CAPÍTULO 22:
Prisioneiros de Guerra!
Enquanto isto, o pessoal que ficou como apoio na entrada da fenda estava entre preocupado e entediado. Apenas Mutsumi e a Tama-chan mantinham uma certa calma, sem deixar se influenciar pela angústia da espera. A primeira, por ser naturalmente desligada. E a segunda, por não ser humana.
Kaolla e Sarah davam os últimos ajustes na câmera de espionagem que a tecnomaga inventara com o seu kit de inventor. A tal da câmara era uma espécie de bola de cristal presa num painel com vários botões e indicadores luminosos, que ficavam piscando aleatoriamente.
- Sempai... Será que ele e as outras estão bem?... - Pergunta ansiosa a jovem Shinobu, suspirando por sua paixão de adolescência.
- Ah, fica fria, Shinobu, se eles não forem comidos pelos lobos, voltam sãos e salvos daqui a algumas horas! - Diz Kitsune, aproveitando para fazer uma de suas gracinhas.
- Não fale uma coisa destas, nem por brincadeira! - A gozação da garota mais velha somente faz aumentar o nervosismo da menina.
- Hihi, o que vocês estão fazendo, meninas? - Como sempre, Mutsumi entra na conversa, meio que fora do contexto.
- A Kaolla e eu estamos terminando de construir a bola de cristal espiã que vai transmitir em primeira mão o que os agentes Yuri, Naru, Motoko e o bobão do Keitarô estão fazendo!... - Exulta Sarah, com uma expressão orgulhosa no rosto.
- Eheheh, como sempre sou genial. Agora, colocando este cristal aqui e mais um ajuste no botão de imagens... Nya-ah-ah-ah. Está feito. Agora é só... - Kaolla finalmente completa o bizarro aparelho e está mais ansiosa do que nunca para testá-lo.
- Eheheh. Esta engenhoca vem mesmo a calhar. Ei, Mutsumi, Tama e Shinobu. Vamos dar uma espiada no que a tiara da Naru está captando... - Alegra-se Kitsune, ansiosa por novidades, como sempre.
- Será que?... - Shinobu também vai, embora seus motivos sejam mais óbvios.
Kaolla termina de apertar uns botões. Depois liga o estranho aparelho que como sempre, tem o logotipo dos três olhos, sua marca registrada. O pessoal tenta se aglomerar como pode em frente à diminuta bola de cristal que serve de visor.
- Dá licença, Sarah, quero também ver! - Contorce-se toda Kaolla, tentando tomar o lugar da menina.
- Ah, eu ajudei você, quero ser a primeira! - Protesta a loira, não querendo ceder o seu espaço.
- Será que o Keitarô-sempai?... - Shinobu também estava no meio do empurra-empurra.
- Hihi, não briguem, meninas! - Apenas Mutsumi se mantinha à parte da discussão.
- Hohoho! Até que emfim alguma diversão! Esta viagem já estava ficando monótona para mim! - Sorri Kitsune, imaginando algumas coisas que poderiam estar acontecendo entre as suas amigas e o Keitarô.
A imagem parece trêmula e turva a princípio. Kaolla aperta freneticamente alguns botões, sem muito resultado, e em seguida dá um forte soco na base da bola de cristal, de pura raiva. Finalmente, aparece a primeira imagem:
- Ué, não tou entendendo nada... O que a Naru está olhan... - Kitsune abre ambos os olhos, intrigada, ao ver uma estranha superfície roliça, algo como uma...
- É a bunda do Keitarô! Nya-ah-ah-ah-! - Gargalha Kaolla ao perceber primeiro as coisas. De fato o aparelho transmitia o que o seu receptor - no caso a Tiara de Naru - captava.
- Kaolla! - Protesta Shinobu ante a malícia da amiga, com o rosto todo corado.
- É verdade, olha! - Tenta-se defender a inventora da bizarra bola de cristal espiã.
O pessoal se acotovela como pode para enxergar as imagens do diminuto aparelho, menor do que uma TV portátil.
Pelo reflexo da bola de cristal tecnomágica, Yuri está silenciosamente parada, aguardando alguma coisa. Motoko está ajoelhada, mas com sua espada a postos. E Naru está olhando Keitarô de costas, de joelhos, escondido. Só que pelo seu ângulo de visão, ela estava focalizando o traseiro dele, que parecia ser maior do que era na realidade.
Depois Naru parece conversar baixinho com ele. Keitarô se volta e o cristal dá um close na cara dele. De tão perto que está, o rosto do rapaz aparenta estar maior e a curvatura da bola de cristal o faz ficar com aparência de um hamster bochechudo, o que fez arrancar gargalhadas involuntárias da Kaolla, Kitsune, Sarah e até da Mutsumi.
Kaolla faz mais alguns ajustes no bizarro engenho e logo ele é capaz de captar não apenas as imagens, mas também os sons e ruídos por perto.
Keitarô e Naru estão trocando algumas impressões sobre o cheiro da cabana onde estão e sobre as construções orcs, só que Yuri faz um gesto para ficarem quietos, pois o local não era totalmente seguro.
Em seguida, a loira volta a olhar pela luneta - ainda desativada - e faz um sinal para Motoko, Naru e Keitarô se aproximarem.
Eles começam a espiar através das frestas da danificada parede do barraco até então deserto.
Pela visão da Naru, o pessoal restante que ficou esperando na saída do paredão sudoeste testemunha a aparição de dois líderes orcs acompanhados de um pequeno pelotão de escolta de soldados de elite.
O primeiro líder era maior e mais forte do que os demais e trajava uma veste blindada feita de peças retiradas de armaduras humanas. Ele carregava uma enorme espada e uma adaga que - de tão grande - parecia um facão.
Ao lado dele estava um orc idoso, trajando uma pele de urso e com o corpo coberto de cicatrizes e tatuagens rituais. Ele carregava um cajado com uma caveira cravada em cima do mesmo e sob o seu ombro repousava um corvo enorme, seu animal de estimação. Decerto devia ser o shaman ou o feiticeiro da tribo.
Os dois chefes orcs e seus sequazes se dirigiam aos seus lugares - uns assentos de pedra - na clareira da reunião. Eles dão ordens a um mensageiro que toca uma trombeta de chifres. Em instantes, vários oficiais e chefes orcs se juntam a eles, sentando-se de acordo com a sua hierarquia.
Mas o que vem por aí é mais impressionante. Tanto o pessoal que estava escondido na cabana como os que assistiam a cena via bola de cristal da Kaolla ficam surpresos quando vêem aparecer de uma tenda - supostamente para convidados ilustres - um mago e um oficial humanos, bem como quatro seguranças. Dois dos seguranças carregavam um pesado baú de ferro e madeira maciça.
- Sabia que havia sujeira por trás! - Murmura Yuri entre os dentes ao perceber que os guardas humanos usavam o emblema do Barão de Khazar. Instintivamente, ela retira a trava de segurança e aperta um dispositivo que ativa a magia presente na luneta para registrar o que ela via e ouvia pela frente.
- Finneas! - Exclama Naru e Keitarô ao reconhecerem o jovem mago de sorriso fácil e boa lábia entre os comparsas humanos dos orcs. Imediatamente a sensação de surpresa dá lugar à raiva, quando eles se lembram do bem falante mago os enganando para entregar um pergaminho falso ao perverso Tarsius, seu inimigo.
- Epa, Eu reconheço aquele carinha! Ele tava brigando com o véião do Tarsius, quando deu no pé, assim que chegamos! - Diz Sarah para Kitsune e Mutsumi. Shinobu e Kaolla também acabam confirmando a identidade da figura vestida de vermelho que estava se dirigindo à clareira com um sorriso insincero.
Quando os humanos tomam seus lugares, a reunião tem início. O Shaman toma a palavra, falando na língua comum, sendo observado pelo chefe de guerra com certo ar de cautela e ciúmes:
- Eu, Mogul Blackhand, Shaman dos Quebraossos, cumprimento Finneas, amigo e aliado dos homens de Khazar. Que nossa reunião tenha início! - Diz formalmente o shaman.
- É uma imensa honra estar com valorosos aliados à nossa causa! - Responde astutamente Finneas. Ele sabia que os orcs eram aliados muito melindrosos e instáveis e tinha que mantê-los na linha.
- Vocês trouxeram o combinado? - Pergunta rispidamente o chefe de guerra orc, cansado de tanta "rasgação de seda".
- Sim, excelência Grommir. Aqui está. Também queremos ver as ofertas que arrecadaram na semana passada. - Retruca o oficial que acompanhava Finneas.
A um sinal de Finneas, os seus capangas abrem o enorme baú. Ele está carregado com várias espadas de qualidade superior, tanto curtas como longas. Tais armas eram raras entre os orcs e significavam um símbolo de status aos oficiais que as portavam.
E ele pessoalmente entrega a melhor delas ao chefe de guerra Grommir, que acena com a cabeça, em sinal de contentamento.
Dois guardas orcs abrem um saco trazido por eles e Finneas o examina com satisfação. Dentro do mesmo estavam várias jóias e moedas - produtos dos saques das caravanas vindas de Smallville.
