Capítulo 21:
No Platô da Morte
Eram cinco da madrugada e ainda ventava quando o grupo se levantou para reiniciar a segunda parte da jornada.
Apesar de ser possível enxergar algumas estrelas no céu, já estava claro o suficiente para que a expedição prosseguisse, além da temperatura ter ficado amena.
Enquanto Shinobu preparava um rápido café improvisado, parte do pessoal encarregava-se de arrumar as coisas enquanto outros tentavam vencer o sono e a preguiça.
Meia hora depois, Yuri guiava a turma de Hinata Sou para o seu destino. Embora o platô dos orcs ficasse a uma distância de dezoito quilômetros em linha reta, a experiente guia resolveu desviar-se da estrada principal, percorrendo um caminho raramente utilizado que levaria à retaguarda do maciço de pedra, permitindo uma abordagem segura.
O inconveniente era que este trajeto iria alargar a viagem em pelo menos três horas de caminhada.
À medida que a expedição foi penetrando rumo ao interior da fronteira, a paisagem foi ficando mais árida e mais desértica.
Por volta das sete e meia da manhã, o Sol já castigava as cabeças do pessoal e o vento mal refrescava os seus corpos.
Cactos e espinheiros começaram a tornar-se mais freqüentes e a água, mais escassa. Durante quilômetros, não se via um poço, riacho ou fonte do precioso líquido incolor.
Eram por volta das nove e meia quando a Tama-chan e a Yuri viram algo brilhando no meio do solo pedregoso.
- O que deve ser? - Pergunta Narusegawa, tentando enxergar sem muito sucesso, pois as ondas do calor emitidas pelo Sol inclemente distorciam o senso de distância.
- Deve ser algum objeto, quem sabe uma arma ou armadura. - Responde Yuri.
De forma cautelosa, o grupo percorreu ainda um quilômetro até chegar ao local aproximado. Olhando casualmente para o céu, Yuri percebeu sombras inquietantes ao redor. Será que...
Ao se aproximarem o suficiente, Shinobu é a primeira a dar um grito de puro medo, seguido das expressões de espanto de Narusegawa, Keitarô e Kitsune. A pobre Mutsumi não entende direito o motivo, desligada como sempre.
Mesmo Motoko e Yuri cerram os dentes ao vislumbrarem uma cena digna de um filme de horror.
Espalhados pelo solo estéril, havia cerca de quinze cadáveres humanos, reduzidos a ossos. Uns cinco abutres disputavam os já escassos restos de carne dos corpos, enquanto os seus semelhantes voavam ao redor.
Todos os mortos pertenciam à mesma caravana e eram provavelmente os corpos dos soldados de escolta.
O objeto brilhante nada mais era do que um escudo de metal que estava virado do lado para cima. A maioria das armas havia sido retirada dos cadáveres, bem como as armaduras e elmos.
Yuri ordena para que as garotas mais novas virarem o rosto e em seguida, ela e Motoko começam a abater os abutres - Uma usando a sua besta leve e a outra com o mortal Zan-Kuu-Sen. Em segundos, não resta mais nenhum predador alado ao redor.
Embora parecesse óbvio que o comboio havia caído numa armadilha dos orcs, havia algumas questões não respondidas.
Apenas os cadáveres dos soldados estavam ali. Mas não havia qualquer sinal dos mercadores, dos restos das carroças e muito menos dos animais de transporte.
Teriam sido capturados pelos orcs? Talvez, mas justamente estes humanóides não eram conhecidos por sua clemência...
Pelos relatos de outros aventureiros que lutaram no passado contra os orcs, as investidas contra caravanas e viajantes isolados eram caóticas, sem estratégia alguma.
Eles matavam todas as vítimas, juntamente com os animais de carga.
Quanto às cargas, os orcs apenas levavam alimentos, bebidas alcoólicas, armas e apetrechos de guerra, destruindo todo o resto - por mais valioso que pudesse ser.
Para a mente primitiva de um orc, um barril de aguardente tinha muito mais valor do que um quadro de luxo e uma armadura, mais do que um vestido de seda pura.
Só que não havia tempo para dúvidas. Com a ajuda de mais uma técnica especial de Motoko, foi aberta uma vala comum, e os restos dos guerreiros mortos foram enterrados na mesma. Uma cruz improvisada foi erguida no local.
Yuri chegou a pensar em investigar aonde a trilha deixada pelas carroças levadas pelos orcs iria dar, mas desistiu.
Era evidente de que cedo ou tarde iriam topar com uma patrulha inimiga e não queria arriscar. A sua missão era mais importante agora.
Por volta das onze e meia, o grupo decidiu descansar e almoçar perto de uma parede de rochas que formavam esculturas bizarras desafiando a vastidão desoladora da região semi-árida.
Não havia água no local, de modo que tiveram que controlar o consumo do precioso líquido. Apenas uma lagoa ficava por perto, mas ela estava seca há semanas.
Após o almoço, quando o Sol começou a castigar menos, Yuri deu de beber mais um gole da sua poção contra fadiga para cada um.
Depois de todos terem bebido um pequeno trago, o pessoal de Hinata continuou a viagem.
No final da tarde, finalmente o Hinatta Attack Team - cansado e esgotado pela viagem através do Deserto - chega ao local do acampamento, a cerca de uma hora e meia do famigerado platô sem nome.
Este era visível no horizonte como um enorme e maciço tablado de pedra destacando-se entre as pequenas colinas.
Era uma autêntica fortaleza de pedra viva construída pela natureza. Os seus defensores dispunham de um raio de visão enorme, além de poderem bloquear com facilidade as vias de acesso ao topo da formação rochosa.
Lá era o lar das tribos Rancapeles e Quebraossos - as mais poderosas da região. Estes eram os descendentes diretos do legendário guerreiro Dralok, o flagelo do Ocidente, como era também chamado.
Os orcs subsistiam nesta vastidão através da caça, da coleta e da extração de minérios em minas subterrâneas precárias. O eventual excedente era negociado com mercadores nômades, em troca de alimentos, armas e bebidas alcoólicas.
Embora os nômades do deserto não simpatizassem com os orcs, alguns deles negociavam e traficavam com estes humanóides. Em contrapartida, os orcs evitavam hostilizar as tribos que moravam no interior do Deserto.
Claro que vez ou outra surgiam mal entendidos que resultavam em brigas e até mortes, porém a ganância dos humanos era maior do que qualquer ressentimento passado.
