CAPÍTULO 29:

Um Novo Líder.

Já havia passado do Meio-Dia e uma tensa reunião se desenrola no prédio da prefeitura de Smallville. Este era um elegante sobrado de um andar, com um pequeno jardim e uma fonte de água na frente. Juntamente com o templo, era a única construção de certo luxo e estilo na acanhada cidade mercantil.

Sendo ao mesmo tempo sede do poder executivo e legislativo da cidade, a prefeitura abrigava o gabinete do prefeito - eleito para um mandato de sete anos pelos cidadãos residentes na cidade, uma pequena câmara de representantes dos cidadãos (seis, no total) e finalmente o chamado Conselho Municipal.

Este era composto pelo Prefeito, todos os representantes dos cidadãos, o Condestável, o membro mais graduado do clero da cidade, o presidente da guilda dos mercadores e os cidadãos mais notáveis (leia-se ricos) da cidade. Na prática, o Conselho se reunia raramente, geralmente apenas para ratificar decisões já tomadas pelo Governo central de Brightstone ou para assuntos de importância extrema.

Tecnicamente falando, os Barões de Khazar e de Strongald não faziam parte do Conselho - pela conhecida animosidade de ambos pela cidade - embora eles tivessem o direito de mandar seus representantes como ouvintes.

Na larga sala de reuniões estava o prefeito da cidade, Sir Edgard; o presidente da guilda dos mercadores, Sir Arathus; o condestável Eldrick e mais alguns conselheiros, conversando e debatendo com um irado Barão de Strongald, que estava acompanhado de seu filho.

Marius Strongald era um senhor de cabelos brancos e bigode proeminente, de estatura média, corpo bastante robusto (mais forte do que gordo) e com um par de olhos azuis bem vivos e perspicazes.

Era notório arquiinimigo do Barão de Khazar e junto com este, se considerava o "dono" de Smallville, tentando mandar e desmandar junto às autoridades, a quem os tratava como meros serviçais.

O seu feudo, localizado ao Sul de Smallville, era menos rico do que o do Barão de Khazar; mas era maior em termos de território ocupado e ele possuía um patrimônio maior. O clã dos Strongald vivia da agricultura, cultivando alimentos, trigo e cevada, além de terem um rebanho enorme de bois, ovelhas e cavalos.

O domínio de Marius era tão auto-suficiente em termos de produção de alimentos e itens de primeira necessidade que raramente seus empregados necessitavam comprar coisas na cidade.

Aliás, o velho nobre não via com bons olhos a cidade - que ele considerava uma "aberração encravada" nos seus domínios - ele fazia de tudo para os seus servos não saírem de seu feudo com a óbvia exceção dos mercenários, a quem era concedidas duas folgas de um dia por mês.

O velho Strongald era por demais paranóico, desconfiando de tudo e de todos. Ninguém sabe ao certo quando sua insanidade mental começou. Alguns especulam que ele tenha ficado louco quando a sua adorada esposa morreu há anos atrás - vítima de uma debilitante doença misteriosa e incurável.

Outros falam que a sua mente ficou alterada devido à uma violenta queda de cavalo, afetando a sua cabeça.

O fato é que suas excentricidades e manias faziam um verdadeiro inferno na vida dos que o rodeavam. Os empregados do castelo eram punidos por faltas mínimas e mesmo alguns homens de confiança eram despedidos sem motivo qualquer.

Embora não fosse tão prepotente e arrogante como Khazar, Strongald não era uma pessoa fácil de se lidar. De humor fortemente azedo e pessimista, quase nunca elogiava um colega ou subordinado seu e tinha a irritante mania de criticar todas as pessoas, exceto a sua finada esposa e ele mesmo.

Por este motivo, alguns criados o apelidaram de "língua de fel".

Sofrendo de mania de perseguição, toda a sua comida e bebida tinha que ser provada por um guarda escolhido por sorteio, antes de cada refeição - ele tinha um medo doentio de ser envenenado.

Após a morte de sua amada esposa, o nobre havia proibido qualquer forma de diversão em seu castelo - desde jogos de cartas, performances de bardos e bufões até bailes e concertos.

Os - raros - visitantes de fora eram submetidos a humilhantes revistas antes de serem autorizados a entrar e não tinham permissão de passar a noite no castelo, devendo-se retirar obrigatoriamente ao anoitecer.

O idoso nobre ainda sofria de insônia e freqüentemente era visto andando para lá e para cá nos corredores de sua morada, falando sozinho ou resmungando qualquer coisa sobre o seu passado. E ai daquele que o interrompesse em seus monólogos intermináveis.

O único ser que podia aparentemente aturar o irritadiço nobre era o finado mago Tarsius. Embora fosse arrogante e mesquinho, Tarsius fingia-se de humilde e servil na frente de Strongald, e aos poucos, soube ganhar a confiança do mesmo - inicialmente como seu médico particular e mais tarde, como mago e conselheiro.

Alguns diziam que o maligno ilusionista usava seus conhecimentos mágicos não para tentar curar, mas sim para manter controle sobre a mentalidade do velho e instável nobre.

Quando estava vivo, Tarsius passava metade do tempo no castelo Strongald e a outra metade em sua casa na cidade.

Contudo, após Strongald ter cismado que os habitantes de Smallville conspiravam contra ele, o velho ordenou que o perverso ilusionista ficasse quase o tempo todo na cidade, espionando os movimentos dos seus supostos adversários. Ele era somente obrigado a comparecer no castelo uma vez por mês.

O filho de Marius chamava-se Edmond. Alto, com cabelos castanho-claros, barba rala, sempre vestido com roupas finas e aparência algo efeminada, tinha a personalidade quase oposta à do pai.

Edmond teve uma infância triste e sombria, tendo o duvidoso privilégio de ser filho único de um nobre à beira da insanidade completa.

Apanhava quase todos os dias do pai pelas menores faltas, era proibido de brincar com as outras crianças do feudo e quando tinha 14 anos, a sua mãe faleceu. Ele foi enviado à capital do reino para estudar, só que lá conheceu más companhias, tornando-se o cafajeste que é hoje.

