Assim que os primeiros raios de sol alcançaram seus olhos ainda fechados, guardando um sono leve, o Maroto Sirius Black puxou as cobertas sobre o rosto e amaldiçoou quem não deixava que as janelas tivessem ao menos uma cortina que evitasse esse incômodo matinal. Entretanto, ele sabia que era hora de acordar.
Devido ao grande acontecimento do dia anterior, ainda estava difícil realizar que este seria um dia como outro qualquer; aulas, aulas e mais aulas. Mas nada, absolutamente nada conseguiria levar seu bom humor e as boas lembranças da noite passada embora, pois um de seus maiores desejos havia se concretizado: Remus Lupin, o seu melhor amigo e mais secreto amor estava livre da desgraça que lhe ocorria todo mês. Talvez tenha sido este o dia mais feliz de sua vida até agora. Remus, ele, James e Peter comemoraram no maior estilo "Marotos S.A", com muita cerveja amanteigada, sapos de chocolate, feijõezinhos só de sabores gostosos e claro, alguns estardalhaços pela escola, mas nada que levasse a detenções ou coisa assim.
Sirius achava que aquele também fora o melhor dia da vida de Remus até o momento. Ele estava irradiando alegria, transbordando felicidade por todos os poros e contagiando a todos com isso. Moony..... apesar de agora não se transformar mais, ele seria eternamente o Moony, aquele cara tímido e intelectual, muito inteligente e educado, que lhes dava broncas mas bem que gostava de vê-los fazer o circo pegar fogo. Às vezes até ajudava, mas isso só antes de ser escolhido um dos monitores-chefe de Hogwarts. E como se não fosse suficiente..... possuía aqueles olhos cor de âmbar, que brilhavam como um par de quartzos à luz do sol e da lua. Aqueles cabelos que Sirius costumava bagunçar casualmente no meio de alguma brincadeira, e que sempre aproveitava para sentir a maciez das mechas castanho-claras. Seu corpo magro mas bem constituído, com algumas marcas deixadas em dias de transformação, que o animago já havia visto semi-nú diversas vezes quando em dias acalorados inventavam de nadar no lago e brincar (se é que se pode dizer isto) com a lula gigante. A realidade é que Sirius conhecia Remus mais do que conhecia a qualquer outra pessoa, e justamente por isso, há quase quatro anos, nutria um amor secreto pelo amigo. Não era problema lidar com isso, Sirius sempre se saíra muito bem nesta tarefa. Problema mesmo era saber que não era só ele que amava Moony em suposto segredo.
O animago tirou o lençol e edredom de cima do rosto e virou-se para observar Remus, ainda adormecido na cama ao lado. Geralmente era ele quem acordava primeiro e acordava os outros três, que se não fosse por isso perderiam a hora todo santo dia. Hoje, no entanto, parecia ainda estar no terceiro sono, a boca aberta, a respiração bem constante, típica de quem dormiu tarde e exausto. Era como uma criança; uma criança extremamente tentadora.
Era estranho, pensava ele, que dentre os Marotos consideravelmente bonitos (o que excluía Peter, naturalmente), Remus fosse o menos assediado. Sua beleza era sutil e única, não como os "deuses gregos" Sirius Black e James Potter, que além de tudo ainda faziam o diabo-a-quatro para chamar atenção sem que fosse realmente preciso. Mas Moony e seu jeito reservado, era fruto da cobiça apenas daqueles que sabiam observar e apreciar. Como uma pintura abstrata. Sirius era assim, e sabia muito bem quem também era: Severus Snape.
Apesar de estar sentindo toda a felicidade do mundo por seu amado Lupin, Sirius tinha certeza de estar no meio de um baita triângulo amoroso onde ele e Snape travariam uma verdadeira batalha pelo amor do jovem lobisomem. E por incrível que pareça Remus nem desconfiava disso, ou talvez até o fizesse, mas apenas em relação á Snape já que James, Peter e ele faziam questão de lhe importunarem toda hora com isso. E agora com esta repentina mudança do sonserino em bom-samaritano... era tão óbvio o que ele queria com isso! Mas Sirius, que até o presente momento não sentia necessidade de revelar seu amor para não correr o risco de perdê-lo, agora não poderia mais deixar estar justamente por esse motivo. Perder Remus para Snape seria perder duas vezes.