Havia água por perto, embora fosse pouco mais do que uma fonte que aflorava timidamente no meio das rochas. Cansadas, sedentas e esgotadas, as meninas se apressaram em matar a sede e encher os seus cantis. Keitarô foi o último, embora sua suposta imortalidade fosse testada até o limite pelo clima e pela temperatura inclemente.
Durante a noite, após o improvisado jantar feito pela Shinobu - que teve que aprender a fazer uma refeição usando apenas uma panela, uma faca e uma colher, mas saindo-se bem como sempre - Yuri explica o seu plano para o pessoal, usando um mapa escrito num pergaminho que carregava. Apesar dele ser bastante velho e ter as bordas meio gastas, ainda era legível.
- O platô possui duas rampas naturais de acesso, uma ao norte e outra ao sul. Só que elas devem ser bem guardadas... - Pondera Yuri apontando para os detalhes no mapa topográfico.
- E de que maneira a gente vai entrar? - Pergunta a Naru, que era considerada pelas meninas a representante do grupo, embora Motoko fosse a mais forte.
- Há uma rachadura muito estreita na parede sudoeste, cuja largura permite a entrada de uma pessoa por vez. Esta passagem irá desembocar numa pequena caverna no interior do platô. De lá, iremos nos infiltrar dentro do acampamento e espionar tudo. Terminada a tarefa, iremos embora para Smallville o mais depressa possível. - Disse Yuri laconicamente.
- Ah, tia Yu, por que a gente não aproveita e detona os orcs com tudo? - Propõe Sarah. Como Yuri já era mais conhecida do pessoal, a norte-americana começou a incomodar a loira com suas gracinhas.
- Isto mesmo, Yu! Eu já preparei umas granadas de alto impacto que... - Entusiasma-se Kaolla, retirando algo parecido com granadas de um pacote. Provavelmente elas foram preparadas com o seu kit de Tecnomaga.
- Infelizmente, meninas, nossa missão é somente isto. Não temos chance de derrotarmos todos os orcs, até porque são várias centenas deles. Se eles tiverem aliados será ainda pior... - Yuri explica, com um certo tom de autoridade na voz. Ela já tinha percebido o temperamento destas duas e sabia do que elas eram capazes de aprontar.
- Ahhhhh... Justo hoje que estava inspirada a usar uma nova arma de destruição em massa!... - Kaolla faz uma cara de desencanto, guardando novamente os seus apetrechos destrutivos na sacola.
- Su! Isto é sério, não é brincadeira! - Motoko entra na conversa, repreendendo a sua jovem amiga.
- E como você está pensando em organizar o grupo para infiltrar-se no acampamento? - Pergunta Narusegawa, enquanto Kaolla faz um biquinho de criança contrariada.
- É o seguinte. Motoko, Narusegawa, Keitarô e eu formaremos o grupo de infiltração para invadir a aldeia. A Mitsune, Mutsumi, Tama, Kaolla, Sarah e Shinobu vão ficar do lado de fora da passagem, para dar cobertura quando sairmos. Nós levaremos apenas o mínimo de equipamentos e armas. O restante ficará como um grupo de apoio, que deverá estar pronto para partir o mais rápido possível quando chegarmos.
- O quê, a gente vai ter que ir? - Keitarô fica incrédulo ao saber da decisão da experiente guia.
- Ora, Keitarô, foi para isto que viemos para cá! - Responde Naru.
- Ahhhh... Eu queria também entrar lá dentro! Please? - Implora Kaolla fazendo um cafuné na loira cabeleira da Yuri.
- Eu também. Nào é justo, Sarge Yu. - Retruca Sarah, um pouco chateada. Contudo, o título de "sargenta" dada à loira tinha uma certa conotação de respeito, apesar da ironia óbvia.
- Bem, por mim, tudo bem. Não vou arriscar a minha beleza dentro de uma caverna apertada... - Resigna-se Kitsune, mas aliviada por não ter sido escolhida para fazer a parte mais difícil.
- Yuri-san, não é perigoso? E se...? - Fala timidamente Shinobu, imaginando todos os tipos de perigos, principalmente com relação ao seu amado sempai.
- Shinobu, as missões deste tipo requerem sigilo. Vamos ter que evitar qualquer combate enquanto captarmos as provas nesta luneta mágica. Um grupo grande teria mais chances de ser descoberto. De qualquer maneira, vocês terão que proteger nossa retaguarda enquanto a missão estiver sendo feita e garantir nossa retirada, caso as coisas dêem errado... - Explica didaticamente Yuri, baseada nos seus conhecimentos de ranger.
- Mas como vamos saber se vocês estão bem? - Insiste a garota de cabelos negros e olhar triste.
- Hahaha, deixa comigo, Shinomu, eu tomei a liberdade de criar uma câmera espiã que funciona com cristais mágicos. Só que para ela funcionar, uma de vocês vai ter que usar uma tiara com um cristal focalizador... - Diz Kaolla triunfantemente, mostrando uma outra bugiganga que fizera nos momentos de folga.
- Cristal focalizador? - Yuri pergunta, curiosa. Nunca tinha ouvido falar de tais coisas, mesmo na capital de Arkadia.
- É mais ou menos como a lente de uma câmera de TV. Tudo que o cristal mostrar, a gente enxergará. - Explica Kaolla, sabendo que Yuri era também oriunda do mundo "real" e não uma mera Non-Player-Character editada pelo videogame virtual.
- Tudo bem, Kaolla. Pode usar a sua invenção, mas contanto que fique protegendo o acampamento. - Yuri concorda salomonicamente, sabendo que seria quase impossível contrariar a esperta garota estrangeira.
- Ta Bom, tia Yu! - Sorri a menina de pele escura e cabelos loiros quase brancos, abraçando a guia.
- E não me chame de tia, por favor. - Responde meio contrariada Yuri, sentindo-se uma velha.
- Certo, tia! Nya-ah-ah-ah! - Kaolla rapidamente beija a face da Yuri e se solta, saltitando feito uma gazela, enquanto Yuri tenta inutilmente dar um croque na levada menina.
- "Sem comentários...". - pensa Motoko, com uma gota enorme na cabeça ao ver a inusitada cena.
- Naru, você pode usar a tiara receptora? - Pergunta Keitarô examinando com cuidado a bizarra peça.
- Bem, se não for perigosa... - Responde Naru, meio desconfiada das invenções da cientista maluquete.
- Não é não! Ela tem o certificado Su de Qualidade Total e foi feito dentro da norma ISO 666! - Responde Su, acabando de dar uma cambalhota e se colocando a salvo no colo do pobre Keitarô. Yuri já havia desistido de perseguir a ágil garota inventora.