O filho do velho Marius era boêmio incorrigível, mulherengo e - sempre que podia - ele fugia da monótona vida do castelo para gastar seu dinheiro nas bebedeiras e com as melhores mulheres no único bordel de Smallville, aonde era freqüentador notório.

O passatempo preferido de Edmond era assediar qualquer mulher bonita que encontrasse pela frente, não importando se fosse solteira ou casada, loira ou morena, rica ou pobre.

Havia boatos de que ele tinha seduzido e engravidado algumas adolescentes na cidade e que certa vez quase foi preso por provocar uma briga num baile público com um rival.

Contudo, a pesada influência do seu pai acobertou seus crimes e transgressões. As famílias que ele havia prejudicado foram aconselhadas a não entrar na justiça local e as moças tiveram-se que mudar para Brightstone, para evitar maiores rumores e fuxicos.

Após o falecimento de sua adorada mamãe, o comportamento do velho barão mudou radicalmente com o seu filho único.

Embora os dois quase não se falassem, o idoso Marius fazia vistas grossas às faltas e deslizes morais de seu filho - como se estivesse arrependido pelos maus tratos que dera nele, ainda garoto. E ainda ficava furioso quando alguém lhe ousava falar a verdade sobre Edmond.

O paranóico nobre já ameaçou mandar matar aquelas garotas "mundanas" que tiveram a coragem de inventar calúnias contra o seu pequeno "Ed", embora mais tarde tenha sido obrigado a dar algum dinheiro às famílias lesadas, a título de indenização, para esquecerem aqueles "embaraçosos" incidentes.

Edmond, por outro lado, tinha um misto de mágoa e medo do pai, e indiretamente vingava-se do passado sofrido, com o seu comportamento irresponsável e errático, esbanjando dinheiro e causando confusão.

Nas rodas sociais da pequena cidade, comentava-se que após a morte do Barão, o poder político e econômico de sua família iria desaparecer com o filho, já que "Ed" não tinha o mínimo de senso prático e comercial.

Naquele momento tenso, Marius Strongald vociferava insultos e ameaças às autoridades de Smallville, por eles terem sido negligentes em evitar a morte do seu assessor Tarsius:

- Senhor prefeito, eu demando que os responsáveis pelo assassinato do meu mago Tarsius sejam levados à forca até o final desta semana! Ou eu pedirei a corte a destituição do condestável! - Ameaçava o barão, dando um forte soco na mesa.

- Por favor, acalme-se, milorde. Nós, do Conselho, estamos fazendo o possível para... - Tentava conciliar um jovem e inexperiente conselheiro municipal, tremendo feito uma vara verde diante da raiva do velho nobre.

- Sem desculpas! Enquanto o meu mago particular está morto, os seus assassinos estão à solta nesta maldita cidade rindo da minha cara!

- Papai, eles já estão fazendo o possível... - Tenta intervir inutilmente Edmond.

- Cale-se, Edmond! Eu não pedi a sua opinião! E você, Eldrick, o que tem a dizer de tudo isto? - Strongald repreende rispidamente o seu filho, e em seguida provoca seu desafeto Eldrick, que estava enojado e entediado diante de tanta paranóia.

- Os responsáveis por isto já devem estar bem longe. E testemunhas de confiança garantem que eles agiram por legítima defesa, protegendo indefesos cidadãos desta cidade dos bichos que o seu mago criava no porão... - Eldrick fala uma meia-verdade. Se o barão soubesse que o responsável pela justiça da cidade chegara a contratar os aventureiros que mataram Tarsius para uma missão, era perigoso Strongald mandar seus mercenários fazerem uma devassa na cidade, de tão insano que era.

- É tudo mentira! - Grita o velho barão dando um soco na mesa.

- Bem, meu caro Barão... Infelizmente, pesam acusações muito graves contra o seu falecido assessor. - Responde Eldrick, pesando bem as palavras e falando de forma lenta, mas firme.

- Mentira! Tudo mentira! São calúnias vindas daquela camarilha do Khazar e do Finneas! - Gesticula o velho Marius Strongald, agitando os punhos de pura fúria.

- Posso continuar? Encontramos evidências de que o falecido Tarsius fabricava criaturas perigosíssimas na sua mansão, o que fere a lei de segurança municipal. Algumas delas fugiram após o seu laboratório ter explodido de forma misteriosa - ameaçando a vida de pessoas inocentes - configurando um caso de extrema negligência e risco à ordem pública. - Interrompe Eldrick falando friamente, sem demonstrar a menor emoção.

- Não acredito em nenhuma de suas palavras!

- Por favor, papai. O homem... - Edmond tenta intervir, colocando a sua delicada mão esquerda no ombro do seu velho.

- Cale a boca, Ed! Já disse que... - Vociferava o barão, com os olhos injetados de raiva.

- Está bem, papai. - Resigna-se Edmond, voltando ao seu lugar na mesa, ante os sorrisos abafados de alguns conselheiros.

- E depois, ele aprisionou em cárcere privado dois forasteiros sem nenhuma culpa, o que é proibido pelas leis... - Continua Eldrick, ansiando por acabar esta ladainha sem sentido.

- Ao diabo com as malditas leis desta cidade! A única lei a que eu obedeço é a MINHA, entendeu? - Strongald responde, desta vez batendo na mesa com os dois punhos fechados.

- Perfeitamente, milorde. Contudo lembramos que Smallville tem seu código de leis em conformidade com a vontade da Sua Majestade, o Rei... - O prefeito tenta intervir, esboçando um sorriso conciliador, enquanto com um gesto pede para que Eldrick se contenha.

- É uma infâmia! Uma ingratidão! Os meus antepassados ajudaram a expulsar os malditos orcs da região, derrotando Dralok! Estas terras pertencem à minha família por direito! E até hoje não acredito que o rei daquela época tenha feito uma injustiça destas para o meu clã! - Exalta-se Strongald, emocionando-se ao lembrar do glorioso passado da sua família e do seu clã.

- Lembre-se que Sua Majestade desmembrou uma parte do terreno dos domínios do Barão de Khazar, cujos antepassados também... - Eldrick interrompe o delírio de Strongald, atendo-se aos fatos.

- Não! Não me fale daquele maldito! Todos estão contra mim! Mas não importa! Fiquem sabendo todos vocês que EU irei ainda dançar sobre suas sepulturas! - Os olhos do idoso barão estavam semelhantes aos de um louco furioso.