- Aquele tratante... Está negociando armas com os orcs... - Murmura indignada Narusegawa, percebendo a transação sem palavras.
- Shhh, por favor, fale baixo. - Sussurra Yuri. Embora a poção fosse eficiente para ocultar a presença, não era eficaz para reduzir ruídos e vozes.
Depois da troca de gentilezas, a reunião toma novo rumo e os participantes começam a discutir assuntos mais sérios:
- Excelência, eu gostaria de lembrá-lo de que o Barão deseja uma porcentagem das mercadorias das caravanas saqueadas. Onde elas estão? - Pergunta Finneas com a sua voz melíflua e algo efeminada.
- Grommir somente entrega mercadorias se Khazar oferecer mais armas e munições para guerra contra a cidade pequena. - Responde Grommir com a sua rudeza que lhe é peculiar.
- É por isto que deseja conversar com o barão pessoalmente hoje à tarde? - Certifica-se o melindroso mago.
- Sim. Grommir ajuda barão, mas barão tem que ajudar Grommir. Nós juntos vamos saquear cidade da fronteira. - Responde o chefe de guerra orc, mostrando claramente as suas intenções.
- Poderemos contar com quantos soldados para o ataque?
- Hoje Grommir tem quatrocentos e cinqüenta guerreiros dos rancapeles e quebraossos. Se as tribos dos presasdesangue e lobosfamintos aderirem à causa, Grommir terá setecentos guerreiros. - Explica o líder orc, aludindo a duas tribos vizinhas que poderiam ser aliadas em potencial.
- Bem, a coisa está melhorando, mas precisamos de mais... - Admite o representante de Khazar.
- Barão pede muito em pouco tempo. Não é fácil recrutar guerreiros. Depois a cidade é fraca. Poucos soldados contra guerreiros orcs... - Se dependesse de Grommir, o ataque já teria acontecido. Os seus soldados estavam ansiosos para cruzar a fronteira e fazer um reide com tudo contra a quase desprotegida cidade.
- Precisamos garantir que tudo vai dar certo. Além dos homens de Eldrick teremos que ter certeza que iremos derrotar o exército do barão de Stromgald, que são os mais perigosos. - Comenta Finneas.
- Grommir sabe disto, mas pra Grommir mandar exército além de fronteira, precisa de muita comida e armas para soldados... - Agora Grommir deixa claro que não era apenas uma besta descerebrada, mas tinha um bocado de tino comercial.
- Isto pode ser providenciado. O nosso barão pode fornecer o que desejar... comida, armaduras, animais de carga e máquinas de cerco. - Finneas aparentemente recua, mas no fundo ele já estava ciente das exigências de seus temperamentais aliados.
Neste momento, um fato desagradável vem a acontecer. Um guarda orc que assistia de longe à reunião, entra no depósito fingindo como se estivesse procurando algo.
Na realidade, este sentinela estava entediado com a lenga-lenga e queria procurar um local para tirar um cochilo sem ser visto.
Yuri fica alarmada. Se aquele imbecil encostasse um mínimo que fosse nela ou nos outros, iria cancelar o efeito da poção de ocultamento.
Motoko - percebendo a enrascada - prepara a sua espada, mas Yuri faz um gesto silencioso de não intervir.
Com uma resolução incomum, a loira saca um punhal afiado da bainha em sua cintura. O seu plano é matar o guarda sem que ele possa soltar um grito.
Feito isto, todos fugiriam o mais rápido dali. Quando descobrissem o cadáver, eles estariam longe desta maldita aldeia.
Só que o guarda se desvia de seu rumo e caminha em direção onde Naru e Keitarô estão - ajoelhados no chão e um ao lado do outro. Os dois tentam recuar antes que o orc esbarre neles. Só que Naru pisa em falso no chão irregular da cabana e empurra Keitarô em direção ao vigia orc, causando um grande barulho.
- Ouch! - Keitarô solta um grito enquanto cai perto do guarda, que o olha com uma expressão de incredulidade.
Yuri solta um palavrão entre os dentes e a Motoko saca sua espada, ciente de que o plano falhara.
Este erro desastroso é o suficiente para atrair a atenção do guarda orc que descobre as fisionomias assustadas de Naru e o Keitarô, já que o tropeção de ambos anulou as propriedades da poção.
Sem titubear, Yuri avança com a adaga e corta a garganta do orc num movimento preciso. Ele cai pesadamente no chão. Contudo, a cena é suficiente para arrancar um grito de medo da Narusegawa.
Um alvoroço toma conta de toda a clareira.
- Intrusos! Espiões! Peguem-nos! - Grita um dos oficiais orcs, enquanto os líderes tentam manter a calma.
- Errr. Foi mal, gente! - Diz Narusegawa, ao ver a confusão instalada por sua causa.
Keitarô e Naru mal têm tempo de fechar a porta, antes que vários soldados orcs entrem na cabana.
Lanças e machados atravessam a frágil porta de madeira, no intento de pegar os espiões acuados em sua própria armadilha.
- Iiiikh, perdão Yuri! A gente!... - Grita Keitarô sem saber o que fazer.
- Yuri-san! Perdoe-nos! - Exclama uma lacrimosa Naru, sabendo que a sua chance de escapar era nula.
- Protejam-se! Nós vender caro a nossa pele - Diz a loira assumindo posição de combate.
Yuri dispara em rápida sucessão dois projéteis de besta contra os primeiros invasores que conseguem derrubar a porta, enquanto a furiosa Motoko e uma desesperada Naru despacham os outros inimigos com socos e golpes de espada.
Keitarô quase não acerta ninguém, tremendo como uma vara verde ante a assoladora superioridade numérica do inimigo.
No instante seguinte, quase uma dezena de atacantes é jogada longe com uma execução perfeita do Zan-Kuu-Sen da Motoko. O ataque é suficiente para derrubar toda a parede mal-construída do depósito, fazendo o grupo ficar à vista de todos.
Ganhando novo ânimo, Naru e Yuri repelem outros soldados orcs, derrotando-os. O Naru-Punch faz voar os humanóides esverdeados pelos ares, enquanto Yuri dispara suas setas como se não houvesse um amanhã.
Um lanceiro orc tenta investir contra Naru, mas esta se esquiva e nocautea o monstro jogando-o contra outros soldados, como se fossem pinos de boliche.
Keitarô cria um pouco de coragem e consegue golpear três orcs, com o seu cajado, mantendo-os afastados.
- Mas que diabos!... - Exclama Finneas enquanto tenta encontrar um abrigo seguro no meio da confusão. A clareira parecia um formigueiro aberto.
- Ataquem, ataquem! Não deixem os intrusos escaparem! - Grita freneticamente Grommir tentando chamar os seus chieftains e guerreiros de elite.
- Eu vou lidar com os intrusos. - Diz calmamente Mogul, se dirigindo ao local, ao perceber que os soldados não estavam dando conta dos aventureiros.
- Como pretende lidar com eles, velho? Mal consegue endireitar seus ossos! - Indaga sarcasticamente Grommir. Estava claro que existia uma antipatia entre ambos, moderada apenas pela sua ganância mútua e pelas conveniências políticas do momento.
- Já disse. Vou lidar com eles. - Responde secamente Mogul empunhando seu cajado.
Os olhos de Motoko brilham de raiva a cada golpe desferido. Sabe muito bem que - tanto ela como os outros - não tem escapatória, por estarem cercados em pleno centro da cidadela. Mas a hábil guerreira do estilo Shinmei-ryu pretende levar o máximo de inimigos juntos com ela.
A Samurai vê Mogul se aproximando. Curiosamente os guerreiros do inimigo dão passagem ao idoso shaman, em sinal de respeito.
Só que Motoko ataca primeiro, desferindo outro Zan-Kuu-Sen na direção do feiticeiro orc, esperando derrubá-lo no primeiro ataque.
Para sua surpresa, Mogul anula o poderoso golpe com uma barreira mágica erguida com o seu cajado primitivo.
A magia dos shamans orcs podia ser primitiva, mas era altamente eficaz.
Até Naru e Keitarô ficam de queixo caído com o bloqueio da apurada técnica da Motoko.
Em seguida, Mogul invoca a versão orc da magia arcana "Aura de Medo" contra Motoko, antes que ela possa atacar de novo.
- Nãããoooo... Tartarugas, não! - Motoko grita em Pânico, largando a sua espada, ao ver o seu pesadelo por todos os lados, tendo sido pega desprevenida por esta magia simples e eficaz.
- Não, Motoko, isto é uma ilusão! - Tenta dizer inutilmente Yuri.
Mas a jovem está por demais aterrorizada para dar ouvidos e cai no chão, inconsciente e sem mais capacidade de reação.
Naru fica furiosa, e antes que Keitarô o impeça, ela corre em direção ao feiticeiro, pronta para dar um poderoso Naru-Punch. Só que o velho conjurador se desvia do golpe e com um só golpe de cajado a põe fora de combate, causando espanto e respeito nos soldados orcs.