- Um... Até que é bonitinha... - Diz a ruiva colocando a tiara dourada na sua fronte. Ela era dourada e o cristal afixado na parte frontal era semelhante a um rubi, com três centímetros e meio de diâmetro.
- Hum... - Keitarô nota como Narusegawa estava bonita com a singular tiara, e sorri instintivamente.
- Que cara de bobo é esta, Keitarô? - Naru sente-se envaidecida a princípio, mas por orgulho, retruca-lhe com a sua atitude peculiar.
- Eheh... Parece com a tiara mágica do Son Goku que você usou naquela peça da casa de praia da Tia Haru... - Keitarô lembra-se daquele engraçado episódio das férias do verão do ano passado e da reação furiosa da Narusegawa durante o ato final da improvisada peça.
- Ah, vai te catar, bobalhão! - Naru fica irritada e atira no pobre rapaz um dos artefatos de estimação que a Sarah sempre carregava.
- Gyaaaaa! - Grita o desastrado rapaz.
- Yuri, e se os orcs toparem com a gente na saída? - Indaga Shinobu, ainda preocupada como sempre.
- Se não houver outro jeito, procurem se defender. Mas não fujam para muito longe, senão ficarão perdidas. - Responde a loira, afagando com delicadeza os finos cabelos negros da jovem Maehara.
- E quando vai começar a ação? - Indaga Motoko, ajeitando a sua espada na sua cintura.
- Vamos nos infiltrar de madrugada. Geralmente os orcs relaxam a vigilância antes do amanhecer. Calculo que a travessia dentro da fenda irá durar uns trinta a quarenta minutos. Se tivermos sorte, eles irão fazer o seu conselho de líderes logo de manhã. Será a nossa chance para ver as suas intenções... Ao todo, o reconhecimento irá durar no máximo umas duas ou três horas. - Explica Yuri, fazendo desenhos improvisados de um plano de ataque na própria areia do solo árido em que estavam.
- Bem, de qualquer maneira, a sorte está lançada, teremos que dar o melhor de nós mesmas para que a missão tenha sucesso. E quanto a vocês, meninas, comportem-se, não vão fazer como fizeram na ilha Pararacelso. O plano de Yuri é sério e vai depender muito da colaboração de vocês. - Adverte Motoko, lembrando-se da maluquice que o trio júnior de Hinata fez quando Keitarô fugiu para Pararacelso e Naru foi atrás dele.
- Motoko, não seja muito severa com as meninas... - Tenta defender Naru, colocando sua mão direita no ombro da Shinobu.
- Não estou sendo severa, estou sendo realista. - Responde Motoko, ainda um pouco brava, mas compreendendo o que sua sempai queria dizer.
- Ah, tá bom, Motoko. A gente vai ficar aqui! - Promete Kaolla.
- Certo. A gente vai se comportar! - Responde Sarah, com um sorriso de uma ponta da orelha para a outra.
Enquanto prometiam isto, tanto Kaolla como Sarah cruzavam os dedos nas costas. Era evidente que iriam arranjar a primeira oportunidade para resolverem explorar a fortaleza orc. Ninguém percebeu o fato, exceto Tama-chan e a Shinobu, que por timidez, não falou nada.
Terminada a reunião, o pessoal aproveitou para o último descanso antes da missão propriamente dita.
Apenas Motoko e Yuri puderam alternar curtos cochilos, em esquema de revezamento. Elas não podiam cobrar muito de Keitarô e de outras garotas, que estavam muito esgotados.
Madrugada do Terceiro dia após a partida de Smallville.
Em silêncio, Yuri, Motoko, Narusegawa e Keitarô avançam em direção à parede sudoeste do platô.
Como dito, o grupo de espiões levara apenas o mínimo de equipamento. A experiente guia carregava apenas sua balestra, uma alijava com vinte flechas normais, um punhal, o mapa do terreno, uma bússola e a luneta-espiã inventada pelo mago Kadghar.
Motoko empunhava sua espada Shisui e Narusegawa estava equipada com a sua luva de alto impacto, joelheiras e caneleiras.
O pobre Keitarô levava apenas um bastão para sua autodefesa, além de levar um cantil de água, corda e alguns apetrechos de alpinismo.
Uma aflita Shinobu acompanhava com o seu olhar angustiado a partida silenciosa dos aventureiros, vendo-os desaparecerem por trás das rochas do platô.
Por ordem expressa de Yuri, a jovem cozinheira não poderia acender fogo para fazer o desjejum, já que os vigias orcs facilmente enxergariam sinais de fumaça a uma grande distância, com o céu claro.
De modo que o pessoal teria que se contentar apenas com biscoitos endurecidos, água e rações de campanha.
Além dela, somente estavam acordadas Mutsumi e Tama-chan. Sarah e Kaolla ainda roncavam e Kitsune - que havia acordado um pouco antes - malandramente voltou ao seu saco de dormir para esticar em alguns minutos o seu sono.
Passados alguns minutos, o grupo encontra a fenda mencionada no mapa de Yuri. Ela era estreita e bem escondida entre as rochas do paredão que formava o platô. Se o mapa não apontasse sua localização, a estreita borda passaria facilmente despercebida.
O quarteto de aventureiros entra penosamente pela fenda e em seguida penetram na escura galeria de pedra. Yuri ativa uma pequena pedra luminosa, um apetrecho mágico para iluminar ambientes escuros sem recorrer ao fogo.
Felizmente, não foi difícil atravessar a passagem escura e sombria. Afora alguns morcegos, o quarteto não encontrou sinais de animais ou monstros.
Meia hora depois, eles encontraram a saída da passagem, que era uma fenda que dava acesso ao interior do platô.
Todos reprimiram uma sensação de assombro quando eles viram a aldeia dos orcs.
A aldeia orc era um autêntico povoado de casebres feitos de pedra e argila, dispostas de forma irregular, ao longo do interior do platô. Muitas destas habitações rudimentares tinham passagens e cômodos no subterrâneo. E algumas das casas localizavam-se no subsolo. Os rancapeles viviam na parte norte do complexo e os quebra-ossos viviam na parte sul.
Apenas o centro do complexo era desocupado, de forma a facilitar as reuniões dos guerreiros e seus líderes.
Marcando o centro da aldeia, ficava um estranho monólito de pedra com símbolos grotescos esculpidos em sua extensão, representando um símbolo de autoridade e poder.
Neste descampado, também eram executados os prisioneiros de guerra de maior importância.
