Parte I- Manifestações
O verão havia tido início, como sempre tivera, no fim de junho. E todo o hesmisfério norte do planeta era castigado por um calor insuportável, do qual não se tinha notícia há mais de cinco décadas. Em ambos mundos trouxa e mágico, este era o tema mais abordado nas conversas do dia-a-dia, quando duas vizinhas trouxas se esbarravam enquanto varriam as calçadas cheias de terra e folhas esturricadas, ou quando dois bruxos se encontravam refrescando-se com uma boa bebida em qualquer um dos bares do Beco Diagonal ou de Hogsmeade. Nos noticiários trouxas, os meteorologistas diziam ser mais um fenômeno causado pelo efeito estufa. No mundo mágico acreditava-se haver algo muito errado com a natureza. Muita gente morria de calor em todo lugar, e o fato era que ninguém, sendo ou não bruxo, sabia do que se tratava aquele calor infernal.
Era um dia igual a todos desde que o verão começara a mostrar uma intensidade jamais antes vista. Ou pelo menos ela jamais tinha visto, ou sentido, tamanho calor em todos seus quinze anos recém completos de vida. Mas hoje ela estava sozinha em casa, ou melhor, ela e os elfos-domésticos que trabalhavam a todo o vapor pela mansão, para que antes que seus pais voltassem estivesse tudo limpo e o almoço servido. Não gostava de passar muito tempo sem a companhia de um dos dois. Mas sua mãe dava aula praticamente o dia inteiro, só voltando para o almoço, e seu pai era por demais atarefado com seus negócios e seu time. Hoje não tinha treino, e portanto não havia nada para distrair sua mente. Se ao menos tivesse um irmão de quem pudesse cuidar, ou que pudesse cuidar de si como seus pais há muito tempo não podiam fazer... era um pouco frustrante, mas não que ela precisasse reclamar. Quando estavam juntos não lhe faltava amor para preencher todas as lacunas vazias em seu coração. Ela amava os pais com todas as forças, e sabia entender as necessidades deles. Só era um pouco carente, mas nada que não pudesse suportar, como fazia agora, sentada à beira do lago que ficava no imenso terreno de sua casa. Nele, ninfas, sereias e muitas criaturas aquáticas se divertiam. E ela se divertia também. Podia se comunicar com todos eles, embora ninguém acreditasse nisso e ela mesma não soubesse como. Talvez por eles é que agüentava a solidão de uma casa enorme e praticamente desabitada. Todos aqueles seres, para ela, eram como os irmãos que não tinha e sabia que nunca iria ter. Amava a água mais que tudo, e brincar com as ninfas que particularmente eram muito engraçadas já era uma necessidade na sua vida. Não tinha medo de se machucar ou se afogar, pois sabia que eles jamais deixariam que isso acontecesse. E nestes dias de intenso calor, não havia simplesmente nada melhor para se fazer.
A menina se levantara para despir-se e entrar na água. As ninfas e sereias todas à sua espera, como se sem ela o lago fosse menos divertido. Desviou sua atenção por um momento, apenas para retirar sua saia e vestes íntimas, e ao retornar o olhar para o lago, todos haviam sumido. Ela estranhou, mas logo lhe ocorreu que quisessem brincar de esconde-esconde, por isso sem demora pulou no lago de águas verde-escuras para começar a procurar. Mergulhou e nadou cada vez mais fundo, tentando encontrar algum rastro de seus amigos. Mas não via muita coisa. A água estava muito escura neste dia, pensou ela, e não teria sucesso em procurar coisa alguma lá. E nem fôlego suficiente para ficar muito tempo mergulhada. Então foi nadando até a superfície, e algo devia estar muito errado com sua visão pois não via a luz do dia. Então ao emergir foi como se não estivesse mais onde achava que estava há menos de cinco minutos atrás. Era impossível enxergar algo. Sentia estar dentro d'água mas não via onde. Não via mais sua casa, o imenso jardim. O que estava acontecendo?! Chamou pelas ninfas, pelas sereias, mas ela mesma escutava um eco de sua voz que nunca existiu realmente. Começou a nadar desesperadamente tentando alcançar a margem do lago, mas o medo consumia toda sua energia e não demorou muito para a exaustão e um começo de cãimbra. Ficou apavorada com a sensação de estar perdida no meio de lugar nenhum. Começou a gritar por socorro mas o eco era tão forte como sua própria voz. Tentava ver qualquer coisa em alguma direção mas o breu que se instalara ali era surreal. Tudo aquilo era insólito, e ela começou a chorar copiosamente pensando em seus pais e na possibilidade de que morreria ali sem sequer saber porque. Nadou mais uma pequena distância, mas todas suas forças haviam se esvaído com suas lágrimas de desespero. Sem entender o porquê daquilo de repente, a garota começava a desistir de tentar sair dali e a se entregar às águas escuras do lago onde vivera parte dos melhores momentos de sua vida. Seu corpo quase que inanimado afundava, e seu coração parava de bater pouco a pouco, conforme ia sucumbindo em meio à imensidão do lago. Mas, antes de fechar os olhos e esperar pela morte ela viu uma luz na superfície. Uma luz linda e clara como à do dia que havia se perdido repentinamente. Sentiu em seu interior uma derradeira esperança e forças que vinham do fundo do âmago, assim conseguindo nadar e nadar até alcançar aquela luz...
