Capítulo 2. Assunto de meninas
"Faço nosso o meu segredo mais sincero
E desafio o instinto dissonante.
A insegurança não me ataca quando erro
E o teu momento passa a ser o meu instante."
A presença de Lilá nas atividades diárias, sua companhia, as horas que passavam juntas fazendo pequenas coisas como cuidar do jardim, ou conversando durante a madrugada pareciam ser imensamente especiais e prazerosas aos olhos de Padma. Ao mesmo tempo, crescia dentro de si a urgência de tê-la ao seu lado como amante, lhe parecia que tinha mais necessidade dos toques suaves, da pele dela contra a sua, de seus abraços e de seus sorrisos.
Mas nada era uma prova mais difícil do que a que lhe foi posta no fim da quarta tarde desde que ela chegara. Parvati tinha saído para encontrar o namorado, e apenas as duas estavam na casa quando o pôr do sol se aproximava. Aquela era a hora em que sempre iam tomar banho de forma que quando a sua mãe chegasse da sua atividade diária e seu pai voltasse do trabalho elas estivessem prontas para que o jantar fosse servido.
Padma ficou sozinha no quarto enquanto a amiga entrou no banheiro para tomar banho. Estava deitada em sua cama, encarando o teto e tentando se distrair do fato de que não conseguia parar de desejar a mulher que estava há poucos metros quando ouviu seu nome sendo chamado. A voz de Lilá chegava abafada pela porta de madeira e pelo som da água caindo nos ladrilhos do chão, mas ela pode ouvir perfeitamente o "venha aqui" da outra garota. Abriu a porta, se forçando a olhar para o chão e não para a loira.
- O que houve...?
- A água está gelada! – Reclamou a outra. – Você sabe o feitiço...
Mas Padma já tinha proferido o feitiço apontando para o chuveiro de forma a esquentar a água do banho, e agora tinha a mão na maçaneta, pronta para sair.
- Padma...
Se virou tão rápido que esqueceu de desviar o olhar, vendo o desenho do corpo da amiga pelo vidro do Box. Ainda prendeu a respiração enquanto via as pernas brancas e firmes dela, o desenho de seus seios pequeninos com os mamilos rosados, os braços delicados, tudo sendo molhado pela água enquanto um o vidro cada vez mais esfumaçado parecia querer escondê-la. Os cabelos de Lilá estavam molhados e escuros, e seus olhos estavam presos na expressão surpresa no rosto da amiga.
- Diga – Falou se endireitando.
- Tem uma coisa que eu ando querendo lhe perguntar desde que cheguei – Como a garota não apresentou a menor reação, continuou a falar. – Até porque eu vi você fugindo da pergunta... Você... Você está interessada em alguém...? – Padma pareceu educadamente surpresa com a pergunta. – Quero dizer, você está a fim do Simas? Por que se estiver, eu realmente não me importo que você...
- Eu não estou a fim do Simas, Lilá – Ela cortou tranqüilizadora. – Não precisa se preocupar, ninguém quer combater sua supremacia.
Sua voz saiu mais amarga do que pretendia, e então rezou para que a amiga não interpretasse aquilo de forma errônea. Desviou os olhos, pronta para se virar e ir embora.
- Mas tem alguém.
Seus olhos retornaram para a menina, um pouco assustada com a firmeza das palavras.
- Eu sei que tem. Seu rosto mostra que você está apaixonada. Por que não quer me dizer quem é?
- Você não quer saber quem é – Respondeu com simplicidade.
- Eu quero saber sim! Eu me importo! Ah, Padma, por favor...
- Lilá, eu não esquentei a água para você ficar questionando minha vida amorosa.
- Me conte quem é!
Seus olhos se encontraram com os olhos da garota, e foi impossível negar.
- Nós conversamos depois do banho.
***
Enquanto estava debaixo do chuveiro, tudo que Padma queria era adiar o momento em que teria que contar a verdade a Lilá, e até pensou em mentir, mas não podia trair sua palavra de honra. Provavelmente quando soubesse quem era o objeto de sua paixão, ela se afastaria, e pareceria confusa e assustada aos seus olhares. Mas, a garota suspirou com cansaço sob a água que caía, deveria estar se preparando para o nojo, a rejeição e o sofrimento desde que olhara para ela. Não tinha outra saída para aquela situação, e talvez assim fosse mais fácil esquecê-la. Não haveria como manter a esperança, por menor que esta fosse.
