Disclaimer: Harry Potter nem nenhum outro personagem bla bla bla bla bla bla. Capiche?
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Sirius de certa forma entendia porque Remus o ignorava. Provavelmente o lobisomem tomara as dores de James. Mas uma coisa ainda intrigava Sirius: por que Remus continuava daquele jeito se mesmo James não agira daquele modo? O garoto não parecia ter dor nenhuma para ser tomada por Remus. James, que era o mais ofendido com a história toda, estava normal. E Remus agia daquela forma.
Sirius começava a pensar em outras possibilidades. Remus andava muito sombrio. Havia algum tempo que Sirius desconfiava do lobisomem, e essa desconfiança só tendia a aumentar.
Sirius vivera no meio das trevas. Embora odiasse tudo aquilo, não podia deixar de reparar. As Artes das Trevas tinham muitas artimanhas, eram infinitamente mais evoluídas do que feitiços limpos. Haviam poções, feitiços, maldições e azarações para tudo. Ou melhor, quase tudo, pois havia uma coisa que nem a magia branca nem a negra eram capazes de fazer: os mortos voltarem a vida. Mas de resto, ao que parecia ao garoto e a todos os outros, tudo era possível.
Um pensamento negro sondava Sirius. Ele nunca havia pesquisado absolutamente nada sobre Artes das Trevas. Sempre quis distância disso tudo. Mas uma pergunta o fez, pela primeira vez verdadeiramente, ficar curioso sobre uma coisa.
Será que nas Artes das Trevas havia um modo de curar a licantropia?
Não imaginava que Remus fosse tão longe. Mas, afinal de contas, o garoto o surpreendera no último ano tanto quanto ele poderia imaginar. Não seria de total descrença mais um baque desse.
Três semanas após o baile e muitas tentativas de Sirius de falar com Remus, ele desistiu. Seria mais fácil Merlin descer a Terra e o beijá-lo do que Remus voltar a tratá-lo normalmente, era o que parecia. O garoto também estava estranho com Lily, mas com James ele ainda caminhava às beiras da cordialidade. Às beiras. Não era a mesma sensação, era uma outra, diferente. Nada mais seria como antes.
Aliás, essa parecia ser a frase que imperava nas últimas semanas de Sirius. Nada parecia querer voltar ao que era antes. Apesar dos esforços dele, de Lily e de James, persistia um clima estranho no ar. Estava quase normal, mas em certos momentos, quando estavam só os três juntos, o ar parecia abafado. Peter não deixava o ambiente pesar perto deles, e Sirius agradecia o semancol do garoto, mas nos pequenos momentos de silêncio, as palavras ecoavam dentro dele, pois ele sabia.
Nada mais seria como antes.
Sirius fitava Lily e lembrava do beijo como se ele tivesse acontecido há milênios. Mas ao mesmo tempo, ele estranhamente podia senti-la nos braços como se ela estivesse neles há apenas alguns minutos. O cheiro do perfume delicado e de sabonete às vezes invadia sua memória e ele se entorpecia de lembranças. Mas Sirius sabia que era impossível viver de lembranças. Embora seu presente fosse permanentemente desagradável, então que ele olhasse para o futuro. Para um futuro em que pudesse esquecer Lily e se apaixonar por outra garota. Um futuro no qual ele pudesse ser feliz e admirar a felicidade de James e Lily sem remorsos, sem inveja nem angústia. Um futuro que ele sabia que iria demorar a chegar - e que talvez não chegasse nunca.
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Respirando fundo, Remus sentou-se na grama, apoiando as costas na copa de uma árvore. Ele queria poder esquecer de tudo, simplesmente viver o momento. E era o que estava disposto a fazer, pelo menos durante alguns minutos.
Fechou os olhos, e sentiu uma brisa leve e aliviante, naquele calor, passar por seu rosto acariciando a pele. Ele queria senti-la, queria aproveitá-la ao máximo. Remus tocou a grama embaixo de si, e a puxou. Por quê ele não conseguia viver de momentos? Por quê tinha sempre que prestar atenção no mundo como um todo?
Levantando o rosto e abrindo os olhos, Remus admirou as nuances de rosa e laranja que tingiam o céu onde o sol se punha. Alguns tons violeta riscavam o rosa quase imaculado, e nuvens banhadas de laranja atravessavam o horizonte até onde Remus não conseguia mais enxergar. O sol havia se escondido atrás das montanhas que cercavam Hogwarts, e Remus sentiu vontade de vê-lo.
Seus ouvidos captaram risadas de alguns grupos de alunos esparsos. A maioria já havia se recolhido ao castelo. Porém só agora Remus saíra do castelo. Um vento mais forte fez os cabelos do garoto se desarrumarem.
Remus mal podia acreditar no espetáculo de cores e sons que estavam ao seu redor. Absorvia tudo aquilo, assim como a grama áspera debaixo de suas mãos, completamente entorpecido. Nem lembrava mais o que ficara fazendo dentro do castelo, já não importava. As risadas distantes não o aborreciam porque ele não conseguia rir; isso também não importava mais. Também esquecera porque não conseguia rir.
Ele não conseguia rir? Não se lembrava disso. Então Remus começou a dar risadas, discretas, mas que foram crescendo até se tornarem puras gargalhadas. Que se dane se alguém estava achando-o louco.
Remus saíra de si. Ele não conseguia pensar na própria vida, ele apenas pensava no momento. Conseguira esquecer o mundo e se concentrar apenas no momento, ele percebeu, triunfante. Mas ele não conseguiu saborear o triunfo por muito tempo, tudo o que o rodeava o invadiu novamente: todas as cores do pôr-do-sol, o vento morno, o som da própria risada.