Foi quando o jovem lupino se virou na cama que Sirius se deu conta de que os minutos estavam passando rápido demais. Jogou as cobertas de lado e saiu da cama. Hoje ele queria ter o privilégio de despertar seu amigo do maravilhoso sono que ele devia estar tendo. Se espreguiçou lânguidamente, e em alguns passos já estava junto à cama de Remus. Agaichou-se sobre os joelhos e o chamou levemente.
- Moony... hora de levantar....- sua voz estava suave e pouco mais grave que o comum.
Ele virou-se novamente de barriga para cima. A sensação de seus rostos tão perto mexia com o jovem animago de forma que ele não conseguiu chamá-lo novamente. Sua boca abriu e nenhum som saiu dela. E para aumentar seu embaraço, Remus abriu os olhos.
Sirius desejou nunca ter saído de sua cama para ser pêgo numa situação dessas. A impressão que a cena causava para qualquer um era, sem dúvida, das piores. Imagine para ele então...
Remus não estava mais totalmente desacordado como imaginava ter estado durante parte da madrugada. No entanto, abrir os olhos havia se tornado uma tarefa quase inconceptível, e ele bem sabia porquê.
Uma noite memorável fora aquela, sem dúvida. Até duas e quarenta da madrugada, ele e os três amigos remanesceram no salão comunal, regados a cerveja amanteigada e dezenas de guloseimas do estoque de Peter e dele próprio. Parecia até final do campeonato de Quadribol, com a diferença de que se fosse essa a ocasião não seriam apenas os quatro a festejar até a calada da noite.
Os Marotos não eram Marotos por acaso. E os quatro não eram amigos por acaso. Eles completavam um ao outro, cada um com a sua personalidade; e de fora quem achava que eram todos iguais estava redondamente enganado. Havia uma química na amizade que ficava mais forte a cada hora, cada dia, mês e principalmente a cada ano. E na noite anterior, Remus sentiu como se fossem apenas um, e ficava excepcionalmente emocionado com o comportamento de seus amigos, que pareciam compartilhar de cada gota de alegria que ele próprio sentia. Isso significava muito para Lupin, pois eles eram um suporte; um porto-seguro no qual poderia atracar em qualquer estado, eles sempre o apoiariam.
De repente um som quebrou sua linha de pensamento e ele se virou. Agora a claridade atingia ainda mais seu rosto e incomodava seus olhos. Essa sensação, ele descobria agora, era muito ruim. Nunca teve o problema de precisar acordar e não querer, mas depois de uma noite tão mal dormida não tinha jeito. Do mesmo modo que um som interrompera seus devaneios, agora ele sentiu um vapor quente no rosto que lembrava respiração e, assustado, abriu os olhos. Ficou imóvel ao ver que Sirius estava ajoelhado ao seu lado, e tão encabulado que parecia estar fazendo algo errado.
- Si-sirius....??!- indagou, se erguendo um pouco e apoiando as costas na cabiceira.
O animago se afastou um pouco, boca e olhos abertos em espanto, não sabendo o que fazer e menos ainda o que dizer ao amigo.
- Eu só queria... dizer....- o coração de ambos dançava dentro do peito- era só um bom-dia...
Remus piscou. Aquilo era definitivamente estranho. A seu ver, não era necessária aquela cerimônia toda por um simples 'bom-dia'. Mas então o quê? Por que estava ele ali ao seu lado com cara de quem viu um fantasma muito feio? Por mais que quisesse, não iria perguntar.
- Bom-dia, então.... você acordou cedo hoje, huh?
- Sim.- Sirius apressou-se em responder, pouco aliviado. Mas ainda não era capaz de se mover. E o outro tampouco podia metabolizar uma reação que não fosse desconversar.
