CAPÍTULO SETE Explicando-se

"Um dia tudo volta para o seu lugar
Um dia vai ficar como devia estar"

Apertou os olhos com força, enrijeceu os músculos e sentiu todo o seu corpo ser tomado pelo medo. Prendeu a respiração. Esperou a dor vir. Esperou. Mas ela não veio. Lentamente, a garota abriu os olhos e deparou-se com um par de raivosos olhos amarelos. Tinha dado certo, ele estava paralisado.

Ainda com a respiração contida, Lílian levantou a mão com a qual segurava sua varinha e mirou nele.

-  Sinto muito, Remus. "Petrificus Totalus"!

Assim que o feitiço foi proferido, o lobo caiu duro no chão. O cão, que observara a cena imóvel, chocado, agachou-se e, com o focinho, o cutucou, como para que ter certeza de que ele estava vivo. De repente, o cervo partiu para cima dela, fazendo a garota arregalar os olhos e prender a respiração novamente, e, em um segundo, era um garoto que havia parara bem próximo à ela.

-  O que está fazendo??? Ficou louca, Lílian?! – gritou Tiago.

Passado o susto, ela riu, soltando a respiração com alívio. Devia ter adivinhado que ele era o cervo.

-  Ficou maluca?? – repetiu ele – Você podia ter morrido!!

-  Eu precisava vir!!

Naquele momento, ela sentiu raiva. Eles não tinham noção do que ela tinha passado para estar ali. Na verdade, ponderou ela, eles nem ao menos sabiam o risco que estavam correndo. Numa tentativa nervosa de lhes explicar, disparou tudo como uma metralhadora.

- Vocês estão sendo vigiados e, se eu não o tivesse detido, ele estaria lá fora nesse exato momento, comprometendo o segredo de todos vocês!!

Ele balançou a cabeça negativamente, não estava entendendo uma palavra sequer do que a garota lhe falava. Afinal, como diabos ela sabia deles?? Ela havia falado "Remus", sabia que era ele!! E como assim "sendo vigiados"?

-  Ãh?? – foi tudo o que Sirius conseguiu fazer.

Lílian levara um susto, não havia percebido que o outro voltara à forma humana.

-  Como você sabe de tudo isso?? – continuou, fazendo a pergunta que Potter retivera em sua mente.

-  Eu apenas sei! – disse ela com urgência – Não façam perguntas! Remus está-

-  Como você sabe que é o Remus?! – perguntaram os dois, quase que com as mesmas palavras.

-  Não façam perguntas! Apenas me ouçam! Remus está mais forte do que o normal nessa lua, mantenham as portas e janela reforçadas, ou ele irá quebrá-las. Vocês estão sendo vigiados e...

Ela, por um momento, vacilou. Pareceu perder o equilíbrio. Estava pálida.

-  Preciso ir agora...

O grande lobo deitado no chão esboçou algum movimento.

-  É melhor mesmo, antes que ele volte à ativa... – disse Sirius, sorrindo.

-  Eu te levo. – prontificou-se Tiago.

-  Não! Vocês não ouviram nada do que eu disse?? Precisam ficar aqui! Só um não terá forças o suficiente!

-  Certo, certo... – disse ele, ante o desespero da garota.

-  Nesse caso, eu vou.

Todos olharam para Pedro. Nem sequer tinham notado sua presença na sala.

-  Um rato não faz diferença, nunca poderia conter um lobo mesmo...

-  É melhor decidir rápido, mocinha... – disse Sirius, antes de se transformar no grande cão negro e começar a rosnar para o lobo no chão.

Lílian aceitou a compania e, rapidamente, saiu dali. Pedro a levou pela passagem por dentro da casa, que os três utilizavam para se juntarem a Remus nas noites de lua cheia. Percorreram parte do caminho em silêncio. Lílian caminhava devagar, parecia esgotada e o garoto não demorou a perceber isso. Diminuiu o passo, para acompanhar o dela.

- Como fez aquilo? – perguntou Pedro, com um olhar de admiração e incredulidade.

-  O quê? – ela estava cansada demais para raciocinar com rapidez.

-  Imobilizá-lo.

