte e trinta cavaleiros. Afora os bois, mulas e cavalos extras que levam para revezamento.
- Nossa, então as caravanas são bem armadas! - Exclama Naru.
- Um bando de cinco a vinte orcs que seja, não tem a menor chance de derrotarum comboio bem protegido. - Yuri traça na areia um pequeno desenho mostrando como as caravanas andavam e como os orcs faziam as suas emboscadas.
- Então, para derrotar um efetivo destes... - Motoko quase adivinha o que a guia irá responder em seguida, mas quer ter certeza absoluta.
- Com certeza as tribos orcs devem ter feito uma aliança, passando a fazer ataques conjuntos.
- Como assim? - A samurai fica intrigada.
- Há dezenas de anos atrás, os orcs dominavam uma vasta região em Arkadia, e eram bem mais numerosos, formando clãs de centenas a milhares de elementos. Eles não moravam neste lugar deserto, mas sim em colinas e montanhas, no centro deste reinado. Um orc Warlord chamado Dralok conseguiu unificar todas as tribos e iniciou uma longa guerra de extermínio. Após várias derrotas, finalmente, as tropas do reino de Arkadia foram obrigadas a se aliar com os elfos do Norte e os anões do Sul e finalmente derrotaram os exércitos de Dralok na Batalha das Nações...
- Great! Parece até o Senhor dos Anéis!... - Exclama Sarah.
- E o que aconteceu depois? - Pergunta Naru.
- Os orcs remanescentes foram expulsos e acabaram se fixando na vastidão, ficando limitados a oeste pela expansão de Arkadia e a leste pelos povos nômades do deserto de El Quattara. Sem um líder carismático como Dralok para guiá-los, eles se fragmentaram em pequenas tribos e clãs que começaram a guerrear entre si... - Yuri conclui sua narrativa tomando um gole de sopa feita pela Shinobu numa caneca.
- Bem, esta parte até parece a época do Sengoku Jidai... - Comenta Motoko, referindo-se ao período das guerras civis japonesas (1400-1600 DC).
- Yuri, se os orcs começaram a atacar estas caravanas que você diz ser bem protegidas, então significa que... - Keitarô começa pôr o seu intelecto para funcionar.
- Alguém deve estar liderando-os. E ele deve ser poderoso o suficiente para impor a sua vontade e fazer os clãs rivais esquecerem as suas rixas, unindo em torno de um objetivo comum.
- Feh! Só faltava esta! - Motoko não gosta muito do que a loira acabou de dizer, por significar mais trabalho.
- Quer dizer então que a ameaça dos orcs é muito maior do que se imagina? Aiaiaiaiai... - Shinobu faz uma expressão de espanto.
- Exato. - Yuri sorri enigmaticamente para a pequena colegial tímida.
- Ei, Yuyu, como era o tal do Dralok? Ele era forte mesmo ou era que nem estes bocós que nós enfrentamos? - Interrompe Sarah com o seu jeito informal.
- Segundo os relatos da época, Dralok tinha uma força descomunal a ponto de derrubar um cavaleiro totalmente armado e equipado de sua montaria com apenas um soco. Ele tinha um machado mágico chamado "Ur-Khazan" que era capaz de soltar labaredas ardentes e arrebentar armas normais com um só golpe...
- Caramba! Como que um cara destes foi derrotado? Chamaram o Son Goku? - Pergunta Keitarô de forma exagerada.
- Dizem que antes de morrer em combate na Batalha das Nações, Dralok matou cerca de cem inimigos e foram precisos cerca de vinte golpes de espada e mais de cem flechas para matá-lo. - Yuri toma outro gole de sopa.
- Bem, de qualquer forma, a gente terá tempo de sobra amanhã e depois para confirmarmos ou desmentirmos tudo isto. - Motoko conclui, meio cética a respeito das lendas, contudo, concordando com o grau de dificuldade da aparentemente inofensiva missão de reconhecimento.
- Está certa, Motoko. Bem, pessoal... Já está ficando tarde e é melhor nos prepararmos para descansar... Keitarô, Naru, Tama-chan, vocês estão prontos para o primeiro turno? - Pergunta Yuri se preparando para tirar uma soneca.
- Pode contar comigo! - Responde afirmativamente Naru.
- Bem... Sim, Yuri. - Keitarô concorda, meio desanimado.
- Mew! - Tama aparece debaixo do chapéu da Mutsumi, para desespero da Motoko.
- Ótimo, procurem não fazer muito barulho e vigiem os quatro cantos. Não se afastem muito do acampamento. Se houver algum problema, gritem e dêem o sinal de alarma batendo nestas latas - Diz Yuri, mostrando um estranho alarme feito com latas vazias e bolas de gude dentro.
- Tudo bem, Yuri-san. Boa noite para todos. Vamos, Keitarô e Tama, espero que não faça mais frio do que está fazendo agora... - Narusegawa levanta-se, cobrindo o seu corpo com uma capa e ajeitando as suas luvas de combate.
Enquanto Narusegawa, Keitarô e a pequena Tama tomam posição, Yuri e as garotas restantes se aprontam para descansar. A fogueira é apagada e em seguida apenas a Lua ilumina o pequeno acampamento.
Apesar de teoricamente estar descansando, Yuri não quis correr riscos. Ela tinha um instinto de sobrevivência muito forte e um sono muito leve, de modo que chegou a abrir o olho três vezes para certificar-se de que tudo estava bem. As suas armas estavam colocadas ao seu alcance, para qualquer emergência.
Apesar de fazerem isto pela primeira vez, Naru, Keitarô e Tama até que se saíram bem. Os dois primeiros já estavam acostumados a dormir pouco desde a época para a preparação para o vestibular na Toudai. Muitas vezes passaram a noite em claro estudando, até o amanhecer.
A pequena Tama, embora sofresse um pouco com o frio cortante do Deserto, desincumbiu-se bem em sua tarefa. Ela era uma tartaruga bastante esperta e bem mais competente do que muitos humanos.
Era quase uma hora da madrugada quando o segundo turno teve início. Narusegawa, Keitarô e Tama foram descansar em seus sacos de dormir; enquanto Motoko, Yuri e a Kitsune iriam assumir a vigilância.
A parte mais difícil foi convencer Mitsune Konno a sair do conforto relativo do saco de dormir.
Embora ela estivesse acostumada a dormir pouco - por gostar de sair, ir a festas, bares e outras coisas do gênero - o fato era que de todo o pessoal da pensão Hinata, a garota de olhos deraposa era a última a se levantar para o café da manhà.
Sem a obrigação de ir à escola e a pressão de um emprego fixo, geralmente Kitsune somente acordava quando as outras acabavam de fazer a higiene pessoal e se dirigiam ao refeitório da pensão para tomar o café da manhã.
Pela primeira vez desde a viagem, Kitsune pegou um cigarro de sua carteira, que milagrosamente estava intacta na viagem virtual. Normalmente, a jovem de Osaka evitava fumar na frente das garotas, preferindo fazer isto em seu quarto ou em serviço, e só quando estava demasiado nervosa ou ansiosa.
E aquela era uma oportunidade ideal.
Yuri fez um meio sorriso ao ver a jovem de cabelos castanhos acender o cigarro. Ela própria havia fumado um pouco quando tinha os seus quinze para dezesseis anos, mas parou há alguns anos atrás, quando ficou chocada ao ver uma reportagem que mostrava o trágico fim de um ator - um Cowboy que fazia a propaganda de uma conhecida marca de cigarros, montando cavalos de raça no meio de um cenário idílico.
- Yuri-San, eu posso trocar umas palavras com você? - Pergunta cautelosamente a jovem samurai Motoko à aventureira, enquanto ambas andavam ao redor do perímetro do acampamento.
- Certamente, Motoko. - Sorri a loira ao perceber que Motoko não estava tão desconfiada e evasiva como antes.
- Entendo a gravidade da situação e a importância de nossa missão, mas ainda tenho sérias reservas quanto ao fato de precisar de tanta gente... Isto é... - Motoko tenta ser formal, mas acaba-se perdendo em suas próprias palavras, por não estar acostumada a conversar com Yuri.
- Bem, Motoko, se quer saber a minha opinião, a ideal seria que a missão de espionagem na aldeia dos orcs fosse feita por no máximo quatro pessoas. Mas como foi o Eldrick que teve a idéia... - Yuri fala de forma franca e sem subterfúgios o que pensava.
- Para mim, esta missão está errada desde o começo. Não seria melhor a cidade organizar uma expedição militar para acabar com estes monstros, se eles são a causa? - Motoko pondera, pensando no conceito do código samurai Bushido de cortar o mal pela raiz.
- Talvez. Só que Smallville não tem efetivos militares suficientes para invadir a aldeia dos orcs e os barões não tem o menor interesse e vontade de ceder suas tropas para a cidade.
- E a capital? Não pode ajudar estes coitados? - Motoko olha para os lados, certificando-se de que não há intrusos e nem predadores por perto.
- Hah! Se conhecesse a mentalidade daqueles generais acomodados que infestam o palácio real, você ficaria decepcionada. Para eles, os orcs não são mais ameaça e acham que tudo se resolve com acordos diplomáticos e comerciais. Só que se for verdade o que estou imaginando... - A expressão do rosto de Yuri é dura e com um certo quê de decepção diante da burocracia oficial.
- Uma nova guerra estará a caminho? - Motoko instintivamente segura firmemente no cabo de sua espada Shisui, presa na cintura.
- Exato. Alguém pode estar usando o mito de Dralok ou se fazendo passar por ele, para incitar os humanóides a se mobilizarem para a guerra.
- Bem, o que queria dizer a você, é que por mim nada tenho a temer. Sou uma guerreira de um clã antiqüíssimo, e sei o que é o caminho da espada. Mas, temo pelo Keitarô e as outras meninas, especialmente a Shinobu, a Kaolla e a Sarah... Eles não têm experiência em combate... - Murmura Motoko, começando a confiar um pouco mais na Yuri.
- Entendo. - Yuri percebe e retribui com um sorriso discreto, quebrando o clima tenso da conversa.
- A Shinobu é menor de idade e somente estava na pensão por autorização de seus pais, confiando no kanrinin. Kaolla veio de outro país para estudar e está sob nossa responsabilidade. E a jovem Sarah, que é órfã de mãe, também. - Motoko mostra que por trás daquele jeito de irmã severa, preocupava-se realmente com as suas amigas mais jovens.
- Entendo. E é por isto que estou pensando em levar apenas você, Keitarô e Naru juntos comigo quando formos espionar os orcs.