O suor escorria de seu corpo, enxarcando suas vestes e fazendo-o sentir-se desidratado. Levou a mão á testa latejante, e de olhos ainda fechados a Marca Negra tomava conta de sua mente, tão nítida como se fosse um desenho de contornos brancos numa folha de papel negro. Ao abrir os olhos, enxergou-se sentado em meio ao jardim que estivera aparando por toda aquela manhã de sol á pico. Retirou os óculos redondos do rosto, os quais estavam totalmente embaçados, e secou as faces com a manga da camisa branca e larga que vestia. A cicatriz parara de arder. Mas Harry Potter não sabia se tinha tido uma visão ou alucinação. Ambos eram prováveis, devido às circunstâncias. Se fosse uma visão, teria sido a primeira desde que chegou de Hogwarts para a casa dos tios. Se fosse uma alucinação, então ele estava realmente precisando sair do sol por pelo menos uma hora, ou da próxima vez ele simplesmente não acordaria. Só não tinha certeza se tia Petúnia seria tão compadecida de sua situação.
Levantou-se e tratou de recolher as ferramentas que havia deixado espalhadas pela grama. Mal sabia como havia começado a ter esse... pesadelo, por assim dizer. Não se lembrava de ter deitado, mesmo porque se tia Petúnia o visse assim ele ficaria sob o sol até que não houvesse mais sol para ficar sob. Devia ter então desmaiado devido a uma insolação. Ou então.... podia ter sido a cicatriz. Harry bem sabia que quando sua cicatriz doía a valer, era extremamente difícil agüentar-se em pé. Junte isso a um calor de torrar os miolos e sem dúvida alguma ele teria ficado desacordado de dor. Não que tudo isso influísse muito no acontecido. O importante mesmo foi a estranha visão, ou então o estranho pesadelo que havia tido. Mas antes de pensar nisso, precisava relaxar.
Deitado em sua cama, de banho tomado e com um ventilador ligado quase em cima de si (particularmente, Harry achava o ventilador uma das invenções mais brilhantes dos trouxas. Era realmente útil nesses dias infernais, e ele estava considerando sériamente em levar um para Hogwarts caso o tempo não mudasse), e agora sim poderia pensar no que acontecera. Tudo bem que por sua "insolência" em pedir para subir para o quarto antes de terminar os afazeres fez com que tia Petúnia o proibisse de almoçar e talvez até de jantar, mas com sua reserva de alimentos embaixo do açoalho Harry não estava muito preocupado com isso.
Fechou os olhos e foi tentando relembrar de tudo o que sonhara, ou vira, durante o tempo em que esteve desacordado sobre a grama. Quem poderia ser aquela garota? De súbito pensou em Hermione, mas não era por dois motivos: ela não morava em um casarão como aquele e nem tinha um lago com seres mágicos no quintal de casa. Entretanto tudo aquilo poderia ser um sonho, e não ser real. Mas para tentar entender, Harry preferiu pensar como se tudo existisse de verdade. E aquela garota ele nunca havia visto. Engraçado que se ela fosse mesmo real, então ele a havia conhecido muito mais em apenas uma visão do que se tivessem sido apresentados algum dia. Tinha dentro de si os sentimentos daquela menina. Sua solidão em meio a toda aquela riqueza e luxo, o amor pelos pais que ele não chegou a saber quem eram, a felicidade que ela sentia quando estava no lago com aquelas criaturas todas... e por Merlin, como era linda essa garota...