Os prédios mais relevantes da aldeia eram o quartel, o templo da divindade deles, o arsenal e a habitação do líder da aldeia, chamado de Chefe de Guerra.
Nem todos os orcs que lá habitavam eram guerreiros consumados. As mulheres cuidavam da prole e dos afazeres domésticos. Os orcs de hierarquia inferior trabalhavam nas minas, na caça e na coleta, além de forjarem armas e armaduras.
Estas duas categorias eram consideradas inferiores à classe dos guerreiros, tida como a mais nobre de todas.
Dependendo da ferocidade e da força física, os jovens orcs eram selecionados para servirem como arqueiros, como infantaria leve, infantaria pesada ou como Wolfraiders, em escala ascendente de prestígio.
Somente uns poucos tornavam orcs chieftains, passando a liderar bandos de 5 a 10 soldados. E entre os melhores era escolhida a elite dos Warlords, de onde era escolhido o Chefe de Guerra, o cargo mais cobiçado de todos.
Embora fosse teoricamente hereditário - na grande maioria das vezes, os líderes ascendiam a este posto eliminando o ocupante anterior em duelo individual ou simples assassinato.
O Chefe de Guerra liderava a aldeia como um todo ou mesmo uma confederação de duas ou três aldeias vizinhas, se fosse poderoso o bastante.
Na época do apogeu dos orcs em Arkadia, havia um cargo maior, uma espécie de rei dos orcs, tendo perdurado por várias dinastias. Mas desde Dralok, este cargo estava vago.
O Orc Shaman era um caso à parte. Era escolhido entre os mais velhos e mais sábios membros da tribo, e atuava como curandeiro, conselheiro e líder espiritual. Não necessariamente ele podia pertencer à classe guerreira.
Auxiliado por vários acólitos, o shaman não interferia nas decisões militares do chefe de guerra, mas tinha poder consultivo - podendo influenciar as decisões de quando começar ou parar uma guerra, fazer tréguas, tratados, etc.
Assim como os anões, os orcs dominavam as artes de mineração e metalurgia, conhecendo a fundição de metais como bronze e ferro.
Contudo, eles não tinham um sistema monetário e o seu alfabeto era bastante tosco e rudimentar.
Alguns sabiam falar a lingua comum dos humanos e a maioria se comunicava através de uma linguagem repleta de grunhidos, rugidos, resmungos e insultos diversos. Além deles, apenas os goblins, os hobgoblins e os ogros entendiam esta primitiva lingua.
Após saírem da caverna sem serem vistos - Yuri, Keitarô, Motoko e Naru se aproximam da aldeia.
Para garantir o sigilo absoluto, a experiente rastreadora deu de beber a cada pessoa do grupo um trago de uma poção de furtividade, que os tornava praticamente indetectáveis.
A única chance de anular os seus efeitos era se alguém afetado pela poção intencionalmente atacasse um inimigo - cancelando o efeito furtivo - ou se eles fossem detectados por uma magia de adivinhação lançada por um conjurador de certo poder.
Inicialmente, Naru e Motoko haviam sido meio contrárias à escolha da Yuri de incluir Keitarô, por acharem-no um desastre ambulante. Um só acidente, e adeus, sigilo.
Contudo, na presença da loira, Keitarô não apenas se comportou de forma discreta como parecia estar aprendendo rapidamente as dicas e as técnicas que a aventureira Yuri usava.
Naru sentiu uma pontinha de ciúme ao perceber que Keitarô estava se esforçando ao máximo para impressionar a loira, mas ela no final se resignou.
Apesar dos pesares, ela se sentia mais segura com ele por perto do que com a experiente guia - a quem conhecia ainda pouco. E, de fato, era preferível ter a companhia de Keitarô do que com as outras.
A jovem Shinobu, embora responsável e esforçada, era altamente impressionável e medrosa, arriscando o sucesso da missão caso ela presenciasse alguma cena mais forte.
A Mutsumi, apesar de ter suas magias relativamente poderosas, era ainda meio desengonçada e sua saúde ainda inspirava cuidados. Além disto, Naru sabia que com a Tama-chan por perto, Motoko iria ter um chilique se a visse a curta distância.
Quanto à Kitsune, ela seria uma boa opção para este trabalho se não fosse a sua tendência de falar demais e sua mentalidade gananciosa. Certamente ela iria tentar vasculhar aonde os orcs botavam seus tesouros e podia colocar tudo a perder.
Kaolla e Sarah? Nem pensar! A irresponsabilidade de uma unida à temeridade da outra faria esta missão de reconhecimento degenerar em profundo caos. Se o inimigo fosse fraco e pouco numeroso, até elas podiam ser de alguma ajuda, pensava Narusegawa, mas como eram centenas e o grupo precisava coletar ainda provas...
Durante a janta passada, a pequena Kaolla até se ofereceu para montar um dirigível movido a vapor, só que Yuri proibiu este invento quando o protótipo do motor inventado pela tecnomaga ficou fora de controle, quase levando o pobre Keitarô - que estava por perto - para os ares. Apenas o Zan-Kuu-sen da Motoko foi capaz de deter a bizarra máquina.
Com estes pensamentos, Narusegawa se preparava para encarar a sua mais difícil missão de aventureira virtual.
Embora fosse muito cedo, já se percebia alguns sinais de atividade na aldeia. Sentinelas esparsas andavam em círculos pelo perímetro da aldeia, lutando contra o sono e se escutava os ruídos dos porcos selvagens que os humanóides criavam em cativeiro para a sua alimentação e a dos lobos worgs utilizados como montaria dos Wolfraiders.
Através de gestos, Yuri guia o pessoal até uma cabana caindo aos pedaços, situada a dez metros do local das reuniões públicas dos líderes orcs.
Por sorte, a cabana estava vazia e a única sentinela que estava vigiando por perto estava mais com sono do que acordada.
Aparentemente, o local era uma espécie de galpão aonde os orcs guardavam tranqueiras diversas.
Este antro estava muito mal cuidado e com um péssimo cheiro, com vários buracos e rachaduras em todos os cantos.
Vasculhando um pouco, Yuri consegue achar um buraco discreto o suficiente para poder fixar a sua luneta encantada, que registraria detalhes comprometedores da reunião tribal dos orcs.
Após alguns testes, ela - com a ajuda de Keitarô - consegue fixar o delicado instrumento a um metro de altura em relação ao chão e camuflá-lo com palha e gravetos catados ao acaso. Agora era só uma questão de esperar.
Escrito por Calerom.