E Remus, depois de muito tempo, achou o mundo belo. Belo como não se lembrava de ter achado antes. Em todas as suas injustiças e imperfeições, o mundo ainda conseguia ser extremamente bonito. E a vida, ainda que muitas vezes fosse dura, era generosa em alguns momentos.
O garoto de cabelos castanhos desejou ver o sol, desejou ver a noite, e todas as estrelas que pudesse enxergar. Desejou que chovesse, e que ele se ensopasse. Quis entrar no mar, quis sentir a correnteza de um rio - quis que pudesse, de uma vez só, sentir tudo o que a vida pudesse lhe proporcionar.
Então Remus sentiu tudo o que Sirius, sem saber, não o havia deixado sentir. E se esqueceu de lembrar de Sirius também, e de tudo de ruim que lhe acontecera. E inconscientemente agradeceu ao próprio mundo por deixá-lo esquecer de tudo aquilo por um momento. Por ter deixado-o voar.
E por ter, mesmo depois que Remus voltou a realidade, o deixado voar toda vez que o garoto quisesse.
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As portas abriram e Lily entrou, sorrindo lindamente e com os olhos cheios d'água, ao mesmo tempo em que a marcha nupcial tocava. "Oh céus, como ela está linda!" Foi a única coisa que James conseguiu pensar.
Entrementes, Sirius também. Quando Lily passou por Remus, este deu um sorriso reconfortante. Sirius esperava ansiosamente que ela olhasse para ele. Mas ela não olhou. Lily andou até o altar e fixou os olhos trêmulos de lágrimas em James. Sirius, embora um pouco ressentido, entendera perfeitamente a atitude da garota. E ele, assim como os noivos e muitos outros convidados na igreja, estava com lágrimas nos olhos. Mas estas eram por outros motivos.
ooo
Remus abriu a porta e fitou o funcionário do Ministério, que sustentava uma expressão controlada, mas quase fúnebre.
- Sr. Lupin...
- O que aconteceu? - Remus o cortou. Algo lhe dizia que havia alguma coisa errada. Alguma coisa muito errada.
- Erh... - o homem engoliu em seco - Houveram uma série de acontecimentos, que o Ministério da Magia ainda não pôde apurar detalhadamente, --
- Fale de uma vez! - o homem o olhou pesarosamente.
- O Sr. e a Sra. Potter faleceram.
Remus sentiu todo o oxigênio do mundo sumir. Tentou puxar o ar, mas não conseguiu. Suas pernas já não pareciam fortes o suficiente para lhe manter em pé. Sua mente já não parecia forte o suficiente para lhe manter consciente. Então Remus sentiu como se caísse em um precipício, um precipício infinito, e a sua visão se findou em escuridão, enquanto caía inconsciente no chão perto da porta.
ooo
A primeira coisa que Sirius percebeu depois de sair do estado de choque cego em que estava foi o frio. O frio insuportável. Que gelava seus ossos, se infiltrava na sua cabeça e parecia congelar a sua própria alma. Ele fechou os olhos e se abraçou, ficando encolhido. Mal conseguia pensar. As imagens que invadiam sua mente o torturavam. Lembrou-se subitamente do casamento de Lily e James, e uma pontada o atingiu no peito. Viu os corpos dos dois embaixo dos escombros da casa dos Potter, e a pontada desta vez fora muito mais funda. Como um punhal enterrado no coração.
Então viu Peter o acusando no meio da rua, o seu estado de completa confusão, até que o outro explodiu tudo. E então grande parte do frio transformou-se em raiva. Voltou a sentir o sangue circular pelas veias. Mas seu sangue estava gelado.
Sirius abriu os olhos e finalmente conseguiu distinguir alguma coisa. A sua própria cela, as celas dos outros prisioneiros e dois dementadores não muito afastados.
"Eu estou em Azkaban. E eu sou inocente." As palavras ecoaram na mente de Sirius. Não via saída, não via esperança. A verdade era a única coisa em que podia se agarrar ali. E ele a agarraria com todas as forças, se fosse o que precisava fazer para não findar ali dentro. Sirius poderia morrer de qualquer outro jeito. Mas, e isso ele prometeu a si mesmo, ele não morreria em Azkaban.
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Passando os dedos pelas letras clássicas impressas na lápide, Remus suspirou de desalento mais uma vez. James e Lily foram enterrados no mesmo túmulo. Os nomes dos dois estavam gravados juntos sobre o mármore acinzentado.
Ajoelhado sobre a grama, Remus limpou as lágrimas que não pareciam se esgotar. James e Lily haviam partido, assim como muito provavelmente Peter, e Sirius estava enterrado vivo em Azkaban. Remus mais uma vez se sentiu sozinho.
Porém ele não estava sozinho dentro dele mesmo, como antes. Ele estava sozinho sem ninguém. Havia o apoio de Dumbledor, e de outros amigos, mas seus verdadeiros amigos estavam longe. E nunca mais retornariam.
E Remus lamentou o destino dos Marotos e seu próprio destino. Aquilo fora o que o destino resolvera fazer com a vida deles. A duras penas Remus aprendera que não se podia lutar contra o destino. E, olhando para a lápide dos Potter's e segurando o jornal com a notícia do acontecimento, Remus tristemente constatou que com eles, o destino havia sido realmente implacável. Porque ali se findavam os Marotos. Ali se findava a vida de três pessoas. E ali se findava a vida do próprio Remus.