Por um momento Harry envergonhou-se de si próprio, afinal, na visão ele a havia visto nua. Ela era dona de um corpo jovem e de formas angelicais. Os longos cabelos vermelhos e extremamente cacheados que tocavam sua cintura, davam a Harry a impressão de que o motivo pelo qual ela se dava tão bem com as sereias não era outro senão porque ela era uma sereia... Ela tinha uma pele branca como o leite, o rosto salpicado por algumas sardas, mas que nem de longe eram tão vermelhas quanto as dos Weasley, e seus olhos... eram verdes, muito verdes, e brilhavam como se postos á luz do fogo. Enfim, o garoto nem tinha certeza de que pudesse existir uma garota de beleza tão rara na face na Terra, e isso contribuía para a possibilidade daquilo ter sido uma alucinação. Mas o que veio depois que a garota mergulhou no lago deixava Harry perturbado. Ele pôde sentir uma agonia crescente em seu peito, à medida que o desespero dela aumentava. A escuridão era realmente intensa e amedrontadora. Aquilo Harry também achava que não podia ser de verdade, ainda mais do jeito como surgira.... do nada. Apenas ao mergulhar da menina no lago, o breu tomara conta de tudo! Mas o medo de morrer que ela sentiu.... esse medo ele conhecia como poucos. Foi o medo que sentiu no seu último encontro com Voldemort, naquela cena apavorante quando viu Cedric Diggory ser morto... Foi o maior de todos os medos já sentidos por ele. Isso, ele tinha plena confiança, era real. E muito. Só o que não entendia era o final. Talvez por um bloqueio de sua mente, ou porque a visão terminara mesmo ali, Harry não sabia o que tinha acontecido com a garota. Quando ela viu aquela luz, ele lembrava-se de ter sentido uma ansiedade mais intensa do que qualquer outro sentimento ao qual já fora submetido, inclusive o medo. Era como se ela ansiasse por não morrer de forma tão estúpida, e por não perder seus pais, o que lhe era mais importante na vida. Harry podia entender esse sentimento. Não nas mesmas circunstâncias, mas ele sabia como era amar os pais daquela forma, mesmo jamais os tendo visto ou conhecido. E então ela nadou e nadou para encontrar a luz.... e depois ele só via a Marca Negra em sua mente. Será que foi isso o que ela viu?!
Harry abriu os olhos, se remoendo na curiosidade de saber qual o fim dessa história mal contada. Não queria que a garota tivesse morrido, muito embora soubesse que, se o que ela viu ao emergir foi a Marca Negra, isso só podia significar que Voldemort estava ali. E seria bem típico dele fazer aquela escuridão toda de repente só para apavorar a menina antes de... não, isso não podia ter acontecido. Aliás, tudo podia não ter passado de desvairos de sua mente superaquecida! Como ele iria ter certeza!??
Hedwig, sua coruja, começava a bicar a grade da gaiola, e isso chamara sua atenção para uma idéia. Ia escrever uma carta a Ron e Hermione, pedindo por informações do que se passava no mundo mágico. Até o momento em suas férias, nada tinha escutado de novo nos noticiários trouxas. A propósito, estes pareciam dedicados somente a adivinhar o porque do calor que vinha se fazendo desde o início de verão. Tudo bem que era algo fora do comum, mas também não precisava de tanto enfoque como se isso nunca pudesse ter acontecido. Com o pouco que conhecia do mundo trouxa, Harry bem sabia que não seria de se espantar se a natureza de repente se voltasse contra eles, tamanha a destruição que faziam.
Foi até o armário onde agora, depois que seus tios descobriram que não podia fazer mágica fora da escola, podia guardar seu malão, e de lá retirou pena, tinteiro e pergaminho. Hedwig o encarava meio entusiasmada pois já sabia que teria de levar carta a alguém. Pôs o material em cima da cama e foi até o açoalho solto pegar alguns bolinhos furtados da cozinha de sua tia, sentindo o estômago começar a reclamar. Sentou-se na cama em posição de lótus, e enquanto comia ia pensando e escrevendo. Não queria dar muitos detalhes do "sonho", mas esperava que eles entendessem a urgência da situação.
"Caro amigo Ron...