- Mas não é só isto. Você não conhece direito o gênio destas três meninas. A Kaolla é imprudente e faz as coisas sem pensar. Sarah viveu durante anos com o seu pai adotivo, que era um arqueólogo aventureiro, e acha que as coisas resolvem-se agindo primeiro e perguntando depois... E a Shinobu-chan é tímida e não sabe dizer não às duas primeiras... - Motoko fala em voz baixa, certificando-se de que não seria mal-interpretada.
- Você então teme que elas possam fazer algo de errado?
- Sim. E já existem precedentes. Uma vez, elas saíram de casa sem avisar para se encontrar com Keitarô e Naru em Okinawa. E na outra foram mais longe, indo para as ilhas Pararacelso... - Motoko fica algo constrangida ao se lembrar dos apuros que passou com a Kitsune durante a primeira viagem e das tartarugas que infestavam aquela ilha exótica na segunda viagem.
- Já pensei nisto, Motoko. Elas ficarão no acampamento.
- Agradeço a atenção, Yumi-san. - Motoko fica mais tranqüila e fica com um conceito favorável da guia, apagando a idéia que tinha no início.
- Não há de quê, Motoko.
A jovem samurai faz uma breve reverência e em seguida retorna ao seu mister de vigiar o acampamento.
Vários minutos mais tarde, Kitsune então se aproxima da guia, com o objetivo de conversar.
A garota de Osaka não queria apenas se entrosar com Yuri, mas também arrancar alguma informação que pudesse ser útil nos seus esquemas envolvendo a Naru e Keitarô.
Em primeiro lugar, Mitsune queria saber se Yuri tinha alguma quedinha pelo atrapalhado gerente da pensão ou se ela tinha alguma tendência exótica.
E em segundo lugar, se por trás daquela aparência de milica sabe-tudo não escondia uma garota rebelde e liberal. A loira podia ser esperta, mas Kitsune se julgava a esperteza personificada.
- Ei, Yu! Posso ter uma conversinha contigo? - Responde cordialmente Kitsune, protegida do frio e do vento por um poncho e por um turbante improvisado com panos. Ela terminara de fumar o seu cigarro e apagara cuidadosamente a ponta.
- Claro, Mitsune.
- Qual a sua idade? - Kitsune faz uma pergunta genérica, tentando criar um clima para conversa.
- Vinte e Dois, e você? - Yuri não deixa de reparar o quanto Kitsune era bonita, apesar daquele rosto de espertalhona.
- Estou com Vinte e um. Achava que era da mesma idade ou mais nova que a Naru. - De fato, Yuri parecia ser ligeiramente mais nova.
- Obrigada pelo elogio.
- O que você estava fazendo em Smallville antes de conhecer a gente?
- Eu? Bem... Fazia uns bicos em Brightstone. Até que ouvi falar que uma porção de gente estava procurando emprego nestas bandas e resolvi ir atrás de serviço.
- Com a gente foi um pouco diferente... Na verdade, a Naru e o Keitarô ficaram perdidos neste mundão e eu e as meninas fomos buscá-los. Só que a gente também ficou presa também.
- O que pretendem fazer depois que acabarem com esta missão?
- A gente está procurando um tal de Warp...
- Warp Point?
- É. Você conhece?
- Já ouvi boatos a respeito. Parece ser uma espécie de portal místico que abre caminhos para outros mundos e outras realidades. Só que precisa de muito poder mágico para ativar um deles.
- Ah, mas a Kaolla e a Mutsumi podem dar um jeito, não?
- Não é tão simples assim, amiga. O pouco que sei é que o mago ou sorcerer deve estar num nível muito alto para poder fazer o ritual de invocação, além dele ter em seu poder certos artefatos raros e difíceis de encontrar...
- Você sabe do que precisa ser feito para descolar o tal do War Point?
- Pessoalmente, não, mas há boatos de que alguns destes artefatos possam estar localizados nos extremos Norte e Sul de Arkadia e em continentes ainda mais distantes que o nosso.
- Putzgrila! Deste jeito...
- Mas não se preocupem. Quando terminarmos esta missão, posso me oferecer para acompanhá-los nesta aventura.
- Mudando de assunto, você deve ter conhecido muitos aventureiros neste lugar. O que acha dos homens? Quer dizer... Ouvi falar que vocês, americanas, são bastante liberais... - Kitsune cutuca com um de seus cotovelos o braço da Yuri, incitando-a falar de sua intimidade.
- Tirando os abusados, os pilantras e os irresponsáveis, eu me dou bem com qualquer um deles. Ah, Mitsune, quanto à questão de nacionalidade, não dá para generalizar. Conheci tanto garotas que mudavam de parceiro como trocavam de calcinha como outras que tinham um ataque cardíaco só de ouvir a palavra "s-e-x-o". - Responde Yuri sem entrar em detalhes de sua vida íntima, por não conhecer suficientemente a amiga de Naru.
- Mas e você? Considera-se liberal ou discreta? - Sorri a jovem de Osaka, imaginando o que aquele rosto angelical poderia esconder de instinto e luxúria.
- Nem tanto ao Mar e nem tanto à Terra. Gosto das boas coisas que a Vida e o Amor nos oferecem, mas acho que depende da cabeça de cada um. E vocês? Você até que me parece uma pessoa de cabeça aberta, mas já me disseram que as japonesas são um pouco tímidas a respeito de... Assuntos "íntimos"... - Yuri não faz de rogada e dá uma resposta politicamente correta, alfinetando Kitsune por último.
- Hehehe. Percebeu, né? De minha parte, gosto um pouco de bagunça e de farra. A Mutsumi - dona da Tama-chan - parece ser inocente, mas sabe lá o que ela imagina. A Kaolla tem a mente aberta para estas coisas e a Sarah é muito mais observadora do que se imagina... - Kitsune admite suas preferências boêmias, dando a entender que não era nenhuma Maria-Chiquinha do interior.
- E a Naru, a Motoko e a Shinobu? - Yuri pergunta, curiosa, embora o pouco que conhecera destas três dava para deduzir alguns traços de suas personalidades.
- Bem... Minha melhor amiga pode ser bastante inteligente em outros assuntos, mas é meio tapada nas coisas boas da vida. A Shinobu arregala os olhos só de pensar em assuntos "adultos" e a Motoko? Bem... Esqueça. - Kitsune responde de forma evasiva, evitando entrar em detalhes.
- Ela parece ser bem conservadora e tradicional, não? - Yuri comenta a respeito da jovem Samurai, que estava no outro extremo do acampamento.
- E o que acha de nosso kanrinin, o Keitarô? - Kitsune resolve aplicar a abordagem direta, já que a conversa estava boa.
- Bem... Como aventureiro, acho que ele tem o que aprender, ainda é bastante "verde". Agora, como pessoa, acho-o bem legal, esforçado, sincero... Como foi que vocês o conheceram? - Yuri responde de forma vaga e genérica, evitando pender para o lado sentimental.
- Foi mais ou menos assim. A gente - com exceção da Sarah - já morava na pensão, que era da avó dele. Um belo dia, o Keitarô foi expulso da casa de seus pais por ter bombado no vestibular e ele foi ver se a avó deixava ele morar lá por uns tempos. Só que ele não sabia que a pensão havia se transformado num dormitório feminino! - Kitsune sorri, lembrando-se das primeiras confusões que testemunhara com a chegada do atrapalhado neto da Vovó Hina.
- Posso imaginar o que aconteceu... - Yuri tenta imaginar como foi o primeiro encontro do Keitarô com as garotas.
- O bobão chegou sem avisar e foi logo entrando nas termas. A Naru tava lá numa boa tomando banho e como estava sem óculos, confundiu o Keitarô comigo. Ela só percebeu o erro quando... Notou que tinha algo a mais! Ahahahah! Foi aquele escândalo! A gente correu atrás dele pensando que era um tarado e o engano só foi desfeito quando a Haruka, a tia dele, disse quem era ele.
- E como ele foi virar o gerente desta pensão, se ela era somente para mulheres?
- Bem... É uma looonga história. No começo houve uns mal entendidos e a gente até pensou que ele estava enrolando a gente. Depois a vovó Hina mandou um fax nomeando-o como herdeiro da propriedade e gerente, desde que ele aceitasse...
- E as outras garotas aceitaram esta nomeação numa boa?
- Bem... Para dizer a verdade, não. A Naru no início foi contra por causa dele ter visto ela pelada no banho. A gente não o conhecia direito e também fizemos um bocado de pressão para ele desistir... Até a Shinobu, que é muito ligada a ele, foi contra... - Kitsune dá de ombros.
- Mas depois as coisas se encaixaram, certo?
- Bem, mais ou menos... Elas melhoraram mesmo depois do vestibular do ano passado (1999), quando a Naru e ele sumiram após terem falhado e nós fomos buscá-los lá nos confins de Okinawa...
- E você, Mitsune, o que você acha do Keitarô? - Yuri sorri e tenta adivinhar os sentimentos da esperta garota.
- Hã, eu posso passar a pergunta? - Kitsune não se faz de rogada e tenta declinar da proposta.
- Receio que não tenha outra alternativa... - Yuri bate no ombro direito da Kitsune, incentivando-a falar.
- Ah, no começo eu zoava muito dele. O Keitarô era meio nerd e bobão e como ele nunca teve namorada, era fácil tirar uma casquinha dele... Mas admito que ele melhorou após o ano passado... - Suspira a garota de cabelos castanho-claros, lembrando-se da vez que tentou seduzi-lo na sala da gerência.
- Ele é o namorado de sua amiga, a Naru? - Desta vez, Yuri faz uma pergunta como se não soubesse de nada.
- Percebeu? Todo mundo sabe que ele gosta dela desde a primeira vez em que se encontraram. Tempos atrás, eu ficava com raiva de ver aqueles dois na maior enrolação, tipo vai-não-vai... Até que num dia ele assumiu o sentimento, após meses de idas e vindas... Se dependesse agora dele, o namoro já estaria oficializado. - Kitsune começa a ficar intrigada a respeito do interesse da Yuri pelo rapaz, mas responde numa boa.
- E da parte dela?
- Ah, a Naru? Esqueça! Ela sempre foi um terror para estas coisas! Desde o ginásio, ela tem aquela carinha de anjo, mas já deu o fora em uns vinte ou trinta rapazes que tentaram namorar ela sem sucesso! - Kitsune dramatiza, fazendo gestos e caretas só de lembrar de como era sua amiga nos tempos do ginásio.
- Vinte ou trinta? Puxa, ela arrasou corações! - Sorri Yuri, sem deixar de vigiar os arredores. Felizmente não havia sinal de vida num raio de cem metros.
- E o engraçado é que a Naru nunca deu muita bola para os bonitões, atletas, filhinhos de papai... E agora para o Keitarô, que não é rico, nem atleta e nem inteligente, os dois vivem brigando e discutindo, mas continuam juntos... - Conclui, entre feliz e resignada, a jovem de Osaka.