Última revisão: 24/09/2003
Dúvidas, comentários e sugestões:
myamauchi1969@yahoo.com.br
No Platô da Morte
Eram cinco da madrugada e ainda ventava quando o grupo se levantou para reiniciar a segunda parte da jornada.
Apesar de ser possível enxergar algumas estrelas no céu, já estava claro o suficiente para que a expedição prosseguisse, além da temperatura ter ficado amena.
Enquanto Shinobu preparava um rápido café improvisado, parte do pessoal encarregava-se de arrumar as coisas enquanto outros tentavam vencer o sono e a preguiça.
Meia hora depois, Yuri guiava a turma de Hinata Sou para o seu destino. Embora o platô dos orcs ficasse a uma distância de dezoito quilômetros em linha reta, a experiente guia resolveu desviar-se da estrada principal, percorrendo um caminho raramente utilizado que levaria à retaguarda do maciço de pedra, permitindo uma abordagem segura.
O inconveniente era que este trajeto iria alargar a viagem em pelo menos três horas de caminhada.
À medida que a expedição foi penetrando rumo ao interior da fronteira, a paisagem foi ficando mais árida e mais desértica.
Por volta das sete e meia da manhã, o Sol já castigava as cabeças do pessoal e o vento mal refrescava os seus corpos.
Cactos e espinheiros começaram a tornar-se mais freqüentes e a água, mais escassa. Durante quilômetros, não se via um poço, riacho ou fonte do precioso líquido incolor.
Eram por volta das nove e meia quando a Tama-chan e a Yuri viram algo brilhando no meio do solo pedregoso.
- O que deve ser? - Pergunta Narusegawa, tentando enxergar sem muito sucesso, pois as ondas do calor emitidas pelo Sol inclemente distorciam o senso de distância.
- Deve ser algum objeto, quem sabe uma arma ou armadura. - Responde Yuri.
De forma cautelosa, o grupo percorreu ainda um quilômetro até chegar ao local aproximado. Olhando casualmente para o céu, Yuri percebeu sombras inquietantes ao redor. Será que...
Ao se aproximarem o suficiente, Shinobu é a primeira a dar um grito de puro medo, seguido das expressões de espanto de Narusegawa, Keitarô e Kitsune. A pobre Mutsumi não entende direito o motivo, desligada como sempre.
Mesmo Motoko e Yuri cerram os dentes ao vislumbrarem uma cena digna de um filme de horror.
Espalhados pelo solo estéril, havia cerca de quinze cadáveres humanos, reduzidos a ossos. Uns cinco abutres disputavam os já escassos restos de carne dos corpos, enquanto os seus semelhantes voavam ao redor.
Todos os mortos pertenciam à mesma caravana e eram provavelmente os corpos dos soldados de escolta.
O objeto brilhante nada mais era do que um escudo de metal que estava virado do lado para cima. A maioria das armas havia sido retirada dos cadáveres, bem como as armaduras e elmos.
Yuri ordena para que as garotas mais novas virarem o rosto e em seguida, ela e Motoko começam a abater os abutres - Uma usando a sua besta leve e a outra com o mortal Zan-Kuu-Sen. Em segundos, não resta mais nenhum predador alado ao redor.
Embora parecesse óbvio que o comboio havia caído numa armadilha dos orcs, havia algumas questões não respondidas.
Apenas os cadáveres dos soldados estavam ali. Mas não havia qualquer sinal dos mercadores, dos restos das carroças e muito menos dos animais de transporte.
Teriam sido capturados pelos orcs? Talvez, mas justamente estes humanóides não eram conhecidos por sua clemência...
Pelos relatos de outros aventureiros que lutaram no passado contra os orcs, as investidas contra caravanas e viajantes isolados eram caóticas, sem estratégia alguma.
Eles matavam todas as vítimas, juntamente com os animais de carga.
Quanto às cargas, os orcs apenas levavam alimentos, bebidas alcoólicas, armas e apetrechos de guerra, destruindo todo o resto - por mais valioso que pudesse ser.
Para a mente primitiva de um orc, um barril de aguardente tinha muito mais valor do que um quadro de luxo e uma armadura, mais do que um vestido de seda pura.
Só que não havia tempo para dúvidas. Com a ajuda de mais uma técnica especial de Motoko, foi aberta uma vala comum, e os restos dos guerreiros mortos foram enterrados na mesma. Uma cruz improvisada foi erguida no local.
Yuri chegou a pensar em investigar aonde a trilha deixada pelas carroças levadas pelos orcs iria dar, mas desistiu.
Era evidente de que cedo ou tarde iriam topar com uma patrulha inimiga e não queria arriscar. A sua missão era mais importante agora.
Por volta das onze e meia, o grupo decidiu descansar e almoçar perto de uma parede de rochas que formavam esculturas bizarras desafiando a vastidão desoladora da região semi-árida.
Não havia água no local, de modo que tiveram que controlar o consumo do precioso líquido. Apenas uma lagoa ficava por perto, mas ela estava seca há semanas.
Após o almoço, quando o Sol começou a castigar menos, Yuri deu de beber mais um gole da sua poção contra fadiga para cada um.
Depois de todos terem bebido um pequeno trago, o pessoal de Hinata continuou a viagem.
No final da tarde, finalmente o Hinatta Attack Team - cansado e esgotado pela viagem através do Deserto - chega ao local do acampamento, a cerca de uma hora e meia do famigerado platô sem nome.
Este era visível no horizonte como um enorme e maciço tablado de pedra destacando-se entre as pequenas colinas.
Era uma autêntica fortaleza de pedra viva construída pela natureza. Os seus defensores dispunham de um raio de visão enorme, além de poderem bloquear com facilidade as vias de acesso ao topo da formação rochosa.
Lá era o lar das tribos Rancapeles e Quebraossos - as mais poderosas da região. Estes eram os descendentes diretos do legendário guerreiro Dralok, o flagelo do Ocidente, como era também chamado.
Os orcs subsistiam nesta vastidão através da caça, da coleta e da extração de minérios em minas subterrâneas precárias. O eventual excedente era negociado com mercadores nômades, em troca de alimentos, armas e bebidas alcoólicas.
Embora os nômades do deserto não simpatizassem com os orcs, alguns deles negociavam e traficavam com estes humanóides. Em contrapartida, os orcs evitavam hostilizar as tribos que moravam no interior do Deserto.
Claro que vez ou outra surgiam mal entendidos que resultavam em brigas e até mortes, porém a ganância dos humanos era maior do que qualquer ressentimento passado.
