Capítulo 10

Um ano

Outubro. Outubro. Eu não acreditava. Não era outubro do ano que eu chegara. Era outubro do ano em que Harry fez seu primeiro aniversário.

A guerra continuava. Guerras são guerras. Perdas, mortes, vitórias. No final, tudo parece um mesmo e enorme sofrimento. Eu dediquei meu tempo a cuidar de Harry, a ficar com ele quando Lílian tinha missões, quando ela voltava ferida, quando o mundo todo parecia desabar e aquele pequeno bebê, aquele frágil bebê parecia que não teria forças para sobreviver ao caos.

Mas eu sabia que ele sobreviveria. Que ele seria conhecido como "o menino que sobreviveu".

E era outubro. O último mês de vida dos pais de Harry. No próximo Halloween, Você-sabe-quem invadiria a casa deles. E eu sabia disso também.

Um sentimento que me perturbava era que eu pensava estar sendo extremamente egoísta. Isso porque, na maior parte do tempo, eu me pegava pensando em outra coisa além da minha missão e de toda a dor que viria a seguir. Eu pensava na minha dor, minha exclusiva. A dor de saber que Lupin jamais fora apaixonado por mim.

Eu pensava constantemente no dia em que eu soube disso. Desde então, eu passara a evitá-lo. Ficava somente na casa de Lílian e Tiago e, quando ele aparecia por lá, eu me escondia. Depois de um tempo, ele já não se importava mais em perguntar onde eu estava nem subia ao quarto de Harry para me ver. E eu achei que assim era melhor, que assim eu o esqueceria. Mas não consegui.

Foi no dia seguinte àquele em que, conversando com Snape, percebi que eu estava apaixonada por Remo...

Mal tinha amanhecido e eu já rodava pela casa esperando que Lupin acordasse. Foi quando a campainha tocou de novo. Olhei por uma das janelas e vi Sirius, ele batia uma carta nas mãos e parecia impaciente.

- Olá, Diana. Remo já acordou?

- Ainda não, Sirius. Quer esperar? Eu posso fazer uma xícara de café para você.

- Não, obrigado. Eu vou acordá-lo.

- O quê? Não, você não pode. Ele ainda está fraco, tem que descansar...

Mas Sirius já estava subindo as escadas. Fui atrás dele, mas não pude impedi-lo. Ele entrou pelo quarto de Lupin e abriu as cortinas, eu parei do lado de fora da porta, ouvindo, mas sem olhar.

- Ela ainda está em contato com você?

- Quem? – perguntou Lupin com voz de sono.

- Annie Rosebaun. Ela mandou essa carta para você. Uma coruja! Remo, você sabe que não deveríamos usar o correio, pode ser interceptado.

- Pode mesmo, você está com uma carta que era endereçada a mim. – ouvi Lupin se levantar da cama.

- Você disse que ela não voltaria...

- Não. Eu disse que você não teria mais que se preocupar com ela. O que queria, Sirius? Que eu a ignorasse? Jamais!

- Você quer dizer que nunca vai parar de ter contato com ela?

- Isso mesmo. – a voz de Lupin estava calma, ao contrário da de Sirius.

- Mas e a...

- Não me importa. Quando se trata de Annie, não me importa...

Eu não terminei de ouvir a conversa, fechei-me no quarto de Harry para que eles não ouvissem meus soluços.

E agora mais de um ano tinha se passado e eu via Lupin sempre triste, às vezes encontrava meu olhar com o dele, mas ele logo desviava. E eu logo fugia. Eu pensava como seria quando eu voltasse para o meu tempo, como seria na segunda Ordem. Ele tinha me tratado tão bem antes de eu partir para a missão...

Mas, mais de uma vez eu o vi chegar com um envelope nas mãos. Um envelope do mesmo papel e da mesma cor que aquele que Sirius trouxera. E por duas vezes Lupin ficou fora durante dias e nem sequer dera-se ao trabalho de esconder que estava indo visitar Annie Rosebaun.

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Eu precisava ir ao Beco Diagonal e Lílian não queria que eu fosse sozinha. Fiquei com medo que ela pedisse a Lupin, mas, por algum motivo, Lílian nem sequer pensou no nome dele. Talvez ela soubesse que ele não queria passar muito tempo comigo. Eu tinha certeza de que ele não queria. Eu...

A campainha. Eu, pronta para sair, estava só aguardando para ver quem tinha sido escolhido para me acompanhar. Abri a porta para Snape. Dumbledore não se cansava de mandá-lo preparar poções na casa dos Potter?

- A cozinha está vazia. – falei, sem expressão.

- Devo esperar pelo boletim completo a respeito dos aposentos da casa antes de a senhorita resolver sair? – ele disse, cínico.

- Ah, não me diga. Você vai me levar?