Saiu, secou-se e vestiu-se tomando o maior tempo que conseguia. Ainda perdeu algum tempo cumprindo os rituais de sempre, usando cremes, perfume, desembaraçando os cabelos e colocando as jóias que tirara para tomar banho. Sua cabeça parecia se mover a mil quilômetros por hora, o coração seguindo o mesmo ritmo acelerado e a tensão crescendo em sua mente. Aquela era a hora.
Ao entrar no quarto pode ver a amiga conversando com a irmã que tinha o rosto afogueado e um enorme sorriso de felicidade. A mulher que deveria ser sua imagem e semelhança, hoje parecia seu oposto. O sorriso de Parvati contrastava com a seriedade depressiva da expressão da irmã, como se fossem máscaras do teatro antigo. Lilá virou-se olhando para a gêmea que saia do banheiro, e o sorriso leviano no seu rosto deu lugar à preocupação.
- Eu... Vou tomar banho – falou Parvati, mas as duas continuaram a se encarar em silêncio sem responder.
Quando ouviu a porta do banheiro sendo fechada, Lilá se sentou na cama de Padma, que se sentou na escrivaninha, virando-se para o espelho de forma a evitar o olhar da outra.
- Porque você não quer me contar quem é que te interessa?
- Porque eu sei que você não vai aprovar, e vai sentir que preferia não ter ficado sabendo – A morena mexia na caixa de jóias sem procurar nada, apenas como um pretexto para ficar sentada ali, de costas para a amiga.
- Por favor, por favor, Padma, me diga que não é nenhum comensal da morte, ou ex-presidiário trouxa esse cara por quem você se apaixonou!
Houve um momento de silêncio entre as duas, podia sentir o olhar preocupado dirigido ao reflexo do seu rosto no espelho, o que ela conseguia ver. Então, balançou a cabeça negativamente.
- Não é nenhum ex-presidiário trouxa, nem nenhum Comensal da morte.
- Então... O que pode ser tão terrível sobre esse cara por quem você está interessada? – Perguntou a menina com um leve desespero na voz. – Que problema tão grande pode ser esse...?
- O problema, Lilá, é que não tem cara nenhum.
Por um instante a loira pareceu chocada, então, se endireitou na cama.
- Como não tem nenhum cara...? Padma, você me falou que...
- Eu te falei que ia te contar por quem eu tinha me apaixonado – Interrompeu a garota. – Eu não disse que tinha um cara.
A garota sacudiu o rosto, ainda mais atordoada.
- O que você quer dizer com isso?
- Eu quero dizer, Lilá – Padma levantou a cabeça e encarou os olhos da amiga pelo espelho. – é que eu me apaixonei foi por uma garota.
- Me fale sobre isso – Ela pediu, parecendo curiosa e nervosa ao mesmo tempo.
- No começo, eu não conseguia entender porque eu estava pensando tanto nela – Padma não olhava para Lilá, ao invés disso encarava um ponto perdido no espelho. – Então, eu neguei. Eu sei que eu estava sempre pensando em beijá-la e tocá-la, e que a maneira como eu a queria não era nada fraternal, não mesmo. Eu queria ela pra mim, mas eu também sabia que ele nunca iria me amar. Eu sou uma garota. E ela realmente não é assim, ela não gosta dessas coisas.
- Como é que você sabe?
- Eu simplesmente sei. Ela tem um namorado e tudo mais. Eu tentei fugir disso, eu tentei esquecer, mas eu não conseguia parar de pensar nela. E eu estou apaixonada por ela, mas eu não quero estar apaixonada por ela. Eu queria nunca ter olhado assim pra ela. Eu queria que nada disso tivesse acontecido.
- Mas aconteceu. E agora? O que você vai fazer?
- Nada. Não tem nada que eu possa fazer sobre isso. Eu vou simplesmente esperar, e um dia vai ter passado. Eu não vou mais estar pensando nela.
- O quê?! Você não vai fazer nada? Você não vai atrás disso? Você não vai contar a ela?
Lilá parecia ansiosa para ajudar, e completamente desapercebida da verdade. Padma respirou profundamente antes de responder.