- Bem, milorde, nós não podemos deixar de falar da questão dos tributos. Sabemos que a colheita está próxima e... - Comenta o Secretário de Finanças de Smallville, mostrando um relatório contendo as estimativas da próxima safra na região.

- Não vou entregar nenhum grão a mais para vocês! Eu não vou pagar nenhum tostão de imposto contra minha vontade! - Porém Strongald mantinha-se impermeável à razão.

- Seja razoável! Nós temos silos e moinhos suficientes para comportar sua safra e acho um despropósito o senhor gastar dinheiro para mandar sua carga para tão longe, gerando custos adicionais! - Dizia suplicante, o secretário, sabendo que era fora de propósito a política discriminatória do Barão Marius para com Smallville.

- Dane-se esta maldita cidade! Prefiro investir em outras localidades que perder dinheiro nesta vila miserá...

- Papai! - Edmond perde momentaneamente a calma e cansado de bancar o saco de pancadas, faz um gesto veemente de censura para com o idoso pai.

- Até tu, Edmond, meu filho? Esta cidade não merecia nem uma moeda de cobre de minha fortuna... Ela, para início de conversa, NÃO deveria ter existido. Jamais! - Strongald subitamente muda a cor de suas faces de vermelho para um branco pálido e temporariamente parece conter a sua raiva.

- Milorde, o fato é o seguinte: Diante dos fatos recentes, precisamos reforçar a segurança contra os orcs - que estão cada vez mais agressivos ou... - Eldrick inutilmente tenta voltar a pauta original da reunião que foi desvirtuada pelas queixas pessoais e explosões do seu desafeto pessoal e das inúteis tentativas dos presentes de desviar a conversa para algo mais ameno.

- Para o diabo os orcs! Se você e seus homens são incompetentes para acabar com um banco daqueles animais, o problema é o seu! - Strongald volta a ficar irritado e o seu olhar parece com o de um lobo faminto ao fitar o seu desafeto pessoal.

- Mas as suas fazendas também correm perigo! - Diz Eldrick, levantando-se da cadeira, coisa que raramente fazia.

- Não! Nunca! Jamais cederei um homem sequer para a sua miserável milícia! Eles são meus! Todos meus! - Diz Strongald, gesticulando e apontando ameaçadoramente o dedo indicador para o condestável.

- Papai, nós precisamos voltar para o castelo. Bem, meus caros, eu acho que esta reunião basta por hoje... - Vendo a inutilidade de continuar com a reunião, Edmond se prepara para sair da sala.

- Humpf... Está bem. Mas fiquem sabendo que se não tomarem nenhuma providência contra os matadores do meu assessor Tarsius, vocês sofrerão as piores represálias que podem imaginar! Até mais!

Acompanhado do seu pusilânime filho, Marius Strongald sai da sala rangendo os seus dentes. Seu olhar transparecia o brilho claro da insanidade mental. Embora ainda se mantivesse intelectualmente lúcido, suas ações eram ensombrecidas por seus sentimentos emocionais totalmente desequilibrados.

Contudo, o velho estava tão furioso que - sem querer - ele acaba esbarrando no coitado do Keitarô - que tinha acabado de abrir a enorme porta e desta vez não teve culpa pelo incidente. Ambos caem no chão de forma desajeitada.

- Ei! Olhe por onde anda, seu verme! - Grita Strongald, ainda caído.

- Desculpe-me, meu senhor. Quer uma ajuda para se levantar? - Responde Keitarô estendendo a sua mão direita.

- Está pensando que sou um velho senil? Vá para o inferno, moleque! - O velho barão dá um ríspido tapa na mão do jovem e se afasta.

- Ei, não precisa ser...

- Fica frio, cara. Ele é deste jeito - Cochicha Edmond no ouvido de Keitarô, fingindo estar repreendendo-o - Papai, não ligue para este plebeu. Vamos indo.

- Humpf... Esta juventude de hoje... Bando de irresponsáveis! - Resmunga o instável nobre.

Ao ajudar o seu pai a se levantar, o afetado Edmond repara na presença das garotas, que tinham acabado de subir a escadaria do primeiro andar. Os seus olhos cobiçosos faíscam com o brilho do desejo, olhando em especial para a Naru, Yuri e Kitsune, embora todas elas fossem atraentes e dignas de estarem em sua alcova.

Cedo ou tarde, todas as desconhecidas conheceriam do que ele era capaz, caso ficassem mais algumas horas na cidade.

Esboçando um sorriso enigmático, Edmond ampara o velho Marius e cruza com a Naru e a Yuri.

- Olá, senhoritas! Tenham um bom dia. - Edmond faz uma reverência cortês às meninas. Naru fica encantada com a elegância e boa educação do nobre, enquanto Yuri faz uma cara de desconfiança.

- Hã? - Keitarô repara que, assim que terminou de cumprimentar as garotas, o mulherengo filho de Marius lançou um olhar discreto na bunda da Naru.

- Vamos logo, filho! Estou farto desta maldita cidade! - Diz Strongald, sem olhar para trás.

Na saída do prédio, os dois Strongald - pai e filho - cruzam com Jake e a sua tropa de cavaleiros.

O velho Marius pensa em xingá-los para descarregar a raiva que sente, mas o esperto oficial mercenário faz o seu relato e mostra para o velho barão as cabeças dos "Wolfraiders" que abatera horas atrás. Todas elas estavam penduradas a tiracolo nos cavalos de seus soldados.

Malandramente, Jake tinha adicionado as vítimas que Yuri também fizera, para melhorar a sua "média".

Pela primeira vez, Marius fica um pouco mais tranqüilo e elogia o oficial de forma discreta, embora reclamasse do atraso de sua escolta.

Depois, Jake cochicha algo no ouvido de Edmond. Este acena com a cabeça, aparentemente concordando.

Finalmente, o barão e o seu filho mulherengo saem da cidade, escoltado por seus homens.

A esta altura, Keitarô e todas as garotas assistiam a cena de uma das amplas janelas do primeiro andar prefeitura.

Eles já tinham tido a autorização para entrar, concedida por Eldrick.

