A notícia da próxima festa espalhou-se rapidamente. Todos os residentes contribuíram. Foi encomendado um grande menu ao Restaurante Ernie's e as bebidas a um armazém próximo.
A festa foi marcada para as cinco horas, na sala de reuniões dos medi-bruxos. A comida e as bebidas chegaram às quatro e meia.
Foi um banquete: travessas de lagosta e camarão, uma variedade de patês, almôndegas suecas, massa quente, fruta e sobremesas.
Às cinco e quinze, quando Virgínia, Kat e Honey entraram na sala, esta já estava cheia de residentes, internos e enfermeiras ansiosos, comendo e divertindo-se.
Virgínia virou-se para Honey:
- Foi uma ótima idéia!
- Obrigada - agradeceu Honey.
Ouviu-se uma voz no altofalante:
- Doutores Finley e Ketler para Sala de Urgências. Stat. - E os dois medi-bruxos, que ainda estavam comendo camarões, olharam um para o outro, suspiraram e abandonaram rapidamente a sala.
Tom Chang aproximou-se de Virgínia:
- Devíamos fazer isto todas as semanas. - disse.
- Ok. É...
Ouviu-se de novo o altofalante:
-Doutor Chang... Quarto trezentos e dezessete... Doutor Chang... Quarto trezentos e dezessete.
E um minuto mais tarde:
- Doutor Smythe... SU dois... Doutor Smythe para a SU dois.
O altofalante nunca mais parou. No espaço de trinta minutos, quase todos os medi-bruxos e enfermeiras tinham sido chamados para atender uma urgência. Honey ouviu chamarem pelo seu nome, depois foi Virgínia e a seguir Kat.
- Não acredito no que está acontecendo - disse Kat.
- Sabes o que se diz sobre a existência de um anjo-da-guarda? Bem, acredito que nós três encontramo-nos sob o domínio de um guarda demoníaco.
As palavras dela provaram ser proféticas.
Na manhã da segunda-feira seguinte, quando Virgínia saiu do trabalho e se dirigiu para o carro, verificou que dois dos pneus haviam sido furados. Olhou para eles, incrédula.
"Alguém devia ensiná-la a manter a boca fechada!"
Quando regressou ao apartamento, disse a Kat e a Honey:
- Cuidado com Arthur Kane. É doido.
Kat foi acordada pela campainha do telefone. Sem abrir os olhos, pegou no telefone e encostou-o ao ouvido.
- Alô?
- Kat? É Mike.
Sentou-se, com o coração a bater desordenadamente:
- Mike, está bem? - Ouviu-o dar uma gargalhada.
- Nunca estive melhor, mana. Graças a você e ao teu amigo.
- Meu amigo?
- O senhor Goyle.
- Quem? - Kat tentou concentrar-se apesar de estar tonta de sono.
- O senhor Goyle. Ele salvou a minha vida.
Kat não fazia idéia do que é que ele estava falando.
- Mike...
- Lembra-se daqueles caras a quem eu devia dinheiro? O senhor Goyle afastou-os de mim. Ele é um verdadeiro cavalheiro. E pensa o melhor de você, Kat.
Kat tinha e esquecido do incidente com Goyle, mas, subitamente, este lhe veio à memória:
Este é o senhor Gregory Goyle.
Mike continuou:
- Vou lhe enviar o dinheiro, Kat. O teu amigo me arranjou um emprego. Tenho um bom ordenado.
"O teu amigo."- Kat estava nervosa:
- Mike, me escute. Quero que tenha cuidado.
Ouviu-o dar outra gargalhada:
- Não se preocupe comigo. Não lhe disse que tudo iria acabar bem? Bem, assim aconteceu.
- Tem muito cuidado, Mike. Não...
A ligação foi cortada.
Kat não conseguiu voltar a adormecer.
"Goyle! Como é que ele soube de Mike e por que é que está o ajudando?"
Na noite seguinte, quando Kat deixou o hospital, uma limusine preta estava à sua espera junto à calçada.
Sombra e Rhino estavam encostados ao automóvel.
Quando Kat se aproximou deles, Rhino disse:
- Entre, doutora. O senhor Goyle quer vê-la.
Ela estudou o homem por um momento. Rhino tinha um aspecto assustador, mas foi Sombra quem assustou Kat. Havia algo de mortífero na sua imobilidade. Em outras circunstâncias Kat nunca teria entrado no carro, mas o telefonema de Mike a tinha deixado confusa. E preocupada. Muito preocupada.
Foi conduzida a um pequeno apartamento nos subúrbios da cidade e, quando lá chegou, Goyle estava à sua espera.
- Obrigado por ter vindo, doutora Hunter. - disse. - Fico muito grato. Um amigo meu teve um pequeno acidente. Quero que o veja.
- Que está fazendo com Mike? - perguntou Kat.
- Nada. - respondeu, inocentemente. - Soube que tinha um pequeno problema e procurei eliminá-lo.
- Como é que... Como é que soube dele? Quero dizer, que era meu irmão e...
Goyle sorriu:
- No meu negócio, todos somos amigos. Nos ajudamos mutuamente. Mike envolveu-se com pessoas ruins e, por isso, dei-lhe uma ajuda. Devia estar agradecida.
