Kat Hunter estava fazendo a ronda com o Dr. Richard Hutton, um quarentão brusco e rápido. Não ficava mais de dois ou três minutos com cada doente, estudando o gráfico para depois dar ordens aos residentes cirúrgicos.
- Verifiquem a hemoglobina dela e marquem a operação para amanhã... Estejam atentos ao gráfico de temperaturas dele... Comparem quatro análises sanguíneas... Retirem estes pontos... Façam algumas radiografias ao tórax...
Kat e os outros residentes estavam ocupados anotando tudo, esforçando-se para o acompanharem. Aproximaram-se de um doente com febres altas, que tinha dado entrada no hospital há uma semana e sido submetido a uma série de análises, sem qualquer resultado.
Quando se encontravam no corredor, Kat perguntou:
- O que ele tem?
- É um "NMS" - disse um residente. - "Nem Merlin sabe". Fizemos radiografias, ecografias, exames, biópsias. Tudo. Não sabemos que doença ele tem.
Avançaram para uma ala onde um jovem, com a cabeça ligada depois de ter sido operado, se encontrava dormindo.
Quando o Dr. Hutton começou a retirar as ligaduras, o doente acordou, sobressaltado:
- O que... O que houve?
- Sente-se. - disse o Dr. Hutton em tom brusco.
O jovem começou a tremer.
"Nunca tratarei assim os meus doentes" - pensou Kat.
O doente seguinte era um homem de cerca de setenta anos, de aspecto saudável. Assim que o Dr. Hutton se aproximou da cama, o doente gritou:
- Idiota! Vou processá-lo, seu grandessíssimo filho da puta.
- Bem, senhor Sparolini...
- Não me chame senhor Sparolini! Você me transformou na merda de um eunuco!
- Senhor Sparolini, o senhor concordou em fazer a vasectomia e...
- Essa idéia foi da minha mulher. Grande cabra! Esperem até que eu regresse à minha casa.
Deixaram-no resmungando sozinho.
- O que é que ele tem? - perguntou um dos residentes.
- O problema dele é ser um velho rabugento. A sua jovem esposa já tem seis filhos e não quer ter mais.
A seguir, era uma menina de dez anos. O Dr. Hutton olhou para o gráfico dela:
- Vamos te dar uma injeção para os bichos maus irem embora.
Uma enfermeira encheu a seringa e dirigiu-se à menina.
- Não! - gritou ela. - Vai me machucar!
- Isto não machuca, querida. - garantiu-lhe a enfermeira.
As palavras soaram como um eco escuro na mente de Kat.
FlashBack
"Isto não machuca, querida...". Era a voz do padrasto a sussurrar na escuridão assustadora.
- Isto é bom. Afasta as pernas. Vamos, sua putinha!
Afastou-lhe as pernas e penetrou nela, à força. Tapou-lhe a boca a fim de evitar que gritasse de dor. Ela tinha treze anos. Depois disso, as visitas dele transformaram-se num ritual noturno aterrorizante.
- Tens sorte em ter um homem como eu para te ensinar as coisas. - dizia-lhe ele. - Sabes o que significa Kat? Significa que eu tenho um gato... que persegue ratinhas. E eu quero a tua. - depois caía em cima dela e a prendia, sem que o choro ou os apelos o fizessem parar.
Kat nunca conheceu o pai. A mãe era uma mulher que trabalhava num edifício de escritório, próximo do seu minúsculo apartamento em Oldsen Wells, Irlanda. O padrasto de Kat era um homem grande que se aleijara num acidente num moinho de aço e passava a maior parte do tempo em casa, bebendo. À noite, quando a mãe de Kat saía para o trabalho, ele entrava no quarto:
- Diz alguma coisa à tua mãe ou ao teu irmão, e eu te mato e mato seu irmãozinho querido. - disse a Kat.
"Não posso deixar que ele machuque Mike" - pensou. O irmão era cinco anos mais novo e Kat o adorava. Cuidava dele, protegia e até resolvia as brigas. Ele era o seu único motivo de alegria naquela casa.
Uma manhã, aterrada como estava devido às ameaças do padrasto, decidiu que tinha de contar à mãe tudo o que estava acontecendo. A mãe iria pôr um fim, iria protegê-la.
