Apenas um garoto
Sentado e lendo. Sério, obscuro. Maldito Severo Snape! Fiquei quase meia hora perambulando pela sede e ele sequer havia dirigido uma palavra para mim. Remo tinha apenas me deixado na porta. Não havia entrado, pois sabia que não poderia deixar Lílian e Tiago muito tempo com a proteção defasada.
- Boa noite, Diana. – disse, beijando minha mão.
Quase pedi que ele ficasse. Seria egoísmo, eu sei. Mas o curto passeio até a sede havia sido tão confortador.
Do lado de dentro, porém, só o frio. Da casa e de Snape. Nem conseguia lembrar direito o beijo naquela tarde. Ele criava uma barreira intransponível àqueles ao seu redor. Quando finalmente me convenci de que ele não falaria comigo, fui à cozinha comer alguma coisa.
Mais meia hora. Silêncio vindo da sala, quebrado apenas pelo som das páginas do livro sendo viradas. Maldito Severo Snape.
O melhor mesmo era que eu encontrasse um quarto para passar a noite. Passei por Snape na sala e subi as escadas quando um pensamento engraçado me veio à mente: eu poderia usar o quarto de Tonks.
Absurdo, absurdo, eu sei. Tonks estava a anos daquela sede, daquela guerra. Tonks estava com Snape. Vai estar. Esteve. Ai...
- Você sobe as escadas com absurda lentidão, senhorita Anderson.
- Severo, largue meu braço. Por Merlin, de onde você surgiu?
- É uma virtude de poucos saber se aproximar sem ser percebido.
- Será uma virtude ainda maior se me deixar ir para o meu quarto sem confusões.
Ele soltou meu braço, mas manteve o olhar fixo em mim.
Virei-me e subi dois ou três degraus. Sabia que ele ainda estava lá.
- Vai ficar aí parado? – disse, sem olhar para ele, mas sem continuar a subir.
- Vai subir mesmo? Pensei que a senhorita pudesse achar mais interessante ficar aqui.
Desci os degraus que nos separavam, ficando apenas um acima do qual ele estava. Dessa forma, eu ficava ligeiramente mais alta que ele.
- Você é apenas um garoto, Severo. Um moleque.
- Sou menos de dois anos mais novo que a senhorita. – ele não se deixou abater.
- Não digo por isso. Conheço homens mais novos que têm atitude e dignidade de distintos senhores. Digo isso porque você pensa ser capaz de me manipular, de me prender em seu joguinho. "Vai subir mesmo"? Ora, me poupe. – eu queria dizer tudo aquilo. Mais por desafio do que por verdade. Mais para enfrentá-lo.
- Suponho que você conheça muitos desses distintos cavalheiros... Diana. – ele tinha subido para o mesmo degrau que eu e incliou-se para falar isso. Eu me apoiei no corrimão, tombando um pouco para trás.
- Alguns.
- O nobre Remo Lupin entra nesta lista?
Percebi algo. Sabia que Lupin e Snape não eram grandes amigos. Mas havia algo mais, como se Snape quisesse provar-se mais do que Lupin. Talvez mais do que Lupin, Sirius e Tiago. Talvez mais que Pettigrew?
- Sim. – respondi com um pequeno sorriso. – Ele está. No começo da lista, eu diria.
- É uma pena, Diana, que você esteja presa à fábula do príncipe encantado. – Snape olhou para mim com ar de desdém e desceu as escadas.
Desci atrás dele, cheguei à sala logo que ele sentou-se de volta à mesa e reabriu o livro.
- Ora, fábulas. Tenho mais magia do que preciso em minha vida e ela é, na verdade, real demais. Não sonho, Severo. Não tenho atitudes infantis como essa.
Ele pareceu não se importar, não olhou para mim e não respondeu.
- Pode parar. Entendi o que eu você quer fazer, de novo me puxando para o seu joguinho. Boa noite, professor Snape.
Dessa vez, a aproximação dele não foi silenciosa. Empurrou a cadeira e chegou até mim antes que eu pudesse me dar conta do meu erro. Eu tinha falado, de novo.
- É a segunda vez que a senhorita me chama assim. O que está acontecendo? – ele estava nervoso.
- Quem sabe, um dia... Você me entenderá. – o estrago estava feito, eu sabia que não poderia inventar uma desculpa para acobertar minha falha.
- Há algo errado com você.
- Por que, Severo? Porque eu não caio nas suas armadilhas. Ou não deixo que me leve nos seus joguinhos? Você deveria estar acostumado a uma grande quantidade de mulheres aos seus pés. Aceite a realidade, abandonar os comensais traz algumas desvantagens, pelo que vejo.
- Será que você poderia parar de falar por um minuto?- ele estava parado diante de mim, enquanto eu, freneticamente, agitava as mãos enquanto falava.
- Não gosta que ser desafiado?
- Pelo contrário.
Foi rápido demais. Apenas senti os braços dele em mim. O beijo. Como naquela tarde. Não tentei me desvencilhar em nenhum momento. Tonks, Lupin, a Ordem, o tempo. Tudo passou por minha cabeça e sumiu.
O primeiro beijo foi seguido pelo segundo. E pelo terceiro. E a sala ficou vazia. E a porta de um dos quartos foi batida com violência.
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- Severo? Aonde você vai?
- Já é de manhã.
- Já? - levantei assustada.
- Não se preocupe, a sede ainda está vazia. Tenho uma missão importante agora de manhã. Vista-se, vou deixá-la com Lílian no hospital.
Enrolei o lençol em meu corpo. Não iria espera que Snape fosse menos rude. Deus, que confusão. Precisava parar e pensar sobre aquela noite. Sobre o que ela tinha significado. Sobre como lidar com Snape depois de tudo.
Mas ele logo deixou claro que nada mudaria. Na forma como nos tratávamos, nada. Eu já estava fechando a porta do banheiro ligado ao quarto onde estávamos quando ele me interrompeu.
- Você deixou cair isso. – disse, entregando-me um objeto preso em uma corrente.
Céus, meu pêndulo! Aquele do qual eu nunca me separava e também nunca mostrava a ninguém
Guarde o seu pêndulo antes que o perca. Será uma viagem longa e você nunca sai sem ele.
Sim, ele havia dito isso no último dia em que estive na segunda Ordem da Fênix, antes da viagem no tempo. Ele sabia do pêndulo porque já o tinha visto. Naquele exato dia, no passado dele e no meu presente. Ele lembrava o que tinha acontecido naquela noite. Ele lembrava, naquele dia, no Largo Grimmauld.
- Obrigada. – peguei o pêndulo envergonhada.
- O que é? – perguntou, enquanto depositava o objeto na minha mão.
- Um amuleto, eu nunca saio sem ele.
Ele lembrava. Ele iria lembrar por 16 anos. Ou mais.
Parabéns, Diana. Aonde iria parar essa história agora?
Fechei a porta do banheiro perdida nesses pensamentos. E a primeira imagem em minha mente foi... Lupin.