- Narusegawa! Não! - Keitarô pensa em fazer algo desesperado, mas percebe que tanto ele como Yuri estão cercados por mais de trinta orcs armados até os dentes.
- O Jogo acabou, Keitarô... - Yuri deixa cair a sua besta em sinal de impotência, rendendo-se. Keitarô faz o mesmo com o seu cajado.
Os orcs se aproximam e em seguida, apontam dezenas de lanças e machados para os aventureiros fracassados, que são desarmados e amarrados com muita brutalidade.
- Devemos matá-los? - Pergunta um capitão dos orcs a Grommir. Os orcs não eram conhecidos por sua compaixão.
Neste momento, o cruel líder guerreiro fixa os olhos nos prisioneiros. A mulher de cabelos negros compridos é meio branca e esquisitona para ele. A loira de cabelos curtos é muito perigosa para o seu gosto e precisaria ser eliminada. Já a jovem ruiva... Apesar de ser magrinha, era um tipo exótico e atraente.
Um brilho de satisfação ilumina a mente do líder orc, que começa a esquematizar pensamentos devassos.
- Não! Levem-nos ao calabouço. Depois decidiremos o que faremos com eles! O que tem a dizer, feiticeiro? - Grommir fita seu desafeto Mogul, como se perguntasse: "Você não está querendo me contrariar, não é, seu feiticeiro de meia tigela?"
- Os cativos somente devem ser sacrificados ao término das festividades. E hoje será um dia de festa com a vinda do grande Khazar, nosso aliado! - Responde salomonicamente o shaman, que já entendera as pretensões de Grommir.
- Caros aliados, estes humanos vis precisam ser interrogados! Com certeza devem estar a mando de Eldrick ou do barão de Stromgald... Temos que arrancar as informações deles antes de serem mortos! - Tenta intervir Finneas, usando de sua lábia.
- Querem que nossos verdugos os interroguem? - Pergunta Grommir.
- Hummm... Agradeço a oferta, nobre e generoso Grommir, mas quando o barão de Khazar chegar, ele saberá convencê-los a cooperar com a gente. - Finneas habilmente recusa, pois sabe que os torturadores de Grommir iriam reduzir o quarteto a pedacinhos antes que arrancassem alguma informação útil.
- Que seja, amigo Finneas. Mas antes que o Sol nasça amanhã, eles não poderão estar vivos! - Conclui o líder orc cerrando os punhos com ódio, embora já planejasse algo em sua mente.
- Certo, grande líder! - Responde o capitão dos orcs fazendo uma continência.
Minutos mais tarde, o desventurado quarteto de aventureiros é levado para uma espécie de calabouço construído no interior de uma das cavernas do platô.
O local é úmido e mal-cheiroso, e alguns esqueletos espalhados pelos cubículos demonstram a humanidade com que os orcs tratam seus inimigos.
Com brutalidade, Yuri, Keitarô, Naru e Motoko são jogados numa prisão com barras de ferro enferrujadas. As armas que eles usavam foram confiscadas e colocadas num baú na entrada do calabouço. Todos estão com os braços amarrados nas costas.
- Yuri, eu sinto muito... - Tenta desculpar-se Naru com uma cara de choro.
- Shhh... Já passou, Naru. A culpa não foi sua. Só nos resta aguardar os acontecimentos e torcer para que os outros tenham percebido a luta. - Resigna-se Yuri.
- Maldito seja aquele feiticeiro orc! Se não tivesse usado... - A jovem Aoyama já havia se recuperado do feitiço lançado por Mogul, mas o seu orgulho estava ferido por ter caído num truque tão óbvio.
- Acalme-se Motoko. Temos que guardar as nossas energias para logo mais tarde. - Tenta consolar inutilmente a loira, sabendo do destino que os reserva.
- O que vai ser da gente, Yuri? - Pergunta Keitarô.
- Se fosse pelos orcs, a gente já teria virado comida de lobo. Obviamente o lacaio do Finneas vai querer arrancar informações. Enquanto isto não acontece, ficaremos vivos, por enquanto... - Explica Yuri, imaginando o que se passa na mente dos líderes orcs e do aliado de Khazar.
- Ah, se aquele mago miserável aparecer, eu juro que... - A expressão de Naru muda de decepção para raiva ao ouvir o nome do mago que os enganara.
- Shhhh. Silêncio, eu estou ouvindo passos... - Sussurra Motoko, alerta como sempre.
Em poucos instantes, a porta se abre. É Grommir, acompanhado de três de seus guardas de elite. A um gesto dele, os seus soldados entram na jaula e desamarram Yuri e Motoko, colocando-as em cadeias de ferro colocadas na parede, imobilizando-as. Ele não queria correr riscos.
Keitarô e Naru são colocados em correntes "um pouco mais confortáveis", ou seja, um pouco mais compridas, possibilitando um mínimo de movimentos.
- Hohoho, então vocês são os vermes humanos que vieram nos espiar? Hoje vocês saberão o que significa desafiar Grommir, o poderoso! - Fala o chefe de guerra, ostentando um tom de falsa piedade.
- Solte-nos e você verá o que é poder! - Indigna-se Motoko tentando inutilmente livrar-se das correntes de ferro.
- Isto é algo que não posso conceder, humana. Você e seus amigos mataram nove e feriram dezessete de meus guerreiros... Se hoje não fosse um dia especial, vocês já estariam mortos... Exceto, talvez, por esta atraente fêmea ruiva... - Rosna Grommir olhando com malícia para o corpo da linda Narusegawa.
- Não ouse tocar suas patas imundas em mim, seu macaco verde! - Naru se exalta. Se não estivesse presa, aquele orc petulante iria sentir o gosto do Naru-Punch.
- Hummmm... É bravinha, não? Após a cerimônia, eu irei te "domar" de forma adequada! Hahahahah! - Grommir fica ainda mais assanhado ao perceber que pegara no ponto fraco de sua presa.
- Cerimônia? - Pergunta Keitarô, com o seu baixo senso de sutileza.
- Sim. A cerimônia de casamento. Alegre-se, Ruiva, por sua beleza ter despertado minha graça e misericórdia, pois o seu destino será MUITO melhor do que os seus amigos! - Grommir dá uma sonora gargalhada.
- O quê? - Os olhos de Naru se arregalam, não acreditando no que ouvira.
Grommir se aproxima, arreganhando os seus lábios como que quisesse beijar Narusegawa. Ela fica tão aterrorizada diante daquela bocarra imensa e de insuportável mau-hálito, que não esboça reação, tentando se desviar ao máximo do gigantesco orc.
- Não, por favor, não ouse... - Tenta implorar inutilmente a ruiva à medida que os lábios do líder orc se aproximam de sua boca.
- Deixe a Narusegawa em paz, seu... gorila verde! - Keitarô tenta inutilmente dar uma rasteira em Grommir.
Só que sua desastrosa tentativa apenas deixa-o com uma dor incrível. A perna do líder orc era mais dura do que um carvalho.
A um sinal de Grommir, um de seus homens dá um soco no estômago de Keitarô e ele cai gemendo de dor. Logo, ele é posto a ferros como as outras, ficando totalmente imobilizado na parede. Apenas a Naru pode-se mover, por enquanto.
- Keitarô, não! - Desespera-se Narusegawa. Ela não pode atacar Grommir, pois sabe que qualquer reação sua pode decretar o fim de seus amigos.
- Lembre-se, ruiva! Sua felicidade ou infelicidade está em suas mãos. Meus servos irão te buscar em breve para prepará-la para a cerimônia. - Fala Grommir, agora num tom mais sério.
Dito isto, o gigante humanóide sai, com a sua escolta. A cela volta a ficar envolta em escuridão com o fechar da porta. Naru chora muito, ciente de um destino que para ela era muito pior do que a morte, sem que possa ser consolada pelos seus amigos.
Minutos mais tarde depois da saída de Grommir, entra com um sorriso sarcástico, o mago Finneas, acompanhado de um obeso carcereiro orc e de seus guarda-costas. Ele reconhece imediatamente Naru e Keitarô, zombando deles:
- Ora, ora. Que temos aqui? Os Dois novatos que se ofereceram para entregar minha pequena carta para Tarsius... Hehehe... Pena que tenham sido contratados pelo lado perdedor - Sorri com sarcasmo o praticante das artes arcanas.
- Seu verme tratante! É por sua culpa que estamos aqui! - Exalta-se Narusegawa, ficando com raiva ao ver o rosto do jovem mago.
- Você é uma garota de sorte! Se comportar bem, poderá escapar de ser executada... Como a mais nova consorte de Grommir... - A voz de Finneas saía insinuante, efeminada e melíflua.
- Você não vai escapar desta, Finneas. Tarsius já era e você irá ser o próximo. - Diz Keitarô, revelando o que acontecera com o inimigo do jovem mago.
- Oh, sim. Já estou sabendo que vocês derrotaram meu velho rival. Apenas fizeram o que havia calculado com minha mente privilegiada... Logo, logo Smallville será um grão de areia perdido na tempestade e eu, Finneas, serei o mais poderoso mago desta região! - Os olhos de Finneas reluzem com o brilho típico da megalomania e da loucura.