- O Keitarô, tudo bem, mas pensei que a Naru namorou mais gente antes dele. Ela me parece ser inteligente e bonita...
- Mundando de assunto, e você, Yu? Quantas pessoas você namorou? - Kitsune começa a especular sobre a vida particular da loira.
- Namorei umas cinco ou seis pessoas, fora as paqueras de fim de semana... - Sorri Yuri.
- Nossa! Tudo isto? - Kitsune finge-se de inocente, mas a verdade é que ela já tinha tido o dobro de casos da Yuri, quase todos de curta duração, exceto a sua afeição - frustrada - pelo Professor Seta, na sua juventude.
- É que comecei a namorar quando tinha quatorze anos. E tive fases em que fiquei sozinha... - Explica Yuri de forma genérica.
- Teve algum carinha que marcou a sua vida? - Pergunta Kitsune de forma um pouco mais ousada.
- Era para ter sido noiva do meu último namorado... Mas... Infelizmente o Destino não quis deste jeito. - Yuri responde de forma vaga e pensativa.
- Ele que te largou ou foi você?
- Nem uma coisa e nem outra. Diríamos que foram circunstâncias da vida.
- De minha parte, Yu, não tenho ninguém em vista. Quero aproveitar a vida da forma mais intensa possível. - Exclama Kitsune, mentindo apenas num detalhe. Embora soubesse que tinha poucas chances, ela ainda gostava de Keitarô.
- E você, Mitsune, arrebentou corações ou teve um caso mais concreto? - Yuri aproveita para devolver a questão.
- Eu? Ahnnn... Esqueça. Ficaria decepcionada... Só posso te garantir de uma coisa, um conselho de amiga: "Nunca confie em ninguém com mais de trinta anos". - Kitsune acende um novo cigarro, lembrando-se dos seus casos de amor mal sucedidos. Ela havia provisoriamente renunciado a qualquer aventura amorosa por medo de sofrer uma nova decepção, adotando uma atitude aparentemente cínica a respeito.
Mais de meia hora havia se passado. Kitsune termina a conversa e resolve andar para enfrentar o frio, fazendo companhia à Motoko, que estava indiferente à conversa entre ela e Yuri. Yuri volta a fazer a ronda, procurando vislumbrar qualquer sinal de presença hostil.
Apenas uma coruja é vista ao longe, atacando um pequeno roedor que não consegue refúgio em sua toca. Com um golpe preciso, o predador noturno agarra sua comida, alçando vôo durante a madrugada no deserto.
Escrito por:
Calerom.
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A CAMINHO DA FRONTEIRA.
Após o derradeiro café da manhã na estalagem, o H.A.T. (Hinata Attack Team) - como foi apelidado pela Kaolla e Sarah - se prepara para a missão que lhe foi confiada.
Depois dos preparativos finais, Keitarô e as meninas se encarregaram de colocar todos os equipamentos necessários nas sacolas e mochilas, bem como encher os vários cantis que levariam com água fresca.
Enquanto isto, Yuri foi ver com Eldrick um problema logístico sério: quais os animais de carga que levariam.
Sob o ponto de vista tático, o ideal seria que todos soubessem cavalgar. Contudo, do grupo, apenas Yuri e talvez Motoko - devido ao treinamento de samurai, que exigia luta a cavalo - estavam preparadas.
Não valia aqui a desastrosa experiência que Kitsune, Mutsumi e Motoko tiveram com avestruzes na desesperada tentativa de resgate de Keitarô e Naru no Deserto das Ilhas Pararacelso, já que elas mal sabiam controlar aquelas criaturas.
Como nenhuma das meninas estavam dispostas para deixar a Kaolla inventar uma versão medieval do Mecha-Tama 4 - por motivos óbvios - a solução foi encontrar uma alternativa intermediária.
Em instantes, Yuri voltou com dois jumentos de carga. Estes animais pequenos - mas mansos e muito resistentes às condições adversas - seriam usados para carregar itens que o pessoal não pudesse levar a pé, além de servirem como montaria para Shinobu, Kaolla e Sarah, caso ficassem cansadas.
Particularmente cômico foi o momento em que - após colocar os alforjes com os mantimentos nos jumentos - Keitarô tomou um belo de um coice de um deles, enquanto estava contando vantagem para as meninas.
As patas do quadrúpede serviram para aproximá-lo de Narusegawa, embora não da forma que ele desejava.
Ao perceber que suas mãos estavam em contato direto com os peitos de sua amada, ele teria sido arremessado aos céus por mais um "Naru-Punch", se não fosse a intervenção da Yuri, acalmando os ânimos da temperamental ruiva.
A partida de Smallville em si não foi tão empolgante. Com a presença apenas do condestável Eldrick, do chefe da guilda dos mercadores local (típico burguês: calvo, queixo duplo e bem gordo, trajando roupas elegantes), do prefeito da cidade - um velho de uns sessenta anos e claramente despreparado para os desafios de seu cargo - e de alguns curiosos, o H.A.T., guiado pela aventureira Yuri, se põe a caminho da fronteira.
A idéia era do grupo caminhar durante oito horas em dois turnos de quatro horas cada. Entre as 12:00 e 15:00 horas da tarde o pessoal faria uma pausa para o almoço e para se proteger do calor escaldante, retomando a caminhada até o pôr do Sol.
A meta do primeiro dia era percorrer metade do trajeto e acampar num local relativamente protegido, com acesso à água.
Pessoalmente, Yuri preferiria - como guia experiente que era - que todos os movimentos fossem feitos a noite, reservando-se o dia para descansar, ficando fora das trilhas conhecidas, mais propensas a emboscadas.
Só que ela sabia que o grupo era inexperiente em matéria de sobrevivência e ela não podia dar mais um dia de vantagem para os orcs ou quem quer que fosse o mandante dos ataques às caravanas.
O H.A.T. deu início à sua marcha rumo ao Leste seguindo uma formação ordenada.
Por orientação de Yuri, o grupo andava dividido numa formação em forma de uma cruz simétrica, com uma distância de 20 metros entre cada pessoa que cuidava das extremidades da formação.
Na frente do grupo, encabeçando o topo da cruz, estava a própria Yuri, que atuava como guia e vanguarda do grupo. No braço direito da cruz estava a Narusegawa e no braço esquerdo, Keitarô; cada qual cuidando dos flancos. Na retaguarda andava a Motoko, tendo uma boa visão de toda a formação, podendo dar cobertura a qualquer lado de onde viesse o perigo.
No centro da formação em cruz, unindo as extremidades, ficavam Sarah, Shinobu, Kaolla, Kitsune e Mutsumi - com a Tama devidamente oculta sob o chapéu.
As garotas que usavam magias deviam dar apoio aos que cuidavam das extremidades da formação, ao passo que Sarah, Tama e Kaolla protegiam não somente Shinobu, como a Kitsune e a Mutsumi.
Quando Yuri precisava recuar para informar o restante da coluna, Tama-chan trocaria de lugar com ela, se fosse necessário, apenas tendo o cuidado de ficar fora da linha de visão da Motoko, por motivos óbvios.
A idéia desta formação - usada pelos rangers americanos da época colonial - era de poder cobrir uma área relativamente ampla e evitar que todos fossem surpreendidos ao mesmo tempo.
Ela permaneceria enquanto eles tivessem terreno aberto pela frente. Do contrário, Yuri alteraria a disposição conforme a situação tática.
O trajeto da parte da manhã não teve muitos problemas, pelo menos até as dez horas da manhã. A partir daí, o calor começou a se acentuar bastante, com a temperatura subindo para mais de trinta graus e com o ar seco.
Cada um dos aventureiros levava dois cantis de água presos à cintura, mais dois cantis extras por pessoa - que ficavam junto com os animais de carga.
Yuri não havia fixado medida alguma para racionar água, até porque pelo menos na primeira metade do trajeto não teriam problemas em encontrar água fresca, nos poços e riachos que irrigavam as terras vizinhas a Smallville.
Mas ela avisou o pessoal a tentar manterem pelo menos os cantis de reserva até o grupo chegar no local designado para reabasteçimento.
- Ai que sede, que tédio... Só vejo pedras, areia e um monte de arbustos amarelados... Quem me dera se estivesse tomando um banho de sol nas termas de Hinata agora... Já sei! Vou amenizar esta caminhada chata com um pouquinho de alegria! - Kitsune não resistiu à sua tentação. Desobedecendo as ordens expressas de Yuri, ela malandramente havia enchido um dos cantis com uísque puro.
Após uns três ou quatro goles, as pessoas mais próximas perceberam que a garota nascida em Osaka estava meio que alterada.
- Kitsune-san, Você... Você está sentindo-se bem? - Pergunta Shinobu ao reparar nas faces avermelhadas e na expressão alegremente idiota no rosto da garota de Osaka.
- Fica esperta, senão a "Sarge" Yu vai te dar uma bronca!... - Sussurra a observadora Sarah. Embora ela não tivesse muita afinidade com a garota mais velha por ter ciúmes dela - devido ao Professor Seta, não queria que ela se prejudicasse com a sua atitude tola.
- Nyahhhh... A Kitsune tá cheirando esquisito... -Comenta Kaolla, com o seu jeito característico.
- (Hic.) não é nada não, pessoal! Agora (hic) tô tããão legal... Ei, Keitarô, sabia que você é um gato?... - Diz a jovem Konno tentando chamar as atenções do pobre rapaz de uma forma ousada.
À medida que os minutos passavam e a temperatura foi subindo, Mitsune Konno acabou esvaziando todo o cantil de bebida e em seguida começou a passar mal, quase vomitando.
Por pouco não se sufoca ao tentar beber o cantil reserva de água de uma só vez, derrubando-o na seqüência por estar completamente bêbada.
Se não fosse a ajuda das meninas que estavam próximas, ela teria caído de cara no chão pedregoso e quente.
Yuri, Keitarô e as outras vieram correndo e a guia teve que improvisar um soro caseiro à base de açúcar e sal, para impedir a desidratação rápida do corpo debilitado da garota-raposa, no calor que já estava atingindo um nível escaldante.
Infelizmente, não havia tempo a perder.
O jeito foi colocar a jovem de Osaka - protegida com um manto na cabeça - no lombo de um dos burros e retomar a viagem o mais depressa possível, tendo que aturar os seus devaneios alcoólicos até que ela se cansasse de falar bobagens.
Naturalmente era quase impossível dar uma repreensão ou um aviso para Kitsune naquele estado deplorável.
Pouco mais de uma hora, os sinais de cansaço já eram evidentes.
