EU DURMO

por SAULO DOURADO

Parte 2

O coração de Mariana acelerou com o susto, mas não ficou temerosa, pois sabia que a porta do último quarto batia - não demasiado forte - algumas(duas) vezes no dia, só para "provar" a sua existência. Era um extenso corredor, enorme, o fim era um lugar mais escuro, onde nem mesmo a luz de alguma janela transmitia chegava direito. Ninguém poderia aproximar-se dali. Foi uma engenhoca que o avô de Breno fizera. Dentro do quarto do fundo do corredor, deveria ficar toda a fortuna do residente. Um quarto lateral, na verdade, era mínimo...pois só tinha espaço para a porta ir e voltar. Havia uma espécie de encaixe metálico na porta do quarto lateral, onde o cabo de uma espada fixava-se. Era um objeto cruel e longo que poderia dividir muitas coisas ao meio. Havia uma armadilha na porta do cofre, pois pequenos e invisíveis barbantes ficavam há centímetros do chão. Se alguém tropeçasse ou pisasse neles, ligava um dispositivo que a porta se batia. A espada imediatamente perfuraria o corpo da pessoa. Para alguém colocar dinheiro ali, era só apertar um interruptor que ficava na sala, atrás da estante.

Mariana não se preocupava em cair num acidente naquela armadilha mortal, pois era um lugar um tanto inacessível.

Ela pegou uma lixa de unhas que estava em sua bolsa, a qual encontrava-se no sofá (alguém tem tempo de escolher um lugar onde jogar uma bolsa num momento de paixão?). Parecia ridícula em ter uma "arma" como aquela. Bah! Boteria cravar aquilo no olho do sanguinário assim que ele aparecesse. Vira em livros que quando se fura o olho, ouve-se um barulho horrível, mas não era o momento certo para pensar nisso. É que não conseguia raciocinar direito...apenas caminhava.

No meio do caminho, havia uma mensagem escrita de batom na parede.

O coração de Mariana reagiu.

"EU DURMO"

Era apenas isso que dizia, mais nada.

Neste momento, a garota lembrou de uma histórinha que o seu namorado tinha lhe contado.

"- Amor, não é para você ficar assustada não! Por favor! É apenas uma curiosidade sobre o apartamento. Acho melhor nem contar, se não, você vai ficar com temor..."

"- Não vou, seu bobo! Agora que começou, continue. Ajoelhou, vai ter que rezar!"

"- Tá, tá! É o seguinte: na construção do prédio de meu avô, vários homens trabalharam empenhados. Seis dias na semana, eles se esforçavam bastante lá. Claro que bem recompensados! No domingo, ficava vazio, como em qualquer lugar onde havia trabalhadores justiçados. Meu avô estava com pressa, mas não tanto para ter custos extras assim. Houve um eletricista que foi instalar aquele sistema para cravar a faca em qualquer coisa que pisar nos barbantes...que costume arcaico guardar dinheiro em cofres! Mas é um medo familiar de bancos, um costume sentir-se mais seguro tendo o total domínio de suas coisas. Quando o eletricista estava lá dentro daquele quarto miúdo, a porta se bateu. Tudo ficou escuro. Como ele não conseguiu arrombar a porta...não havia impulso num espaço tão pequeno...ele ficou lá, esperando alguém chegar. A questão era: ele estava num sábado de noite. Todos tinham ido embora e se esquecido dele. Deve ter passado a madrugada toda acordado e se debatendo...quando resolveu dormir, foi que morreu."

"- Como?"

"- Quer mesmo saber?"

"- Claro! Fala!"

"- Tinha um rato quieto o tempo todo. Quando o eletricista dormiu, o animal foi numa expedição na boca do homem. O bicho colocou a cabeça dentro da boca aberta, colocou-se até a metade de seu corpo cinzento. Um alarme dos nervos do eletricista deve ter-se acionado, e as mandíbulas bateram com força, matando o rato com os dentes, até mesmo decepando o animalzinho ao meio. Essa parte que estava na boca do homem desceu até intalar a sua garganta. Morreu asfixiado."

"EU DURMO"

Uma pessoa tinha morrido ali...dormindo.

Mariana via o fim do corredor, sempre fora sombrio, aspecto mal-assombrado. No fim da sua rua, havia uma casa abandonada. Ela lembrava disso na infância... era um lugar onde todos alegavam que ali vivera ricos negros da sociedade. Um nazista tinha entrado lá e os matado com uma pistola. Por isso que diziam que era mal-assombrado, mas Mariana nunca foi muito de acreditar nessas coisas.

A moça encaminhou-se até o fim do corredor, muito devagar para que nada pudesse surpreendê-la.

Com a lixa de unhas em punho, seus pés quase se arrastavam no piso frio. A camisola suspendeu-se um pouco com o vento, um vento gelado que lhe causara um arrepio. Poderia até lembrar de uma lei de Murphy: quando algo tem muitas chances de dá errado, ela vai dar errado.

"Essa lei não vai prevalecer dessa vez..."

Mariana sabia o local onde ficavam as linhas meio invisíveis: na mesma linha do ínicio da porta do quarto lateral até o fim do mesmo. Por isso, não se sentiu tão insegura.

De repente, uma coisa se bateu dentro de uma estante que ficava dentro do quarto onde dormiram (quarto de Breno). Ela saltou imediatamente, mas não quis mais sentir aquele medo. Pôs-se a correr em direção ao quarto dos dois. Bem que poderia ser do casal um dia, se se casassem...mas era algo que estava longe da situação.