Havia água por perto, embora fosse pouco mais do que uma fonte que aflorava timidamente no meio das rochas. Cansadas, sedentas e esgotadas, as meninas se apressaram em matar a sede e encher os seus cantis. Keitarô foi o último, embora sua suposta imortalidade fosse testada até o limite pelo clima e pela temperatura inclemente.
Durante a noite, após o improvisado jantar feito pela Shinobu - que teve que aprender a fazer uma refeição usando apenas uma panela, uma faca e uma colher, mas saindo-se bem como sempre - Yuri explica o seu plano para o pessoal, usando um mapa escrito num pergaminho que carregava. Apesar dele ser bastante velho e ter as bordas meio gastas, ainda era legível.
- O platô possui duas rampas naturais de acesso, uma ao norte e outra ao sul. Só que elas devem ser bem guardadas... - Pondera Yuri apontando para os detalhes no mapa topográfico.
- E de que maneira a gente vai entrar? - Pergunta a Naru, que era considerada pelas meninas a representante do grupo, embora Motoko fosse a mais forte.
- Há uma rachadura muito estreita na parede sudoeste, cuja largura permite a entrada de uma pessoa por vez. Esta passagem irá desembocar numa pequena caverna no interior do platô. De lá, iremos nos infiltrar dentro do acampamento e espionar tudo. Terminada a tarefa, iremos embora para Smallville o mais depressa possível. - Disse Yuri laconicamente.
- Ah, tia Yu, por que a gente não aproveita e detona os orcs com tudo? - Propõe Sarah. Como Yuri já era mais conhecida do pessoal, a norte-americana começou a incomodar a loira com suas gracinhas.
- Isto mesmo, Yu! Eu já preparei umas granadas de alto impacto que... - Entusiasma-se Kaolla, retirando algo parecido com granadas de um pacote. Provavelmente elas foram preparadas com o seu kit de Tecnomaga.
- Infelizmente, meninas, nossa missão é somente isto. Não temos chance de derrotarmos todos os orcs, até porque são várias centenas deles. Se eles tiverem aliados será ainda pior... - Yuri explica, com um certo tom de autoridade na voz. Ela já tinha percebido o temperamento destas duas e sabia do que elas eram capazes de aprontar.
- Ahhhhh... Justo hoje que estava inspirada a usar uma nova arma de destruição em massa!... - Kaolla faz uma cara de desencanto, guardando novamente os seus apetrechos destrutivos na sacola.
- Su! Isto é sério, não é brincadeira! - Motoko entra na conversa, repreendendo a sua jovem amiga.
- E como você está pensando em organizar o grupo para infiltrar-se no acampamento? - Pergunta Narusegawa, enquanto Kaolla faz um biquinho de criança contrariada.
- É o seguinte. Motoko, Narusegawa, Keitarô e eu formaremos o grupo de infiltração para invadir a aldeia. A Mitsune, Mutsumi, Tama, Kaolla, Sarah e Shinobu vão ficar do lado de fora da passagem, para dar cobertura quando sairmos. Nós levaremos apenas o mínimo de equipamentos e armas. O restante ficará como um grupo de apoio, que deverá estar pronto para partir o mais rápido possível quando chegarmos.
- O quê, a gente vai ter que ir? - Keitarô fica incrédulo ao saber da decisão da experiente guia.
- Ora, Keitarô, foi para isto que viemos para cá! - Responde Naru.
- Ahhhh... Eu queria também entrar lá dentro! Please? - Implora Kaolla fazendo um cafuné na loira cabeleira da Yuri.
- Eu também. Nào é justo, Sarge Yu. - Retruca Sarah, um pouco chateada. Contudo, o título de "sargenta" dada à loira tinha uma certa conotação de respeito, apesar da ironia óbvia.
- Bem, por mim, tudo bem. Não vou arriscar a minha beleza dentro de uma caverna apertada... - Resigna-se Kitsune, mas aliviada por não ter sido escolhida para fazer a parte mais difícil.
- Yuri-san, não é perigoso? E se...? - Fala timidamente Shinobu, imaginando todos os tipos de perigos, principalmente com relação ao seu amado sempai.
- Shinobu, as missões deste tipo requerem sigilo. Vamos ter que evitar qualquer combate enquanto captarmos as provas nesta luneta mágica. Um grupo grande teria mais chances de ser descoberto. De qualquer maneira, vocês terão que proteger nossa retaguarda enquanto a missão estiver sendo feita e garantir nossa retirada, caso as coisas dêem errado... - Explica didaticamente Yuri, baseada nos seus conhecimentos de ranger.
- Mas como vamos saber se vocês estão bem? - Insiste a garota de cabelos negros e olhar triste.
- Hahaha, deixa comigo, Shinomu, eu tomei a liberdade de criar uma câmera espiã que funciona com cristais mágicos. Só que para ela funcionar, uma de vocês vai ter que usar uma tiara com um cristal focalizador... - Diz Kaolla triunfantemente, mostrando uma outra bugiganga que fizera nos momentos de folga.
- Cristal focalizador? - Yuri pergunta, curiosa. Nunca tinha ouvido falar de tais coisas, mesmo na capital de Arkadia.
- É mais ou menos como a lente de uma câmera de TV. Tudo que o cristal mostrar, a gente enxergará. - Explica Kaolla, sabendo que Yuri era também oriunda do mundo "real" e não uma mera Non-Player-Character editada pelo videogame virtual.
- Tudo bem, Kaolla. Pode usar a sua invenção, mas contanto que fique protegendo o acampamento. - Yuri concorda salomonicamente, sabendo que seria quase impossível contrariar a esperta garota estrangeira.
- Ta Bom, tia Yu! - Sorri a menina de pele escura e cabelos loiros quase brancos, abraçando a guia.
- E não me chame de tia, por favor. - Responde meio contrariada Yuri, sentindo-se uma velha.
- Certo, tia! Nya-ah-ah-ah! - Kaolla rapidamente beija a face da Yuri e se solta, saltitando feito uma gazela, enquanto Yuri tenta inutilmente dar um croque na levada menina.
- "Sem comentários...". - pensa Motoko, com uma gota enorme na cabeça ao ver a inusitada cena.
- Naru, você pode usar a tiara receptora? - Pergunta Keitarô examinando com cuidado a bizarra peça.
- Bem, se não for perigosa... - Responde Naru, meio desconfiada das invenções da cientista maluquete.
- Não é não! Ela tem o certificado Su de Qualidade Total e foi feito dentro da norma ISO 666! - Responde Su, acabando de dar uma cambalhota e se colocando a salvo no colo do pobre Keitarô. Yuri já havia desistido de perseguir a ágil garota inventora.