- Seu entusiasmo me emociona. Na verdade, eu mesmo preciso ir ao Beco Diagonal, por isso aceitei o trabalho.

- Trabalho... Trabalho... Trabalho terei eu para agüentar seu bom humor. – eu disse, em voz baixa, enquanto fechava a porta.

- Se isso for tudo, Diana, nós podemos ir.

- Severo, você ficou de mau-humor a tarde inteira, reclamou de ter de me acompanhar nos lugares aonde fui, me fez esperar por mais de uma hora e meia no boticário enquanto se perdia nas prateleiras de ervas e está me dizendo que podemos ir embora há pelo menos quarenta minutos. É muito difícil, relaxar? – a essa altura do nosso "passeio", eu já não agüentava mais a presença de Snape.

- Por um acaso você precisa comprar mais alguma coisa? Você já tem as mãos cheias, mal consegue carregar tudo o que comprou. – ele soava indignado.

- E você, nem por cavalheirismo, porque isso nem espero, mas por solidariedade poderia ter dividido os pacotes comigo, ao invés de ficar carregando essa sacolinha ridícula com três potinhos de ervas! – eu não tinha a intenção de ter berrado, mas berrei. E a rua toda olhava pra mim. Com os olhos apertados, Snape tirou todas as sacolas e embrulhos de minhas mãos e começou a carregá-los.

- Não, você não precisa levar tudo – eu insisti, com a voz bem mais baixa e tentando parecer suave. Estava envergonhadíssima do meu escândalo.

- Pare de tentar puxar as sacolas de volta, Diana. – Snape tinha a voz cansada. – Continue com o que você precisa fazer.

Eu estava me sentindo péssima, quantos erros, quantas besteiras eu estava fazendo. Dumbledore só podia ter enlouquecido quando quis que eu voltasse no tempo. Eu mesma não estava mais entendendo qual era finalidade da minha missão.

Resolvi ser rápida e fazer uma última compra. Entrei na Floreios e Borrões atrás de um livro. Imaginei que Snape fosse preferir esperar do lado de fora e fui sozinha.

- Obrigado, senhor, volte sempre.

- Ah, obrigado. Voltarei, sim, estou esperando alguns lançamentos do próximo mês.

Aquela voz. Lupin.

- Diana!

- Remo...

Eu dei alguns passos para trás ao vê-lo, desconcertada e com o coração disparado. Esbarrei em Snape, que, com muita dificuldade, tinha conseguido entrar na loja com tudo o que carregava. As compras todas foram parar no chão. Eu e ele, também.

- Ah, desculpe, desculpe. – eu disse e me levantei o mais rápido que pude, ignorando a ajuda de Lupin. Tentei ajudar Snape, mas ele também levantou sozinho. Quando comecei a recolher as sacolas, ele segurou no meu braço e disse:

- Eu cuido disso, Diana.

- Ah, Severo, imagine. Pode deixar, eu carrego tudo, eu não deveria ter pedido para você. Ah, que confusão.

Snape continuava segurando meu braço:

- Ora, não seja tonta. Você acha que eu deixaria que você carregasse todo esse peso, sozinha. – e lentamente afastou minha mão das sacolas.

Severo Snape, o homem que só tinha me ajudado porque eu o fizera passar vergonha na frente de todos no Beco Diagonal estava dizendo que não me deixaria carregar peso sozinha. De onde viera tanto cavalheirismo...

Lupin nos fez lembrar de sua presença e eu logo entendi porque Snape quisera fingir tanta gentileza. Era para desafiar o outro.

- Bem – Lupin começou -, parece que não posso ser de muita ajuda por aqui.

- Não, obrigada, Remo. Severo está me acompanhando hoje. – eu tentava parecer calma.

- "timo. Então eu já vou embora. – ele parecia não se importar.

- "timo. – eu respondi, torcia as mãos de raiva.

Lupin já tinha chegado à porta da loja quando Snape, com as sacolas de volta as mãos, disse:

- Lupin, antes que você saia e possa parar o fingimento de não ligar por eu ser a companhia da senhorita Anderson esta tarde – eu fiquei vermelha e me virei para o lado oposto de Lupin. Não vi a reação dele. –, devo avisá-lo de que a senhorita Rosebaun não está mais no país.

Lupin voltou para perto de Snape, eu ainda estava de costas e, agora, tinha lágrimas nos olhos.

- Ela já partiu? – a voz de Lupin estava trêmula e triste.

- Já. – Snape respondeu sem parecer preocupado. Eu não conseguia ver as expressões de nenhum dos dois, mas sabia que Lupin se importava muito mais com o assunto. Só não sabia que Snape também conhecia a maldita Annie Rosebaun.

- Imagino que tenha sido melhor...

- Foi melhor, Lupin. E não pode visitá-la, você sabe.

