Capítulo 6 – Espelhos partidos

"Mas tão certo quanto o erro de ser barco à motor

E insistir em usar os remos

É o mal que a água faz quando se afoga

E o salva vidas não está lá porque não vemos"

Todo o mundo de Padma parecia rodar em uma espiral confusa. Não demorou muito tempo para que a notícia de que a Sra Patil, a conhecida socialite, a viúva do tão bem visto Charles Patil era na verdade uma das comensais da morte apanhadas pelos aurores na última batalha. Hermione Granger tinha ido falar com ela após uma reunião de monitores para dizer-lhe que sentia muito, mas Rony Weasley não parecia concordar muito plenamente com ela.

Em um primeiro momento, a própria Lilá não tinha acreditado no que as meninas lhe contaram. Provavelmente tinha sido um choque tão grande quanto fora para as gêmeas saber das atividades secretas de sua mãe. Padma sabia que para Lilá sua mãe era um pouco mãe da loira também. Doía muito pensar na senhora elegante, agora, presa dentro de uma cela, mesmo que não houvesse mais dementadores guardando a prisão.

A maior parte dos alunos lançava olhares de desconfiança enquanto andavam pelos corredores, e os primeiranistas fugiam da sua frente antes que ela se aproximasse. Parvati e ela sempre tinham figurado entre as meninas mais populares da escola, e o comportamento da multidão de lhes virar as costas era estranho e doloroso. Nunca tinha imaginado a dificuldade de se viver em um ambiente fechado tendo a opinião pública contra si, e pela primeira vez se arrependeu de algumas fofocas que ajudara a espalhar.

Como sempre, os alunos da sonserina iam contra a maré e muitos as tratavam com um respeito muito maior do que o comum. Só quem lhe parecia indiferente era Draco Malfoy, que na verdade a olhava como se ela tivesse pisado na bosta logo antes de encontrá-lo (E era incrível como ele parecia com a mãe quando fazia essa expressão).

Aos poucos, foi vendo que mesmo Lilá parecia distante de si. Não entendia bem o comportamento da namorada. Não era possível que tivesse acreditando que as duas tinham a menor idéia sobre aquilo; e na verdade não andava menos com Parvati do que antes. Padma achava ótimo, uma vez que mostrava que a loira estava dando forças a irmã de um jeito que ela mesma não era capaz, mas se sentia confusa. Já se passavam quase quinze dias desde que Dumbledore a chamara em sua sala, e nesse meio tempo, por mais que tivesse visto Lilá todos os dias, não haviam trocado um beijo que fosse.

Suspeitava que agora Mandy estivesse começando a desconfiar do que estava acontecendo: mais de uma vez a corvinal tinha sido surpreendida pela amiga enquanto encarava a namorada extasiada. Dera desculpas, se declarara muito preocupada com a irmã e a amiga, mas havia algo na expressão da outra que demonstrava que ela não tinha posto muita fé na história.

Agora, aquela noite seria diferente. Aquela noite, elas ficariam em paz. Entrou na Sala do Requerimento e esperou. Esperou por muitos minutos até que a grifinória aparecesse. Lilá entrou na sala, mais de quarenta minutos atrasada, com uma expressão mortificada, os olhos azuis meio apagados, olheiras despontando sobre a pele pálida, os cabelos em um rabo de cavalo frouxo. Mesmo assim, ela parecia linda. Absolutamente linda, a despeito de sua aparência arrasada. Era quase indiferente para a morena que estivesse desarrumada: seu coração disparava da mesma forma, e ela levantou apressada, indo direto até a outra menina e a abraçando firme.

Ela sentiu o corpo de Lilá frágil sobre seus braços, e sentiu que enquanto a abraçava de volta a grifinória parecia desanimada. Puxou a cabeça para trás, olhando-a nos olhos por um instante, antes que a loira puxasse sua cabeça para si e a beijasse com vontade, os lábios tocando com uma força que ela jamais tinha sentido. Havia algo absurdamente desesperado na forma como Lilá a beijava, e ela apenas tentava retribuir à altura. Sentiu a loira a abraçando com firmeza, puxando sua cintura mais para si, e aproveitou para puxar os lados da capa dela em resposta.

Foi quando Padma sentiu um gosto salgado no beijo: a menina chorava. Afastou a cabeça lentamente, encostando a testa na da namorada, e respirou fundo.

