Capítulo 11 - Broom Agency


As horas impossíveis continuaram. Outra véspera de Ano Novo chegou e passou e o segundo ano deslizou para o terceiro sem nada ter mudado. O mundo exterior não afetava o hospital. As guerras, fomes e desastres de países longínquos não eram nada em comparação com as crises de vida e morte que tinham de enfrentar vinte e quatro horas por dia.

Sempre que Kat e Virgínia se encontravam nos corredores do hospital, Kat sorria e dizia:

- Está se divertindo.

- Quando foi a última vez que você dormiu? - perguntava Virgínia.

Kat suspirava:

- Quem se lembra disso?

Passaram os longos dias e noites tentando vencer a incessante e exigente pressão, comendo sanduíches quando tinham tempo e bebendo café frio em copos de papel.

Gina não tinha mais tempo para pensar em Harry e o assédio sexual parecia fazer parte da vida de Kat. Havia as insinuações constantes, não só de medi-bruxos como também de doentes, que tentavam que ela se metesse na cama com eles. Estes recebiam a mesma resposta que os medi-bruxos.

"Não há homem no mundo que eu deixe me tocar."

E ela assim acreditava.


No meio de uma manhã movimentada, houve outra chamada de Mike.

- Olá, mana.

E Kat sabia o que vinha dali. Tinha-lhe enviado todo o dinheiro que conseguira poupar, mas, bem lá no fundo, sabia que tudo o que pudesse enviar nunca seria o suficiente.

- Detesto te incomodar, Kat. Realmente detesto. Mas me meti em um problema. - A voz soou constrangida.

-Mike... está bem?

- Oh, sim. Não é nada de grave. Estou apenas devendo a alguém que me está pedindo já o dinheiro e eu pergunto...

- Vou ver o que posso fazer. - respondeu Kat, saturada.

- Obrigado. Poderei sempre contar contigo, não posso, mana? Gosto muito de você.

- Também gosto de você, Mike.


Um dia, Kat disse a Virgínia e Honey:

- Sabem do que é que todas nós precisamos?

- De um mês dormindo? - Honey tentou acertar.

- Não, de férias. E bem longe daqui.

- Exato. E sempre em primeira classe! - disse Virgínia, sorrindo. - Dormíamos o dia inteiro e à noite nos divertiríamos.

Honey deu uma gargalhada:

- Isso é bom.

- Dentro de alguns meses teremos alguns feriados prolongados - afirmou Virgínia. - Porque não planejamos as três uma ida a qualquer lugar?

- É uma boa idéia. - disse Kat, animadamente. - No sábado, vamos a uma agência de viagens.

Entusiasmadas, passaram os três dias seguintes fazendo planos.

- Estou ansiosa para ir à Veneza. Todas aquelas Gôndolas.

Paris é para onde eu gostaria de ir. É a cidade mais romântica do mundo.

- Eu também quero passear ao luar numa gôndola em Veneza.

"Talvez passemos a nossa lua-de-mel em Veneza, Virgínia" - tinha dito Harry. "Gostaria?"

Ficou pensando se Harry teria levado Karen a Veneza na lua-de-mel.

No sábado de manhã, as três foram à Broom Agency, na Powell Street.

A mulher atrás do balcão foi cortês:

- Que tipo de viagem interessa a vocês?

- Gostaríamos de Paris, Veneza...

- "timo. Temos alguns pacotes econômicos que...

- Não, não, não. - Virgínia olhou para Honey e sorriu: - Em primeira classe.

- Certo. Viagem aérea em primeira classe - acrescentou Kat.

- Hotéis de primeira, Chaves de Portal de Primeira - juntou Honey.

- Bem, posso recomendar o Ritz em Londres, o Crillon em Paris, o Cipriani em Veneza e...

Virgínia disse:

- Porque não levamos algumas brochuras? Podemos estudá-las para depois nos decidirmos.

- Tudo bem. - disse a agente de viagens.

Virgínia olhou para uma brochura:

- Também organizam o aluguel de iates?

- Sim.

- Muito bem. Talvez aluguemos um.

- Excelente. - A agente de viagens juntou algumas brochuras e entregou-as a Virgínia. - Quando estiverem prontas, me digam e eu terei o prazer de fazer as reservas.

- Nós pensaremos e retornaremos se tivermos interesse. - prometeu Honey.

Quando saíram, Kat deu uma gargalhada e disse:

- Não há nada melhor que sonhar alto, não acham?

- Não se preocupe. - garantiu-lhe Virgínia. - Um dia nós poderemos ir a todos esses lugares.