- Doeu?
- Ahn??
- Cair da cama... – Lupin esboçou um sorriso que em outra ocasião não convenceria ninguém.
- Ah, não, não.... na verdade eu acho que não dormi tão bem quanto de costume...
- Por que?
- Cerveja amanteigada...- o jovem de cabelos negros fez uma cara de enjôo. Ambos riram, e as coisas começaram a desanuviar.
- E você, como se sente?- Sirius perguntou se levantando e sentando ao pé da cama dele.
Remus suspirou, e depois um sorriso estonteante lhe surgiu, demonstrando só um pouco de sua imensa felicidade.
- Sabe Padfoot, eu tentei, juro que tentei lembrar de um dia em que eu tenha ficado tão feliz. Concluí que só houve uma outra vez; quando você, James e Peter conseguiram se transformar em animagos pra me acompanhar. Fora este, não teve nenhum outro dia melhor do que ontem.
Sirius sorriu. Sentia-se emocionado e lisonjeado por fazer parte de um dos momentos que, segundo ele, foram os melhores de sua vida. E foi exatamente por isso que fez questão de acordar o amigo antes que qualquer um o fizesse: sabia que seria o primeiro a ouvir o relato de alguém que, tinha certeza, vivia um momento único. E isso era um privilégio, ainda mais em se tratando da pessoa que amava.
- Eu.... fico realmente feliz por você, Moony.- o jovem desejava que o outro pudesse captar toda sua sinceridade. E certamente podia.
- Bom, eu também não dormi bem mas temos que levantar, certo?- Lupin disse para evitar perder o controle da situação, que ficava crítica a cada segundo a sós com Sirius tão próximo e ouvindo-o dizer essas coisas.- Acorde Peter e James porque eles parecem ter dormido muito melhor que a gente.....- completou em tom divertido, olhando para os outros Marotos.
- Ok- respondeu simplesmente o animago, imaginando o que se passava.
O café-da-manhã que os quatro rapazes tomaram aquele dia foi mais como outra comemoração. Ninguém entendia direito o motivo de tanta euforia, muito embora eles não precisassem geralmente de motivos para fazer algazarra. Apenas duas pessoas sabiam o que estava acontecendo: uma era Snape, que assistia a tudo de longe e contente por Remus, ainda que este não lhe tivesse lhe dirigido nenhuma gratidão até o momento. A outra pessoa era alguém que começava a se preocupar com a situação.
As aulas da manhã, essas nunca mudavam. Principalmente as duas que tiveram de História da Magia com o bom e velho (muito velho) Binns. "bviamente nenhum deles prestou atenção no professor, ou porque estavam muito absortos em pensamentos ou por puro e simples sono. Contudo o tempo não demorou a passar e sem ver eles já estavam no horário de almoço. E foi nessa hora que uma coruja meio velha e estúpida acertou a cabeça de Lupin, enquanto ele e seus amigos se dirigiam ao salão principal depois de saírem da torre da Grifinória. E como se não bastasse ter arranhado o couro cabeludo do lobisomem, a coruja ainda "esfregou" as penas na cara de Sirius, que quase lançou um "Petrificus Totalus" nela, pra não fazer coisa pior. Remus pegou um bilhete preso na pata da ave e ela foi embora antes de sofrer qualquer dano. Mas ao abrir o bilhete e o ler, até a dor do arranhão desapareceu.
- O que essa coruja doida veio te trazer, Moony?- perguntou James, os quatro ainda andando para o salão.
- Não foi de Dumbledore, foi?!?- indagou Peter em extrema preocupação, mas tal pergunta idiota foi ignorada.
Remus socara o papel no bolso pra que ninguém o visse. No entanto, sua expressão fechada já era motivo mais que suficiente para despertar a curiosidade de seus companheiros.
- Deixa eu ver o bilhete- disse Sirius, estendendo a mão para que Remus lhe entregasse o papel, e isso na maior ingenuidade. Nem lhe passava pela cabeça que não pudesse ler. Este bilhete, claro, era de Snape.