- Qual o problema, princesinha?

- Eu não posso, Pad... – ela soluçou, tremendo entre lágrimas. – Eu simplesmente não posso mais... – A loira andou até a cama e se sentou, chorando sem parar, enquanto a outra menina a seguiu.

- Não pode mais o quê? – Um pressentimento ruim tomou conta da morena, que sentiu suas mãos tremerem sem querer acreditar no que ouvia.

- Continuar, continuar... – Ela soluçava cada vez mais, e se mantinha agarrada no corpo da corvinal. – Continuar com você.

Deu um passo para trás, espantada com a afirmação e olhou para a grifinória à sua frente, vendo que o que ela dizia custava cada grama de sua determinação.

- Porque não? – perguntou, quase fria.

- Eu... Simas. – A loira levantou a cabeça, triste. – Eu ainda gosto de Simas... – Sob o olhar espantado da outra, ela emendou – Não é que eu não goste de você... Eu... – ela fechou os olhos com força. – Eu te amo, Padma Patil. Eu realmente te amo, mas...

Houve um grande silêncio que parecia ecoar em cada parede do cômodo. Um silêncio pesado, dolorido, como o que segue a morte de uma cria nascida em plena primavera.

- Mas...?

- Mas se eu fosse comparar – mais uma vez a loira interrompeu sua fala, tentando conter as lágrimas – se eu fosse comparar...

- Você ama mais a ele do que a mim. – Sentenciou a morena. – Entendo.

- Me perdoe... – a loira pediu, tremendo. – Me perdoe se não...

- Você não tem que pedir perdão por nada. Você não fez nada de errado... Eu nunca achei... Que podia acontecer. Não tem problema. Não tem nada a ver. Eu que te forcei, e me iludi e...

- Eu fiz o que queria fazer há tempos – interrompeu a grifinória -, mas ainda... Ainda há Simas em mim... Em meu coração...

- Escute uma coisa, Lavender – Padma a interrompeu, falando com a voz ao mesmo tempo firme e doce. – Eu te amo. E eu te amo muito mais do que eu deveria, muito mais do que eu gostaria. Eu tentei lutar contra isso, claro, eu tentei impedir, e não acreditei quando senti, mas você foi mais forte. Você foi mais forte do que eu e quebrou cada uma das barreiras, ultrapassou cada um dos empecilhos que eu coloquei... E me fez me sentir diferente. E fez eu achar que o amor... Não era aquela coisa egoísta que a gente tem, de querer ficar junto. É mais... É muito mais... Se ele vai te fazer mais feliz do que eu te faço, então... Volta pra ele.

- Mas Pad...

- Volta pra ele. Vai me fazer a pessoa mais feliz do mundo te ver feliz.

- Eu não queria te machucar...

- Não vou negar. Vai doer, e doer muito não te ter por perto... Não te ter comigo... Mas eu quero que você seja feliz acima de qualquer coisa. Acima de mim.

- Me desculpe por te fazer mal...

- Você não me fez mal – a morena passou a mão no rosto da garota, falando com uma voz ainda mais gentil. – Você foi maravilhosa pra mim. Eu agradeço muito essa chance...

- Eu queria muito... Poder ser toda sua... Toda sua... Mas eu não... Você sabe que eu estou prometida.

- Eu queria muito que você fosse minha. Mas não é. Nada vai mudar o jeito como seus olhos brilham quando você está com ele. Eu sempre soube, bem no fundo, que você nunca me olhou daquela maneira. Eu fui um erro.

- Você nunca vai ter sido um erro, Padma, nunca – a grifinória balançou a cabeça veementemente. – Você vai ter sempre sido uma das coisas mais preciosas que eu já tive em mãos... Mas eu não sei cuidar de jóias... Eu...

- Você fez o melhor que pode – A voz de Padma era firme, embora ela estivesse desmoronando por dentro. – Agora vai. Vai, e diz pra ele que você ainda é dele. Vá lá.

A morena deu um beijo leve na face da outra menina, tentando esconder a tristeza sem conseguir. Ela respirou fundo, esperando receber outro beijo em resposta, mas ao invés de tocar sua face, os lábios de Lilá encontraram sua boca, e sem pensar Padma permitiu que se beijassem, o desespero se tornando claro a cada toque, sem perder a delicadeza e a gentileza que sempre tinham caracterizado os beijos entre as duas. Deslizou as mãos levemente pelo pescoço da grifinória, passando os dedos entre os fios dourados, e aproveitando ao máximo do beijo que mais tinha esperado e que jamais voltaria a ter.