- Já vão tarde... - Murmura Eldrick, soltando um suspiro misto de alívio e desabafo. Se não fosse o apoio do pessoal do Conselho e de aliados influentes na corte, ele já teria sido deposto e transferido para um forte localizado nos confins do reino de Arkadia, ou pelo Barão de Khazar ou pelo velho Strongald.

- Bem, meu caro condestável, eu acho que não podemos deixar nossos caros aventureiros esperarem. Eles devem ter algo de importante para falar. - Comenta o prefeito, dando um tapinha de consolo no ombro esquerdo do oficial responsável pela justiça e segurança da cidade.

- Sim. - Diz Eldrick enquanto arruma os seus papéis em cima da mesa.

- Eldrick, nós temos assuntos muito urgentes para tratar! - Uma voz feminina se faz ouvir, impaciente, causando murmúrios de espanto entre os homens do Conselho.

- Bem, eu sei. Yuri, Naru, Keitarô e todos vocês, este é o nosso prefeito Sir Edgard e este é o presidente da guilda de mercadores, Sir Arathus. Senhores, estes são os voluntários que aceitaram investigar o que há por trás dos ataques orcs às nossas caravanas - Eldrick, um pouco constrangido, se encarrega de fazer a apresentação dos aventureiros aos membros da elite da cidade.

- Prazer em conhecê-los, pessoal. - Responde Kitsune, piscando um de seus olhos para os presentes, sorrindo com uma expressão jovial e fazendo o "V" da vitória.

- Hã, olá... - Diz Motoko, um tanto constrangida pelo fato de estar diante de muitos homens.

- Oiêêê, genti, eu sou a Kaolla!!! - Fala a jovem estrangeira enquanto que dá um esquisito salto mortal, parando nos ombros de uma contrariada Motoko.

- E eu sou a Sarah, Sarah Mac Dougal! Good to See You! - Cumprimenta a garota californiana, e humor um pouco mais afável do que o normal.

- Mew! Mew! - Acena a tartaruga Tama, causando espanto nos presentes, exceto Eldrick.

- Hihi, Hã, esta é a Tama-chan e eu me chamo Mutsumi. - Sorri a jovem de Okinawa, cujo bichinho de estimação estava pousado em sua cabeça, como sempre.

- Sejam bem vindos à prefeitura, meus corajosos jovens. E peço desculpas pela descompostura do Barão de Strongald. Não liguem, ele é daquele jeito - O prefeito dá as boas vindas ao grupo, mais calmo após a tempestade de insultos causada por Strongald.

- Perdão, mas quem deles era o Barão? - Pergunta simploriamente Keitarô, como sempre.

- Era o senhor mais velho, de bigode. E aquele jovem... É o seu filho... - Diz Eldrick, falando com um tom de maneira a duvidar seriamente da masculinidade de Edmond.

- Alguma notícia das caravanas que sumiram? - Intervém secamente Sir Arathus, o líder da guilda de mercadores na conversa, intrigado com a presença dos estranhos.

- Bem, temos novidades, algumas boas, mas algumas não tão boas...

Yuri começa a relatar os fatos que aconteceram desde a sua partida. A jovem ranger mencionou a reunião que ela e os outros testemunharam no árido Platô Orc, entre os líderes humanóides e o mago Finneas; a prisão deles pelos guerreiros de Grommir; a chegada do barão de Khazar e a visão das máquinas de guerra trazidas pelo nobre traidor; sem falar na sua espetacular e quase impossível fuga daquele lugar de cativeiro e morte.

Finalmente, ela termina a narrativa contando como foram salvos dos Wolfraiders pela patrulha do oficial mercenário Jake e seus cavaleiros.

- Senhorita Yuri, você está ciente do que está dizendo? Acusar um nobre como o barão de Khazar é algo bem grave e... - Diz o prefeito Edgard, franzindo o cenho e com um certo tom de censura na voz.

- Você está duvidando da gente? Olha, porque não vai até lá e ... mmmmmmphphphph - Naru tenta discutir com o prefeito, mas é "convencida" a não falar devido a mão de Yuri, que delicadamente lhe tampa a boca.

- Shhh... Peço desculpas a todos, mas a minha amiga está um pouco estressada devido aos últimos acontecimentos... - Comenta Yuri, falando humildemente e fazendo um sorriso sem graça.

- Tudo bem, Yuri. Pode continuar. - Diz Eldrick, resignado, por já conhecer vagamente o gênio de Naru e do restante do pessoal.

- Bem, isto é tudo. Realmente Smallville corre perigo e a cidade pode ser atacada nos próximos dias por uma confederação de tribos orcs vindas da vastidão da Fronteira. Na seqüência, as tropas de Khazar irão intervir, ocupando o que restar da cidade. - Conclui a jovem loira, tentando falar da forma mais objetiva possível.

- Isto é muito fantástico. Impossível! - Comenta o prefeito, incrédulo

- Mas porque o Barão faria uma coisa destas com nossa cidade? - Pergunta um dos Conselheiros.

- Acreditem, mas é a verdade. - Responde a aventureira, com um tom de voz suave, mas firme.

- E as provas, minha cara Yuri? Tem como comprovar suas descobertas? - Diz Arathus, meio cético.

- Bem, tudo o que vimos e contamos foi gravado nisto aqui, nesta luneta mágica. Vocês sabem que este meio é considerado válido pela Suprema Corte de Brightstone como prova testemunhal. Nenhum mago além do próprio Kadghar pode destruir, alterar ou distorcer o seu conteúdo... - Responde Yuri tirando de sua sacola um estranho objeto semelhante a uma luneta.

- Uma luneta mágica feita pelo arquimago Kadghar! Mas... Como conseguiu isto? - Pergunta Arathus, surpreso. Por ser viajado e muito influente, sabia da reputação do mago que morava em Brightstone e da sua desconfiança com relação a terceiros.

- Apenas agentes autorizados pela corte recebem tais equipamentos, além de serem treinados para usá-los. - Responde Yuri firmemente enquanto Kaolla e Sarah começam a ficar impacientes no salão, pensando em alguma traquinagem.

- Sim, sim, mas ela pode mostrar as imagens que vocês testemunharam? - Pergunta o Prefeito Edgard, visivelmente curioso.