- Um... Até que é bonitinha... - Diz a ruiva colocando a tiara dourada na sua fronte. Ela era dourada e o cristal afixado na parte frontal era semelhante a um rubi, com três centímetros e meio de diâmetro.
- Hum... - Keitarô nota como Narusegawa estava bonita com a singular tiara, e sorri instintivamente.
- Que cara de bobo é esta, Keitarô? - Naru sente-se envaidecida a princípio, mas por orgulho, retruca-lhe com a sua atitude peculiar.
- Eheh... Parece com a tiara mágica do Son Goku que você usou naquela peça da casa de praia da Tia Haru... - Keitarô lembra-se daquele engraçado episódio das férias do verão do ano passado e da reação furiosa da Narusegawa durante o ato final da improvisada peça.
- Ah, vai te catar, bobalhão! - Naru fica irritada e atira no pobre rapaz um dos artefatos de estimação que a Sarah sempre carregava.
- Gyaaaaa! - Grita o desastrado rapaz.
- Yuri, e se os orcs toparem com a gente na saída? - Indaga Shinobu, ainda preocupada como sempre.
- Se não houver outro jeito, procurem se defender. Mas não fujam para muito longe, senão ficarão perdidas. - Responde a loira, afagando com delicadeza os finos cabelos negros da jovem Maehara.
- E quando vai começar a ação? - Indaga Motoko, ajeitando a sua espada na sua cintura.
- Vamos nos infiltrar de madrugada. Geralmente os orcs relaxam a vigilância antes do amanhecer. Calculo que a travessia dentro da fenda irá durar uns trinta a quarenta minutos. Se tivermos sorte, eles irão fazer o seu conselho de líderes logo de manhã. Será a nossa chance para ver as suas intenções... Ao todo, o reconhecimento irá durar no máximo umas duas ou três horas. - Explica Yuri, fazendo desenhos improvisados de um plano de ataque na própria areia do solo árido em que estavam.
- Bem, de qualquer maneira, a sorte está lançada, teremos que dar o melhor de nós mesmas para que a missão tenha sucesso. E quanto a vocês, meninas, comportem-se, não vão fazer como fizeram na ilha Pararacelso. O plano de Yuri é sério e vai depender muito da colaboração de vocês. - Adverte Motoko, lembrando-se da maluquice que o trio júnior de Hinata fez quando Keitarô fugiu para Pararacelso e Naru foi atrás dele.
- Motoko, não seja muito severa com as meninas... - Tenta defender Naru, colocando sua mão direita no ombro da Shinobu.
- Não estou sendo severa, estou sendo realista. - Responde Motoko, ainda um pouco brava, mas compreendendo o que sua sempai queria dizer.
- Ah, tá bom, Motoko. A gente vai ficar aqui! - Promete Kaolla.
- Certo. A gente vai se comportar! - Responde Sarah, com um sorriso de uma ponta da orelha para a outra.
Enquanto prometiam isto, tanto Kaolla como Sarah cruzavam os dedos nas costas. Era evidente que iriam arranjar a primeira oportunidade para resolverem explorar a fortaleza orc. Ninguém percebeu o fato, exceto Tama-chan e a Shinobu, que por timidez, não falou nada.
Terminada a reunião, o pessoal aproveitou para o último descanso antes da missão propriamente dita.
Apenas Motoko e Yuri puderam alternar curtos cochilos, em esquema de revezamento. Elas não podiam cobrar muito de Keitarô e de outras garotas, que estavam muito esgotados.
Madrugada do Terceiro dia após a partida de Smallville.
Em silêncio, Yuri, Motoko, Narusegawa e Keitarô avançam em direção à parede sudoeste do platô.
Como dito, o grupo de espiões levara apenas o mínimo de equipamento. A experiente guia carregava apenas sua balestra, uma alijava com vinte flechas normais, um punhal, o mapa do terreno, uma bússola e a luneta-espiã inventada pelo mago Kadghar.
Motoko empunhava sua espada Shisui e Narusegawa estava equipada com a sua luva de alto impacto, joelheiras e caneleiras.
O pobre Keitarô levava apenas um bastão para sua autodefesa, além de levar um cantil de água, corda e alguns apetrechos de alpinismo.
Uma aflita Shinobu acompanhava com o seu olhar angustiado a partida silenciosa dos aventureiros, vendo-os desaparecerem por trás das rochas do platô.
Por ordem expressa de Yuri, a jovem cozinheira não poderia acender fogo para fazer o desjejum, já que os vigias orcs facilmente enxergariam sinais de fumaça a uma grande distância, com o céu claro.
De modo que o pessoal teria que se contentar apenas com biscoitos endurecidos, água e rações de campanha.
Além dela, somente estavam acordadas Mutsumi e Tama-chan. Sarah e Kaolla ainda roncavam e Kitsune - que havia acordado um pouco antes - malandramente voltou ao seu saco de dormir para esticar em alguns minutos o seu sono.
Passados alguns minutos, o grupo encontra a fenda mencionada no mapa de Yuri. Ela era estreita e bem escondida entre as rochas do paredão que formava o platô. Se o mapa não apontasse sua localização, a estreita borda passaria facilmente despercebida.
O quarteto de aventureiros entra penosamente pela fenda e em seguida penetram na escura galeria de pedra. Yuri ativa uma pequena pedra luminosa, um apetrecho mágico para iluminar ambientes escuros sem recorrer ao fogo.
Felizmente, não foi difícil atravessar a passagem escura e sombria. Afora alguns morcegos, o quarteto não encontrou sinais de animais ou monstros.
Meia hora depois, eles encontraram a saída da passagem, que era uma fenda que dava acesso ao interior do platô.
Todos reprimiram uma sensação de assombro quando eles viram a aldeia dos orcs.
A aldeia orc era um autêntico povoado de casebres feitos de pedra e argila, dispostas de forma irregular, ao longo do interior do platô. Muitas destas habitações rudimentares tinham passagens e cômodos no subterrâneo. E algumas das casas localizavam-se no subsolo. Os rancapeles viviam na parte norte do complexo e os quebra-ossos viviam na parte sul.
Apenas o centro do complexo era desocupado, de forma a facilitar as reuniões dos guerreiros e seus líderes.
Marcando o centro da aldeia, ficava um estranho monólito de pedra com símbolos grotescos esculpidos em sua extensão, representando um símbolo de autoridade e poder.
Neste descampado, também eram executados os prisioneiros de guerra de maior importância.