- Você é a melhor coisa que pode acontecer a alguém – falou a loira, os lábios ainda colados aos seus.

- Você sempre foi meu terceiro espelho, Lilá, e vai continuar sendo. Não o modelo de mulher que eu queria ser, porque essa era minha mãe antes de... Antes de... – suspirou. – Você sabe. Ou a Parvati, que era meu segundo espelho, meu referencial imediato, aquilo que eu sabia que deveria ser sempre... Mas meu terceiro espelho, meu ideal. A mulher que eu desejo tanto que não queria ser, e sim ter pra mim. Você vai sempre seu meu terceiro espelho, meu único terceiro espelho...

Agora as duas meninas se encararam chorando silenciosamente, e Lilá se levantou, falando em voz baixa.

- Se um dia isso não der certo, eu quero que você tenha certeza que eu vou ter me arrependido amargamente de ter te deixado...

- Vou me lembrar disso. Mas não vai haver um depois...

- Eu realmente espero que não.

Lilá andou quieta até a porta, quando a voz de Padma a interrompeu.

- Só me diga o que te fez descobrir que ainda o amava.

Ela olhou tristemente para a ex-namorada por alguns instantes antes de responder.

- O espelho – falou cabisbaixa. – O espelho de Ojesed. Quando eu olhei para ele... Me vi com Simas – e mais uma vez o silêncio. – Sinto muito.

- Tudo bem. Vá lá... Eu também já vou pro meu quarto.

- Você tá bem?

- Eu vou ficar bem – ela deu um sorrisinho fraco, e a loira fechou a porta.

Padma andou até o espelho, encarando mais uma vez a imagem das duas juntas e sentiu parte de si morrer. Aquele beijo que ela via como um filme, nunca mais. Nunca mais. Justamente por culpa daquele espelho. E ela chorou. Ela chorou, e esmurrou o espelho, e desejou que seus punhos quebrassem o vidro e esse ficasse partido como seu coração. Mas nada disso aconteceu.

Ela estava sozinha, e nada mudava isso.

Padma acordou junto com os primeiros raios de sol, o corpo dolorido e esparramado pelo chão. Sentia seus olhos arderem por conta das lágrimas que tinha derramado até cair no sono, a respiração dificultada pelas horas de choro em frente ao espelho. Ao se sentar quase caiu de susto ao ver mais um par de rostos idênticos ao seu no quarto. O espelho refletia a imagem de sua irmã logo atrás de si.

A grifinória estendeu a mão, ajudando a irmã a se levantar do chão, até que as duas estivessem com os olhos no mesmo nível. A corvinal baixou os olhos, completamente devastada pela noite que passaram, e sua irmã abraçou-a com força.

- Eu sinto muito... Muito mesmo... Eu deveria saber que isso ia acontecer...

- Todo mundo sabia que ia acontecer, mais cedo ou mais tarde...

- Eu queria ajudar... – Suspirou Parvati. – Mesmo.

- Não tem problema. Eu vou ter que me acostumar. Nunca tive situação pior... Todos acham que eu sou mais uma futura comensal da morte, me viram as costas, a Lilá terminou comigo, e tenho certeza que todo meu dormitório deve estar esbravejando contra mim essa hora, me chamando de lésbica e maldita... Mandy sabe... Ela deve estar querendo me bater até eu tomar vergonha na cara... Seria típico dela...

- Mandy não vai dizer nada sobre você.

- Você não conhece Mandy como eu... Ela odeia essas coisas, ela...

- Mandy não vai abrir a boca... Céus, como você é cega... Ela não vai falar nada sobre você e Lilá... Jamais ela iria... Ela tem uma lealdade há você... Ela é sua amiga, Padma, mais que qualquer outra pessoa. Mais que você imagina.

- Ah, Parvati... – Ela se agarrou na irmã, quase tornando à chorar, e respirou fundo. – Eu preciso tanto de uma amiga legal... Tanto... De um ombro...