Lupin o olhou sem saber o que dizer, e o que lhe ocorreu apenas foi um "não". Sirius parou. Os outros três pararam também, alguns centímetros a frente.
- Não?? Como assim não??
- Oras, o que há de errado com um 'não'?- devolveu Lupin
Os olhares dos dois se fixaram por um momento, e só agora caía a ficha de Sirius.
- Por que não mostrar o bilhete? O que foi? É algo grave?- James perguntou vendo o rosto do amigo de cabelos negros se contorcer.
- É de Snape.- respondeu ele, gélido.
As bocas de ambos Remus e James se abriram e fecharam sem emitirem som algum.
- Será que ele quer que Moony o beije em agradecimento?!- zombou Peter, rindo de si mesmo, mas ninguém lhe acompanhou. Sirius o encarou de forma letal e ele parou de rir num instante. Mas apesar disso, o que o animago disse foi semelhante, só que num tom muito, muito seco.
- É Lupin, será que não é isso que ele quer?
Sirius só o chamava pelo sobrenome em duas situações: ou em frente a alguém de respeito (o que, para os Marotos, significava no máximo umas cinco pessoas), ou em momentos como este, em que ele agia de forma quase perigosa. E isso era bem raro.
- Sirius, você está sendo ridículo- o lobisomem fez questão de enfatizar a última palavra.
- Err..... na verdade, Moony, eu não acho que ele esteja sendo ridículo.- discordou o rapaz de óculos redondos- Merlin, você é que está sendo muito ingênuo!
- Ele não quer isso! E um agradecimento é mais do que justo!!!- ele se exaltou, e ainda continuou- Não me interessa mesmo o que vocês acham ou deixam de achar! E quer saber?! Só voltem a falar comigo quando desistirem dessa estupidez toda!
- Então ele é mais importante?!!!- berrou Sirius, indignado.
- Só se você levar em conta que foi ELE quem teve o interesse em descobrir a minha salvação!!
Remus sabia, e como sabia, que tinha passado dos limites agora. Seus três amigos (e ele esperava ainda tê-los após dizer isso) o encaravam atônitos. Sirius parecia ter perdido o dom da fala. E ele viu, com uma sufocante culpa e arrependimento, James dar-lhe as costas e seguir o caminho interrompido a alguns minutos. Peter foi logo atrás.
- Eu espero- voltou o animago- que sua consciência o consuma até que você não consiga mais olhar nos olhos de nenhum de nós. E sinceramente, você não merece mais ser um Maroto.
Os dois se encararam mórbidamente; Lupin com o queixo enrugado e por dentro se sentindo um lixo, ou algo que de tão ruim não podia sequer ser denominado.
- Não é você quem decide se eu sou um Maroto ou não!- gritou ele, pois o outro também acabara de lhe deixar sozinho.
O jovem lobisomem grifinório suspirou bem profunda e pausadamente. A burrada estava feita, e era melhor esperar um pouco antes de tentar consertar. Além do mais, precisava ir falar com o pivô de toda a discussão. Devia um obrigado, ao menos, ao rapaz sonserino, e intimamente não se conformava com a ingratidão dos seus companheiros, embora não tenha tido, nem de longe, intenção de ofendê-los em prol de Snape. Só que não gostar dele era uma coisa; tamanha falta de bom senso era outra totalmente diferente!
Uma brisa seca e gelada cortou o ar enquanto Remus ia para um dos únicos lugares que, a essa hora, estava vazio no castelo: o campo de Quadribol. Certamente por isso Snape queria encontrá-lo ali, ainda mais porque ambos estariam matando aula e algum professor ou o zelador poderia os estar procurando. O único problema era o vento frio que estava intensificando-se, e o tempo bem nublado indicava que teriam neve logo logo.
"Debaixo da arquibancada sonserina", lembrava Lupin, já no espaço reservado para o esporte bruxo na escola. "Pelo menos ali não venta", animou-se.