-  Aquele feitiço é simples... Não tem um efeito muito longo, mas funcionou-

-  Não! – ele riu – Antes disso. Como fez o lobo parar??

-  Ah! Eu... eu não sei ao certo. Eu simplesmente o bloqueei.

Ele parou de andar. Boquiaberto. Os olhos mais arregalados em admiração do que antes.

-  Como assim? Você desejou e, Pluft!, ele congelou?!

Ela, que também havia parado, o olhou divertida. Mas logo voltou a ficar séria.

-  Não sei, mas não é assim. Ainda não sei como isso funcionada, acho que está ligado ao meu medo. Não é só desejar que a mágica acontece... eu realmente não sei...

-  Mas você sabia que seria capaz de pará-lo, não? Se não, não teria se arriscado tanto, vindo até aqui...

Lílian voltou a andar, como que para fugir daquela pergunta. Não sabia o que responder, não sabia se deveria responder coisa alguma. O garoto seguiu os passos lentos dela.

-  Não sei. – ela respirou fundo, depois sorriu – Só sei que estou muito grata por ter dado tudo certo e por eu estar viva aqui conversando com você...

Pedro, ainda com os olhos arregalados em expressiva admiração, sorriu em resposta e, em silêncio, eles percorreram o caminho que lhes pareceu o mais longa de suas vidas.

***

Um jato de luz ofuscante atravessou suas pálpebras, forçando-a a abrir os olhos. Relutante, ela tentou focalizar a agitada garota a sua frente.

-  Anda, Lily! Estou preocupada!! Aonde passou a noite?? O que aconteceu?? Potter está desesperado pra falar contigo!

Lílian se virou para o outro lado, colocando um travesseiro sobre o rosto, para tampar-lhe a luz solar.

-  Fecha essa cortina, Vi... me deixa em paz... – pediu, com a voz abafada pelo travesseiro – Não quero falar com ninguém...

-  Aconteceu alguma coisa?? Por que você não está de pijamas, nem ao menos trocou de roupa? Seus sapatos estão sujos de terra! FALA ALGUMA COISA, LÍLIAN!!

Ela retirou o travesseiro e focalizou a amiga. Detestava ver Viviane preocupada, por mais raro que isso fosse. Talvez exatamente por isso ser raro, aumentava o nível de gravidade das coisas. Sentou-se na cama. A outra se sentou a sua frente

-  Eu estou bem. Não se preocupe, não foi nada. Não quero falar com ninguém agora e, por favor, Viviane, não me faça perguntas...

Lílian beijou a face da amiga e jogou-se na cama novamente, cobrindo o rosto e desejando voltar à dormir. Pelo menos naquele momento, não queria ter de mentir, não queria enfrentar a realidade.

***

Algumas horas haviam se passado quando Lílian finalmente acordou. Espreguiçou-se na cama e continuou deitada. Na mesa de cabeceira ao seu lado, notou um copo de suco e algumas torradas.

-  Obrigada, Viviane... – sussurrou, mesmo sabendo que estava sozinha no quarto.

Tomou um gole do suco. Ah, céus! O que diria aos garotos??

Como descobriu tudo? Lógica, dedução, juntando pequenos detalhes... Como sabia que estavam sendo vigiados? Ouvira uma conversa escondida... Como chegara até lá? Pela passagem que Tiago lhe mostrara.

Certo, até aí tudo bem, não precisaria mentir. Era só não deixar que eles se aprofundassem nas perguntas. Mas como poderia saber que o lobo estaria mais forte do que o normal e o que ele faria? E como conseguira parar o animal?

Não podia nem mais inventar um feitiço qualquer ou uma maneira mágica que descobrira, pois já havia contado a Pedro que não sabia o que tinha feito... O jeito era contar a verdade, dizendo ser esta uma habilidade sua. Quanto à Viviane, nada poderia contar, pois tinha nas mãos um segredo maior, cuja revelação ou não, não lhe pertencia.