Mariana tropeçou o pé direito no esquerdo na porta do quarto, chocando o joelho com força no chão. A dor latejou no mesmo momento, mas ela não se machucara. Ficou de gatinhas (de quatro) ao tentar se levantar, a camisola curto revelou sua calcinha. Uma cena que com certeza seria histórica para qualquer marmanjo que visse, os transpiradores de sexo... logo ela se levantou, ouvindo o som de pratos de metal se chocando. Já tinha se esquecido da lixa no chão e foi até o guarda-roupas.

TCHA-TCHA-TCHA

Ela abriu a porta do móvel destemidamente pela aparência, mas morrendo de medo por dentro.

Até se decepcionou quando viu, apesar do alívio. Era um macaco de brinquedo que chocava os pratos grudados na mão. Era o despertador de Breno! Comprara esse brinquedo em homenagem ao escritor do macabro Stephen King. O conto O Macaco - A história conta sobre um macaco de brinquedo que toca pratos musicais, e com ele, anuncia uma morte... - do livro Tripulação de Esqueletos. Quando ela leu, até causara uma pontinha de medo, principalmente ao ver aquele despertador, mas não agora, pois o medo era totalmente real.

Voltou ao local em que estava antes do despertador interrompê-la. Não se lembrava de nada, nem mesmo de seu namorado esquartejado, sua família, seu futuro, sua profissão...nada! Apenas queria entrar naquele quartinho, talvez lá tivesse alguma resposta.

Estava mais perto do cofre agora.

"Por que não procura a chave e sai logo?", pensou ela. Realmente parecia uma idéia melhor, quis voltar e matutou nisso enquanto caminhava em direção ao fim do corredor. Quando tinha se estagnado para poder voltar, olhou para o lado e tinha a mesma mensagem, do mesmo jeito:

"EU DURMO"

Mariana olhou em direção ao cofre e viu a chave parada entre as linhas quase invisíveis.

Ela deu um meio sorriso e logo pensou: "O miserável jogou a chave no ninho das vespas!"

Mais um motivo para ir até ali.

A escuridão cada vez mais a engolia. Mas a luz nunca a abandonava, era uma perfeita penumbra.

Não pôde ver a espada, pois ela estava recuada junto com a porta, mas via manchas de sangue por ali. Que diabos estava acontecendo? Era um mistério! Na sua mente cética, começava a envolver uma solução sobrenatural. Nós, seres humanos, temos a mania de envolver o paranormal em questões que não conseguem explicar, daí surgiram as lendas, os mitos, até mesmo algumas religiões. Há um mistério de como Adolf Hitler chegou ao poder, tornou-se adorado e conseguiu convencer os alemães a participarem de sua carnificina nazista. É um mistério quem foi esse e como conseguiu tal feio...há quem diga simplesmente: ele era o diabo em pessoa. Dominando mentes, assassinando pessoas, derramando sangue...

Bem perto da porta do quarto lateral, havia um papel de caderno colado. Uma caligrafia apressada apresentava-se. Mesmo que na escuridão, Mariana conseguiu ler:

"Eu o vi na cama. Parecia uma pessoa serena. Fui até aquela porta que tem uma espada. É! Isso mesmo! Sempre quis ver o brilho que ela fazia, sentir o peso de sua massa...quem sabe uma pequena demonstração de utilidade. Ela é bem afiada, isso eu sei! Fui até lá e a apanhei. Claro que tive que fazer acobracias para que não pisasse nas linhas e morresse. Consegui entrar no pequeno quarto sem me ferir...tirei a espada do encaixe, lancei ela no corredor - fez um estrondo danado! Mas e daí? Não tem muita gente por aqui! ... Fiz a mesma coisa para poder voltar. Vi Breno na porta do quarto me perguntando o que eu estava fazendo ali. Eu disse que nada - Na certa, não tinha visto a espada. O que foi a zoada?, indagou ele. - Provavelmente foi alguma coisa na rua - respondi. Breno foi até a cozinha, eu peguei a espada, cheguei lá e o decapitei num golpe só, depois disso, destroçei ele...quebrei a geladeira e guardei seus pedaços. Voltei até o pequeno quarto e recoloquei a espada no encaixe. Escrevi mensagens com meu batom pelas paredes. Eu fazia a mesma coisa no quarto de minha mãe quando criança.

Agora, eu durmo.

EU DURMO

Mariana"

A garota estava petrificada. Só podia ser brincadeira de alguém, só podia...mas não! Quem poderia saber o que ela fazia aos dois anos de idade? Oh, céus! E de repente, veio as lembranças:diziam que ela passeava na casa de vez em quando, pergutavam a garota se ela lembrava, a mesma negava. Vários relatos de vasos quebrados em casa, até mesmo uma vez o gato...acordara soterrado em vários lençois. Quase tinha morrido asfixiado...ela era uma sonâmbula e nunca ligou muito para isso. Quando estamos dormindo, quem nos garante que não estejamos fazendo alguma coisa de errado? Afinal, são oito horas apagado...um breu que se passa em segundos. Quem nos garanque estejamos colocando o travesseiro em cima do rosto de alguém do lado no momento. Não temos consciência de nada quando dormimos. Quem sabe se alguns assassinatos sem solução tenham sido de pessoas dormindo, ou algumas que juravam inocência, mas foram penalizadas...injustiça, em parte. O ato de dormir é perder o controle de si mesmo, é como morrer...e deixar seu corpo vivo, para que ele faça o que quiser. Tantos genocídios finalizados com suicídio e sem explicação, a maioria foi de madrugada.

Mariana cambaleou para trás sem entender muito bem, seus miolos estavam prestes a explodir.

A garota pisou na linha.

Agora, ela dormia.

E aí? O que acharam? Bom, rende algum ótimo comentário ou é só mais um texto de suspense mais ou menos? Opinem e deixe um singelo jovem escritor feliz.

Grato,

Saulo Dourado