Seymour Wilson, chefe de medicina do Hospital St. Mungus Hospital, era um homem frustrado com um emprego impossível. Havia doentes a mais, medi-bruxos e enfermeiras a menos e muito poucas horas por dia. Sentia-se como o comandante de um navio afundando, correndo de um lado para o outro para tapar os rombos por onde a água entrava.

Nesse momento, a maior preocupação do Dr. Wilson era Honey Taft. Enquanto alguns medi-bruxos pareciam gostar muito dela, os residentes e enfermeiras de confiança comunicavam constantemente que a Dra. Taft era incapaz de fazer o seu trabalho.

Por fim, Wilson foi conversar com Ben Schober:

- Quero mandar embora uma das nossas medi-bruxas. - disse. - Os residentes com quem faz as rondas me dizem que ela é bastante incompetente.

Schober lembrou-se de Honey. Era aquela que obtivera notas extraordinariamente altas e recomendações brilhantes.

- Não estou compreendendo. - afirmou. - Deve haver algum erro. - Por momentos, ficou pensativo. - Vou dizer a você o que iremos fazer, Seymour. Do seu pessoal, quem é o maior sacana?

- Ted Allison.

- Muito bem. Amanhã de manhã mande Honey Taft fazer a ronda com o doutor Allison. Mande-o fazer um relatório sobre ela. Se ele disser que é incompetente, mandarei ela embora.

- Estou plenamente de acordo. - concordou o Dr. Wilson.

- Obrigado, Ben.


Na hora do almoço, Honey disse a Virgínia que tinha sido designada para fazer as rondas com o Dr. Allison na manhã seguinte.

- Eu o conheço. - disse Virgínia. - Tem uma reputação terrível.

- Foi isso que eu ouvi - disse Honey, pensativa.

Nesse momento, em outra área do hospital, Seymour Wilson conversava com Ted Allison. Este era um veterano inflexível de vinte e cinco anos. Tinha servido o Ministério da Magia como oficial-medi-bruxo e ainda sentia orgulho em "dar um pontapé no cu do Ministério".

Seymour Wilson dizia:

- Quero que vigie a doutora Taft. Se ela não servir, vou mandá-la embora. Compreendido?

- Compreendido.

Ficou ansioso pelo dia seguinte. Tal como Seymour Wilson, Ted Allison desprezava medi-bruxos incompetentes. Além disso, estava fortemente convicto de que, se as mulheres

queriam ter uma profissão na área de saúde, deveriam ser enfermeiras. Se tinha sido suficientemente bom para Florence Nightingale, também o era para todas as outras.

Às seis da manhã do dia seguinte, os residentes reuniram-se no corredor para dar início às rondas. O grupo era constituído pelo Dr. Allison, Tom Benson, seu assistente-chefe, e cinco

residentes, incluindo Honey Taft.

Nesse momento, quando Allison olhou para Honey, pensou:

"Bem, irmã, vejamos o que sabes fazer."

Voltou-se para o grupo:

- Vamos.

O primeiro doente da ala um era uma adolescente que estava deitada e tapada com cobertores pesados. Dormia quando o grupo se aproximou dela.

- Bem - disse o Dr. Allison. - Quero que todos vocês vejam o gráfico dela. - Os residentes começaram a estudar o gráfico da doente. O Dr. Allison virou-se para Honey: - Esta doente tem febre, calafrios, mal-estar geral e anorexia. Tem temperatura, tosse e pneumonia. Qual é o seu diagnóstico, doutora Taft?

Honey permaneceu silenciosa, de sobrolho franzido.

- Então?

- Bem - disse Honey, pensativamente. - Diria que provavelmente tem psitacose.

O Dr. Allison olhou para ela, surpreendido:

- O que... o que é que a faz dizer isso?

- Os sintomas são típicos da psitacose e reparei que ela trabalha em regime de tempo parcial numa loja de animais. A psitacose transmite-se através de papagaios infectados.

Allison concordou lentamente:

- Muito... Muito bem. Sabe qual é o tratamento?

- Sim. Poção Tetraciclinicus durante dez dias, repouso absoluto e muitos líquidos.

O Dr. Allison voltou-se para o grupo:

- Ouviram bem? A doutora Taft tem toda a razão.

Avançaram para o doente seguinte.

O Dr. Allison disse:

- Se examinarem o gráfico, verão que tem tumores mesotélios, perda de sangue e fadiga. Qual é o diagnóstico?

Um dos residentes disse, esperançoso:

- Parece uma forma de pneumonia.

Um segundo residente afirmou:

- Pode ser cancro.

O Dr. Allison virou-se para Honey:

- Qual é o seu diagnóstico, doutora?