Naru suava muito, procurando proteger-se ao máximo do Sol inclemente. Keitarô estava começando a tropeçar em suas pernas, bambas de tanto andar.
As meninas mais novas tinham que fazer um revezamento para ver quem montava por alguns minutos no jumento restante - o outro ainda estava ocupado pela Kitsune.
Mesmo Motoko - que era a mais forte e resistente do grupo - mostrava um ar de abatimento em seu semblante todo molhado de suor. A sua pele branca começava a adquirir tons mais bronzeados, apesar de ter colocado antes da viagem uma versão medieval de filtro solar que a protegia do Sol e da poeira do clima árido.
Yuri percebeu o fato e decidiu checar a posição usando uma bússola e o mapa que carregava.
Por sorte, eles estavam a poucos metros de um pequeno rio de águas rasas e cristalinas, o local ideal para a primeira parada do dia.
As margens - cobertas pelo verde da relva, flores e pequenos arbustos - contrastavam com a austeridade do panorama monótono que se desenrolara até então - quilômetros e mais quilômetros de uma estrada tortuosa serpenteando entre colinas escassamente cobertas por árvores retorcidas, arbustos espinhentos e raras flores que teimavam em doar suas cores e beleza para aquela terra semidesértica. Alguns pequenos animais - a maioria inofensivos - aproveitavam aquele lugar para vir beber a preciosa água. Só muito esporadicamente aparecia um predador de porte, como um lobo, um coiote ou mesmo um puma - se saciar nas margens do pequeno rio.
Era quase Meio-Dia. O Sol estava no seu ponto mais alto e o calor iria se intensificar até as Duas e Meia da Tarde.
Não valeria a pena continuar a marcha naquelas condições infernais.
Enquanto Shinobu aproveitava para improvisar um almoço, Kitsune foi colocada numa esteira de dormir a abrigo do Sol. Pior para ela. A maioria das meninas aproveitou a pausa para se banhar no ribeiro, cujas águas eram claras e refrescantes.
Yuri não se juntou a elas, permanecendo de vigia - ao mesmo tempo em que observava os jumentos descansando, comendo e bebendo grama.
Ela somente iria descansar depois que todos fizessem o mesmo. Tempo teria de sobra.
- Hummm... Onde estou? - Kitsune sente a cabeça latejar à medida que os efeitos da bebida desvanecem. Um cheiro familiar chama a sua atenção.
- Pessoal! O almoço de hoje está pronto! - Grita uma entusiasmada Shinobu. Cozinheira experiente, ela sabia criar pratos deliciosos, usando os ingredientes mais simples.
- Ueba! Hora da bóia da Shinomu! - Grita uma entusiasmada Kaolla, saindo da água, com apenas uma toalha envolvendo seu corpo.
- Comida! Comida! - Exclama Sarah. Embora esta não fosse de comer tanto, a viagem lhe havia aberto o apetite.
- Ara, Ara, a Yuri-san não vai comer junto com a gente? - Pergunta a Mutsumi.
- Falando nisto, ela ainda nem descansou e nem tomou banho... - Repara Motoko, admirada pela resistência da aparentemente frágil americana.
- Yuri-san, por favor, venha! A gente vai começar o almoço. - Grita Naru depois de certificar-se de que todas estavam por perto.
- Agradeço a gentileza, mas é meu dever cuidar da segurança, enquanto vocês descansam. Depois eu venho. - Responde Yuri.
- Se quiser, depois troco de posto com você - diz Motoko, um pouco penalizada por não estar ajudando a guia.
- Tudo bem, daqui a quinze ou vinte minutos...
- Ué, cadê o Keitarô-sempai? - Estranha Shinobu, ao fazer menção de pegar a porção "caprichada" que ela costumava fazer ao seu amor.
- Xi... Esquecemos de soltar ele. - Comenta Naru, dando um leve tapa na sua própria cabeça.
- Soltar?
- É. A Motoko e eu o amarramos num poste para evitar que ele fizesse algum ato pervertido enquanto a gente estivesse tomando banho!...
- Mas se o soltarmos agora, ele vai aprontar uma das suas! A Kitsune ainda não tomou banho, Shinobu também não e nem a Yuri-San. - Protesta Motoko.
- Pois é... Mas se ele ficar naquele sol não é perigoso demais fritar o pobre cérebro dele? - Comenta Yuri.
Enquanto o pessoal discutia sobre a sorte do único membro masculino do H.A.T., Yuri aproveitou este momento para cortar as cordas que prendiam Keitarô a um pedaço de madeira que já fora uma árvore, ao mesmo tempo em que jogava o conteúdo de água de um cantil em cima de sua cabeça. Mais um pouco e ele teria desmaiado por insolação.
- Glub... Glub... Hã, Yuri? - Keitarô sentia sua cabeça latejar devido ao choque entre o calor que sentia e o contato gelado da água.
- Pelo visto, você é imortal, não é, rapaz? Beba um gole de água depois vá comer com o pessoal. Acho que hoje você vai ser o último a tomar banho nestas paragens... - Responde a moça sorrindo. Aparentemente ela não estava mais zangada ou triste pelo ocorrido na noite passada. Yuri saberia esperar a chance ideal para conversar intimamente com o seu novo protegido.
- Eheh, não se preocupem, se for tomar banho, prometo que vai ser bem longe de onde vocês estão.
- Por mim tudo bem, só que suas amigas seriam contra. Só não se afaste demais. Os lobos e coiotes costumam freqüentar as fontes de água em busca de presas... - Pisca Yuri para Keitarô.
- O quê??? - O jovem aluno da Toudai arregala os olhos, imaginando coisas.
Passados quinze minutos, Yuri, a pequena Shinobu e a Kitsune - no final de sua bebedeira - foram se refrescar nas águas frescas do pequeno rio.
Motoko assumiu o papel de vigia, enquanto Narusegawa foi conversar com Keitarô - que comia a sua porção de comida sem olhar para as garotas que estavam tomando banho - tanto para por em prática a sugestão de Kitsune na véspera, como para certificar-se de que ele não iria fazer alguma safadeza.
Sarah e Kaolla estavam dormindo na sombra de uma árvore enquanto Mutsumi dava banho na sua tartaruga Tama-chan, usando para isto um pouco da água do rio levemente aquecida.
- Hã, Narusegawa? É você? - Como sempre, Keitarô é pego desprevenido.
- Sou eu, seu bobo. Quem mais poderia ser? - A ruiva aparentava estar com um humor melhor, após ter tomado banho, almoçado e descansado.
- Que bom, Eu estava pensando mesmo falar em particular com você... - Keitarô sorri, imaginando que a sua maré de azar tinha passado. Só que Naru interpreta o seu sorrido de outra forma.
- E por que aceitaria? Não vê que estou tranquila? - Ela começa a se fazer de difícil novamente, só para testar o rapaz.
- Não! É que... É que... - Keitarô hesita.
- Anda, Keitarô, fale o que você quer! Não comece a enrolar! - Meio brava e meio sorrindo, Naru dá um tapa nas costas do rapaz, com um pouco de força.
- Desculpa pelo que ocorreu no Shopping, se não fosse por minha culpa... - Esquecendo-se do que iria dizer, Keitarô começa a enrolar batendo num surrado argumento.
- Não fique com isto, Keitarô. Aconteceu, tinha que acontecer. E pelo visto, não somos os únicos que estão presos neste game... A Yuri também deve estar na mesma situação que a nossa! - Suspira Naru, certificando-se de que ninguém mais estava assistindo à sua conversa.
- Mas e a sua prova? - Keitarô lembra-se que Naru iria ter uma prova na faculdade justo neste dia, se não tivessem sido abduzidos pelo programa virtual.
- Sabe, no começo eu fiquei com raiva só de pensar de perder o semestre por causa daquela bendita prova, mas paciência. O importante é que estamos dentro da Toudai... Primeiro, nós iremos dar um jeito de encontrar o tal do Warp Point e depois pensamos no futuro. - Comenta, meio resignada, a ruiva.
- Você ainda está brava comigo? Quer dizer...
- Keitarô, você precisa não dramatizar tanto as coisas... Só agi daquele jeito ontem porque você me fez passar vergonha diante da Yuri-San. Mais alguma coisa para me dizer, senhor aventureiro? - Naru naturalmente queria falar mais só que o seu orgulho fala mais alto.
- É que... Fiquei com vontade de te ver... - Keitarô fala num tom sumido, como se tivesse monologando consigo mesmo.
- ?
- É sério, Narusegawa!
- Ahahahah! Conta outra, Keitarô! Estamos mais tempo juntos neste RPG louco do que em seis meses da Toudai! - A ruiva fica contente ao ouvir isto, mas prefere partir para a gozação. Só que estava intimamente feliz com isto.
- Estarmos juntos com as meninas é uma coisa, mas... a gente, nós dois... Eu queria ficar... - Keitarô tenta lutar com a sua timidez.
- O que quer dizer com isto? Parece bobo! Nem somos namorados!... - Naru toca na ferida exposta do sentimento do rapaz.
- Mas eu... Eu te amo, Narusegawa! Eu... - Pela segunda vez, Keitarô se declara à Narusegawa, quase chorando.
- Eu sei... Kei...
Naru por um momento sente o seu coração bater forte e o impulso de se jogar aos braços de Keitarô, chorando e declarando também o seu amor.
Só que o seu orgulho inato e o pensamento de como as outras meninas iriam reagir falam mais rápido e com uma expressão entre sapeca e sem graça, dá um genkotsu na cabeça do pobre rapaz.
- Itaaai! Narusegawa, por que você?... - Keitarô protesta, surpreso com a reação inesperada.
- Baka! Eu sou uma moça de família... Sou muiiito recatada... - Diz ela em um tom irônico.
- Mas eu não fiz nada de mais!...
- Fez sim! - Sorri a garota.
- Mas, você me ama?... - Pela primeira vez, Keitarô reúne coragem para falar isto.
- Keitarô, apesar de você... Ser o cara mais sem-vergonha, sacana, safado e imoral que eu conheço... - Naru fecha os olhos e começa a exprimir os seus sentimentos pelo rapaz.
- "Ih, acho que desta vez eu queimei o filme" - 1o pensamento do Keitarô.
- Você tem sido muito mais do que um amigo para mim...
- "Será que ela vai se declarar agora?" - 2o pensamento do Keitarô.
- Só que eu ainda não sinto... Que é ainda é hora para te dar uma resposta...
- "De novo não!" - 3o Pensamento do Keitarô.
- Mas... Vou pensar com carinho no seu caso... Está bem? Só não vá me atentar com safadezas!
- Naruse...
- Vai, como você está bonzinho hoje, vou te dar um bom motivo de você ficar feliz!
- O quê?
- Isto!