- Claro. - Responde a loira enquanto com dedos ágeis apressa a desmontar o complexo instrumento.

- Atenção, senhores, o que veremos aqui é algo de suma importância e de extremo sigilo. Ninguém mais, além de nós, os presentes, deverá saber de sua existência e conteúdo. - Diz Eldrick num tom sério, lembrando o prefeito e os conselheiros da gravidade do fato. - Esta é uma reunião SECRETA e nenhum de nós deve comentar isto para os que estão de fora, sob risco de processo por alta-traição.

Todos prendem a respiração, quando Yuri retira o prisma mágico que estava dentro da lente. Ela coloca em silêncio o cristal em cima da mesa, de forma que a luz do Sol reflita na sua superfície. Em instantes, as figuras gravadas surgem ao redor do prisma, como se ele fosse um projetor de filmes.

O prefeito, Arathus e os conselheiros ficam estarrecidos ao presenciarem a cena do diálogo dos líderes orcs com o traiçoeiro Finneas, o representante de Khazar na cidade. Só a presença dele naquela aldeia orc era prova contundente das más intenções de seu chefe.

A conversa não dá margem a dúvidas das intenções da monstruosa aliança forjada entre os inimigos da raça humana e o nobre corrompido.

No final do relato, um princípio de tumulto começa a se fazer no recinto. Alguns membros do conselho ficam em lágrimas e outros trocam acalorados debates uns com os outros. O prefeito está a beira do pânico, sacudindo sua cabeça como se tentasse acreditar que tudo aquilo não passava de um pesadelo.

- Não! Não pode ser! Ainda que as imagens daquela luneta refletem a verdade... O Barão não pode estar implicado nisto! Com certeza deve ser um truque daquele seu assessor traiçoeiro! - Balbucia o prefeito Edgard, suando frio e sem saber o que fazer.

- Acredite, caro prefeito, mas é a pura verdade. Não arriscamos o nosso pescoço através da fronteira para irmos atrás de mentiras. - Responde Yuri. Apenas o fleumático Eldrick permanecera impassível, pois já estava preparado psicologicamente para ouvir aquilo.

- Não, não estou duvidando de vocês, meus jovens, mas estes fatos são estarrecedores demais! Nunca algué nos últimos cinqüenta anos fez uma revelação tão chocante! Como que o descendente daqueles que ajudaram a derrotar Dralok pôde se aliar àqueles... Monstros? - Diz, emocionado, o prefeito.

- Então, quer dizer que as caravanas eram saqueadas pelos orcs a mando de Khazar para prejudicar o comércio? E o que aconteceram com os mercadores? Eu exijo detalhes! - Sir Arathus olha fixamente para Yuri e lança uma pergunta como se estivesse testando ela.

- Se me permite, caros senhores, por sorte, as agentes Kaolla Su e Sarah Mac Dougal fizeram uma descoberta muito importante que reforça nosso testemunho. Com licença, que vou mandar abrir a porta. - A jovem ranger não se deixa abalar e se levanta do assento onde estava.

A um sinal de Yuri, ela ordena ao guarda de segurança para abrir a porta. Todos os membros presentes do Conselho ficam surpresos ao ver Greg e seus homens - dados como mortos - entrarem na sala, ainda com as roupas em trapos, os corpos sujos e exaustos e as marcas do brutal cativeiro.

- Greg? Mas...Como? - Exclama Arathus, num misto de surpresa, alegria e receio.

- Milorde Arathus, tudo o que estas jovens disseram é verdade. Os meus homens e eu fomos emboscados de forma covarde pelos orcs e aniquilados. Os humanóides já sabiam da partida de nossas caravanas e de nossas rotas de antemão. Nós fomos unicamente "poupados" para servimos de escravos nas suas imundas minas, e teríamos lá morrido se não fosse por estas valorosas jovens... - Diz Greg, falando em nome de todos.

- E o carregamento que levavam? - Pergunta Arathus.

- Tudo foi perdido e saqueado. Certamente os espólios devem ter sido comercializados pelos orcs para comprarem as armas do Barão de Khazar. - Comenta o chefe da caravana, pouco se incomodando com o seu estado deplorável de higiene, que chamava a atenção dos nobres ricamente vestidos e perfumados que estavam sentados nas cadeiras de mogno.

- Mas vocês têm como provar isto? - Diz Edgard, visivelmente surpreso.

- Eu e os meus homens vimos os homens de Khazar no acampamento orc, na noite em que fugimos de lá. E os cavalos que roubamos na fuga eram dele. - Responde o caravaneiro de meia idade, apontando para a janela que dava para a rua, do qual se podiam ver os animais estacionados na rua, descansando e bebendo água.

- O que está falando, caro Greg é muito sério. Vocês concordam em servirem de testemunhas num eventual processo? - Pergunta Eldrick, ponderando bem o depoimento do desaparecido.

- Sim, todos nós nos comprometemos a isto. - Responde Greg sem pestanejar.

- Certo, verei o que está no meu alcance para protegê-los de eventuais represálias. - Diz Eldrick com um leve tom de ceticismo realista na sua voz.

- Meu amigo Greg, eu fico contente que tenha escapado, mas não teme pela sua vida? O Barão é um homem muito vingativo... - Diz Arathus, estarrecido ao ver o triste estado físico e mental de seus empregados.

- Sei disto, mas eu e meus companheiros estamos dispostos a conseguir justiça, para nós e em nome de nossos amigos mortos! Prefiro ficar dez anos numa prisão do calabouço real do que uma semana com os orcs! - Diz Greg, meio exaltado, ao se lembrar dos seus amigos assassinados pelos soldados orcs.

- Sei, sei... Bem, de minha parte, caro Eldrick, eu acho que o senhor prefeito e você terão que tomar as devidas providências. A Guilda de Mercadores de Smallville vai continuar com a interdição de novas caravanas para El-Quattara suspensas até segunda ordem. O que podemos oferecer para Greg, seus homens e a estes valorosos jovens é uma substancial recompensa pelas fadigas e privações sofridas. - Diz Arathus, falando mais como homem de negócios do que como um conselheiro municipal.