- Se pensa que não vou visitá-la, está muito enganado, Severo.

- Não é prudente. – Snape falou entre os dentes.

- É tão prudente quando mencionar o assunto numa livraria lotada. – Lupin respondeu. – Mas você queria fazê-lo na presença de Diana, não é verdade?

Snape não disse mais nada e eu ouvi Lupin se afastar e sair.

- Severo...

- Eu sei que você sente ciúmes de Annie Rosebaun.

- Mas eu nem sei quem ela é...

- Mas é uma mulher com quem Lupin se preocupa muito. Amantes são bobos, Diana. Lupin não consegue entender porque você passou a evitá-lo e achou absurdo quando eu lhe disse que Annie era o motivo. – Snape chegou muito perto de mim. – Seu príncipe encantado é muito gentil, mas pouco inteligente, senhorita Anderson.

- E quem é Annie Rosebaun? – eu perguntei, quase não agüentava mais permanecer em pé.

- Parece irônico que seja eu a consertar o mal entendido entre vocês dois. Não me agrada, Diana, não me agrada nem um pouquinho mandá-la de volta para os braços do galante Remo Lupin. Oh, ele anda tão cabisbaixo desde que você passou a evitá-lo. Parece que toda noite é... Lua cheia. – ele disse as últimas palavras num sussurro.

- Você é desprezível, Severo Snape. Tem tanto ciúmes de Remo que precisa falar esse tipo de coisa a respeito dele.

- Você sabe o que ele é, Diana. Sabe que vai levá-lo com essa imperfeição.

- E ainda assim, ele vale dez vezes mais do que você!- minha voz se elevava. Snape balançou a cabeça.

- Você o ama, vocês que se entendam. – largou as sacolas no chão e saiu, as vestes negras farfalhando pela porta.

Eu recolhi minhas compras lentamente. Quando saí da Floreios e Borrões, a tarde estava quase sumindo. Eu estava sozinha e confusa. E não tinha conseguido descobrir quem era Annie Rosebaun.

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- Ah, Diana! Que bom que já voltou. Snape não vai entrar? – Lílian estava na sala com o pequeno Harry nos braços.

- Ah, não, Lílian, ele precisa ir logo. – menti.

- Ah... Bem... Diana, Tiago e Sirius estão no jardim e eu queria aproveitar para fazer uma pergunta para você.

- Claro.

Lílian caminhou até mim e me deu o bebê.

- Eu gostaria que você fosse a madrinha de Harry.

Pro um momento, fiquei sem reação. Lílian continuou:

- Tiago tinha sugerido Sirius, você sabe, eles são melhores amigos. Eu também acho que Sirius seria um ótimo padrinho para Harry, mas você... Ah, Diana, você tem me ajudado tanto! Não consigo pensar em alguém que possa cuidar de Harry melhor do que você.

Eu fechei os olhos e sentei no sofá. Eu madrinha de Harry, não, não poderia ser. Eu tinha vindo para o passado sabendo da morte de Lílian e Tiago, eu estaria longe de lá assim que minha missão acabasse. E Harry seria abandonado sem ninguém. Não, eu não poderia... Eu não merecia.

- Diana, você está chorando? – Lílian sentou-se ao meu lado, preocupada.

- Lílian, não tenho como explicar, mas... Ah, ser madrinha do Harry seria uma honra para mim, mas eu não posso...

- Mas é claro que pode, Diana, eu...

- Você não entenderia, Lílian. Me perdoe. Eu gostaria muito, mais do que muito. Mas não posso. Não posso... – eu já chorava bastante, Lílian não conseguia entender.

- Por quê?

- Lílian. Eu posso te prometer uma coisa. – eu tentava parar de chorar e enxugava os olhos com uma das mãos, enquanto segurava Harry com a outra. – Eu cuidarei do Harry, eu cuidarei dele quando ele mais precisar. Eu estarei do lado dele contra Você-sabe-quem e todo o resto do mal que o acompanha. Eu estarei do lado dele quando encontrá-lo.

- Encontrá-lo? Ele está em seus braços, Diana.

- Eu disse que você não entenderia. Mas eu prometo isso, prometo, Lílian, que vou cuidar do Harry. Mas não posso ser a madrinha dele. Porque agora eu não pertenço...

Lílian ia perguntar alguma coisa, mas Tiago e Sirius entraram pela porta da frente. Os dois olharam surpresos para nós duas.

- O que está acontecendo aqui? Diana, você está chorando? – Sirius perguntou.

- Eu... – pensei um pouco e me levantei. – Estou, mas é de felicidade. Ah, Lílian, é maravilhoso! Posso contar a ele o que você decidiu.

- Eu... Pode... – ela continuava confusa.

- Sirius – eu me forcei um sorriso -, Lílian o escolheu para ser padrinho de Harry!