Honey ficou pensativa:

- De imediato, diria que é uma pneumoconiose fibrosa, uma forma de envenenamento por inalação de partículas de amianto. O gráfico mostra que ele trabalha numa fábrica de alcatifas.

Ted Allison não conseguiu esconder a sua admiração:

- Excelente! Excelente! Sabe por acaso qual é o remédio?

- Infelizmente, ainda não se sabe qual é a poção que o faria ficar curado.

Tudo se tornou ainda mais impressionante. Nas duas horas seguintes, Honey diagnosticou um caso raro de síndrome de Reiter, policitemia deformada por osteíte e malária.

Quando as rondas chegaram ao fim, o medi-bruxo apertou a mão de Honey:

- Não sou facilmente impressionável, doutora, mas quero lhe dizer que tem um futuro fabuloso!

Honey corou:

- Obrigada, doutor Allison.

- E pretendo dizer isso a Ben Schober. - disse, enquanto se afastava.

Tom Benson, assistente-chefe de Allison, olhou para Honey e sorriu:

- Querida, me encontrarei com você dentro de meia hora.


Virgínia procurou afastar-se do caminho do Dr. Arthur Kane "Dr. Você-Sabe-Quem"! Mas sempre que surgia uma oportunidade, Kane pedia que Virgínia o assistisse nas operações. E, em cada uma, tornava-se cada vez mais ofensivo.

- O que quer dizer, nunca sairá comigo? Deve estar aprendendo com mais alguém. - E posso ser pequeno, querida, mas não em tudo. Percebe o que quero dizer?

Virgínia começou a temer as ocasiões em que tinha de trabalhar com ele.

Quanto mais tempo passava, mais Virgínia via Kane fazer operações desnecessárias e extirpar órgãos sãos.

Um dia, quando ela e Kane se dirigiam à sala de operações, Virgínia perguntou:

- Vamos fazer uma operação de quê, doutor?

- Do bolso dele! - Reparou no olhar de Virgínia. - Estou brincando, querida.


- Ele devia estar trabalhando em uma madeireira. - disse Virgínia mais tarde a Honey, zangada. - Não tem o direito de operar pessoas assim, à torto e à direito.

Após uma operação ao fígado particularmente absurda, o Dr. Kane virou-se para Virgínia e, abanando a cabeça, disse:

- É pena. Não sei se ele se safa.

Virgínia não conseguiu conter a fúria por mais tempo.

Decidiu ter uma conversa com Tom Chang.

- Alguém deveria denunciar o doutor Kane - disse Virgínia. - - Está assassinando os doentes dele!

- Tenha calma.

- Não consigo! Não é justo que deixem um homem destes fazer operações. É criminoso. Devia ser denunciado à Ordem dos Medi-bruxos.

- O que ganharia com isso? Teria de arranjar outros medi-bruxos que testemunhassem contra ele e ninguém faria uma coisa dessas. Esta é uma comunidade fechada e todos nós temos

de viver dentro dela, Virgínia. É quase impossível fazer com que um medi-bruxo testemunhe contra outro. Todos somos vulneráveis e precisamos muito uns dos outros. Acalme-se. Venha comigo que eu lhe pago o almoço.

Virgínia suspirou:

- Está bem, mas é um sistema repugnante.

Ao almoço, Virgínia perguntou:

- Como está seu casamento?

Levou um momento a responder:

- Eu... estamos tendo problemas. O meu trabalho está destruindo o nosso casamento. Não sei o que fazer.

- Tenho a certeza que tudo irá se resolver. - disse Virgínia.

Chang disse com firmeza:

- Será melhor que isso aconteça.

Virgínia olhou para ele.

- Me suicidaria se ela me deixasse.


Na manhã seguinte, Arthur Kane foi designado para fazer uma operação de rins. O chefe da cirurgia disse a Virgínia:

- O doutor Kane está chamando a senhora, para o assistir na sala de operações quatro.

A garganta de Virgínia ficou subitamente seca. Odiava a idéia de estar perto dele.

- Não pode pedir a mais alguém para...? - pediu ela.

- Ele está à sua espera, doutora.

Virgínia suspirou:

- Ok...

Quando finalmente estava preparada, a operação já tinha começado.

- Dê-me uma ajuda aqui, querida. - disse Kane a Virgínia.

O abdômen do doente tinha sido pintado com uma poção de iodo e feita uma incisão no respectivo quadrante superior direito, logo abaixo da caixa torácica.

"Até aqui, tudo bem" - pensou Virgínia.

- Bisturi! - A enfermeira-ajudante entregou um bisturi ao Dr. Kane, que levantou a cabeça:

- Ponham música.

