Capítulo 5 – De Olhos Bem Fechados
"Teu corpo é meu espelho e te navego
Eu sei que tua correnteza não tem direção"
Nos dois dias que se seguiram, estiveram ocupadas demais para se ver. Lilá ainda parecia magoada a cada olhar que lançava a Simas e desviava constantemente os olhos dos dela. Padma apenas podia imaginar o quão complicado era para a garota administrar toda a raiva do ex-namorado junto com as complicações de um romance proibido. Sentia uma falta desesperadora de Lilá, da forma como davam as mãos, mas naquele momento tudo que podia fazer era esperar pelo momento em que se encontrariam.
Agora que estava ciente do romance entre a menina Weasley e o monitor-chefe, Padma percebeu que estava evidente para quem quisesse ver: trocavam ainda mais olhares do que ela e a grifinória, e corujas estranhas os visitavam, com bilhetes que provocavam ausências repentinas. Quatro vezes em apenas dois dias ela tinha visto Malfoy chegar fora do horário na sala de aula, a gravata estranhamente desalinhada. Ela sempre sorria para ele, que respondia com um olhar gélido, como se fossem desconhecidos.
Com isso tudo foi uma surpresa quando ele entrou na aula de Herbologia e sentou ao lado dela ignorando Crabbe, Goyle e Pansy Parkinson. Muitas pessoas olharam esquisito para o rapaz, mas ele meramente encarou-a, sorrindo. Mandy parecia extremamente pálida aquela altura do campeonato, como se a presença do sonserino a intimidasse.
- Patil! Que alegria te ver por aqui!
Ela ergueu a sobrancelha estranhamente antes de responder.
- Precisa de alguma coisa, Malfoy? Esqueci algum relatório? Alguma tarefa que eu não cumpri?
- Fiquei sabendo que você deu uma detenção no Finnigan. O que o pateta fez?
- Comportamento impróprio – respondeu conclusiva, afofando a terra com uma pequena pá. – Onde você pretende chegar com isso?
- Ele estava agarrando aquela namoradinha dele pelos corredores mais uma vez? Ninguém dá detenção porque um casal está tendo um momento de romance, Patil...
As bochechas dela coraram rapidamente de raiva, e ela passou a encarar o vaso a sua frente.
- Ela não estava de acordo, Malfoy.
- Compreendo – respondeu, frio, um sorriso insuportável no rosto. – De qualquer forma, tenho um recado para você, que a Weasley – ele falou o nome da namorada como se fosse algo desprezível – pediu que te mandasse. As oito horas, na antiga sala da AD, seja lá o que isso quer dizer.
- Obrigada – respondeu
entredentes, o coração disparado. – Mais alguma coisa, Malfoy? Ou você resolveu
descer de cima do seu salto apenas para dar um recado da monitora da
grifinória?
- Na verdade, ela veio me entregar o relatório sobre a detenção do Finnigan e
aproveitou para pedir para te avisar. Está de caso com a pobretona, Patil?
- Não seja ridículo, Malfoy – respondeu ríspida, rindo por dentro. – Apenas tenho alguns trabalhos extras a fazer... – Ela piscou. – A operação cupido nunca acaba em Hogwarts!
As horas pareceram se arrastar até o momento em que bateu de leve na Sala do Requerimento. A porta abriu, a mostrando a sala, muito menor do que ela se lembrava, mas completamente diferente. O quarto estava todo pintado de branco, e Lilá estava sentada em uma das camas de baldaquino, sorrindo para ela. Havia um espelho alto do outro lado em uma moldura dourada que parecia muito antiga, que a deixou encantada.
- Acho que você não voltará a torre oeste hoje, Padma – falou a loira sorrindo.
- O que você está pretendendo? – perguntou a corvinal ainda olhando o espelho.
- Aproveitar o tempo com você – respondeu simplesmente, se levantando abraçando a outra por trás. – Só Merlin sabe quando poderemos nos ver novamente...
Padma se virou de frente para a loira, um sorriso triste tomando conta de seu rosto.
- Porque tem que ser tão errado? Porque tem que ser tão difícil? Até a Weasley e o Malfoy se vêem mais do que eu e você...