- Finneas, por que você está traindo Smallville? É por dinheiro? O que Khazar prometeu a você? - É a vez de Yuri falar.
- Ora, querida Yuri... É óbvio que riquezas e luxos são de meu agrado, mas estamos prestes a alcançar uma meta mais grandiosa. Pena que a maioria de vocês não viverá para testemunhar isto, adeus! - Responde Finneas com um autêntico ar de desprezo. Ele sabia que Yuri era uma profissional e ele não iria dar qualquer informação.
Dando uma sonora gargalhada, Finneas sai do calabouço e se retira com os seus homens para uma espécie de templo de pedra com figuras horrendas entalhadas em suas colunas desgastadas pelo tempo.
O templo sagrado dos orcs era defendido por alguns guardas de confiança de Mogul e uns discípulos que treinavam as artes mágicas junto com o idoso sacerdote.
Aproveitando que Grommir está preocupado nos preparativos com o seu súbito "casamento" com Narusegawa, o astuto feiticeiro vem conversar com o ser colega orc Mogul, que estava entretido em uma espécie de biblioteca com a leitura de pergaminhos feitos de pele de elfos e escritos com sangue anão.
Apenas poucos orcs sabiam ler e escrever, arte pouco apreciada por este povo bárbaro. E Mogul era um deles.
- Finneas! Foi oportuno você ter vindo. - Mogul sentia-se mais à vontade com o jovem mago do que com o seu colega orc, pelo fato de ambos serem praticantes de magia. Apenas um mago poderia compreender o outro, mesmo que fossem inimigos jurados de morte.
- E então, Blackhand? Algum progresso nas escavações da cripta que você descobriu? - Responde de forma vaga e velada o traiçoeiro conselheiro de Khazar.
- Os meus acólitos finalmente decifraram o pergaminho misterioso que encontramos há semanas na cripta subterrânea do templo. Só precisamos de um foco de poder adequado... - Murmura Mogul em voz baixa. Ele sabia há décadas que paredes tem ouvidos.
- Serve a legendária arma Erebus? - Sussurra Finneas no ouvido de Mogul.
- Co-como você sabe da existência de tal... Arma? - A reação de Mogul é de incredulidade e surpresa.
- Eu sei de muitas coisas... A fama de Dralok se estendeu até mesmo pelos outros reinos. - Responde calmamente Finneas.
- Passe-me esta arma! Com ela, o ritual... - Os olhos do idoso líder espiritual dos orcs brilham de impaciência.
- Infelizmente ela não está aqui. Esta arma virá escondida no carregamento de hoje à tarde, por um de meus homens de confiança. Enquanto o imbecil do Grommir estiver preocupado em satisfazer a sua luxúria, eu e você teremos tempo de completarmos o ritual... - Responde com desprezo Finneas.
- Admiro a sua astúcia, mago humano. Com o seu conhecimento e o meu poder, finalmente poderemos trazer o grande Dralok à vida! - Mogul fala com um certo tom de orgulho. Felizmente para ele e Finneas, todos os seus acólitos eram leais a ele e não a Grommir.
- E o que será de nosso "carismático" chefe de guerra? - Pergunta o jovem mago com evidente desprezo.
- Se ele for sensato, aceitará submeter-se a Dralok e a nós. Do contrário terá o mesmo destino de nossos inimigos. Somente Dralok poderá unificar em pouco tempo as tribos da fronteira!
- Antes que me esqueça... Qual será a minha recompensa pela participação neste grande acontecimento?... - Os olhos de Finneas brilham com a luz da ganância. Mesmo um homem de ciência poderia ser facilmente corrompido pelo ouro.
- Além de garantirmos seu salvo-conduto entre os de minha raça, bem como as barras de metal dourado que prometi, pedirei para que o grande Dralok te nomeie chefe dos magos de guerra, um posto jamais concedido desde a Grande Batalha. - Responde Mogul ao seu dúbio aliado.
- Muito bem lembrado.
- Só não se esqueça de omitir certos detalhes do plano para nosso "aliado" Khazar... - Certifica-se o astuto shaman de que o arrogante nobre não saiba mais do que deve. Caso contrário, tanto ele como Finneas estariam mortos.
- Sim, claro. Ele nos será útil apenas como uma marionete... Quando a farsa acabar, ele terá o mesmo destino de Grommir...
Sem dizer mais palavra, Finneas abandona as sombras do sinistro salão e retorna à sua tenda, para repousar um pouco.
Como representante de Khazar, o traiçoeiro mago articulou o plano de convencer os orcs de Grommir a saquearem as caravanas de Smallville, para desestabilizar economicamente a cidade.
Só que Finneas vislumbrara possibilidades maiores do que o seu patrão queria originariamente.
Fazendo amizade com o taciturno shaman Mogul, Finneas descobriu que o idoso líder espiritual estava profundamente insatisfeito com a liderança de Grommir.
Embora o gigantesco orc fosse eficiente como líder militar, era bastante instável e impopular, dependendo apenas de seus soldados para se manter no poder.
Em termos políticos era tão inteligente quanto um ogro em estado berserker.
Foi preciso a intervenção de Mogul para que o obtuso líder orc se convencesse de que a aliança com o barão humano era potencialmente vantajosa.
O esquema funcionava da seguinte forma: Os orcs atacavam apenas as caravanas vindas de Smallville, poupando as que vinham no sentido oposto, dos reinos do deserto.
Eles matavam os guardas e levavam prisioneiros os mercadores e guias, juntos com a sua carga e animais. Os humanos sobreviventes passariam o resto de seus dias trabalhando como escravos nas minas de ferro orcs.
Neste ínterim, o barão enviava um pequeno comboio para a aldeia orc, trocando os cavalos e as mercadorias capturadas por armas, escudos, elmos e suprimentos. Neste esquema, todos lucravam.
A segunda parte do plano consistia em convencer Grommir a se aliar com outras tribos orcs para desfechar um ataque decisivo contra Smallville, atacando as fazendas ao redor e a própria cidade. Neste ínterim, as tropas do Barão de Khazar anexariam todo o território de Smallville, a pretexto de intervir na cidade e impedir os saques. Só que os orcs se retirariam a tempo, conforme previamente combinado.
Caso o Barão de Stromgald intervisse na luta, as tropas orcs e as de Khazar aniquilariam o inimigo comum, contando com a sua vantagem numérica.
O saque total seria dividido em cinqüenta por cento para cada um.
A solução para o problema de liderança seria colocar um novo chefe de guerra orc no poder. Por sorte, Finneas conhecia um encantamento que permitia reviver os mortos desde que usasse como foco da magia um objeto pertencente ao falecido.
Na cripta subterrânea do templo de Mogul descansavam os restos mortais do legendário Dralok. Sua arma Erebus era dada como perdida... Até a semana passada. Ironicamente o poderoso machado estava como troféu de guerra numa sala abandonada no castelo de Khazar, tendo sido redescoberta e discretamente roubada pelo astuto Finneas, com a ajuda de feitiços de identificação.
Embora soubesse perfeitamente que era uma traição o que estava fazendo, a verdade é que o mago estava cansado da prepotência e da estupidez com que o barão o tratava, delegando a ele tarefas ingratas e servis.
Neste ponto, Khazar não era melhor do que Grommir com os seus subordinados.
O ressentimento de Finneas era devido ao fato do barão o trata-lo como mero lacaio sem o devido respeito dado aos magos. Para Khazar, Finneas era como um empregado qualquer, com tanta utilidade quanto uma vassoura.
Ganhando a confiança de Mogul, Finneas esperava matar dois coelhos com uma só cajadada. De um lado ele ajudaria o intrigante Shaman a eliminar Grommir ressuscitando Dralok, o Grande.
E do outro, se livraria da sua dependência de Khazar, ajudando os orcs, em troca de ouro e de artefatos mágicos que o tornariam rico e poderoso.
Com Dralok de volta à vida, ele mais cedo ou mais tarde iria derrubar os baronatos locais da fronteira, acabando por fazer os orcs voltarem à sua antiga glória e terror.
Em sua mente dominada por sonhos de grandeza, o traiçoeiro Finneas não vislumbrava a possibilidade dele mesmo ser traido pelos orcs mais tarde. Afinal de contas, orcs e humanos são inimigos desde gerações e para a mentalidade orc, somente a guerra e a conquista importavam. Eles zombavam da ingenuidade dos humanos em períodos de paz, aonde eles tentavam adulá-los com tentativas de tratados e acordos comerciais.
Ora, os orcs nunca foram detidos com diplomacia, e muito menos com teorias de expansão territorial. Mas sim com sangue, suor, sacrifício e lágrimas.
Para a raça humanóide, a paz era apenas uma curta trégua na longa guerra que eles travavam com as outras raças no domínio da supremacia pelo mundo. A sua crença religiosa impelia-os a reinvidicarem o que lhes era de direito e que foi roubado pelas outras raças, ou seja, quase tudo!