- E estou. - disse Kat. - Estou sinceramente.
- Muito bem! Conhece o ditado "Uma mão lava a outra"?
Kat abanou a cabeça:
- Não farei nada ilegal.
- Ilegal? - interrogou Goyle. Parecia magoado.
- Nunca lhe pediria para fazer algo do gênero. Este meu amigo teve um pequeno acidente e detesta hospitais. Não se importa de vê-lo?
"Onde é que estou me metendo?" - pensou Kat.
- Está bem.
- Ele está no quarto.
O amigo de Goyle tinha levado uma grande rasteira. Estava deitado, inconsciente.
- O que aconteceu? - perguntou Kat.
Goyle olhou para ela e disse:
- Caiu pelas escadas abaixo.
- Devia levá-lo para o hospital.
- Como lhe disse, ele não gosta de hospitais. Posso arranjar todo e qualquer equipamento hospitalar de que necessite. Tive um medi-bruxo que tratava dos meus amigos, mas este teve um pequeno acidente.
As palavras causaram um arrepio em Kat. Tudo o que queria era sair dali correndo e ir para casa e nunca mais ouvir falar de Goyle, mas nada na vida era de graça. Kat despiu o casaco e começou a trabalhar.
No início do quarto ano de residência, Virgínia já tinha assistido a centenas de operações. Para ela, passaram a ser banais. Sabia quais os procedimentos cirúrgicos para a vesícula biliar, baço, fígado, apêndice e, mais entusiasticamente, o coração. E também todas as poções que eram usadas nos diversos tratamentos. Mas Virgínia sentia-se frustrada por não ser ela mesma a fazê-las. "O que aconteceu ao "Vigiar, fazer, ensinar"?" - pensou.
A resposta surgiu quando George Englung, chefe de cirurgia, mandou chamá-la.
- Virgínia, amanhã vai haver uma operação a uma hérnia na sala três, às sete e meia.
Apontou no bloco:
- Certo. Quem vai fazer a operação?
- A senhora.
- Certo. Eu... - Subitamente, as palavras desapareceram. Eu?
- Sim. Algum problema?
O sorriso de Virgínia iluminou a sala:
-Não, senhor. Eu... Muito obrigada!
- A senhora já está apta a isso. Penso que o doente tem sorte em tê-la como medi-bruxa. Chama-se Walter Herzog. Está no trezentos e catorze.
-Herzog. Quarto trezentos e catorze. Certo. - E saiu.
Virgínia nunca se sentira tão entusiasmada. - "Vou fazer a minha primeira operação! Vou ter nas minhas mãos a vida de um ser humano. E se eu ainda não estiver apta? E se eu cometer algum erro? As coisas podem correr mal. É a lei de Murphy."
Quando Virgínia acabou de discutir consigo própria, estava em estado de pânico.
Entrou na cantina e sentou-se para tomar uma chaleira de chá. - "Tudo irá correr bem" - procurou convencer-se. - "Já assisti a dúzias de operações à hérnia. Não existem grandes riscos. Ele tem sorte em me ter como medi-bruxa."
Quando terminou o café, estava suficientemente calma para enfrentar o seu primeiro doente.
Walter Herzog era sexagenário, magro, calvo e muito nervoso. Estava na cama gemendo quando Virgínia entrou com um ramo de flores. Herzog levantou a cabeça.
- Enfermeira... Preciso de um medi-bruxo.
Virgínia aproximou-se da cama e entregou-lhe as flores.
- Eu sou medi-bruxa. Vou operá-lo.
Olhou para as flores e depois para ela:
- Você é o quê?
- Não se preocupe. - disse Virgínia, tranquilizadoramente. - Está em boas mãos.
Pegou o gráfico colocado aos pés da cama e estudou-o.
- O que é que diz? - perguntou ansioso o homem.
"Porque é que me trouxe flores?" -
- Diz que o senhor vai ficar bem.
Ele engoliu:
- Você vai mesmo fazer a operação?
- Sim.
- Você parece bastante... Bastante jovem.
Virgínia deu-lhe uma palmadinha no braço.
- Ainda não perdi um doente. - Olhou em volta do quarto.
- Sente-se confortável? Quer qualquer coisa para ler? Um livro ou uma revista?
Ele ouvia, nervoso:
- Não, estou bem. - "Porque é que ela estava sendo tão simpática? Será que existe alguma coisa que ela não lhe queria dizer?"
- Então, nos vemos amanhã. - disse Virgínia, alegremente. Escreveu algo num pedaço de papel e entregou-lhe. - Aqui está o meu telefone. Ligue se precisar de mim esta noite. Ficarei ao lado do telefone.
Quando Virgínia saiu, Walter Herzog estava numa pilha de nervos.
Alguns minutos mais tarde, Jimmy encontrou Virgínia na sala de reuniões. Aproximou-se dela com um grande sorriso:
- Parabéns! Soube que vai operar.
"A notícia espalha-se rapidamente." - pensou Virgínia.
- Sim.