- Porque se alguém os vir, será apenas uma fofoca, um escândalo – falou a grifinória ajuizadamente. – Se alguém nos pegar, Padma, vão ter outras conseqüências. As meninas não vão nos querer em seus dormitórios, e os garotos nos olharam com desconfiança e volúpia. Não há nada mais nojento que transformarem a gente em... Em uma relação movida a sexo. Não tem sexo, não é? – a morena corou violentamente. – Só carinho...
As duas encostaram a testa uma na da outra, mantendo os olhos nos olhos enquanto podiam. Depois os fecharam, deixando a pele dos rostos se encostarem levemente, os lábios tocando as faces sem se comprimir em um beijo. As duas respiravam baixinho, os braços envolvendo-as em um abraço firme sem perder a delicadeza. Padma tomou a iniciativa do beijo, e só então percebeu o quanto precisava desesperadamente daquela carícia.
Mergulhou em um beijo que misturava desespero à tranqüilidade em doses iguais. Ninguém poderia saber daquilo, mas naquele momento, não havia mundo. Havia Lilá e Padma, sozinhas no meio do universo, vivendo com toda intensidade um tipo de amor atípico. A corvinal colocou as mãos na cintura da namorada, a puxando levemente para si. Lilá puxou-a pelas costas com o braço esquerdo enquanto com a mão direita segurava o rosto da morena, aproveitando para esfregar levemente os lábios nos dela.
Quando finalmente se separaram estavam ofegantes, tensas, espantadas com a força do pouco que tinham acabado de fazer.
- Você me faz muito feliz...
- A gentileza gera gentileza – respondeu a loira, com um sorriso estampado no rosto. – Sua felicidade gera a minha felicidade.
E mais uma vez, as duas se perderam em um beijo longo e delicado.
Quando acordou no dia seguinte, Padma chegou a pensar que tinha sonhado. Mas ao abrir os olhos viu Lilá deitada ao seu lado, sob seu braço esquerdo, respirando lentamente. Sorriu ao lembrar o tempo inteiro em que ficaram juntas, trocando beijos e abraços, conversando de mãos dadas... Nada mais nada menos do que isso. Qualquer um poderia imaginar que tinham feito zilhões de coisas e alimentar fantasias de preliminares e carícias que jamais tinham existido. Não que não houvesse desejo, mas havia tanta calma, tanto carinho, tanto respeito que nada daquilo lhe parecia necessário.
Ela se levantou, observando o quanto sua blusa estava amassada, a calça jeans fora do lugar. Aproximou-se do espelho, ajeitando o cabelo para prender, e já fazendo o coque quando soltou o cabelo com um susto. Piscou diversas vezes, esperando que a imagem desaparecesse, mas continuava refletida na superfície do objeto. Olhou para trás, mas Lilá continuava dormindo.
Voltou-se lentamente vendo sua imagem refletida – mas então ela estava de uniforme! – e ao seu lado estava Lilá, sorrindo alegremente para depois os lábios se encontrarem em um beijo. Deu a volta em torno do espelho, espantada, e não encontrou nenhuma explicação para o que vira. Chegou a achar que estivera sonhando acordada quando olhou de outro ângulo e viu-se refletida de jeans e suéter, mas ao para bem na frente, tornou a ver a mesma cena.
Lentamente, seus olhos foram reparando melhor na moldura do espelho, e ela pode ver, entalhado no material dourado as seguintes palavras: Oãça rocu esme ojesed osamo tso rueso ortso moãn. Continuou encarando sem entender o que aquilo poderia querer dizer. Não se parecia com nenhuma língua que conhecia, não lhe fazia sentido.
- Bom dia... – falou a voz manhosa de Lilá, mas Padma não a respondeu, perdida em pensamentos. – Eu disse bom dia! – chamou atenção a loira.
- Bom dia... – falou distraída, seu cérebro começando a juntar as peças.
- Não nega o sangue, não é? – falou a grifinória rindo – Sempre se apaixonando por um espelho...
- Não é só isso, Lilá... – falou franzindo a testa. – Esse não é um espelho comum.
A loira ficou em silêncio, mas não manifestou muita curiosidade sobre o objeto...
- Não mostro... o seu rosto... mas o desejo em seu... coração! – Ela se virou para a namorada que continuava a mesma distancia do espelho que antes. – É por isso que eu vejo eu e você!
A loira balançou a cabeça negativamente, rindo.