As arquibancadas tinham cerca de sessenta ou sententa metros de altura, ele não sabia ao certo. James e Sirius com certeza sabiam. E eram cobertas com uma gigantesca "lona", cada uma com as cores e símbolos de cada Casa. Debaixo das lonas escondia-se a estrutura colossal que sustentava cada arquibancada e era extremamente improvável alguém imaginar que poderiam haver pessoas ali atrás. Snape foi esperto nesse ponto, mas o empecílio era que não era apenas uma, mas sim duas arquibancadas sonserinas. Porém Lupin não demorou a perceber que na lona de uma delas, as cobras se mexiam. Meio arriscado, mas bem pensado.
Enfim, quando passou por baixo da lona, encontrou o rapaz de cabelos também negros, encostado numa das vigas de madeira do esqueleto da arquibancada. Este imediatamente se aprumou e pareceu inibido de repente. Isso sempre acontecia na presença do grifinório.
Os dois se olharam e sorriram bem discretamente.
- Olá, Snape... como está indo?
- Creio que, no momento, melhor que você.
- Por que diz isso?
- Eu vi. Eu vi a discussão.- ele estava sério e pesaroso- Me desculpe, eu não queria que você brigasse com eles por minha causa.
- Você não teve culpa...- sorriu- mas você viu.... como?
- Eu estava no corujal. De lá dá pra ver o corredor onde aconteceu tudo. Eu estava com uma luneta, vendo se a coruja não ia errar você.... mas eu sinto muito.
- Está tudo bem. Já tivemos brigas piores entre James e Sirius, de socos e chutes, e no dia seguinte já estavam até treinando numa boa...- Remus tentava de todas as formas não deixar que ele percebesse sua preocupação com essa briga. Snape realmente se importava. Pra não pesar o clima, mudou logo o assunto.
- Mas então, por que estou aqui?
- Queria saber como você está depois de ontem.- respondeu ele, procurando disfarçar um pouco a aflição. O sorriso que recebeu como começo de resposta poderia tê-lo feito desmontar.
- "timo, Snape, simplesmente ótimo! Foi como se livrar de uma pena de morte em Azkaban, sei lá... e já que estamos falando disso, preciso agradecer a você. Eu nem sei o que dizer, mas de qualquer forma...
- Escute Lupin- Snape interrompeu, e se aproximou dois ou três passos- Eu fiz isso porque acho que você merece, mais do que ninguém. E quando você sorri eu tenho certeza de que fiz a coisa certa...
Remus piscou, e começou a passar por uma transmutação de cores com todos os tons de vermelho que existem. Ao contrário, o sonserino estava pálido como uma parede. E por mais que tivesse evitado, o clima acabou pesando. Era só impressão ou ele estava jogando indiretas?
- Bem, mesmo ainda sem compreender estou realmente grato.- se fez de desentendido tanto para desconversar quanto para descontrair. E embora o outro parecesse desapontado, Lupin não fazia questão alguma em voltar ao assunto.
Severus baixou a cabeça e se virou para sair. Nessa hora um certo remorso tomou a consciência de Remus. Sabia que havia sido muito frio com o rapaz, mas nada podia fazer sobre.
- Então, Lupin, apenas não se esqueça de tomar outra dose da poção à mesma hora.- e então saiu.
O grifinório começou a achar que devia ir se trancar no quarto para que ninguém mais o deixasse dessa forma, quase falando sozinho. Ele sempre fora uma pessoa extremamente compreensiva, mas em certas ocasiões gostaria que fosse igualmente compreendido. Era muito difícil agradar a gregos e troianos ao mesmo tempo, e ele ainda estava tendo que engolir os maiores sapos por tentar. Só de imaginar como seria ter de enfrentar a indiferença dos três Marotos logo mais no jantar, Lupin perdia a vontade de sair dali. Porém, tinha de fazê-lo.