- Quem quer que seja, tem sorte - disse Jimmy. - Se alguma vez me acontecer algo, a senhora é a única pessoa a quem eu deixaria me operar.
- Obrigada, Jimmy.
E, é claro, com Jimmy havia sempre uma anedota.
- Já sabe daquela sobre o homem que tinha uma dor esquisita nos tornozelos? Era demasiado medroso para ir a um medi-bruxo; então, quando o amigo lhe contou que tinha exatamente a mesma dor, disse: "Deves ir imediatamente ao medi-bruxo. E conta-me tudo o que ele te disser. - No dia seguinte, soube que o amigo tinha morrido.
Correu para o hospital e gastou cinco mil galeões em exames e análises. Não conseguiram encontrar nada de errado.
Ligou à viúva do amigo e perguntou: "Chester sofreu muito antes de morrer?" - "Não" - disse ela. "Nem sequer viu o caminhão que o atropelou!"
E Jimmy desapareceu.
Virgínia estava demasiadamente excitada para jantar. Passou o serão treinando nós cirúrgicos nas pernas das mesas e candeeiros.
"Vou tentar passar uma boa noite de sono." - decidiu, "para estar bonita e descansada de manhã."
Passou a noite acordada, revendo e tornando a rever mentalmente a operação.
Existem três tipos de hérnia: hérnia redutível, onde é possível voltar a colocar os intestinos no abdômen; hérnia irredutível, onde as ligações impedem o retorno do conteúdo para o abdômen; e hérnia estrangulada, a mais perigosa, onde o sangue que corre através dela é cortado, lesando os intestinos. A de Walter Herzog era uma hérnia redutível, graças a Merlin.
Às seis da manhã, Virgínia conduziu até ao parque de estacionamento do hospital. Uma nova Ferrari vermelha encontrava-se ao lado do seu estacionamento. Em vão, Virgínia pensou de quem seria, mas quem quer que fosse tinha de ser rico.
Às sete horas, Virgínia já estava ajudando Walter Herzog a tirar o pijama para vestir uma bata azul do hospital. A enfermeira já lhe tinha dado um sedativo para o acalmar enquanto esperavam pela maca que o iria levar para a sala de operações.
- Esta é a minha primeira operação. - disse Walter Herzog.
"Minha também" - pensou Virgínia.
A maca chegou quando Walter Herzog já se dirigia para a Sala de Operações três. Virgínia percorreu o corredor ao seu lado, com o coração batendo tão depressa que temeu que ele pudesse ouvir.
A Sala de Operações três era uma das maiores salas de operações, albergando um monitor cardíaco, uma máquina cardiopulmonar e uma série de outros acessórios técnicos, além de vários vidros de poções para qualquer ocasião. Quando Virgínia entrou na sala, o pessoal já preparava todos os equipamentos. Havia um medi-bruxo-assistente, o anestesista, dois residentes, uma enfermeira-assistente e duas enfermeiras auxiliares.
O pessoal olhou esperançosamente para ela, ansiosos por ver como é que iria se sair na sua primeira operação.
Virgínia aproximou-se da maca. Walter Herzog já tinha a virilha rapada e desinfectada. Tinham sido colocados panos esterilizados em volta da área a operar.
Herzog olhou para Virgínia e disse, sonolento:
- Não me vai deixar morrer, vai?
Virgínia sorriu:
- O quê? E estragar a minha reputação?
Olhou para o anestesista, que deu ao doente uma anestesia epidural, uma autêntica dose de cavalo. Virgínia respirou fundo e concordou com a cabeça.
A operação começou.
- Bisturi.
Quando Virgínia estava prestes a fazer o primeiro corte na pele, a enfermeira auxiliar disse qualquer coisa.
- O quê?
- Quer música, doutora?
Era a primeira vez que lhe faziam semelhante pergunta. Virgínia sorriu:
- Certamente. Vamos ouvir Jimmy Buffett.
No momento em que Virgínia fez a primeira incisão, os nervos desapareceram. Era como se tivesse feito isto durante toda a vida. Habilmente, cortou as primeiras camadas de gordura e músculo até chegar à hérnia. Contudo, prestava atenção ao som familiar que ecoava através da sala.
- Esponja...
- Dê-me um bovie...
- Aqui está...
- Parece que chegamos mesmo a tempo...
- Grampo...
- Sucção, por favor...
A mente de Virgínia estava totalmente concentrada naquilo que estava fazendo. Localizar o saco hernial... libertá-lo... voltar a colocar os órgãos na cavidade abdominal... atar a base do saco... cortar o restante... anel inguinal... suturar...
Uma hora e vinte minutos após a primeira incisão, a operação tinha chegado ao fim.
Virgínia devia sentir-se extenuada, mas, em vez disso, sentia-se terrivelmente animada.
Depois de Walter Herzog ter sido cosido, a enfermeira-assistente voltou-se para Virgínia e disse:
- Doutora Weasley...
Virgínia levantou a cabeça:
- Sim?
A enfermeira sorriu:
- Foi magnífica, doutora.
N/A: Mais um capítulo e ae gostaram? O que acharam da primeira operação da Doutora Weasley? Bem, muito obrigada a todos que comentaram a fic e até mais!!!