Como você está? Espero que você e toda sua família esteja bem. Imagino que por aí os rumores sobre Vold... Você-Sabe-Quem devem estar aumentando, não é mesmo? Estou escrevendo justamente por isso. Não tenho escutado nada de diferente que pudesse ser relacionado a Voldem... oh, desculpe Ron, você sabe que é mania.... Você-Sabe-Quem, mas hoje eu tive um... sonho, ou visão sei lá, e acordei com a cicatriz ardendo muito e com a Marca Negra na mente, de uma forma muito real.... Como está fazendo muito calor por aqui e eu estava no sol há bastante tempo, pode ter sido uma alucinação... mas eu não sei. Por isso gostaria que você me informasse sobre o que tem acontecido de novo por aí, se "ele" tem aparecido... qualquer coisa assim.
Mande um abraço a todos. Vou escrever pra Mione também pra ver se ela sabe de alguma coisa.
Atenciosamente, Harry."
Após escrever essa, Harry escreveu outra para Hermione, mudando ligeiramente algumas coisas mas mantendo o ponto. Ao terminar, dobrou os pergaminhos e com um pedaço de barbante amarrou-os à pata de Hedwig, que já estava no parapeito da janela esperando.
- Leve essas cartas primeiro para Ron depois para Hermione. Cada uma tem o nome escrito por fora. Caso a Mione vá escrever a resposta, você a espere pois você sabe que ela não tem coruja, ok? Só volte quando ela falar que você pode ir.
Na verdade Harry nem precisava dizer isso. Ele já vinha fazendo esse esquema com Hermione não era de hoje, e Hedwig já sabia o que tinha de fazer. O garoto acariciou a cabeça da coruja e deu o aval para que ela partisse.
Guardou seu material escolar de volta no malão e pegou mais bolinhos debaixo do açoalho. Deitou-se pesadamente sobre a cama, pensando em como seria bom, já que estava de folga, tirar uma soneca antes de saber se ia ou não jantar hoje.
Mesmo já adormecido, a consciência de Harry mantinha-se bem desperta. E ele se via adentrando em um sonho, o que o descontentava muito já que ele tinha a intenção de dormir e descansar dessa vez.
Estava em Hogwarts. Em um dos corredores do castelo, e com água até a coxa. Sentia a correnteza como se estivesse no meio de um rio. Mas estava bem refrescante apesar de tudo, e Harry então pensou que até em sonho o calor era demais. Até então parado, ele começou a andar, ou melhor, se arrastar contra a vazão da água. Estava sendo bem difícil, mas sentiu que precisava. Precisava chegar em algum lugar, encontrar alguém. Então a imagem etérea daquela garota de longos cabelos vermelhos veio à sua mente e ele soube a quem procurava. Mais rápido do que ele achou possível se aquilo não fosse sonho, ele ia passando por corredores e olhando para as salas que passavam pelo caminho. Elas estavam abertas e sempre cheias de alunos tendo aula, mas nenhuma com água dentro. Mas conforme avançava o caminho ia ficando escuro. Harry sentiu que iria ter a mesma escuridão que assomara a menina no lago do jardim da casa dela. Tudo foi ficando cada vez mais negro, e a água começava a encher mais e mais também. Ele sentiu medo de continuar. Parou, como se estivesse no meio do nada, mas a água não parava de encher, já batendo na altura de seu tórax. Não adiantaria ficar ali parado, ou talvez tivesse o mesmo fim da menina, embora ele não soubesse o que havia acontecido com ela. Continuou, agora nadando contra a correnteza, e por vezes o medo lhe fazia ter uns arrepios elétricos na espinha. Harry, mesmo com o desespero começando a se fazer presente, achou estranho que ainda que a água enchesse de forma muito rápida, ele nunca atingia o teto do corredor onde estava até o momento. Não via mais nada em sua frente, mas sabia que a garota o esperava e que era preciso continuar. Só que a correnteza estava muito forte e Harry não tinha tanta força para lutar contra. Seu coração batia dolorosamente dentro do peito, e mesmo não estando mergulhado o garoto não conseguia encontrar ar para respirar. Se parasse de nadar a água o levaria para longe de seu destino e isso não podia acontecer.