- É melhor pensarmos nisto SE sobrevivermos ao ataque orc, que é iminente... Meu caro Arathus. No momento, precisamos de dinheiro urgentemente para recrutar uma milícia e equipá-la o mais rápido possível. - Intervém Eldrick, franzindo o cenho e visivelmente preocupado com algo.

- Bem... Neste caso, a nossa Guilda pode te oferecer alguns recursos em caixa e uma carta de crédito... Dois Mil e Quinhentas peças de ouro servem?...

- Acho que dá para convocar e equipar uma companhia de cem a duzentos voluntários por algum tempo. Por mim, eu aceito. - Responde Eldrick sem titubear.

- Bem, senhores, de minha parte, acho que vou ter que me retirar para tratar dos assuntos da guilda. Senhor Prefeito, caros colegas e Condestável Eldrick, a Guilda de Mercadores só tem a agradecer pelo resgate de alguns de meus homens e pela ajuda destes valorosos jovens contra aqueles asquerosos orcs. Obrigado.

Depois que Arathus se retira, a reunião continua, desta vez com a presença de Greg.

O prefeito Edgard estava transtornado e chocado pelas revelações, e ainda custava a admitir a verdade.

Embora fosse um político relativamente honesto e que se interessava pelo bem estar da cidade que o elegera, ele era um pouco acomodado e covarde, temendo tomar medidas que desagradassem aos dois nobres brigões.

A descoberta de que Khazar era um traidor, fez o veterano político temer pelo seu futuro.

- Se metade do que vocês trouxeram for verdade... Temo que o caso esteja além de minha alçada... Cabeças irão rolar e certamente tanto Khazar como o velho Marius irão querer a dissolução do Conselho desta cidade.

- Senhor prefeito, você está querendo insinuar que a gente está inventando esta história na frente de todos? - Esbraveja Motoko, indignada em sua honra samurai.

- Não, não, senhorita. Não foi bem isto... Mas é que... É a primeira vez que vejo fatos tão estarrecedores assim... - tenta se defender Edmond, visivelmente embaraçado.

- Bem, vamos deixar a parte política para depois, se nós sobrevivermos. O fato é que temos que nos preparar para uma invasão em grande escala. Se os informes estiverem corretos, os orcs poderão nos atacar a partir da semana que vem... - Diz Eldrick,num tom sombrio e pensativo.

- Por que na semana que vem e não antes? - Pergunta um dos conselheiros presentes.

- Não sei se eles vão mandar vários bandos esparsos ou se irão concentrar num grande ataque ao longo da fronteira, mas é certo que as tribos precisarão de alguns dias para mobilizar seus guerreiros, acumular munições e suprimentos e chegarem até aqui. Na melhor das hipóteses, teremos alguns dias para nos prepararmos... - Comenta Yuri apontando para um mapa de Smallville e adjacências, pendurado na parede da sala.

- Bem, dá para organizar uma defesa, ainda que precária. Mesmo com a ajuda que Sir Arathus nos prometeu, eu temo pelo nosso sucesso. - Continua Eldrick, pensativo.

- Uma companhia de cem milicianos NÃO é suficiente para nos defender, caro Eldrick? - Indaga o prefeito, que supunha erradamente que os orcs ainda estavam organizados em bandos esparsos e erráticos.

- Só entre as tribos dos Rancapeles e dos Quebraossos, que são as mais próximas de nós, eles têm entre trezentos a quatrocentos guerreiros aptos. Se os orcs conseguirem a adesão de mais três ou quatro tribos vizinhas, fatalmente este número irá mais do que dobrar. Em resumo, nós precisamos de no mínimo um batalhão de cavalaria real para repelirmos o ataque - Responde Yuri, olhando fixamente no político acomodado.

- Por Deus, não quero nem pensar se Khazar estiver envolvido e se juntar aos orcs... No feudo dele, suas forças somam cem arqueiros, cento e cinqüenta soldados de infantaria bem armados e setenta cavaleiros, todos eles mercenários experimentados na guerra... - Diz o prefeito, suando frio.

- E não tem jeito de convencer o velho Marius Strongald a ceder alguns de seus homens, se contarmos a verdade para ele? - Propõe um dos conselheiros.

- É mais fácil fazer aquele velho se aliar com Khazar do que ele emprestar uma só lança com a ponta quebrada para a gente. Aquele barão prefere ver Smallville ardendo em chamas que nos ajudar a deter os orcs... - Responde Eldrick pondo por terra quaisquer ilusões de uma luta fácil que os presentes supunham.

- Mas as fazendas dele ao sul não correm perigo? Pelo que sei, ouvi dizer que os orcs andaram saqueando gado e inclusive matando alguns pastores... - Comenta outro conselheiro.

- Muito bem lembrado, mas o velho Marius Strongald ainda não sabe que Khazar está envolvido. Até onde sei, Strongald tem entre trezentos a trezentos e cinqüenta soldados em seu feudo. Esta tropa é mais do que suficiente para lutar contra o exército de Khazar em igualdade de condições. Mas duvido que ela sobreviva a um ataque conjunto dos orcs aliados ao nosso nobre renegado. - Comenta Yuri, com base em informações que obtivera com Jake e Sammy durante a viagem de volta.

- Bem, Eldrick, nós vamos ter que tomar as decisões do dia. Não há mais tempo para debates. Como se trata de uma crise terrível, entendo que você - na qualidade de condestável - tem carta branca para decidir sobre os assuntos de defesa. - Diz o prefeito, finalmente criando um pouco de coragem.

- E os outros conselheiros, o que tem a dizer? - Pergunta Yuri, olhando de maneira incisiva e corajosa para todos os presentes.

Todos, por unanimidade, aceitam o parecer do prefeito. Eldrick se limita a dizer:

- Pois bem, por Deus, eu aceito a perigosa responsabilidade a que me foi confiada. Eu proponho que os recursos oferecidos pela guilda de mercadores sejam usados para comprar armas e equipar uma milícia temporária com todos os homens aptos.

- Amanhã à noite, iremos fazer uma reunião extraordinária para decidirmos a melhor maneira de explicar ao povo os motivos da convocação sem causar pânico e fugas em massa. - Propõe o prefeito.

- Mas o Barão de Khazar não pode desconfiar de algo, Eldrick? - Pergunta um dos conselheiros presentes.