Sem aviso prévio, Naru encosta rapidamente seus lábios na boca de Keitarô e lhe oferece um beijo, abraçando-o levemente. Um selinho rápido e discreto, é verdade, mas que causou um impacto enorme no tímido rapaz.
Em seguida, como quem não quer nada, se afastou sem dizer palavras.
Enquanto isto, Shinobu, Kitsune e Yuri tomavam banho, refrescando-se nas águas frescas e limpas.
A jovem Shinobu sentia suas energias voltando, enquanto até a Kitsune estava começando a voltar no seu eu habitual, contando piadas e conversando abobrinhas.
Yuri permanecia em silêncio. Embora estivesse procurando relaxar, ela mantinha um olho atento. Por via das dúvidas, deixara a sua besta carregada e armada perto de sua mochila, a um metro do alcance de seu braço.
Com o canto do olho ela tinha visto a reconciliação entre Naru e Keitarô.
Se por um lado estava feliz com o fato - ela estava se entendendo bem com a jovem ruiva e até começou a se simpatizar com ela - por outro, uma pontada de tristeza e ciúme percorria a sua alma, como um dardo envenenado.
Como uma jovem dinâmica e ativa como ela foi se apaixonar pelo desastrado e desengonçado Keitarô? O que ela tinha visto nele para sentir-se atraída por Urashima à primeira vista? Um sentimento de proteção? Por ele ser semelhante a algum amor que teve no passado? Química? Carência... Ou algo a mais?
Diferentemente de Narusegawa, Yuri sabia muito bem o que estava passando dentro de si e não iria perder tempo tentando negar para si mesma aquilo que sentia a respeito de Keitarô. E nem fazer jogos de ciúmes infantis.
Contudo, não iria renunciar ou desistir simplesmente do rapaz de olhos negros, como Mutsumi fez no passado.
Ela nunca foi de largar as suas paixões pura e simplesmente. Iria esperar, aguardar o momento certo e lutar pelo que ela queria. Por mais que gostasse de Narusegawa, Yuri seria capaz de enfrenta-la pelo amor de Urashima.
O grupo retomou a caminhada por volta das três horas da tarde. O Sol ainda castigava, mas sem a mesma força que tinha no Meio-Dia.
O caminho que ligava a rota comercial do reino de Arkadia aos impérios do Oriente deixou para trás as fazendas e o rio onde o Hinata Attack Team esteve, prosseguindo em direção a uma série de pequenas colinas e vales.
A paisagem - antes amenizada pela proximidade do pequeno rio - voltou à rotina de arbustos semi-secos e espinheiros, além de estranhas formações rochosas que pareciam esculturas abstratas moldadas por um artista singular.
Por volta das cinco da tarde, faltavam ainda nove quilômetros de um total dos trinta a percorrer. O Sol iria se pôr daqui a uma hora e meia e eles iriam ter que andar mais um pouco no início da noite.
Percebendo as expressões de esgotamento do pessoal, Yuri lançou mão de seu recurso secreto: Serviu a todos um pequeno trago de uma poção encantada que reduzia a fadiga e o cansaço físicos a um mínimo.
Embora parecesse pouco, a dose da dita bebida produziu os efeitos esperados.
A marcha adquiriu novo ímpeto, como se o pessoal estivesse descansado, e o humor melhorou, fazendo voltarem as piadinhas e os casos engraçados.
Kaolla, Shinobu e Sarah cantavam canções infantis como se estivessem numa excursão e até o trio Mutsumi-Narusegawa-Urashima resolveu cantar o tema do antigo anime do Liddo-Kun, alegrando a todos.
Yuri - sem deixar de vigiar o caminho - começou a cantar algumas músicas dos anos 60 e 70, como Beatles e os da dupla Paul Simon e Garfunkel, o que causou estranheza por parte da Sarah.
Embora apreciasse a música erudita desde a infância, Yuri gostava das músicas dos anos 60 e início dos anos 70. E estranhamente era muito pouco fã dos sucessos do final dos anos 80 e início dos anos 90, quando era apenas uma adolescente como as outras.
Antigos hits como "Help me", "Yellow Submarine", "Cecília" e "The Sounds of Silence" preencheram a vastidão deserta.
Apenas Motoko ficava silenciosa, lançando um claro olhar de desaprovação, ao mesmo tempo em que verificava se certa tartaruga não estava por perto...
O grupo parou perto de um poço de água potável, logo após as sete horas.
Todos estavam exaustos, mas sentindo-se vitoriosos pela meta alcançada.
O acampamento daquela noite foi montado sem pressa. Uma fogueira foi instalada e a jovem Shinobu - esquecendo-se do suor e da fadiga - começou a fazer uma refeição ligeira a título de jantar.
Ela gostava do que fazia e isto a inspirava buscar novas forças em seu corpo cansado.
A parte mais difícil naquela noite foi a de Yuri convencer as demais meninas a fazerem sua higiene pessoal usando pouco menos de meio litro de água para tomar banho.
Isto era necessário, até porque o dia seguinte iria ser igual, se não pior.
Perto do platô, antes deles infiltrarem-se no covil dos orcs, não haveria um poço de água, mas uma mera fonte escorrendo no meio dos rochedos, para saciar a sede, preparar comida e banhar-se.
A onipresente espada Shisui de Motoko cuidou para que Keitarô não ficasse pensando em safadezas, enquanto as garotas viravam-se como podiam com o banho improvisado.
Eventuais reclamações foram logo esquecidas quando Shinobu terminou o jantar. O pequeno banquete era feito de carne defumada, feijão, uma sopa e rações de campanha. Como sobremesa, biscoito e chocolate amargo. O rústico jantar foi saudado por todos como um autêntico banquete.
Finda a refeição e depois que Keitarô terminou de tomar "banho" - longe da vista de todas, claro - Yuri aproveitou para traçar o plano de infiltração da fortaleza orc.
Em minutos, todo o pessoal da pensão Hinata estava agrupado, aquecendo-se ao longo da pequena fogueira montada.
Já fazia menos de dez graus centígrados e neste momento os ponchos e os mantos adquiridos pela Yuri começaram a mostrar a sua utilidade. Ninguém mais questionava quanto a isto e a sua credibilidade dela como guia aumentou ao longo da viagem.
Reunindo o pessoal ao redor da fogueira, ela iniciou a preleção, com o mapa estendido no chão.
- Devo dar parabéns a todas e ao Keitarô por terem passado o teste deste primeiro dia. Contudo, o desafio maior nos aguarda amanhã. Não somente teremos que andar mais cedo para chegarmos ao local onde acamparemos, como também nos prepararmos para infiltrar na aldeia dos orcs a seguir.
- Ahhhh... Que peninha - Esclama com desânimo Kitsune. Embora gostasse da vida de aventureira pela excitação e adrenalina que lhe oferecia, ela detestava o lado mais cansativo, o de caminhar quilômetros, comer pouco e mal e ficar dias inteiros sem tomar banho.
- A gente vai ter que acordar mais cedo? - Pergunta Kaolla.
- Exato. Amanhã teremos que levantar acampamento às cinco horas da manhã, se nós quisermos chegar ao nosso posto definitivo antes que o sol se ponha.
- Posto definitivo, por quê? - Indaga Motoko.
- Evidentemente, não podemos acampar perto demais dos orcs sem que eles suspeitem. Eles têm patrulhas e qualquer sinal como fogueiras, pegadas, restos de comida e coisas parecidas podem denunciar a nossa presença. Vamos ter que ficar a uns cinco ou seis quilômetros do platô, para termos uma margem de segurança caso surja algum imprevisto.
- Mas os orcs não vão nos incomodar esta noite? - Preocupa-se Shinobu, temerosa.
- Pode ser que sim, pode ser que não. A parte mais chata desta noite é que pelo menos seis de nós teremos que montar guarda no acampamento enquanto o restante dorme. Sugiro montarmos 2 turnos de três pessoas com 4 horas cada. Quando o primeiro turno acabar, o pessoal descansa e o segundo turno vigia.
- Só quatro horas de sono? - Kitsune arregala os olhos.
- Exato. Vamos ter que guardar ainda nossas energias para a noite seguinte, quando tivermos que entrar no covil do inimigo...
- Bem, neste caso, podemos fazer o seguinte: Eu, o Keitarô, e a Tama-Chan montamos o primeiro turno. Motoko-chan, a Kitsune e você podem fazer o segundo... - Propõe Naru, se antecipando à guia.
- Eu quero participar! Quero testar o meu novo equipamento de visão noturna! - Implora Kaolla mostrando um estranho binóculo.
- Eu também! Já fiz isto com o papai numa expedição passada! - Fala Sarah.
- Eu entendo vocês, mas vocês precisam descansar, meninas. Amanhã vai ser um dia duro... - Sorri Yuri, com um pouco de complacência.
- Ara, eu também posso entrar no turno de guarda? - Oferece-se Mutsumi.
- Mutsumi, pode deixar. A gente dá um jeito. - Naru polidamente recusa, temendo pela saúde da amiga. Embora tivesse melhorado, depois que Otohime começou a fazer esportes na faculdade, ela ainda inspirava cuidados.
- Mais alguma coisa Yuri? - Pergunta Keitarô se aprontando para fazer a vigília.
- Quando todos se retirarem para dormir, vamos ter que apagar a fogueira. Não creio que teremos muitos problemas esta noite, mas é bom tomarmos as precauções necessárias. Amanhã, quando fizermos este acampamento, vamos ter que evitar ao máximo de usar fogo e deixarmos sinais de nossa presença, pois estaremos na boca do inimigo.
- Humpf, se os orcs forem tão incompetentes como os que encontramos dias atrás... Não teremos problemas... - Motoko sorri, desafiadora. Ela sabia que aqueles monstros não seriam páreo para suas técnicas.
- Que seja, Motoko, eles podem ser meio burros e grosseiros, só que ainda são orcs. E é bem provável que no platô possamos ver centenas deles armados até os dentes... - Comenta Yuri, um pouco preocupada com a atitude da jovem samurai.
- Yuri, existe algum tipo de orc que a gente deve temer? - Entra na conversa Narusegawa.
- Os soldados são a típica bucha de canhão. Os oficiais, também chamados de Chieftains, são um pouco melhores. Os Warlords, que são os líderes e os guerreiros de elite, devem ser respeitados por sua força e sagacidade. Existem ainda os Orcs Shamans, que são uma espécie de feiticeiros e conhecem um pequeno arsenal de truques e de magias negras. Mas pessoalmente, a pior tropa que podemos enfrentar da parte deles são os Wolfraiders...
- Wolf o quê? - Pergunta Keitarô antes de levar um "genkotsu" (croque) da Sarah por sua ignorância RPGística.