- Eu já estou contando pra ela.
O silêncio que se seguiu a essa afirmação era sufocante, como se nada pudesse vencê-lo. O único som era da água caindo no ladrilho enquanto Parvati tomava banho. Lilá estava de olhos fechados, como alguém que lentamente se recupera de um mergulho profundo, e o arrependimento começou a crescer na cabeça de Padma.
- Você acha que pode lidar com isso? Com o fato de que você não sai da minha cabeça...? Porque se você quiser ir embora e se afastar de mim, eu vou entender perfeitamente.
- Eu posso lidar com isso – Respondeu Lilá com firmeza e abriu os olhos, agora parecendo triste. – Eu só não sei se posso te ajudar.
- Não espero ajuda – Falou a morena, as lágrimas começando a brilha em seus olhos. – Eu estou muito aliviada que você entenda...
- Você é uma das minhas melhores amigas, Padma, eu realmente gosto muito de você – O tom da voz de Lilá parecia desculpas.
- Não quero que se sinta na obrigação de fazer alguma coisa só porque eu tenho esses... Sentimentos confusos por você.
- Ah, Padma...
Lilá atravessou o quarto e sentou ao lado da amiga, a abraçando. Padma encostou a cabeça no ombro dela, as lágrimas escorrendo pelo seu rosto, tão quentes que o faziam arder. Estava feito. Lilá sabia de tudo.
***
Aquela noite foi uma das mais estranhas da vida de Padma. Jantar sabendo que Lilá estava ali, ao alcance dos seus dedos, e perfeitamente ciente dos seus sentimentos trazia uma confusão emocional que ela jamais tinha experimentado. Seus pais pareciam notar que as três estavam muito caladas, mas não fizeram comentários. Durante todo o jantar, e pelo resto da noite as três ficaram muito silenciosas, e Lilá e Parvati foram deitar cedo. A cabeça de Padma dava milhares de voltas, e ela saiu e se sentou no jardim para pensar.
Aparentemente Lilá não mudara com ela. Nada de exclamações de surpresa, ou horror, ou nojo... Mas também nenhuma espécie de incentivo. Não que, de qualquer forma, Padma esperava que a amiga tivesse uma reação positiva. Nunca poderia esperar um sorriso, ou um "eu também", embora em seus sonhos ela pudesse ser retribuída. Era pé no chão demais para acreditar em uma coisa dessas.
Já passava muito da meia noite quando Padma resolveu voltar pro quarto. Entrou sem fazer barulho, e viu que Parvati já estava dormindo. Não chegou a olhar para a garota loira antes que essa se manifestasse.
- Onde você estava?
- Lá fora. Pensando.
- No quê, posso saber? – falou parecendo confusa.
- Exatamente no que você está pensando, Lilá.
Houve um momento de silêncio enquanto se encaravam, sem jeito. A grifinória se levantou e sentou de frente para a outra menina, em sua cama.
- Eu também estive pensando nisso...
Padma não se manifestou, apenas desviou os olhos.
-Você sabe que eu gosto muito de você...
- Mas que você não gosta de mim dessa forma. Não tem problema, eu nunca acreditei que fosse realmente acontecer. Agora eu não quero que você fique me olhando com peninha, ou qualquer coisa assim. Eu vou superar, eu realmente vou superar, e não quero que você fique preocupada com isso.
- Não era isso que eu ia dizer...
- Não, Lilá, não adianta usar palavras doces, não adianta!
A garota loira pôs os dedos sobre os lábios da outra, cheia de delicadeza e carinho.
- Como você quiser...
As duas ficaram em silêncio, enquanto tudo que a corvinal conseguia pensar era no toque dos dedos de Lilá nos seus lábios. A grifinória passou os dedos pelo rosto da outra menina, sorrindo de forma tímida.
- Como você quiser... – Repetiu se aproximando.
Então os lábios de Padma estavam cobertos pelos da amiga, se tocando levemente, num beijo tímido. Seu coração acelerou em surpresa, e mais uma vez sentiu flutuar, mas agora, nada a poderia segurar no chão.
N/A: Eu sei, eu sei que esse beijo não foi aqueeeeele beijo, mas foi o melhor que eu consegui fazer... Por favor, mandem reviews!!! E a quem mandou, infinitamente obrigada!