- Ao diabo com ele! Se estes jovens corajosos chegaram vivos até aqui, é porque tiveram que passar na frente dos seus amigos orcs! Cedo ou tarde ele ficará sabendo e provavelmente partirá para o tudo ou nada! - Responde energicamente o velho oficial, pondo de lado a sua cautela típica.

- E quanto ao velho Marius? - Pergunta outro conselheiro.

- Quanto menos ele souber, melhor. Espero podermos resolver isto sem atrair sua paranóia doentia. - Comenta Yuri.

- Bem, caro Eldrick, Greg e meus jovens. Nós agradecemos profundamente os seus sacrifícios. Eldrick, eu e os demais conselheiros continuaremos nossa reunião extraordinária cuidando dos assuntos civis. Vocês poderão voltar ao Quartel da Guarda e discutirem a melhor... Estratégia para este grave momento. Vocês todos tem carta branca para isto.

- Perfeitamente, senhor prefeito. Vamos, meus amigos, ao quartel da guarda. - Eldrick se levanta e com um gesto convida os aventureiros do Hinata Attack Team e o pessoal de Greg a seguirem-no.

- Tudo bem, Eldrick. - Yuri também se levanta da cadeira que ocupava e esticando os seus braços para relaxar os músculos doloridos, se põe a caminho.

Guiados pelo veterano oficial, Yuri, Keitarô, Naru e as demais meninas saem do enorme salão de reuniões da Prefeitura, acompanhados de dois guardas, de Greg e dos sobreviventes das caravanas chacinadas.

- Tem mais alguma coisa a tratar com a gente, Eldrick? O Keitarô e as garotas estão completamente esgotados! Tivemos que quase matar nossas montarias para chegarmos vivas aqui. - Comenta a ranger loira, notando que o pessoal (com exceção de Motoko) mal conseguia caminhar direito devido ao esgotamento.

- Sei... Peço desculpas por não ter providenciado ajuda imediata assim que chegaram, porque não podia sair da reunião.

- Buááá, quero comida! To cum fômi! - Choramingava Kaolla, abrindo um berreiro capaz de comover a alma mais insensível.

- Vamos fazer o seguinte, senhorita Yuri. Você leve todo o grupo para descansar na estalagem do Joe. Mande o taverneiro da Old Legs levar uma refeição no capricho por minha conta. Nós nos reuniremos depois das nove da noite, no meu gabinete no quartel.

- E quanto a Greg e os outros? - Pergunta Motoko ao ver o deplorável estado dos sobreviventes das caravanas.

- Eu gostaria de ver minha esposa e minha filha... - Diz Greg, visivelmente esgotado.

- Eu também. Há dias que não tenho notícias de minha família. - Fala o mais jovem dos caravaneiros, o rapaz de nome Theleus.

- Quero ver os meus pais... - Comenta um terceiro.

- Entendo seus sentimentos, homens, mas sugiro que pelo menos nos próximos dias vocês fiquem sob a proteção da guarda no quartel. Providenciarei a vocês roupas novas, comida, bebida, banhos quentes e alojamentos adequados para todos. Amanhã veremos a questão de visitas de suas esposas e familiares. - Diz Eldrick, fazendo um meio-sorriso de compreensão.

- Mas... - Tenta argumentar Greg, mas Eldrick faz um sinal dando a entender d eque seu parecer era irrevogável.

- Mas por quê, seu Eldrick? Estes homens sofreram muito! - Exclama Naru, um pouco indignada com a aparente frieza do condestável.

- Compreendo, senhorita, mas existe a questão de proteção a testemunhas. Se eles decidiram depor em nome dos interesses da cidade contra milorde Khazar, é o meu dever protegê-los até o fim, custe o que custar. Aquele barão é um homem muito vingativo e não duvido que ele usará de todos os meios para impedi-los de depor, inclusive seqüestro e assassinato. - Responde Eldrick, fazendo com que Naru ficasse ao mesmo tempo impressionada e temerosa.

- Assassinato? Mas isto é loucu... - Tenta protestar Keitarô.

- Infelizmente, sim. Temos que nos precaver contra o pior. Às vezes, a crueldade dos homens pode superar até mesmo a dos orcs. Vamos, pessoal. - Responde Eldrick fazendo um sinal para que os caravaneiros o sigam até o quartel. Ele se despede de Yuri e do pessoal sem dizer palavra alguma.

*****

Na aldeia dos orcs, o Barão de Khazar estava muito impaciente e quase a ponto de se arrepender de ter se aliado aos orcs.

Devido à confusão causada ontem à noite, ele teve dez soldados mortos, três de seus oficiais, os dois torturadores e praticamente quase todas as máquinas de guerra que trouxe para Grommir, destruídas. E o pior - aqueles aventureiros intrometidos haviam roubado os seus cavalos.

Sem muita escolha, o arrogante nobre ordenou a três de seus guardas que voltassem a todo galope - usando os poucos cavalos não usados na fuga - ao seu castelo para trazerem mais montarias, a fim de que sua comitiva retornasse o quanto antes.

Mas isto iria retê-lo na imunda aldeia orc por dois dias, na melhor das hipóteses, atrasando o ataque de forma irremediável. De qualquer maneira, a confusão causada por aqueles aventureiros abelhudos praticamente anulara a possibilidade de uma guerra-relâmpago.

Khazar também havia notado o estranho sumiço de Mogul e do seu assessor Finneas durante a confusão. Aqueles bastardos covardes iriam aprender uma lição quando Smallville fosse arrasada e ele fosse o vitorioso final!

- Onde está Grommir? Respondam, cães! Esbravejava Khazar para os impassíveis oficiais e guardas orcs que protegiam o palácio. Ele andava para lá e para cá e queria uma satisfação do incompetente chefe de guerra.

A idéia do seu aliado orc se casar com a prisioneira ruiva foi uma das mais idiotas que ouvira, ainda mais numa ocasião tão crucial como esta.

Como aquele desmiolado não conseguiu conter seus instintos mais baixos ao ver aquela vagabunda?

Bem que os soldados da guarda palaciana tentaram impedir, mas Khazar - escoltado pelos seus homens, todos armados e equipados - entrou no palácio. Infelizmente, por ordem de Grommir, nenhum orc poderia fazer algo contra o "aliado" humano até segunda ordem.