A neve caía densa na paisagem, mas agora Remus via isso de uma das janelas da biblioteca. Era um bom lugar para esfriar a cabeça, e pensar (ou não pensar) em alguma coisa. No momento ele não queria pensar, mas os últimos acontecimentos lhe tomavam conta da mente sem permissão alguma. Ele começava a ter a impressão de estar fazendo parte de algo sem sequer saber disso. Era uma sensação estranha de ingenuidade, como James mesmo já o havia alertado. Afinal, Snape estava se fazendo entender, ou ao menos tentando já que Lupin não colaborava nem um pouco, de propósito é claro. Mas o que ninguém comentava e no entanto não lhe saía da cabeça era a maneira como Sirius vinha agindo, neste dia em particular. Desde aquele bom-dia mal explicado até a cena no corredor, o animago estava parecendo seu.... namorado? E ciumento ainda por cima....
Lupin se sentia a ponta de um triângulo cuja base era formada por Sirius e Snape. Se isso era verdade, então ele havia de refletir sobre seus próprios sentimentos em relação a um e a outro, e essa era a hora. Olhou para os campos de Hogwarts, forrados por um tapete branco, como se quisesse clarear seu pensamento e assim não cometer enganos. Embora ele soubesse bem que não se enganaria numa situação dessas. Havia uma grande distinção no que sentia por um e por outro. Snape tinha toda a sua imensa gratidão por ter feito o que fez. Foi um gesto de generosidade que ele jamais pensou ser possível vindo de um sonserino, ainda mais pela antipatia que tinha por seus melhores amigos e vice-versa. Mas embora Remus soubesse muito bem quais eram as intenções do rapaz, não achava que tudo era puro interesse. Snape se importava muito com ele, gostava muito dele... e Lupin se sentia mal por não corresponder... infelizmente seu coração pertencia a outra pessoa. Infelizmente, será?
Não, podia ser felizmente, pois essa pessoa começava a mostrar um interesse que Remus desconfiava ser bem mais que apenas amizade, mesmo esta amizade sendo imensamente grande. Sim, era a Sirius que pertencia seu coração, e suas atitudes mais recentes só serviam para deixá-lo cada vez mais confuso. Desde que descobrira-se apaixonado pelo Maroto mais Maroto que podia existir, sempre suprimiu seus desejos achando que era um absurdo e que Sirius o enxotaria como a um cão velho se soubesse de seu amor. Ele nunca demonstrara tanta preocupação e ciúmes quanto agora, e o jeito como ele fala de Snape não é mais com a rotineira zombaria, e sim agora carrega um despeito e uma raiva bem característicos de quem sente-se ameaçado. Quem dera ele soubesse que não corre o menor risco de perdê-lo para Snape, a não ser pela própria estupidez com que vez agindo...
De repente ouviu um barulhinho de aproximação e virou sua cabeça pra ver quem era. Era Snape.
- Snape, o que faz aqui?!- perguntou Lupin erguendo-se, começando a preocupar-se vendo a expressão afobada do rapaz.
- Sabia que iria te encontrar aqui...- disse ele ofegante, e fez uma coisa que Remus não poderia esperar jamais.
Snape o pegara pelos ombros e o puxara para junto de si com uma força que eliminava qualquer chance de resistência, para dar-lhe um beijo alucinado e sufocante, ao qual o lobisomem não pôde fazer outra coisa senão retribuir. Foram os segundos mais longos que os dois já haviam vivenciado, e mesmo Snape surpreendeu-se por estar sendo correspondido. Ambos estavam gostando da situação, mesmo que o sonserino tivesse uma urgência muito maior em fazer o que estava fazendo do que o outro. Quando sua mente recobrou a consciência de que alguém poderia vê-los, Severus afastou-se, e encontrou o rosto de Lupin com uma expressão vaga e olhar desfocado.
- Isso pode ter estragado tudo- disse o jovem de cabelos negros escorridos- mas eu nunca vou esquecer este beijo. Nem a morte vai me apagar esta lembrança maravilhosa.
E então ele deixou o grifinório ali parado, sem ação alguma, mais uma vez. Ele achou que agora, definitivamente, precisaria rever seus conceitos. E rápido.