Prisioneiros de Guerra!
Enquanto isto, o pessoal que ficou como apoio na entrada da fenda estava entre preocupado e entediado. Apenas Mutsumi e a Tama-chan mantinham uma certa calma, sem deixar se influenciar pela angústia da espera. A primeira, por ser naturalmente desligada. E a segunda, por não ser humana.
Kaolla e Sarah davam os últimos ajustes na câmera de espionagem que a tecnomaga inventara com o seu kit de inventor. A tal da câmara era uma espécie de bola de cristal presa num painel com vários botões e indicadores luminosos, que ficavam piscando aleatoriamente.
- Sempai... Será que ele e as outras estão bem?... - Pergunta ansiosa a jovem Shinobu, suspirando por sua paixão de adolescência.
- Ah, fica fria, Shinobu, se eles não forem comidos pelos lobos, voltam sãos e salvos daqui a algumas horas! - Diz Kitsune, aproveitando para fazer uma de suas gracinhas.
- Não fale uma coisa destas, nem por brincadeira! - A gozação da garota mais velha somente faz aumentar o nervosismo da menina.
- Hihi, o que vocês estão fazendo, meninas? - Como sempre, Mutsumi entra na conversa, meio que fora do contexto.
- A Kaolla e eu estamos terminando de construir a bola de cristal espiã que vai transmitir em primeira mão o que os agentes Yuri, Naru, Motoko e o bobão do Keitarô estão fazendo!... - Exulta Sarah, com uma expressão orgulhosa no rosto.
- Eheheh, como sempre sou genial. Agora, colocando este cristal aqui e mais um ajuste no botão de imagens... Nya-ah-ah-ah. Está feito. Agora é só... - Kaolla finalmente completa o bizarro aparelho e está mais ansiosa do que nunca para testá-lo.
- Eheheh. Esta engenhoca vem mesmo a calhar. Ei, Mutsumi, Tama e Shinobu. Vamos dar uma espiada no que a tiara da Naru está captando... - Alegra-se Kitsune, ansiosa por novidades, como sempre.
- Será que?... - Shinobu também vai, embora seus motivos sejam mais óbvios.
Kaolla termina de apertar uns botões. Depois liga o estranho aparelho que como sempre, tem o logotipo dos três olhos, sua marca registrada. O pessoal tenta se aglomerar como pode em frente à diminuta bola de cristal que serve de visor.
- Dá licença, Sarah, quero também ver! - Contorce-se toda Kaolla, tentando tomar o lugar da menina.
- Ah, eu ajudei você, quero ser a primeira! - Protesta a loira, não querendo ceder o seu espaço.
- Será que o Keitarô-sempai?... - Shinobu também estava no meio do empurra-empurra.
- Hihi, não briguem, meninas! - Apenas Mutsumi se mantinha à parte da discussão.
- Hohoho! Até que emfim alguma diversão! Esta viagem já estava ficando monótona para mim! - Sorri Kitsune, imaginando algumas coisas que poderiam estar acontecendo entre as suas amigas e o Keitarô.
A imagem parece trêmula e turva a princípio. Kaolla aperta freneticamente alguns botões, sem muito resultado, e em seguida dá um forte soco na base da bola de cristal, de pura raiva. Finalmente, aparece a primeira imagem:
- Ué, não tou entendendo nada... O que a Naru está olhan... - Kitsune abre ambos os olhos, intrigada, ao ver uma estranha superfície roliça, algo como uma...
- É a bunda do Keitarô! Nya-ah-ah-ah-! - Gargalha Kaolla ao perceber primeiro as coisas. De fato o aparelho transmitia o que o seu receptor - no caso a Tiara de Naru - captava.
- Kaolla! - Protesta Shinobu ante a malícia da amiga, com o rosto todo corado.
- É verdade, olha! - Tenta-se defender a inventora da bizarra bola de cristal espiã.
O pessoal se acotovela como pode para enxergar as imagens do diminuto aparelho, menor do que uma TV portátil.
Pelo reflexo da bola de cristal tecnomágica, Yuri está silenciosamente parada, aguardando alguma coisa. Motoko está ajoelhada, mas com sua espada a postos. E Naru está olhando Keitarô de costas, de joelhos, escondido. Só que pelo seu ângulo de visão, ela estava focalizando o traseiro dele, que parecia ser maior do que era na realidade.
Depois Naru parece conversar baixinho com ele. Keitarô se volta e o cristal dá um close na cara dele. De tão perto que está, o rosto do rapaz aparenta estar maior e a curvatura da bola de cristal o faz ficar com aparência de um hamster bochechudo, o que fez arrancar gargalhadas involuntárias da Kaolla, Kitsune, Sarah e até da Mutsumi.
Kaolla faz mais alguns ajustes no bizarro engenho e logo ele é capaz de captar não apenas as imagens, mas também os sons e ruídos por perto.
Keitarô e Naru estão trocando algumas impressões sobre o cheiro da cabana onde estão e sobre as construções orcs, só que Yuri faz um gesto para ficarem quietos, pois o local não era totalmente seguro.
Em seguida, a loira volta a olhar pela luneta - ainda desativada - e faz um sinal para Motoko, Naru e Keitarô se aproximarem.
Eles começam a espiar através das frestas da danificada parede do barraco até então deserto.
Pela visão da Naru, o pessoal restante que ficou esperando na saída do paredão sudoeste testemunha a aparição de dois líderes orcs acompanhados de um pequeno pelotão de escolta de soldados de elite.
O primeiro líder era maior e mais forte do que os demais e trajava uma veste blindada feita de peças retiradas de armaduras humanas. Ele carregava uma enorme espada e uma adaga que - de tão grande - parecia um facão.
Ao lado dele estava um orc idoso, trajando uma pele de urso e com o corpo coberto de cicatrizes e tatuagens rituais. Ele carregava um cajado com uma caveira cravada em cima do mesmo e sob o seu ombro repousava um corvo enorme, seu animal de estimação. Decerto devia ser o shaman ou o feiticeiro da tribo.
Os dois chefes orcs e seus sequazes se dirigiam aos seus lugares - uns assentos de pedra - na clareira da reunião. Eles dão ordens a um mensageiro que toca uma trombeta de chifres. Em instantes, vários oficiais e chefes orcs se juntam a eles, sentando-se de acordo com a sua hierarquia.
Mas o que vem por aí é mais impressionante. Tanto o pessoal que estava escondido na cabana como os que assistiam a cena via bola de cristal da Kaolla ficam surpresos quando vêem aparecer de uma tenda - supostamente para convidados ilustres - um mago e um oficial humanos, bem como quatro seguranças. Dois dos seguranças carregavam um pesado baú de ferro e madeira maciça.
- Sabia que havia sujeira por trás! - Murmura Yuri entre os dentes ao perceber que os guardas humanos usavam o emblema do Barão de Khazar. Instintivamente, ela retira a trava de segurança e aperta um dispositivo que ativa a magia presente na luneta para registrar o que ela via e ouvia pela frente.
- Finneas! - Exclama Naru e Keitarô ao reconhecerem o jovem mago de sorriso fácil e boa lábia entre os comparsas humanos dos orcs. Imediatamente a sensação de surpresa dá lugar à raiva, quando eles se lembram do bem falante mago os enganando para entregar um pergaminho falso ao perverso Tarsius, seu inimigo.
- Epa, Eu reconheço aquele carinha! Ele tava brigando com o véião do Tarsius, quando deu no pé, assim que chegamos! - Diz Sarah para Kitsune e Mutsumi. Shinobu e Kaolla também acabam confirmando a identidade da figura vestida de vermelho que estava se dirigindo à clareira com um sorriso insincero.
Quando os humanos tomam seus lugares, a reunião tem início. O Shaman toma a palavra, falando na língua comum, sendo observado pelo chefe de guerra com certo ar de cautela e ciúmes:
- Eu, Mogul Blackhand, Shaman dos Quebraossos, cumprimento Finneas, amigo e aliado dos homens de Khazar. Que nossa reunião tenha início! - Diz formalmente o shaman.
- É uma imensa honra estar com valorosos aliados à nossa causa! - Responde astutamente Finneas. Ele sabia que os orcs eram aliados muito melindrosos e instáveis e tinha que mantê-los na linha.
- Vocês trouxeram o combinado? - Pergunta rispidamente o chefe de guerra orc, cansado de tanta "rasgação de seda".
- Sim, excelência Grommir. Aqui está. Também queremos ver as ofertas que arrecadaram na semana passada. - Retruca o oficial que acompanhava Finneas.
A um sinal de Finneas, os seus capangas abrem o enorme baú. Ele está carregado com várias espadas de qualidade superior, tanto curtas como longas. Tais armas eram raras entre os orcs e significavam um símbolo de status aos oficiais que as portavam.
E ele pessoalmente entrega a melhor delas ao chefe de guerra Grommir, que acena com a cabeça, em sinal de contentamento.
Dois guardas orcs abrem um saco trazido por eles e Finneas o examina com satisfação. Dentro do mesmo estavam várias jóias e moedas - produtos dos saques das caravanas vindas de Smallville.