- Os Wolfraiders são cavaleiros orcs montados em lobos gigantes. É a tropa de choque deles. Estes lobos são também chamados de Wargs ou Worgs e são mais agressivos e cruéis do que o lobo comum.
- Eles são perigosos?... - Pergunta ingenuamente Shinobu.
- Bem... Dizem que estes bichos têm predileção especial pela carne humana, ainda mais se forem de jovens virgens... - Comenta Yuri com a cara mais inocente do mundo só para saber a reação da ginasial.
- Awawawawawa! Carne humana? Virgens? - a tímida jovem agita os braços e fica com os seus característicos olhos girando de pavor.
- Yuri, como vamos conseguir entrar no platô? Tem um plano? - Naru indaga, imaginando como seria a estratégia de infiltração nas aldeias orcs.
- É o seguinte, o platô tem apenas duas rampas de acesso, ambas fortemente vigiadas. Só que existe uma passagem secreta, quase desconhecida, que foi usada por um explorador falecido há quase um século antes. Sei disto porque vi o mapa escrito por ele. Vamos ter que escalar um trecho da elevação. Três ou quatro de nós iremos entrar por esta passagem e pegarmos as evidências. O restante fica esperando na parte de baixo, pronto para dar cobertura quando a missão terminar.
- Uma vez chegando lá, como entraremos dentro? O lugar deve estar muito bem protegido... - Pondera Naru.
- - Não precisaremos disparar uma só flecha. Vamos espionar os orcs com isto e pegar as informações necessárias. - Yuri abre a sua mochila e mostra um estojo de madeira com fino acabamento, abrindo-o.
- Uma luneta! - Kaolla exclama ao ver um tubo feito de metal polido, totalmente retrátil, com lentes nas extremidades. Pelo visto, o mundo onde estavam era mais adiantado do que a Idade Média real dos jogos de fantasia.
- É uma luneta mágica. Ela permite qualquer coisa com grande nitidez a uma grande distância. Seu tempo de funcionamento tem um limite, mas ela tem a característica de gravar tudo o que vemos no cristal da lente. O conteúdo fica todo armazenado num prisma dentro do tubo.
- E como dá para rever as imagens gravadas pela luneta? - Indaga a jovem tecnomaga inventora.
- As imagens podem ser reproduzidas com a magia "Projetar Visões" e confirmadas com a magia "Visão da Verdade", para evitar fraudes e manipulações.
- Que legal! Pode me emprestar, Yuri? - Entusiasma-se a pequena Su.
- Adoraria, só que tenho apenas esta luneta e ela não pode ser substituída ou reparada, querida Kaolla.
- Ahnnnnn... - Kaolla fica novamente inconformada. Será que Yuri estava de marcação com ela?
- Mas será que o pessoal de Brightstone vai acreditar nas informações deste brinquedinho? - Pergunta, meio cética, Motoko.
- Sim, até porque foi o próprio arquimado Kadghar que criou este artefato em escala limitada. Ele é usado apenas por espiões e agentes do governo.
- Mas o Eldrick pediu para pegarmos provas concretas... - Lembra-se Naru do que o condestável disse.
- A gente vai pegar as provas somente se estiverem ao nosso alcance. Pessoalmente acho o Eldrick muito teórico. Se for o que imagino, haverá cerca de 400 guerreiros orcs no platô, sem falar nos representantes de tribos que moram mais além... - Sorri Yuri como se estivesse contando uma piada.
- Quatrocentos! Uaiiii! - Shinobu arregala os olhos, o mesmo acontecendo com Keitarô, Kitsune, Naru e Sarah. Apenas Motoko mantém a sua calma, Mutsumi não tem noção do perigo e Kaolla fica entusiasmada.
- Além dos orcs, teremos que enfrentar outros inimigos? - Motoko pergunta, certa de que não seria somente isto.
- Só espero que o Barão de Khazar não esteja envolvido nisto. Além de ser muito cruel, ele tem um bom exército particular, tanto em qualidade como em armamento... - A expressão do rosto de Yuri se altera e ela fica mais séria e pensativa.
- Mas por que um nobre local iria se aliar a estes monstros? - Pergunta Keitarô.
- Khazar é um cara muito ambicioso. Embora seja poderoso militarmente e tenha muita riqueza pessoal, suas terras são inapropriadas para o cultivo em grande escala e depende muito da exploração de minérios em seu feudo. Há anos atrás, ele queria que a estrada comercial da fronteira passasse por seu território, para ganhar mais impostos devido ao pedágio, porém uma petição do povo de Smallville e da guilda de mercadores ao rei impediu isto. Até hoje ele não engole o fato... - Yuri começa a relatar o que sabe do ambicioso nobre.
- Mas no que ele lucraria com a ruína de Smallville? - Naru tenta compreender a trama envolvendo a missão.
- Se os orcs conseguirem obstruir a rota comercial ou mesmo atacar diretamente Smallville, ele arranjaria um pretexto para intervir na região e tomar a cidade. Ou ainda obter uma concessão real para colocar postos de fronteira militarizados e cobrar impostos para quem passar.
- E o outro barão, o de Str... Stro... - Keitarô esquece o outro nome mencionado pelo Eldrick.
- Strongald? - Completa Yuri, olhando o jovem com certa sutileza.
- Isto mesmo.- Confirma o rapaz, de forma tímida.
- Acho pouco provável que esteja envolvido, apesar da rixa monumental que tem com o primeiro, ele não levaria muita vantagem numa eventual invasão orc. Suas terras, mais ao sul de Smallville, são férteis e ele não depende do comércio para sobreviver. Um ataque em massa poderia pôr tudo a perder para ele.
- Por que os dois não se bicam entre si? - Torna a perguntar de novo Narusegawa.
- Ninguém sabe ao certo como tudo começou, mas o fato é que suas famílias lutaram no passado por terras. Parece-me que a criação de Smallville como cidade livre foi uma medida do governo central para impedir que os dois brigões se destruíssem entre si.
- O Eldrick disse que o barão de Strongald era meio... - Comenta Kitsune, que até então estava somente ouvindo.
- Insano? Sim. Ele é notório por sua mania de perseguição e atitudes imprevisíveis. Uma vez, ele mandou massacrar migrantes indefesos que sem querer haviam entrado em seus domínios.
- Que miserável! - Indigna-se Naru, revoltada com tamanha atrocidade.
- Se o Barão de Strongald pode não estar envolvido com os ataques, porque a cidade não pede ajuda das tropas dele para se defender? - Pergunta Motoko.
- Como ele é meio louco, ele sempre vê perseguição em tudo. Os conselheiros de Smallville tentaram fazer um acordo, mas o Barão de Strongald achou que era mais um plano de enfraquecer a defesa de suas terras e terminou a reunião expulsando os emissários a chutes.
- E ainda assim há quem trabalhe para este gagá? - Fala Sarah de uma forma depreciativa.
- Por incrível que pareça, sim. O Barão Strongald somente confia na sua força militar e desde que não falem besteiras, os mercenários são bem vindos no seu exército. - Responde Yuri acariciando o polegar com o dedo indicador - o famoso gesto que indica "dinheiro".
- Ei, Yuri, se tanto o Khazar quanto o Strongald estavam contratando aqueles soldados, porque você não topou descolar um troco com eles? Não seria melhor do que se arriscar numa missão quase suicida? - Kitsune havia captado o sentido que Yuri se referiu e foi direto ao assunto.
- Eheh... Mitsune Konno, talvez pareça ridículo, mas ainda me considero um soldado de ideais... E depois sempre adorei desafios... - Sorri Yuri.
- "Era isto que eu temia...". - Kitsune pensa, quase se arrependendo de ter perguntado isto. Decerto Yuri devia ser outra maluca por trás da sua aparência calma e prudente. Uma viciada em adrenalina!
- Yuri, se antes os orcs não atacavam as caravanas, como é que passaram a fazer isto agora? - Keitarô aproveita para perguntar esta questão.
- Não é que não atacavam antes... A verdade é outra. Geralmente, por mais ínfima que seja, uma caravana típica em direção a El-Quattara compõe-se de cinco a dez carroças carregadas de mercadorias, sendo escoltadas por um ou dois guias experientes e entre vinte e trinta cavaleiros. Afora os bois, mulas e cavalos extras que levam para revezamento.
- Nossa, então as caravanas são bem armadas! - Exclama Naru.
- Um bando de cinco a vinte orcs que seja, não tem a menor chance de derrotarum comboio bem protegido. - Yuri traça na areia um pequeno desenho mostrando como as caravanas andavam e como os orcs faziam as suas emboscadas.
- Então, para derrotar um efetivo destes... - Motoko quase adivinha o que a guia irá responder em seguida, mas quer ter certeza absoluta.
- Com certeza as tribos orcs devem ter feito uma aliança, passando a fazer ataques conjuntos.
- Como assim? - A samurai fica intrigada.
- Há dezenas de anos atrás, os orcs dominavam uma vasta região em Arkadia, e eram bem mais numerosos, formando clãs de centenas a milhares de elementos. Eles não moravam neste lugar deserto, mas sim em colinas e montanhas, no centro deste reinado. Um orc Warlord chamado Dralok conseguiu unificar todas as tribos e iniciou uma longa guerra de extermínio. Após várias derrotas, finalmente, as tropas do reino de Arkadia foram obrigadas a se aliar com os elfos do Norte e os anões do Sul e finalmente derrotaram os exércitos de Dralok na Batalha das Nações...
- Great! Parece até o Senhor dos Anéis!... - Exclama Sarah.
- E o que aconteceu depois? - Pergunta Naru.
- Os orcs remanescentes foram expulsos e acabaram se fixando na vastidão, ficando limitados a oeste pela expansão de Arkadia e a leste pelos povos nômades do deserto de El Quattara. Sem um líder carismático como Dralok para guiá-los, eles se fragmentaram em pequenas tribos e clãs que começaram a guerrear entre si... - Yuri conclui sua narrativa tomando um gole de sopa feita pela Shinobu numa caneca.
- Bem, esta parte até parece a época do Sengoku Jidai... - Comenta Motoko, referindo-se ao período das guerras civis japonesas (1400-1600 DC).
- Yuri, se os orcs começaram a atacar estas caravanas que você diz ser bem protegidas, então significa que... - Keitarô começa pôr o seu intelecto para funcionar.
- Alguém deve estar liderando-os. E ele deve ser poderoso o suficiente para impor a sua vontade e fazer os clãs rivais esquecerem as suas rixas, unindo em torno de um objetivo comum.
- Feh! Só faltava esta! - Motoko não gosta muito do que a loira acabou de dizer, por significar mais trabalho.
- Quer dizer então que a ameaça dos orcs é muito maior do que se imagina? Aiaiaiaiai... - Shinobu faz uma expressão de espanto.