- Eu achava que você via eu e você porque estamos só nós na frente do espelho, Pad...
- Não! – ela falou. – Eu vejo eu e você no espelho, mas não como estamos agora... Vejo de uniforme, nos beijando...
- Deve ser a sua vontade... – A loira se aproximou da morena, mas esta não se mexeu.
- Lilá! É isso! Não mostro o seu rosto, mas o desejo em seu coração! Ele nos mostra o que nós queremos! – Ela abraçou a namorada, beijando-a de leve.
- Então... – A menina respirou perto do rosto da outra. – É um beijo meu que você quer?
A morena sorriu levemente antes de começarem a se beijar, contente e intrigada pelo espelho.
- O que você vê? – perguntou baixinho no ouvido da loira.
- Como assim?
- Fique aqui aonde eu estou – ela puxou a namorada para o lugar onde estivera -, e olhe o espelho. O que você vê?
A loira ficou encarando o espelho em silêncio por um instante antes de franzir a testa por um instante e sacudir a cabeça.
- Eu vejo a gente se formando.
Ela sorriu para a namorada, que a abraçou delicadamente. Padma não viu o olhar de tristeza e espanto que a loira continuou a lançar para a superfície lisa do espelho.
Padma realmente não gostou da expressão na cara do Professor Flitwick quando a chamou durante a aula de Poções. Mesmo o rosto de Snape parecia querer lhe dizer alguma coisa por detrás de sua habitual expressão fria. Ela seguiu o diretor da Corvinal até a sala de Dumbledore, subindo pelas escadas circulares e reparando que nunca tinham levado ela até lá.
Quando o professor abriu a porta, ela pode ver que Parvati e a Professora McGonnagal já estavam lá dentro e ela se perguntou o que teria acontecido. Dumbledore parecia muito sério, os olhos baixos sem encarar as meninas. Parvati tinha em frente de si um exemplar do Profeta Diário que anunciava um ataque ao Beco Diagonal, e ao seu lado, estava um dos irmãos Weasley, que ela lembrava de ter sido monitor-chefe anos antes.
- Sente-se, Srta. Patil – Ele parecia cansado e incomodado com a situação. – Eu tenho uma coisa muito importante para falar com as senhoritas.
Padma olhou para a irmã, os olhos dela já cheios de lágrimas a serem derramadas, meio intimidada pelo olhar profundo e penetrante do velho diretor.
- Houve ontem um ataque dos comensais ao Beco Diagonal – ele falou, e respirou fundo. – Os aurores interviram, e prenderam alguns deles, mas muito estrago já tinha sido feito... E a mãe de vocês foi pega.
- Ela está com os comensais? – falou a grifinória, arregalando os olhos em horror.
O diretor fechou os olhos por um longo momento e balançou a cabeça negativamenete.
- Eu deveria ter imaginado – ele virou-se para o ruivo. – Elas são inocentes, Percival, eu disse a Cornélio – e virando-se de novo para as meninas. – Sua mãe não está com os comensais.
- Mas o senhor disse... – interrompeu Padma, a cabeça rodando.
- Sua mãe foi pega pelos aurores, Srta. Patil – ele olhou dentro dos olhos de ambas – Ela era uma das comensais.
Padma sentiu-se congelar com o choque, mas o antigo monitor-chefe começou a falar.
- Como as duas são inocentes, seus bens não serão bloqueados. Ao invés disso a partilha será acelerada, e serão responsáveis cada uma por 50% dos bens da família Patil. Sua casa estará sob a observação dos aurores, e sua mãe detida em Azkaban por tempo indeterminado podendo ser condenada a prisão perpétua. No mais, vocês devem...
- Dê a elas algum tempo, Percy! – ralhou a professora de transfiguração. – É um choque enorme!
- Pois bem – ele fechou a maleta, os trincos fazendo barulho. – Estava apenas cumprindo com meu dever. No mais, vocês devem continuar suas vidas normalmente, Srtas Patil. E uma boa tarde para os senhores professores.
Padma abaixou a cabeça, finalmente caindo no choro. Não havia realmente mais nada o que dizer.
Continua...
N/A: O capítulo é dedicado a Keks, e espero que depois disso ela NÃO me ameace que receber uma cotovelada na nuca por falta de entrega de capítulos! E também porque eu adorei e me surpreendi com a review dela...