- Aquele tratante... Está negociando armas com os orcs... - Murmura indignada Narusegawa, percebendo a transação sem palavras.
- Shhh, por favor, fale baixo. - Sussurra Yuri. Embora a poção fosse eficiente para ocultar a presença, não era eficaz para reduzir ruídos e vozes.
Depois da troca de gentilezas, a reunião toma novo rumo e os participantes começam a discutir assuntos mais sérios:
- Excelência, eu gostaria de lembrá-lo de que o Barão deseja uma porcentagem das mercadorias das caravanas saqueadas. Onde elas estão? - Pergunta Finneas com a sua voz melíflua e algo efeminada.
- Grommir somente entrega mercadorias se Khazar oferecer mais armas e munições para guerra contra a cidade pequena. - Responde Grommir com a sua rudeza que lhe é peculiar.
- É por isto que deseja conversar com o barão pessoalmente hoje à tarde? - Certifica-se o melindroso mago.
- Sim. Grommir ajuda barão, mas barão tem que ajudar Grommir. Nós juntos vamos saquear cidade da fronteira. - Responde o chefe de guerra orc, mostrando claramente as suas intenções.
- Poderemos contar com quantos soldados para o ataque?
- Hoje Grommir tem quatrocentos e cinqüenta guerreiros dos rancapeles e quebraossos. Se as tribos dos presasdesangue e lobosfamintos aderirem à causa, Grommir terá setecentos guerreiros. - Explica o líder orc, aludindo a duas tribos vizinhas que poderiam ser aliadas em potencial.
- Bem, a coisa está melhorando, mas precisamos de mais... - Admite o representante de Khazar.
- Barão pede muito em pouco tempo. Não é fácil recrutar guerreiros. Depois a cidade é fraca. Poucos soldados contra guerreiros orcs... - Se dependesse de Grommir, o ataque já teria acontecido. Os seus soldados estavam ansiosos para cruzar a fronteira e fazer um reide com tudo contra a quase desprotegida cidade.
- Precisamos garantir que tudo vai dar certo. Além dos homens de Eldrick teremos que ter certeza que iremos derrotar o exército do barão de Stromgald, que são os mais perigosos. - Comenta Finneas.
- Grommir sabe disto, mas pra Grommir mandar exército além de fronteira, precisa de muita comida e armas para soldados... - Agora Grommir deixa claro que não era apenas uma besta descerebrada, mas tinha um bocado de tino comercial.
- Isto pode ser providenciado. O nosso barão pode fornecer o que desejar... comida, armaduras, animais de carga e máquinas de cerco. - Finneas aparentemente recua, mas no fundo ele já estava ciente das exigências de seus temperamentais aliados.
Neste momento, um fato desagradável vem a acontecer. Um guarda orc que assistia de longe à reunião, entra no depósito fingindo como se estivesse procurando algo.
Na realidade, este sentinela estava entediado com a lenga-lenga e queria procurar um local para tirar um cochilo sem ser visto.
Yuri fica alarmada. Se aquele imbecil encostasse um mínimo que fosse nela ou nos outros, iria cancelar o efeito da poção de ocultamento.
Motoko - percebendo a enrascada - prepara a sua espada, mas Yuri faz um gesto silencioso de não intervir.
Com uma resolução incomum, a loira saca um punhal afiado da bainha em sua cintura. O seu plano é matar o guarda sem que ele possa soltar um grito.
Feito isto, todos fugiriam o mais rápido dali. Quando descobrissem o cadáver, eles estariam longe desta maldita aldeia.
Só que o guarda se desvia de seu rumo e caminha em direção onde Naru e Keitarô estão - ajoelhados no chão e um ao lado do outro. Os dois tentam recuar antes que o orc esbarre neles. Só que Naru pisa em falso no chão irregular da cabana e empurra Keitarô em direção ao vigia orc, causando um grande barulho.
- Ouch! - Keitarô solta um grito enquanto cai perto do guarda, que o olha com uma expressão de incredulidade.
Yuri solta um palavrão entre os dentes e a Motoko saca sua espada, ciente de que o plano falhara.
Este erro desastroso é o suficiente para atrair a atenção do guarda orc que descobre as fisionomias assustadas de Naru e o Keitarô, já que o tropeção de ambos anulou as propriedades da poção.
Sem titubear, Yuri avança com a adaga e corta a garganta do orc num movimento preciso. Ele cai pesadamente no chão. Contudo, a cena é suficiente para arrancar um grito de medo da Narusegawa.
Um alvoroço toma conta de toda a clareira.
- Intrusos! Espiões! Peguem-nos! - Grita um dos oficiais orcs, enquanto os líderes tentam manter a calma.
- Errr. Foi mal, gente! - Diz Narusegawa, ao ver a confusão instalada por sua causa.
Keitarô e Naru mal têm tempo de fechar a porta, antes que vários soldados orcs entrem na cabana.
Lanças e machados atravessam a frágil porta de madeira, no intento de pegar os espiões acuados em sua própria armadilha.
- Iiiikh, perdão Yuri! A gente!... - Grita Keitarô sem saber o que fazer.
- Yuri-san! Perdoe-nos! - Exclama uma lacrimosa Naru, sabendo que a sua chance de escapar era nula.
- Protejam-se! Nós vender caro a nossa pele - Diz a loira assumindo posição de combate.
Yuri dispara em rápida sucessão dois projéteis de besta contra os primeiros invasores que conseguem derrubar a porta, enquanto a furiosa Motoko e uma desesperada Naru despacham os outros inimigos com socos e golpes de espada.
Keitarô quase não acerta ninguém, tremendo como uma vara verde ante a assoladora superioridade numérica do inimigo.
No instante seguinte, quase uma dezena de atacantes é jogada longe com uma execução perfeita do Zan-Kuu-Sen da Motoko. O ataque é suficiente para derrubar toda a parede mal-construída do depósito, fazendo o grupo ficar à vista de todos.
Ganhando novo ânimo, Naru e Yuri repelem outros soldados orcs, derrotando-os. O Naru-Punch faz voar os humanóides esverdeados pelos ares, enquanto Yuri dispara suas setas como se não houvesse um amanhã.
Um lanceiro orc tenta investir contra Naru, mas esta se esquiva e nocautea o monstro jogando-o contra outros soldados, como se fossem pinos de boliche.
Keitarô cria um pouco de coragem e consegue golpear três orcs, com o seu cajado, mantendo-os afastados.
- Mas que diabos!... - Exclama Finneas enquanto tenta encontrar um abrigo seguro no meio da confusão. A clareira parecia um formigueiro aberto.
- Ataquem, ataquem! Não deixem os intrusos escaparem! - Grita freneticamente Grommir tentando chamar os seus chieftains e guerreiros de elite.
- Eu vou lidar com os intrusos. - Diz calmamente Mogul, se dirigindo ao local, ao perceber que os soldados não estavam dando conta dos aventureiros.
- Como pretende lidar com eles, velho? Mal consegue endireitar seus ossos! - Indaga sarcasticamente Grommir. Estava claro que existia uma antipatia entre ambos, moderada apenas pela sua ganância mútua e pelas conveniências políticas do momento.
- Já disse. Vou lidar com eles. - Responde secamente Mogul empunhando seu cajado.
Os olhos de Motoko brilham de raiva a cada golpe desferido. Sabe muito bem que - tanto ela como os outros - não tem escapatória, por estarem cercados em pleno centro da cidadela. Mas a hábil guerreira do estilo Shinmei-ryu pretende levar o máximo de inimigos juntos com ela.
A Samurai vê Mogul se aproximando. Curiosamente os guerreiros do inimigo dão passagem ao idoso shaman, em sinal de respeito.
Só que Motoko ataca primeiro, desferindo outro Zan-Kuu-Sen na direção do feiticeiro orc, esperando derrubá-lo no primeiro ataque.
Para sua surpresa, Mogul anula o poderoso golpe com uma barreira mágica erguida com o seu cajado primitivo.
A magia dos shamans orcs podia ser primitiva, mas era altamente eficaz.
Até Naru e Keitarô ficam de queixo caído com o bloqueio da apurada técnica da Motoko.
Em seguida, Mogul invoca a versão orc da magia arcana "Aura de Medo" contra Motoko, antes que ela possa atacar de novo.
- Nãããoooo... Tartarugas, não! - Motoko grita em Pânico, largando a sua espada, ao ver o seu pesadelo por todos os lados, tendo sido pega desprevenida por esta magia simples e eficaz.
- Não, Motoko, isto é uma ilusão! - Tenta dizer inutilmente Yuri.
Mas a jovem está por demais aterrorizada para dar ouvidos e cai no chão, inconsciente e sem mais capacidade de reação.
Naru fica furiosa, e antes que Keitarô o impeça, ela corre em direção ao feiticeiro, pronta para dar um poderoso Naru-Punch. Só que o velho conjurador se desvia do golpe e com um só golpe de cajado a põe fora de combate, causando espanto e respeito nos soldados orcs.