A consciência de Harry agora queria acordar e não conseguia. Nada daquilo era mais sonho, e ele sabia que a questão agora era mais de vida ou morte que de outra coisa. O desespero que a menina da sua visão sentira estava todo instalado em si, e aumentado algumas centenas de vezes. Harry não tinha mais forças para lutar contra a vazão da água. Parou de nadar e sentiu seu corpo ser levado numa grande velocidade para trás. Ele olhou na direção para onde estava sendo arrastado e viu uma luz, uma luz intensa e brilhante que ficava mais perto, mais perto, e o iria engolir dentro de alguns instantes... Então seu corpo sentiu um baque violento e dolorido contra o chão. Estava numa das salas de Hogwarts. Havia luz entrando pelos vitrais, embora não fosse tão clara como esperava. Sua roupa, assim como ele todo, estava completamente ensopa. Levantou-se, olhando ao redor, e então viu um objeto que há anos não via a apenas alguns passos de distância: o espelho de Erised. Harry ficou contente em rever o espelho mágico, que um dia lhe mostrara as figuras póstumas de seu pai e sua mãe. O que ele lhe mostraria agora, tantos anos passados? Será que seu mais íntimo desejo continuava o mesmo? Lentamente foi andando até o espelho que estava de perfil para ele, mais lento até do que queria que fosse. Não parecia, mas o objeto mágico era bastante grande, dava uns três dele de altura e bem uns quatro de largura. Ao se aproximar o bastante, tocou sua moldura muito antiga mas extremamente bem trabalhada, e quando olhou para sua base, viu que um filetezinho de água escorria de dentro do espelho. Aquilo deixou-o muito intrigado, e a primeira impressão que teve foi a de que toda aquela água em que nadara tinha vindo dali. Sem agüentar mais de curiosidade, Harry se pôs em frente ao espelho. A figura da garota esperava por ele, do outro lado do vidro. Dessa vez Harry pôde observá-la bem mais detalhadamente. Ela não estava nua; usava uma veste suntuosa, de um tecido azul-marinho que parecia veludo, todo ornado com gravuras prateadas que percorriam a extensão do manto. Eram sereias, que brincavam como num imenso oceano. O manto cobria a garota do pescoço aos pés. Ao voltar a atenção ao seu rosto, viu que a garota o encarava de forma fria e séria. Algo não era como em sua visão. Ela, ali, parecia não ter sentimento. Então Harry a olhou nos olhos, e sentiu algo que nunca havia sentido antes e ele não sabia o que era. Parecia estar hipnotizado, tragado pelo olhar daquela bela e fria garota. Involuntariamente seu corpo se dirigia a ela, mas ao tocor a superfície do vidro um raio se disferiu do céu e ele foi jogado com tudo para trás. Assustado, Harry se ergueu novamente, mas a imagem da menina havia dado lugar a outra que ele nunca mais gostaria de ver em sua vida. O medo que tanto sentira antes voltava com força total. Era ele. Voldemort, coberto por uma túnica negra como a escuridão em que ele se encontrou há minutos atrás, o encarando com olhos vermelhos, letais. O garoto, sem conseguir parar de olhar aquele monstro, começava a se afastar o mais rápido que podia, mas só até bater na parede. Definitivamente não era aquilo que o espelho deveria lhe mostrar. Por trás da figura escabrosa de Voldemort surgiu fogo, muito fogo. Ele escutava uma risada sombria que sabia ser dele, enquanto o fogo tomava conta de tudo, ainda que fosse tudo dentro do espelho. Mas Harry podia sentir o cheiro da fumaça invadindo seus pulmões e a risada aumentava dolorindo seus tímpanos. Gritos começavam a ecoar em sua mente, e tudo começou a girar, girar, os sons aumentavam, a fumaça ficava densa e Harry se sentiu perdido em meio aquele tumulto...
E então ele acordou num pulo, a cicatriz latejando em sua cabeça, e o que viu à sua frente e ao seu redor parecia ser um prolongamento do pesadelo que acabara de ter... estava tudo em chamas! Ele ouvia os gritos de seus tios vindos do andar de baixo, mas estava cercado pelo fogo e nada podia fazer! O armário onde seu malão estava guardado ardia em chamas, o que significava que sua varinha já devia ter sido reduzida a cinzas assim como tudo o que lhe pertencia. Tudo o que via era fogo e nem ao menos tinha idéia do que havia acontecido! A fumaça já era tão densa que Harry podia pegá-la com a mão se quisesse, e aquilo entrando por suas narinas fazia todo seu canal respiratório arder como se também estivesse pegando fogo. Aos poucos foi perdendo a consciência, embora relutasse a deixar-se desmaiar, mas a última coisa que escutou foi uma sirene. Caiu desacordado na cama em meio ao fogo, e não viu mais nada.