- Exato. - Yuri sorri enigmaticamente para a pequena colegial tímida.
- Ei, Yuyu, como era o tal do Dralok? Ele era forte mesmo ou era que nem estes bocós que nós enfrentamos? - Interrompe Sarah com o seu jeito informal.
- Segundo os relatos da época, Dralok tinha uma força descomunal a ponto de derrubar um cavaleiro totalmente armado e equipado de sua montaria com apenas um soco. Ele tinha um machado mágico chamado "Ur-Khazan" que era capaz de soltar labaredas ardentes e arrebentar armas normais com um só golpe...
- Caramba! Como que um cara destes foi derrotado? Chamaram o Son Goku? - Pergunta Keitarô de forma exagerada.
- Dizem que antes de morrer em combate na Batalha das Nações, Dralok matou cerca de cem inimigos e foram precisos cerca de vinte golpes de espada e mais de cem flechas para matá-lo. - Yuri toma outro gole de sopa.
- Bem, de qualquer forma, a gente terá tempo de sobra amanhã e depois para confirmarmos ou desmentirmos tudo isto. - Motoko conclui, meio cética a respeito das lendas, contudo, concordando com o grau de dificuldade da aparentemente inofensiva missão de reconhecimento.
- Está certa, Motoko. Bem, pessoal... Já está ficando tarde e é melhor nos prepararmos para descansar... Keitarô, Naru, Tama-chan, vocês estão prontos para o primeiro turno? - Pergunta Yuri se preparando para tirar uma soneca.
- Pode contar comigo! - Responde afirmativamente Naru.
- Bem... Sim, Yuri. - Keitarô concorda, meio desanimado.
- Mew! - Tama aparece debaixo do chapéu da Mutsumi, para desespero da Motoko.
- Ótimo, procurem não fazer muito barulho e vigiem os quatro cantos. Não se afastem muito do acampamento. Se houver algum problema, gritem e dêem o sinal de alarma batendo nestas latas - Diz Yuri, mostrando um estranho alarme feito com latas vazias e bolas de gude dentro.
- Tudo bem, Yuri-san. Boa noite para todos. Vamos, Keitarô e Tama, espero que não faça mais frio do que está fazendo agora... - Narusegawa levanta-se, cobrindo o seu corpo com uma capa e ajeitando as suas luvas de combate.
Enquanto Narusegawa, Keitarô e a pequena Tama tomam posição, Yuri e as garotas restantes se aprontam para descansar. A fogueira é apagada e em seguida apenas a Lua ilumina o pequeno acampamento.
Apesar de teoricamente estar descansando, Yuri não quis correr riscos. Ela tinha um instinto de sobrevivência muito forte e um sono muito leve, de modo que chegou a abrir o olho três vezes para certificar-se de que tudo estava bem. As suas armas estavam colocadas ao seu alcance, para qualquer emergência.
Apesar de fazerem isto pela primeira vez, Naru, Keitarô e Tama até que se saíram bem. Os dois primeiros já estavam acostumados a dormir pouco desde a época para a preparação para o vestibular na Toudai. Muitas vezes passaram a noite em claro estudando, até o amanhecer.
A pequena Tama, embora sofresse um pouco com o frio cortante do Deserto, desincumbiu-se bem em sua tarefa. Ela era uma tartaruga bastante esperta e bem mais competente do que muitos humanos.
Era quase uma hora da madrugada quando o segundo turno teve início. Narusegawa, Keitarô e Tama foram descansar em seus sacos de dormir; enquanto Motoko, Yuri e a Kitsune iriam assumir a vigilância.
A parte mais difícil foi convencer Mitsune Konno a sair do conforto relativo do saco de dormir.
Embora ela estivesse acostumada a dormir pouco - por gostar de sair, ir a festas, bares e outras coisas do gênero - o fato era que de todo o pessoal da pensão Hinata, a garota de olhos deraposa era a última a se levantar para o café da manhà.
Sem a obrigação de ir à escola e a pressão de um emprego fixo, geralmente Kitsune somente acordava quando as outras acabavam de fazer a higiene pessoal e se dirigiam ao refeitório da pensão para tomar o café da manhã.
Pela primeira vez desde a viagem, Kitsune pegou um cigarro de sua carteira, que milagrosamente estava intacta na viagem virtual. Normalmente, a jovem de Osaka evitava fumar na frente das garotas, preferindo fazer isto em seu quarto ou em serviço, e só quando estava demasiado nervosa ou ansiosa.
E aquela era uma oportunidade ideal.
Yuri fez um meio sorriso ao ver a jovem de cabelos castanhos acender o cigarro. Ela própria havia fumado um pouco quando tinha os seus quinze para dezesseis anos, mas parou há alguns anos atrás, quando ficou chocada ao ver uma reportagem que mostrava o trágico fim de um ator - um Cowboy que fazia a propaganda de uma conhecida marca de cigarros, montando cavalos de raça no meio de um cenário idílico.
- Yuri-San, eu posso trocar umas palavras com você? - Pergunta cautelosamente a jovem samurai Motoko à aventureira, enquanto ambas andavam ao redor do perímetro do acampamento.
- Certamente, Motoko. - Sorri a loira ao perceber que Motoko não estava tão desconfiada e evasiva como antes.
- Entendo a gravidade da situação e a importância de nossa missão, mas ainda tenho sérias reservas quanto ao fato de precisar de tanta gente... Isto é... - Motoko tenta ser formal, mas acaba-se perdendo em suas próprias palavras, por não estar acostumada a conversar com Yuri.
- Bem, Motoko, se quer saber a minha opinião, a ideal seria que a missão de espionagem na aldeia dos orcs fosse feita por no máximo quatro pessoas. Mas como foi o Eldrick que teve a idéia... - Yuri fala de forma franca e sem subterfúgios o que pensava.
- Para mim, esta missão está errada desde o começo. Não seria melhor a cidade organizar uma expedição militar para acabar com estes monstros, se eles são a causa? - Motoko pondera, pensando no conceito do código samurai Bushido de cortar o mal pela raiz.
- Talvez. Só que Smallville não tem efetivos militares suficientes para invadir a aldeia dos orcs e os barões não tem o menor interesse e vontade de ceder suas tropas para a cidade.
- E a capital? Não pode ajudar estes coitados? - Motoko olha para os lados, certificando-se de que não há intrusos e nem predadores por perto.
- Hah! Se conhecesse a mentalidade daqueles generais acomodados que infestam o palácio real, você ficaria decepcionada. Para eles, os orcs não são mais ameaça e acham que tudo se resolve com acordos diplomáticos e comerciais. Só que se for verdade o que estou imaginando... - A expressão do rosto de Yuri é dura e com um certo quê de decepção diante da burocracia oficial.
- Uma nova guerra estará a caminho? - Motoko instintivamente segura firmemente no cabo de sua espada Shisui, presa na cintura.
- Exato. Alguém pode estar usando o mito de Dralok ou se fazendo passar por ele, para incitar os humanóides a se mobilizarem para a guerra.
- Bem, o que queria dizer a você, é que por mim nada tenho a temer. Sou uma guerreira de um clã antiqüíssimo, e sei o que é o caminho da espada. Mas, temo pelo Keitarô e as outras meninas, especialmente a Shinobu, a Kaolla e a Sarah... Eles não têm experiência em combate... - Murmura Motoko, começando a confiar um pouco mais na Yuri.
- Entendo. - Yuri percebe e retribui com um sorriso discreto, quebrando o clima tenso da conversa.
- A Shinobu é menor de idade e somente estava na pensão por autorização de seus pais, confiando no kanrinin. Kaolla veio de outro país para estudar e está sob nossa responsabilidade. E a jovem Sarah, que é órfã de mãe, também. - Motoko mostra que por trás daquele jeito de irmã severa, preocupava-se realmente com as suas amigas mais jovens.
- Entendo. E é por isto que estou pensando em levar apenas você, Keitarô e Naru juntos comigo quando formos espionar os orcs.
- Mas não é só isto. Você não conhece direito o gênio destas três meninas. A Kaolla é imprudente e faz as coisas sem pensar. Sarah viveu durante anos com o seu pai adotivo, que era um arqueólogo aventureiro, e acha que as coisas resolvem-se agindo primeiro e perguntando depois... E a Shinobu-chan é tímida e não sabe dizer não às duas primeiras... - Motoko fala em voz baixa, certificando-se de que não seria mal-interpretada.
- Você então teme que elas possam fazer algo de errado?
- Sim. E já existem precedentes. Uma vez, elas saíram de casa sem avisar para se encontrar com Keitarô e Naru em Okinawa. E na outra foram mais longe, indo para as ilhas Pararacelso... - Motoko fica algo constrangida ao se lembrar dos apuros que passou com a Kitsune durante a primeira viagem e das tartarugas que infestavam aquela ilha exótica na segunda viagem.
- Já pensei nisto, Motoko. Elas ficarão no acampamento.
- Agradeço a atenção, Yumi-san. - Motoko fica mais tranqüila e fica com um conceito favorável da guia, apagando a idéia que tinha no início.
- Não há de quê, Motoko.
A jovem samurai faz uma breve reverência e em seguida retorna ao seu mister de vigiar o acampamento.
Vários minutos mais tarde, Kitsune então se aproxima da guia, com o objetivo de conversar.
A garota de Osaka não queria apenas se entrosar com Yuri, mas também arrancar alguma informação que pudesse ser útil nos seus esquemas envolvendo a Naru e Keitarô.
Em primeiro lugar, Mitsune queria saber se Yuri tinha alguma quedinha pelo atrapalhado gerente da pensão ou se ela tinha alguma tendência exótica.
E em segundo lugar, se por trás daquela aparência de milica sabe-tudo não escondia uma garota rebelde e liberal. A loira podia ser esperta, mas Kitsune se julgava a esperteza personificada.
- Ei, Yu! Posso ter uma conversinha contigo? - Responde cordialmente Kitsune, protegida do frio e do vento por um poncho e por um turbante improvisado com panos. Ela terminara de fumar o seu cigarro e apagara cuidadosamente a ponta.
- Claro, Mitsune.
- Qual a sua idade? - Kitsune faz uma pergunta genérica, tentando criar um clima para conversa.
- Vinte e Dois, e você? - Yuri não deixa de reparar o quanto Kitsune era bonita, apesar daquele rosto de espertalhona.
- Estou com Vinte e um. Achava que era da mesma idade ou mais nova que a Naru. - De fato, Yuri parecia ser ligeiramente mais nova.
- Obrigada pelo elogio.
- O que você estava fazendo em Smallville antes de conhecer a gente?