- Narusegawa! Não! - Keitarô pensa em fazer algo desesperado, mas percebe que tanto ele como Yuri estão cercados por mais de trinta orcs armados até os dentes.
- O Jogo acabou, Keitarô... - Yuri deixa cair a sua besta em sinal de impotência, rendendo-se. Keitarô faz o mesmo com o seu cajado.
Os orcs se aproximam e em seguida, apontam dezenas de lanças e machados para os aventureiros fracassados, que são desarmados e amarrados com muita brutalidade.
- Devemos matá-los? - Pergunta um capitão dos orcs a Grommir. Os orcs não eram conhecidos por sua compaixão.
Neste momento, o cruel líder guerreiro fixa os olhos nos prisioneiros. A mulher de cabelos negros compridos é meio branca e esquisitona para ele. A loira de cabelos curtos é muito perigosa para o seu gosto e precisaria ser eliminada. Já a jovem ruiva... Apesar de ser magrinha, era um tipo exótico e atraente.
Um brilho de satisfação ilumina a mente do líder orc, que começa a esquematizar pensamentos devassos.
- Não! Levem-nos ao calabouço. Depois decidiremos o que faremos com eles! O que tem a dizer, feiticeiro? - Grommir fita seu desafeto Mogul, como se perguntasse: "Você não está querendo me contrariar, não é, seu feiticeiro de meia tigela?"
- Os cativos somente devem ser sacrificados ao término das festividades. E hoje será um dia de festa com a vinda do grande Khazar, nosso aliado! - Responde salomonicamente o shaman, que já entendera as pretensões de Grommir.
- Caros aliados, estes humanos vis precisam ser interrogados! Com certeza devem estar a mando de Eldrick ou do barão de Stromgald... Temos que arrancar as informações deles antes de serem mortos! - Tenta intervir Finneas, usando de sua lábia.
- Querem que nossos verdugos os interroguem? - Pergunta Grommir.
- Hummm... Agradeço a oferta, nobre e generoso Grommir, mas quando o barão de Khazar chegar, ele saberá convencê-los a cooperar com a gente. - Finneas habilmente recusa, pois sabe que os torturadores de Grommir iriam reduzir o quarteto a pedacinhos antes que arrancassem alguma informação útil.
- Que seja, amigo Finneas. Mas antes que o Sol nasça amanhã, eles não poderão estar vivos! - Conclui o líder orc cerrando os punhos com ódio, embora já planejasse algo em sua mente.
- Certo, grande líder! - Responde o capitão dos orcs fazendo uma continência.
Minutos mais tarde, o desventurado quarteto de aventureiros é levado para uma espécie de calabouço construído no interior de uma das cavernas do platô.
O local é úmido e mal-cheiroso, e alguns esqueletos espalhados pelos cubículos demonstram a humanidade com que os orcs tratam seus inimigos.
Com brutalidade, Yuri, Keitarô, Naru e Motoko são jogados numa prisão com barras de ferro enferrujadas. As armas que eles usavam foram confiscadas e colocadas num baú na entrada do calabouço. Todos estão com os braços amarrados nas costas.
- Yuri, eu sinto muito... - Tenta desculpar-se Naru com uma cara de choro.
- Shhh... Já passou, Naru. A culpa não foi sua. Só nos resta aguardar os acontecimentos e torcer para que os outros tenham percebido a luta. - Resigna-se Yuri.
- Maldito seja aquele feiticeiro orc! Se não tivesse usado... - A jovem Aoyama já havia se recuperado do feitiço lançado por Mogul, mas o seu orgulho estava ferido por ter caído num truque tão óbvio.
- Acalme-se Motoko. Temos que guardar as nossas energias para logo mais tarde. - Tenta consolar inutilmente a loira, sabendo do destino que os reserva.
- O que vai ser da gente, Yuri? - Pergunta Keitarô.
- Se fosse pelos orcs, a gente já teria virado comida de lobo. Obviamente o lacaio do Finneas vai querer arrancar informações. Enquanto isto não acontece, ficaremos vivos, por enquanto... - Explica Yuri, imaginando o que se passa na mente dos líderes orcs e do aliado de Khazar.
- Ah, se aquele mago miserável aparecer, eu juro que... - A expressão de Naru muda de decepção para raiva ao ouvir o nome do mago que os enganara.
- Shhhh. Silêncio, eu estou ouvindo passos... - Sussurra Motoko, alerta como sempre.
Em poucos instantes, a porta se abre. É Grommir, acompanhado de três de seus guardas de elite. A um gesto dele, os seus soldados entram na jaula e desamarram Yuri e Motoko, colocando-as em cadeias de ferro colocadas na parede, imobilizando-as. Ele não queria correr riscos.
Keitarô e Naru são colocados em correntes "um pouco mais confortáveis", ou seja, um pouco mais compridas, possibilitando um mínimo de movimentos.
- Hohoho, então vocês são os vermes humanos que vieram nos espiar? Hoje vocês saberão o que significa desafiar Grommir, o poderoso! - Fala o chefe de guerra, ostentando um tom de falsa piedade.
- Solte-nos e você verá o que é poder! - Indigna-se Motoko tentando inutilmente livrar-se das correntes de ferro.
- Isto é algo que não posso conceder, humana. Você e seus amigos mataram nove e feriram dezessete de meus guerreiros... Se hoje não fosse um dia especial, vocês já estariam mortos... Exceto, talvez, por esta atraente fêmea ruiva... - Rosna Grommir olhando com malícia para o corpo da linda Narusegawa.
- Não ouse tocar suas patas imundas em mim, seu macaco verde! - Naru se exalta. Se não estivesse presa, aquele orc petulante iria sentir o gosto do Naru-Punch.
- Hummmm... É bravinha, não? Após a cerimônia, eu irei te "domar" de forma adequada! Hahahahah! - Grommir fica ainda mais assanhado ao perceber que pegara no ponto fraco de sua presa.
- Cerimônia? - Pergunta Keitarô, com o seu baixo senso de sutileza.
- Sim. A cerimônia de casamento. Alegre-se, Ruiva, por sua beleza ter despertado minha graça e misericórdia, pois o seu destino será MUITO melhor do que os seus amigos! - Grommir dá uma sonora gargalhada.
- O quê? - Os olhos de Naru se arregalam, não acreditando no que ouvira.
Grommir se aproxima, arreganhando os seus lábios como que quisesse beijar Narusegawa. Ela fica tão aterrorizada diante daquela bocarra imensa e de insuportável mau-hálito, que não esboça reação, tentando se desviar ao máximo do gigantesco orc.
- Não, por favor, não ouse... - Tenta implorar inutilmente a ruiva à medida que os lábios do líder orc se aproximam de sua boca.
- Deixe a Narusegawa em paz, seu... gorila verde! - Keitarô tenta inutilmente dar uma rasteira em Grommir.
Só que sua desastrosa tentativa apenas deixa-o com uma dor incrível. A perna do líder orc era mais dura do que um carvalho.
A um sinal de Grommir, um de seus homens dá um soco no estômago de Keitarô e ele cai gemendo de dor. Logo, ele é posto a ferros como as outras, ficando totalmente imobilizado na parede. Apenas a Naru pode-se mover, por enquanto.
- Keitarô, não! - Desespera-se Narusegawa. Ela não pode atacar Grommir, pois sabe que qualquer reação sua pode decretar o fim de seus amigos.
- Lembre-se, ruiva! Sua felicidade ou infelicidade está em suas mãos. Meus servos irão te buscar em breve para prepará-la para a cerimônia. - Fala Grommir, agora num tom mais sério.
Dito isto, o gigante humanóide sai, com a sua escolta. A cela volta a ficar envolta em escuridão com o fechar da porta. Naru chora muito, ciente de um destino que para ela era muito pior do que a morte, sem que possa ser consolada pelos seus amigos.
Minutos mais tarde depois da saída de Grommir, entra com um sorriso sarcástico, o mago Finneas, acompanhado de um obeso carcereiro orc e de seus guarda-costas. Ele reconhece imediatamente Naru e Keitarô, zombando deles:
- Ora, ora. Que temos aqui? Os Dois novatos que se ofereceram para entregar minha pequena carta para Tarsius... Hehehe... Pena que tenham sido contratados pelo lado perdedor - Sorri com sarcasmo o praticante das artes arcanas.
- Seu verme tratante! É por sua culpa que estamos aqui! - Exalta-se Narusegawa, ficando com raiva ao ver o rosto do jovem mago.
- Você é uma garota de sorte! Se comportar bem, poderá escapar de ser executada... Como a mais nova consorte de Grommir... - A voz de Finneas saía insinuante, efeminada e melíflua.
- Você não vai escapar desta, Finneas. Tarsius já era e você irá ser o próximo. - Diz Keitarô, revelando o que acontecera com o inimigo do jovem mago.
- Oh, sim. Já estou sabendo que vocês derrotaram meu velho rival. Apenas fizeram o que havia calculado com minha mente privilegiada... Logo, logo Smallville será um grão de areia perdido na tempestade e eu, Finneas, serei o mais poderoso mago desta região! - Os olhos de Finneas reluzem com o brilho típico da megalomania e da loucura.