Finalmente Khazar adentra a sala do trono. Dirigindo-se com passos rápidos e impacientes, ele logo vai abrindo a porta e vociferando impropérios:

- Grommir! Temos que tomar decisões drásticas! Se aqueles vermes chegarem a Smallville, nós...

Então Khazar sente um frio na espinha. Ele repara que o gigantesco orc coroado que está sentado na cadeira de Grommir NÃO é Grommir. O desconhecido parecia maior, mais forte e exalando uma aura de autoridade em seus olhos primitivos, da qual Grommir carecia.

A seu lado, estavam o dúbio feiticeiro Mogul e o traiçoeiro Finneas, que sorri de satisfação ao ver a expressão de surpresa no rosto de seu patrão frente à sua nova experiência: Ressuscitar o lendário líder orc que aterrorizou Arkadia há oitenta anos atrás.

- O que significa esta brincadeira de mau gosto? Mogul, Finneas, eu exijo! - Diz Khazar tentando manter a pose, mas instintivamente recuando um passo para trás.

- Então você é o Barão Khazar? Muito prazer, eu sou Dralok, Rei dos Orcs e futuro governante destas terras. - Responde o desconhecido do trono, dando um leve sorriso de condescedência.

- Dralok? Vivo??? Como? E Grommir... onde ele está? - Exclama Khazar incrédulo e momentaneamente surpreso.

- Infelizmente, Grommir teve que partir... Para a sua última viagem. Contudo, eu, como novo líder dos orcs, dou a minha palavra que hei de cumprir com os compromissos assumidos pelo meu antecessor. O NOSSO plano de invasão à Fronteira do reinado, continua de pé, caro Barão. - Diz Dralok sem se alterar.

- Dralok? Não... Não é possível... - Balbucia Khazar, perdido em pensamentos conflitantes, embora seus olhos brilhem de ódio imaginando que Finneas, o seu lacaio, tivesse algo a ver com isto.

- NADA é impossível para os poderes arcanos da magia, milorde!... - Finneas finalmente fala, como se adivinhasse os pensamentos de Khazar, abrindo um largo sorriso com gosto de vingança e deboche.

- Você, Finneas! Como pôde?... Não sabe que foram os meus ancestrais que derrotaram ele?...

- Sim, caro Khazar. Mas alegre-se. Dralok será um aliado muito mais eficaz do que o incompetente do Grommir. Em menos de uma semana, os líderes orcs das demais aldeias estarão jurando fidelidade ao grande Dralok, reforçando nossas tropas. - Intervém Grommir, apontando o seu cetro mágico para o recém coroado Rei dos Orcs.

- Barão de Khazar, embora saiba que foram os seus descendentes que me mataram na outra vida que tive, saiba que não guardo ressentimentos de sua família e de você. Sei que possui tropas de qualidade e muitas riquezas. Junte-se a mim como o meu aliado e Arkadia tremerá sob a nossa fúria! - Diz Dralok em tom solene, enquanto sua mente - privilegiada para os padrões orcs - arquiteta um ardiloso plano.

- Bem... Já que é assim... - Responde Khazar momentaneamente vencido e sem saber o que fazer, tentando ganhar tempo ao se aliar ao inimigo de outrora.

- Ah, sim, milorde, aproveito para comunicar os termos de minha demissão. - Diz Finneas, num tom zombeteiro e sarcástico, para o seu patrão.

- O quê? Como... - Khazar reprime um xingamento, pois temia desagradar Dralok.

- Dralok me convidou para ser o chefe dos feiticeiros do seu exército. Para me substituir, o milorde pode nomear o capitão Drasius em meu lugar. - Comenta Finneas, mas na verdade, pensando mais no ouro que tinha sido prometido por Mogul.

- Mas, como?

- Chega, Khazar. Dralok precisa descansar um pouco. Aproveite para reunir os seus homens e planejar a sua parte do plano. Em no máximo uma lua, nós teremos um exército capaz de não apenas derrotar Smallville, mas também atacar a região central de Arkadia. Em breve, outros grupos unirão se a nós, ou serão aniquilados pela nova horda! - Responde secamente Mogul, encerrando a improvisada audiência.

- Como queiram. Darei a minha resposta esta noite. E quanto a Você, Finneas, aproveite o seu momento de glória com o seu novo protetor. Mas lembre-se que o caminho do arrependimento costuma ser amargo... - Responde Khazar com azedume enquanto pensa numa possível forma de reverter a situação momentaneamente desfavorável a ele e numa forma de se vingar do seu traiçoeiro mago num futuro próximo.

- Vou me lembrar de suas sábias palavras, Barão de Khazar. - Responde Finneas, fingido como sempre.



Desconcertado e atordoado pela realidade da ressurreição do lendário rei Orc e vendo que o seu plano original de conquistar a rota comercial da fronteira estava saindo de controle, Khazar se retira do salão sem olhar para trás, com os seus guardas.

Finneas sorri de forma sarcástica, imaginando ter sido o vencedor.

Ele - que sempre foi uma marionete da vontade do seu patrão - não apenas conseguiu-o enganá-lo e humilhá-lo diante dos outros, como também dominou a arte negra da ressurreição dos mortos.

Dralok fica impassível em seu trono, enquanto é servido por seus áulicos, que lhe trazem fartas porçòes de comida e bebida em bandejas de ferro.

Era uma ironia do destino ser justamente revivido pelo mago que era servo do descendente dos cavaleiros que o mataram.

Só que Dralok tinha um senso político muito desenvolvido para um orc e sabia que Khazar poderia ser lhe útil... Por enquanto.

Mogul nada diz. Na realidade ele fora o vencedor moral deste jogo de intrigas e interesses. Embora mal soubesse ler, sua sabedoria era muito maior do que a de uma serpente milenar.

Ele não apenas manipulara Finneas, apelando para sua ganância e sede de vingança, como também tinha agora sob seu controle, o maior dos líderes orcs de todos os tempos. O encantamento de controle mental que implantara em Dralok dera resultado. Ele seria agora o instrumento maior da execução do seu plano de vingança não apenas contra Smallville, mas contra todo um reinado.

Escrito por: Calerom

Última versão: 30/01/2004

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