- Mamãe, seu marido vem todas as noites para a minha cama enquanto está trabalhando e me obriga a ter relações.
Por um momento, a mãe ficou olhando para ela e depois deu-lhe uma bofetada na cara.
- Como se atreve a inventar mentiras dessas, sua peste!
Kat nunca mais tocou no assunto. Apenas ficou em casa por Mike. "Ele se sentiria perdido sem mim". - pensou ela. Mas quando soube que estava grávida, fugiu para casa de uma tia que vivia em Farmsbellow, Irlanda. A partir de então, sua vida mudou completamente. - Não precisa de me contar o que aconteceu. - disse tia Sophie. - Bem querida, mas também não é fácil ser negro. Você tem duas escolhas. Continuar a fugir, a esconder e a culpar o mundo dos teus problemas, ou se levantar sozinha e decidir ser alguém importante.
- O que é que tenho de fazer?
- Tem que saber que é importante. Primeiro, criar na tua mente uma imagem de quem gostaria de ser e o que gostarias de ter, filha. E depois esforce-se ao máximo para se tornar essa pessoa.
- Não quero ter este bebê. Ele não é fruto de amor. - decidiu Kat. - Quero fazer um aborto.
Este foi calmamente efetuado durante um fim de semana, por uma parteira amiga da tia de Kat. Quando tudo acabou, Kat pensou ferozmente: "Nunca mais deixarei que um homem me toque. Nunca mais!"
Para Kat, a Irlanda era um país de fadas. Próximo de quase todas as casas haviam lagos, fontes e rios. E havia mais de 320 hectares de zonas verdes. Velejou nos lagos da cidade e fez passeios de barco. Visitou o Great Zoo com a tia Sophie e passou vários domingos no Valleyfair Amusement Park. Participou em corridas de sacos no Cedar Creek Farm e viu combates de cavaleiros com armadura no Shakopee Renaissance Festival.
A tia Sophie olhou para Kat e pensou: "Esta menina nunca teve uma infância".
Kat estava aprendendo a se divertir, mas Sophie sentia que bem lá no íntimo da sobrinha, havia um lugar que ninguém conseguia alcançar, uma barreira que ela mesma levantara para não voltar a sofrer.
Fez amizades na escola. Mas nunca com rapazes. As amigas saíam com rapazes, mas Kat era uma solitária e demasiadamente orgulhosa para explicar a alguém o porquê.
Kat estava pouco interessada na escola ou em ler livros, mas a tia Sophie alterou tudo isso. A casa estava repleta de livros e o entusiasmo de Sophie por eles era contagiante.
- Ali há palavras maravilhosas. - disse à menina.
- Lê e ficará sabendo de onde vems e para onde irá. Tenho o palpite de que um dia será famosa, querida. Mas primeiro terá que estudar. Isto é a Irlanda. Podes vir a ser tudo o que quiser. Pode ser negra e pobre, mas também eram assim algumas das nossas congressistas e estrelas de cinema, bruxos do Ministério, professores de Hogwarts - aquela era a primeira vez que ouvira falar dessa escola. -, cientistas e heróis desportistas. Um dia teremos um Ministro da Magia negro. Você pode ser tudo o que quiser. Tudo depende de você, exclusivamente de você. Aquele era o começo.
Kat tornou-se a melhor aluna da turma. Era uma leitora ávida. Um dia, na biblioteca da escola, pegou por acaso numa cópia de "Poções e Maldições Imperdoáveis", de Sinclair Lewis, e ficou fascinada com a história do jovem e dedicado medi-bruxo. "A vida de Michael Wooshull" de Agnes Cooper, que lhe abriu um mundo novo. Descobriu que neste mundo havia pessoas que se dedicavam a ajudar os outros, a salvar a vida. Um dia, quando Kat regressou da escola, disse à tia Sophie: - Vou ser medi-bruxa. E muito famosa.
FlashBack
N/A: Mais um... Bem, não vou ficar aqui perguntando o que vocês acharam... Isso já deve estar enchendo o saco... Mas se quiserem deixar um review.... E Obrigada a todos que já deixaram eles pra mim...