Um momento mais tarde, a enfermeira levantou sua varinha e disse algumas palavras que logo se transformaram em música.

O Dr. Kane continuou a cortar:

- Vamos animar isto um pouco.

Olhou para Virgínia.

- Ligue o bovie, "doçura".

"Doçura". Virgínia cerrou os dentes e pegou num bovie - um cauterizador elétrico. Começou a cauterizar as artérias para reduzir a quantidade de sangue no abdômen.

A operação estava correndo bem.

"Graças a Deus" - pensou Virgínia.

- Esponja.

A enfermeira-ajudante entregou uma esponja a Kane.

- Muito bem. Vamos fazer uma sucção. - Cortou em volta do rim até este ficar exposto. - Aqui está o malandro - disse ele. - Mais sucção. - Levantou o rim com o auxílio de fórceps.

- Bem. Vamos cosê-lo.

Por uma vez tudo correra bem e, contudo, algo preocupava Virgínia. Examinou melhor o rim. Parecia são. Franziu o sobrolho e ficou a pensar se...

Quando o Dr. Kane começou a coser o doente, Virgínia correu para a radiografia colocada na moldura iluminada.

Estudou-a por momentos e disse baixinho:

- Oh, meu Deus!

A radiografia tinha sido ali colocada ao contrário.

Dr. Kane tinha extirpado o rim errado.

Trinta minutos mais tarde, Virgínia encontrava-se no gabinete de Ben Schober.

- Ele extraiu o rim são e deixou o doente lesado! - A voz de Virgínia tremia. - O homem devia ir para a cadeia!

Benjamin Schober disse, apaziguadoramente:

- Virgínia, concordo que isto é lamentável. Mas com certeza que não foi intencional. Foi um erro e...

- Um erro? Esse doente vai ter de viver de diálise durante o resto da vida. Alguém devia pagar por isso!

- Acredite em mim, iremos fazer uma avaliação pormenorizada.

Virgínia sabia o que ele queria dizer: um grupo de medi-bruxos iria examinar o sucedido, mas isso iria ser feito confidencialmente. A informação nunca chegaria ao público e ao doente.

- Doutor Schober...

- Você faz parte da nossa equipe, Virgínia. Terá de ser uma jogadora.

- Ele não devia trabalhar neste hospital, nem em nenhum outro.

- Deve examinar todo o quadro. Se fôssemos retirados, haveria uma má publicidade e a reputação do hospital ficaria afetada. Provavelmente teríamos de enfrentar muitas práticas erradas.

- E os doentes?

- Iremos vigiar melhor o doutor Kane. - Inclinou-se na cadeira. - Vou dar-lhe um conselho. Quando exercer medicina privada, irá necessitar da boa vontade de outros medi-bruxos para fornecerem referências. Sem isso, não irá a parte alguma e se tiver a reputação de ser desonesta e falar mal dos seus colegas, nunca obterá boas referências.

Garanto-lhe isso.

Virgínia levantou-se:

- Então não vai fazer nada?

- Já lhe disse, vamos fazer uma avaliação pormenorizada.

- Só isso?

- Só isso.


- Não é justo - disse Virgínia. Estava na cantina almoçando com Kat e Honey.

Kat abanou a cabeça:

- Ninguém disse que a vida tinha de ser justa.

Virgínia olhou em volta da sala asséptica de azulejos brancos.

- Tudo isto me deixa deprimida. Toda essa gente está doente.

- Ou não estariam aqui - sublinhou Kat.

- Por que não organizamos uma festa? - sugeriu Honey.

- Uma festa? De que é que está falando?

Honey sentiu-se subitamente entusiasmada:

- Podíamos encomendar comida e algumas bebidas e fazer uma grande festa! Acredito que todas nós precisamos de animação.

Por momentos, Virgínia ficou pensativa:

- Sabem - disse - não é uma má idéia. Vamos fazer sim!

- Combinado. Eu trato de tudo. - informou Honey.

- Fica para amanhã, depois das rondas.


Arthur Kane aproximou-se de Virgínia no corredor.

A voz soou gélida:

- Você tem sido malandra, querida. Alguém devia ensiná-la a manter a boca fechada! - E afastou-se.

Virgínia olhou para ele incrédula. Schober tinha contado o que Gina havia dito. Não devia ter feito aquilo. "Se tiver a reputação de ser desonesta e falar mal dos seus colegas..."

N/A: Queridos leitores da minha fic, o que estão achando da saga da Dra. Weasley? Estou ansiosa para saber o que vai acontecer com ela nos p´roximos capítulos... Bjus e até o próximo.