- Eu vou estar sempre aqui – a outra respondeu firme. - Eu vou sempre ser seu espelho, sempre... E Mandy também estará lá por você... E Lilá estará olhando por você de longe... Você sabe que assim é melhor pra ela... E conseqüentemente pra você.

- Você acha que eu fiz certo?

- Eu acho que você foi enormemente grande ao deixá-la partir. Eu não saberia fazer esses sacrifícios por amor... Talvez por isso eu esteja nesses namoros medíocres... Mas um dia eu aprendo... Muda com o tempo de cada um.

- Obrigada por existir... – Lilá sussurrou baixinho.

Pouca gente reparou que tinha se apagado a luz dos olhos de Padma. A ajuda que ela precisava veio de todos os lugares onde ela menos esperava: Mandy realmente não disse aos outros nada do que tinha notado sobre seu amor por Lilá, e veio abraçá-la assim que ela entrou no salão principal na manhã seguinte. Pelo resto do ano, ela foi uma muralha ajudando Padma a se erguer.

Outra pessoa que surgiu na vida dela para lhe ajudar a seguir em frente foi Gina. A ruiva não hesitou em procurar a menina ao saber que o romance tinha terminado, sempre muito grata por esta ter guardado seu segredo, e aos poucos as duas foram se tornando boas amigas.

Com o tempo as pessoas foram tornando a confiar nas gêmeas, e vendo que não havia a menor possibilidade de as duas se tornarem comensais. Na verdade, elas queriam se juntar à batalha... Tinham perdido muito para o Lord das trevas. Com algum esforço, elas se formaram, em um clima tenso de véspera de batalha.

Muitos se perderam naquela luta. Muitos comensais e muitos aurores. Alguns conhecidos: Hagrid foi salvo por seu animalesco irmão, mas Snape não teve a mesma sorte e morreu. Um dos irmãos Weasley que elas não conheciam sofreu ferimentos irreparáveis, e o antigo Alastor Moody também se foi. E ao fim, Harry Potter se tornou, agora, o homem que sobreviveu. Ele sobreviveu aos ataques de Voldemort, destruiu o bruxo, e foi internado em St. Mungus até se curar dos ferimentos da batalha.

Simas e Lilá continuaram juntos e noivaram após o fim da escola. Outro casal que resolveu se uniu foi Rony Weasley e Hermione Granger. Draco e Gina continuaram um romance secreto durante todo último ano da menina, e Parvati começou a trabalhar na redação de "O Semanário das Bruxas".

Padma decidiu se mudar para Paris onde faria o curso de aperfeiçoamento em culinária bruxa. Mandy a foi morar com ela enquanto estudava para sua residência médica no Instituto Médico de Paris.

Padma podia ser cega, como Parvati dizia, mas a cegueira do amor perdido nunca dura muito tempo... E ela sabia encontrar caminhos para ser feliz... Como ela merecia ser. Sem nunca deixar de sentir um pequeno aperto ao pensar em Lilá, mas sendo feliz sem ela.

Mas isso, já é assunto para outra história...

FIM

Nota da Autora: Eu sinto muito por ter demorado tanto tempo até atualizar o capítulo final, mas eu estou SEM meu computador, e portanto SEM todas as minhas notas sobre todas as minhas fics. Eu sei que esse fim é um fim triste, mas já dizia minha linda namoradinha que "a verdadeira perfeição tem que ser imperfeita". E à ela vão todas as honras da fic, por ter sempre me incentivado à escrever, assim como todas as pessoas que falavam bem de O Terceiro Espelho, como a Pichi, a Keks, MioneBlack, minha filhota Killer, minha beta Satine, e à todas as reviews...

Um beijo enorme e meus sinceros agradecimentos à...

May Malfoy, Keurol, Miss Delynx (toda fofa), dona Fabi Mellignot, Angel B, Mag, Ameria A. Black, Dark Angel, Bel, Amanda, Xuquita, Mô Granger, Babi Black, Mari Spinnelli e Kah...

PS: é esse o momento que o Windows Mídia Player escolhe pra tocar "Daniel na Cova dos Leões" do Legião Urbana, tema da fic. Realmente, pouca concidência é bobagem! :)

Ps2: A Fic é toda escrita graças à existência da Bárbara Collyer, minha Lilá, meu terceiro espelho, porque já diziam os produtores de filme adolescente/idiotas americanos: a primeira vez é inesquecível...