- Eu? Bem... Fazia uns bicos em Brightstone. Até que ouvi falar que uma porção de gente estava procurando emprego nestas bandas e resolvi ir atrás de serviço.
- Com a gente foi um pouco diferente... Na verdade, a Naru e o Keitarô ficaram perdidos neste mundão e eu e as meninas fomos buscá-los. Só que a gente também ficou presa também.
- O que pretendem fazer depois que acabarem com esta missão?
- A gente está procurando um tal de Warp...
- Warp Point?
- É. Você conhece?
- Já ouvi boatos a respeito. Parece ser uma espécie de portal místico que abre caminhos para outros mundos e outras realidades. Só que precisa de muito poder mágico para ativar um deles.
- Ah, mas a Kaolla e a Mutsumi podem dar um jeito, não?
- Não é tão simples assim, amiga. O pouco que sei é que o mago ou sorcerer deve estar num nível muito alto para poder fazer o ritual de invocação, além dele ter em seu poder certos artefatos raros e difíceis de encontrar...
- Você sabe do que precisa ser feito para descolar o tal do War Point?
- Pessoalmente, não, mas há boatos de que alguns destes artefatos possam estar localizados nos extremos Norte e Sul de Arkadia e em continentes ainda mais distantes que o nosso.
- Putzgrila! Deste jeito...
- Mas não se preocupem. Quando terminarmos esta missão, posso me oferecer para acompanhá-los nesta aventura.
- Mudando de assunto, você deve ter conhecido muitos aventureiros neste lugar. O que acha dos homens? Quer dizer... Ouvi falar que vocês, americanas, são bastante liberais... - Kitsune cutuca com um de seus cotovelos o braço da Yuri, incitando-a falar de sua intimidade.
- Tirando os abusados, os pilantras e os irresponsáveis, eu me dou bem com qualquer um deles. Ah, Mitsune, quanto à questão de nacionalidade, não dá para generalizar. Conheci tanto garotas que mudavam de parceiro como trocavam de calcinha como outras que tinham um ataque cardíaco só de ouvir a palavra "s-e-x-o". - Responde Yuri sem entrar em detalhes de sua vida íntima, por não conhecer suficientemente a amiga de Naru.
- Mas e você? Considera-se liberal ou discreta? - Sorri a jovem de Osaka, imaginando o que aquele rosto angelical poderia esconder de instinto e luxúria.
- Nem tanto ao Mar e nem tanto à Terra. Gosto das boas coisas que a Vida e o Amor nos oferecem, mas acho que depende da cabeça de cada um. E vocês? Você até que me parece uma pessoa de cabeça aberta, mas já me disseram que as japonesas são um pouco tímidas a respeito de... Assuntos "íntimos"... - Yuri não faz de rogada e dá uma resposta politicamente correta, alfinetando Kitsune por último.
- Hehehe. Percebeu, né? De minha parte, gosto um pouco de bagunça e de farra. A Mutsumi - dona da Tama-chan - parece ser inocente, mas sabe lá o que ela imagina. A Kaolla tem a mente aberta para estas coisas e a Sarah é muito mais observadora do que se imagina... - Kitsune admite suas preferências boêmias, dando a entender que não era nenhuma Maria-Chiquinha do interior.
- E a Naru, a Motoko e a Shinobu? - Yuri pergunta, curiosa, embora o pouco que conhecera destas três dava para deduzir alguns traços de suas personalidades.
- Bem... Minha melhor amiga pode ser bastante inteligente em outros assuntos, mas é meio tapada nas coisas boas da vida. A Shinobu arregala os olhos só de pensar em assuntos "adultos" e a Motoko? Bem... Esqueça. - Kitsune responde de forma evasiva, evitando entrar em detalhes.
- Ela parece ser bem conservadora e tradicional, não? - Yuri comenta a respeito da jovem Samurai, que estava no outro extremo do acampamento.
- E o que acha de nosso kanrinin, o Keitarô? - Kitsune resolve aplicar a abordagem direta, já que a conversa estava boa.
- Bem... Como aventureiro, acho que ele tem o que aprender, ainda é bastante "verde". Agora, como pessoa, acho-o bem legal, esforçado, sincero... Como foi que vocês o conheceram? - Yuri responde de forma vaga e genérica, evitando pender para o lado sentimental.
- Foi mais ou menos assim. A gente - com exceção da Sarah - já morava na pensão, que era da avó dele. Um belo dia, o Keitarô foi expulso da casa de seus pais por ter bombado no vestibular e ele foi ver se a avó deixava ele morar lá por uns tempos. Só que ele não sabia que a pensão havia se transformado num dormitório feminino! - Kitsune sorri, lembrando-se das primeiras confusões que testemunhara com a chegada do atrapalhado neto da Vovó Hina.
- Posso imaginar o que aconteceu... - Yuri tenta imaginar como foi o primeiro encontro do Keitarô com as garotas.
- O bobão chegou sem avisar e foi logo entrando nas termas. A Naru tava lá numa boa tomando banho e como estava sem óculos, confundiu o Keitarô comigo. Ela só percebeu o erro quando... Notou que tinha algo a mais! Ahahahah! Foi aquele escândalo! A gente correu atrás dele pensando que era um tarado e o engano só foi desfeito quando a Haruka, a tia dele, disse quem era ele.
- E como ele foi virar o gerente desta pensão, se ela era somente para mulheres?
- Bem... É uma looonga história. No começo houve uns mal entendidos e a gente até pensou que ele estava enrolando a gente. Depois a vovó Hina mandou um fax nomeando-o como herdeiro da propriedade e gerente, desde que ele aceitasse...
- E as outras garotas aceitaram esta nomeação numa boa?
- Bem... Para dizer a verdade, não. A Naru no início foi contra por causa dele ter visto ela pelada no banho. A gente não o conhecia direito e também fizemos um bocado de pressão para ele desistir... Até a Shinobu, que é muito ligada a ele, foi contra... - Kitsune dá de ombros.
- Mas depois as coisas se encaixaram, certo?
- Bem, mais ou menos... Elas melhoraram mesmo depois do vestibular do ano passado (1999), quando a Naru e ele sumiram após terem falhado e nós fomos buscá-los lá nos confins de Okinawa...
- E você, Mitsune, o que você acha do Keitarô? - Yuri sorri e tenta adivinhar os sentimentos da esperta garota.
- Hã, eu posso passar a pergunta? - Kitsune não se faz de rogada e tenta declinar da proposta.
- Receio que não tenha outra alternativa... - Yuri bate no ombro direito da Kitsune, incentivando-a falar.
- Ah, no começo eu zoava muito dele. O Keitarô era meio nerd e bobão e como ele nunca teve namorada, era fácil tirar uma casquinha dele... Mas admito que ele melhorou após o ano passado... - Suspira a garota de cabelos castanho-claros, lembrando-se da vez que tentou seduzi-lo na sala da gerência.
- Ele é o namorado de sua amiga, a Naru? - Desta vez, Yuri faz uma pergunta como se não soubesse de nada.
- Percebeu? Todo mundo sabe que ele gosta dela desde a primeira vez em que se encontraram. Tempos atrás, eu ficava com raiva de ver aqueles dois na maior enrolação, tipo vai-não-vai... Até que num dia ele assumiu o sentimento, após meses de idas e vindas... Se dependesse agora dele, o namoro já estaria oficializado. - Kitsune começa a ficar intrigada a respeito do interesse da Yuri pelo rapaz, mas responde numa boa.
- E da parte dela?
- Ah, a Naru? Esqueça! Ela sempre foi um terror para estas coisas! Desde o ginásio, ela tem aquela carinha de anjo, mas já deu o fora em uns vinte ou trinta rapazes que tentaram namorar ela sem sucesso! - Kitsune dramatiza, fazendo gestos e caretas só de lembrar de como era sua amiga nos tempos do ginásio.
- Vinte ou trinta? Puxa, ela arrasou corações! - Sorri Yuri, sem deixar de vigiar os arredores. Felizmente não havia sinal de vida num raio de cem metros.
- E o engraçado é que a Naru nunca deu muita bola para os bonitões, atletas, filhinhos de papai... E agora para o Keitarô, que não é rico, nem atleta e nem inteligente, os dois vivem brigando e discutindo, mas continuam juntos... - Conclui, entre feliz e resignada, a jovem de Osaka.
- O Keitarô, tudo bem, mas pensei que a Naru namorou mais gente antes dele. Ela me parece ser inteligente e bonita...
- Mundando de assunto, e você, Yu? Quantas pessoas você namorou? - Kitsune começa a especular sobre a vida particular da loira.
- Namorei umas cinco ou seis pessoas, fora as paqueras de fim de semana... - Sorri Yuri.
- Nossa! Tudo isto? - Kitsune finge-se de inocente, mas a verdade é que ela já tinha tido o dobro de casos da Yuri, quase todos de curta duração, exceto a sua afeição - frustrada - pelo Professor Seta, na sua juventude.
- É que comecei a namorar quando tinha quatorze anos. E tive fases em que fiquei sozinha... - Explica Yuri de forma genérica.
- Teve algum carinha que marcou a sua vida? - Pergunta Kitsune de forma um pouco mais ousada.
- Era para ter sido noiva do meu último namorado... Mas... Infelizmente o Destino não quis deste jeito. - Yuri responde de forma vaga e pensativa.
- Ele que te largou ou foi você?
- Nem uma coisa e nem outra. Diríamos que foram circunstâncias da vida.
- De minha parte, Yu, não tenho ninguém em vista. Quero aproveitar a vida da forma mais intensa possível. - Exclama Kitsune, mentindo apenas num detalhe. Embora soubesse que tinha poucas chances, ela ainda gostava de Keitarô.
- E você, Mitsune, arrebentou corações ou teve um caso mais concreto? - Yuri aproveita para devolver a questão.
- Eu? Ahnnn... Esqueça. Ficaria decepcionada... Só posso te garantir de uma coisa, um conselho de amiga: "Nunca confie em ninguém com mais de trinta anos". - Kitsune acende um novo cigarro, lembrando-se dos seus casos de amor mal sucedidos. Ela havia provisoriamente renunciado a qualquer aventura amorosa por medo de sofrer uma nova decepção, adotando uma atitude aparentemente cínica a respeito.
Mais de meia hora havia se passado. Kitsune termina a conversa e resolve andar para enfrentar o frio, fazendo companhia à Motoko, que estava indiferente à conversa entre ela e Yuri. Yuri volta a fazer a ronda, procurando vislumbrar qualquer sinal de presença hostil.
Apenas uma coruja é vista ao longe, atacando um pequeno roedor que não consegue refúgio em sua toca. Com um golpe preciso, o predador noturno agarra sua comida, alçando vôo durante a madrugada no deserto.
Escrito por:
Calerom.
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