Os prédios mais relevantes da aldeia eram o quartel, o templo da divindade deles, o arsenal e a habitação do líder da aldeia, chamado de Chefe de Guerra.
Nem todos os orcs que lá habitavam eram guerreiros consumados. As mulheres cuidavam da prole e dos afazeres domésticos. Os orcs de hierarquia inferior trabalhavam nas minas, na caça e na coleta, além de forjarem armas e armaduras.
Estas duas categorias eram consideradas inferiores à classe dos guerreiros, tida como a mais nobre de todas.
Dependendo da ferocidade e da força física, os jovens orcs eram selecionados para servirem como arqueiros, como infantaria leve, infantaria pesada ou como Wolfraiders, em escala ascendente de prestígio.
Somente uns poucos tornavam orcs chieftains, passando a liderar bandos de 5 a 10 soldados. E entre os melhores era escolhida a elite dos Warlords, de onde era escolhido o Chefe de Guerra, o cargo mais cobiçado de todos.
Embora fosse teoricamente hereditário - na grande maioria das vezes, os líderes ascendiam a este posto eliminando o ocupante anterior em duelo individual ou simples assassinato.
O Chefe de Guerra liderava a aldeia como um todo ou mesmo uma confederação de duas ou três aldeias vizinhas, se fosse poderoso o bastante.
Na época do apogeu dos orcs em Arkadia, havia um cargo maior, uma espécie de rei dos orcs, tendo perdurado por várias dinastias. Mas desde Dralok, este cargo estava vago.
O Orc Shaman era um caso à parte. Era escolhido entre os mais velhos e mais sábios membros da tribo, e atuava como curandeiro, conselheiro e líder espiritual. Não necessariamente ele podia pertencer à classe guerreira.
Auxiliado por vários acólitos, o shaman não interferia nas decisões militares do chefe de guerra, mas tinha poder consultivo - podendo influenciar as decisões de quando começar ou parar uma guerra, fazer tréguas, tratados, etc.
Assim como os anões, os orcs dominavam as artes de mineração e metalurgia, conhecendo a fundição de metais como bronze e ferro.
Contudo, eles não tinham um sistema monetário e o seu alfabeto era bastante tosco e rudimentar.
Alguns sabiam falar a lingua comum dos humanos e a maioria se comunicava através de uma linguagem repleta de grunhidos, rugidos, resmungos e insultos diversos. Além deles, apenas os goblins, os hobgoblins e os ogros entendiam esta primitiva lingua.
Após saírem da caverna sem serem vistos - Yuri, Keitarô, Motoko e Naru se aproximam da aldeia.
Para garantir o sigilo absoluto, a experiente rastreadora deu de beber a cada pessoa do grupo um trago de uma poção de furtividade, que os tornava praticamente indetectáveis.
A única chance de anular os seus efeitos era se alguém afetado pela poção intencionalmente atacasse um inimigo - cancelando o efeito furtivo - ou se eles fossem detectados por uma magia de adivinhação lançada por um conjurador de certo poder.
Inicialmente, Naru e Motoko haviam sido meio contrárias à escolha da Yuri de incluir Keitarô, por acharem-no um desastre ambulante. Um só acidente, e adeus, sigilo.
Contudo, na presença da loira, Keitarô não apenas se comportou de forma discreta como parecia estar aprendendo rapidamente as dicas e as técnicas que a aventureira Yuri usava.
Naru sentiu uma pontinha de ciúme ao perceber que Keitarô estava se esforçando ao máximo para impressionar a loira, mas ela no final se resignou.
Apesar dos pesares, ela se sentia mais segura com ele por perto do que com a experiente guia - a quem conhecia ainda pouco. E, de fato, era preferível ter a companhia de Keitarô do que com as outras.
A jovem Shinobu, embora responsável e esforçada, era altamente impressionável e medrosa, arriscando o sucesso da missão caso ela presenciasse alguma cena mais forte.
A Mutsumi, apesar de ter suas magias relativamente poderosas, era ainda meio desengonçada e sua saúde ainda inspirava cuidados. Além disto, Naru sabia que com a Tama-chan por perto, Motoko iria ter um chilique se a visse a curta distância.
Quanto à Kitsune, ela seria uma boa opção para este trabalho se não fosse a sua tendência de falar demais e sua mentalidade gananciosa. Certamente ela iria tentar vasculhar aonde os orcs botavam seus tesouros e podia colocar tudo a perder.
Kaolla e Sarah? Nem pensar! A irresponsabilidade de uma unida à temeridade da outra faria esta missão de reconhecimento degenerar em profundo caos. Se o inimigo fosse fraco e pouco numeroso, até elas podiam ser de alguma ajuda, pensava Narusegawa, mas como eram centenas e o grupo precisava coletar ainda provas...
Durante a janta passada, a pequena Kaolla até se ofereceu para montar um dirigível movido a vapor, só que Yuri proibiu este invento quando o protótipo do motor inventado pela tecnomaga ficou fora de controle, quase levando o pobre Keitarô - que estava por perto - para os ares. Apenas o Zan-Kuu-sen da Motoko foi capaz de deter a bizarra máquina.
Com estes pensamentos, Narusegawa se preparava para encarar a sua mais difícil missão de aventureira virtual.
Embora fosse muito cedo, já se percebia alguns sinais de atividade na aldeia. Sentinelas esparsas andavam em círculos pelo perímetro da aldeia, lutando contra o sono e se escutava os ruídos dos porcos selvagens que os humanóides criavam em cativeiro para a sua alimentação e a dos lobos worgs utilizados como montaria dos Wolfraiders.
Através de gestos, Yuri guia o pessoal até uma cabana caindo aos pedaços, situada a dez metros do local das reuniões públicas dos líderes orcs.
Por sorte, a cabana estava vazia e a única sentinela que estava vigiando por perto estava mais com sono do que acordada.
Aparentemente, o local era uma espécie de galpão aonde os orcs guardavam tranqueiras diversas.
Este antro estava muito mal cuidado e com um péssimo cheiro, com vários buracos e rachaduras em todos os cantos.
Vasculhando um pouco, Yuri consegue achar um buraco discreto o suficiente para poder fixar a sua luneta encantada, que registraria detalhes comprometedores da reunião tribal dos orcs.
Após alguns testes, ela - com a ajuda de Keitarô - consegue fixar o delicado instrumento a um metro de altura em relação ao chão e camuflá-lo com palha e gravetos catados ao acaso. Agora era só uma questão de esperar.
Escrito por Calerom.
Última revisão: 24/09/2003
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