- Finneas, por que você está traindo Smallville? É por dinheiro? O que Khazar prometeu a você? - É a vez de Yuri falar.
- Ora, querida Yuri... É óbvio que riquezas e luxos são de meu agrado, mas estamos prestes a alcançar uma meta mais grandiosa. Pena que a maioria de vocês não viverá para testemunhar isto, adeus! - Responde Finneas com um autêntico ar de desprezo. Ele sabia que Yuri era uma profissional e ele não iria dar qualquer informação.
Dando uma sonora gargalhada, Finneas sai do calabouço e se retira com os seus homens para uma espécie de templo de pedra com figuras horrendas entalhadas em suas colunas desgastadas pelo tempo.
O templo sagrado dos orcs era defendido por alguns guardas de confiança de Mogul e uns discípulos que treinavam as artes mágicas junto com o idoso sacerdote.
Aproveitando que Grommir está preocupado nos preparativos com o seu súbito "casamento" com Narusegawa, o astuto feiticeiro vem conversar com o ser colega orc Mogul, que estava entretido em uma espécie de biblioteca com a leitura de pergaminhos feitos de pele de elfos e escritos com sangue anão.
Apenas poucos orcs sabiam ler e escrever, arte pouco apreciada por este povo bárbaro. E Mogul era um deles.
- Finneas! Foi oportuno você ter vindo. - Mogul sentia-se mais à vontade com o jovem mago do que com o seu colega orc, pelo fato de ambos serem praticantes de magia. Apenas um mago poderia compreender o outro, mesmo que fossem inimigos jurados de morte.
- E então, Blackhand? Algum progresso nas escavações da cripta que você descobriu? - Responde de forma vaga e velada o traiçoeiro conselheiro de Khazar.
- Os meus acólitos finalmente decifraram o pergaminho misterioso que encontramos há semanas na cripta subterrânea do templo. Só precisamos de um foco de poder adequado... - Murmura Mogul em voz baixa. Ele sabia há décadas que paredes tem ouvidos.
- Serve a legendária arma Erebus? - Sussurra Finneas no ouvido de Mogul.
- Co-como você sabe da existência de tal... Arma? - A reação de Mogul é de incredulidade e surpresa.
- Eu sei de muitas coisas... A fama de Dralok se estendeu até mesmo pelos outros reinos. - Responde calmamente Finneas.
- Passe-me esta arma! Com ela, o ritual... - Os olhos do idoso líder espiritual dos orcs brilham de impaciência.
- Infelizmente ela não está aqui. Esta arma virá escondida no carregamento de hoje à tarde, por um de meus homens de confiança. Enquanto o imbecil do Grommir estiver preocupado em satisfazer a sua luxúria, eu e você teremos tempo de completarmos o ritual... - Responde com desprezo Finneas.
- Admiro a sua astúcia, mago humano. Com o seu conhecimento e o meu poder, finalmente poderemos trazer o grande Dralok à vida! - Mogul fala com um certo tom de orgulho. Felizmente para ele e Finneas, todos os seus acólitos eram leais a ele e não a Grommir.
- E o que será de nosso "carismático" chefe de guerra? - Pergunta o jovem mago com evidente desprezo.
- Se ele for sensato, aceitará submeter-se a Dralok e a nós. Do contrário terá o mesmo destino de nossos inimigos. Somente Dralok poderá unificar em pouco tempo as tribos da fronteira!
- Antes que me esqueça... Qual será a minha recompensa pela participação neste grande acontecimento?... - Os olhos de Finneas brilham com a luz da ganância. Mesmo um homem de ciência poderia ser facilmente corrompido pelo ouro.
- Além de garantirmos seu salvo-conduto entre os de minha raça, bem como as barras de metal dourado que prometi, pedirei para que o grande Dralok te nomeie chefe dos magos de guerra, um posto jamais concedido desde a Grande Batalha. - Responde Mogul ao seu dúbio aliado.
- Muito bem lembrado.
- Só não se esqueça de omitir certos detalhes do plano para nosso "aliado" Khazar... - Certifica-se o astuto shaman de que o arrogante nobre não saiba mais do que deve. Caso contrário, tanto ele como Finneas estariam mortos.
- Sim, claro. Ele nos será útil apenas como uma marionete... Quando a farsa acabar, ele terá o mesmo destino de Grommir...
Sem dizer mais palavra, Finneas abandona as sombras do sinistro salão e retorna à sua tenda, para repousar um pouco.
Como representante de Khazar, o traiçoeiro mago articulou o plano de convencer os orcs de Grommir a saquearem as caravanas de Smallville, para desestabilizar economicamente a cidade.
Só que Finneas vislumbrara possibilidades maiores do que o seu patrão queria originariamente.
Fazendo amizade com o taciturno shaman Mogul, Finneas descobriu que o idoso líder espiritual estava profundamente insatisfeito com a liderança de Grommir.
Embora o gigantesco orc fosse eficiente como líder militar, era bastante instável e impopular, dependendo apenas de seus soldados para se manter no poder.
Em termos políticos era tão inteligente quanto um ogro em estado berserker.
Foi preciso a intervenção de Mogul para que o obtuso líder orc se convencesse de que a aliança com o barão humano era potencialmente vantajosa.
O esquema funcionava da seguinte forma: Os orcs atacavam apenas as caravanas vindas de Smallville, poupando as que vinham no sentido oposto, dos reinos do deserto.
Eles matavam os guardas e levavam prisioneiros os mercadores e guias, juntos com a sua carga e animais. Os humanos sobreviventes passariam o resto de seus dias trabalhando como escravos nas minas de ferro orcs.
Neste ínterim, o barão enviava um pequeno comboio para a aldeia orc, trocando os cavalos e as mercadorias capturadas por armas, escudos, elmos e suprimentos. Neste esquema, todos lucravam.
A segunda parte do plano consistia em convencer Grommir a se aliar com outras tribos orcs para desfechar um ataque decisivo contra Smallville, atacando as fazendas ao redor e a própria cidade. Neste ínterim, as tropas do Barão de Khazar anexariam todo o território de Smallville, a pretexto de intervir na cidade e impedir os saques. Só que os orcs se retirariam a tempo, conforme previamente combinado.
Caso o Barão de Stromgald intervisse na luta, as tropas orcs e as de Khazar aniquilariam o inimigo comum, contando com a sua vantagem numérica.
O saque total seria dividido em cinqüenta por cento para cada um.
A solução para o problema de liderança seria colocar um novo chefe de guerra orc no poder. Por sorte, Finneas conhecia um encantamento que permitia reviver os mortos desde que usasse como foco da magia um objeto pertencente ao falecido.
Na cripta subterrânea do templo de Mogul descansavam os restos mortais do legendário Dralok. Sua arma Erebus era dada como perdida... Até a semana passada. Ironicamente o poderoso machado estava como troféu de guerra numa sala abandonada no castelo de Khazar, tendo sido redescoberta e discretamente roubada pelo astuto Finneas, com a ajuda de feitiços de identificação.
Embora soubesse perfeitamente que era uma traição o que estava fazendo, a verdade é que o mago estava cansado da prepotência e da estupidez com que o barão o tratava, delegando a ele tarefas ingratas e servis.
Neste ponto, Khazar não era melhor do que Grommir com os seus subordinados.
O ressentimento de Finneas era devido ao fato do barão o trata-lo como mero lacaio sem o devido respeito dado aos magos. Para Khazar, Finneas era como um empregado qualquer, com tanta utilidade quanto uma vassoura.
Ganhando a confiança de Mogul, Finneas esperava matar dois coelhos com uma só cajadada. De um lado ele ajudaria o intrigante Shaman a eliminar Grommir ressuscitando Dralok, o Grande.
E do outro, se livraria da sua dependência de Khazar, ajudando os orcs, em troca de ouro e de artefatos mágicos que o tornariam rico e poderoso.
Com Dralok de volta à vida, ele mais cedo ou mais tarde iria derrubar os baronatos locais da fronteira, acabando por fazer os orcs voltarem à sua antiga glória e terror.
Em sua mente dominada por sonhos de grandeza, o traiçoeiro Finneas não vislumbrava a possibilidade dele mesmo ser traido pelos orcs mais tarde. Afinal de contas, orcs e humanos são inimigos desde gerações e para a mentalidade orc, somente a guerra e a conquista importavam. Eles zombavam da ingenuidade dos humanos em períodos de paz, aonde eles tentavam adulá-los com tentativas de tratados e acordos comerciais.
Ora, os orcs nunca foram detidos com diplomacia, e muito menos com teorias de expansão territorial. Mas sim com sangue, suor, sacrifício e lágrimas.
Para a raça humanóide, a paz era apenas uma curta trégua na longa guerra que eles travavam com as outras raças no domínio da supremacia pelo mundo. A sua crença religiosa impelia-os a reinvidicarem o que lhes era de direito e que foi roubado pelas outras raças, ou seja, quase tudo!