Levantou-se. Sentia-se imunda. Foi até o banheiro, onde lavou as mãos e o rosto demoradamente. Voltou ao quarto e comeu o lanche deixado pela amiga. Resolveu tomar um banho. Uma idéia lhe passou pela cabeça. Abriu o armário animada, pegou algumas peças de roupa e desceu, torcendo para não haver ninguém na sala comunal.

Ainda na escada, colocou o rosto para fora, dando uma olhada geral na sala. Viviane parecia estar entretida com as outras duas grifinórias. Apenas as três no local. Abaixada, cruzou o recinto sorrateiramente e saiu. Desceu para o quinto andar. Passou pela estátua do bruxo de expressão desorientada, que usava as luvas nas mãos trocadas e parou na quarta porta após a estátua.

-  Bolinho de chuva. – disse, com um sorriso divertido.

Raramente usava aquele banheiro: o banheiro dos monitores.

A porta se abriu silenciosamente, dando passagem ao esplendoroso ambiente. A iluminação era suave, feita por algumas velas flutuantes e lustres de velas localizados nas extremidades, cujas chamas dançavam nas paredes de mármore branco. No centro, achava-se a enorme banheira, cujas bordas eram preenchidas por inúmeras torneiras de ouro.

Ela "trancou" a porta e foi abrindo algumas das torneiras. Depositou as peças de roupa que havia trazido numa espécie de estante e pegou ali uma toalha, colocando-a no chão perto da banheira. Logo o nível da água beirou a superfície e ela fechou as torneiras. Entrou na água morna e pôde sentir seu corpo relaxar. Perdeu a noção de quanto tempo ficou ali.

Até levar um susto quando "alguém" surgiu no quadro dali, ao lado da bela sereia loira que dormia sobre um rochedo.

-  Tomoyo!! Você quer me matar de susto?!

-  Não, desculpe-me, Lílian, mas é que tem alguém lá na sua sala me perturbando pra falar com você...

-  Ah, não... – gemeu Lílian, ao mesmo tempo que ria da cara que Tomoyo havia feito, enfatizando a palavra "perturbar", antes de voltar com jeito meigo normal. Lembrou-lhe até Viviane.

Já até imaginava quem seria. Quem mais iria interromper um relaxante banho? A ruiva ficou séria de repente.

-  Fala pra ele me esperar, mas não diz aonde eu estou.

-  Está bem.

Tomoyo sorriu e, virando-se de maneira a fazer seus cachos acinzentados esvoaçarem, desapareceu do quadro.

Lílian afundou na banheira antes de sair dela. Enxugou-se rapidamente e vestiu-se. Praticava movimentos automáticos, enquanto repassava mentalmente as possíveis respostas que poderia dar. Saiu do recinto e, algumas portas depois no mesmo corredor, parou. Respirou fundo e entrou.

-  Oi. – disse ela, casualmente, enquanto deixava as roupas sujas na cadeira de sua mesa.

Potter estava sentado na cadeira de Remus, com os tornozelos na mesa do outro. Ele logo pensou em dizer algo do tipo "Aproveitando as mordomias do cargo, heim", mas nenhuma palavra saiu de sua boca entreaberta. Os cabelos molhados e despenteados davam à garota uma aparência rebelde, diferente da Lílian sempre certinha que ele estava acostumado a ver. Ainda mais com aquela roupa trouxa (calça jeans, roupa que os Bruxos achavam ser uma moda muito estranha).

Endireitou-se rapidamente na cadeira quando percebeu que a garota estreitara os olhos na direção dele.

-  Como vocês conseguem? – perguntou ela.

-  Ãh? O quê? – Potter engoliu em seco.

-  Não se machucar.

Respirou aliviado. O que intrigava a garota era outra coisa. Se tivesse sorte, ela nem teria notado o...hum...er...aquele momento.

-  Vocês lutam com um lobo todas as noites e não têm nem um arranhão?

-  Ah, sim, isso... Bem, dois anos de experiência nos ensinaram muitos feitiços de cura... – sorriu orgulho.

A garota se sentou numa poltrona próxima à mesa em que ele estava e deu um longo suspiro.

-  Estou pronta. Pode perguntar.

Lembrando-se subitamente do motivo que o levara até ali, Tiago deu um pulo da cadeira e ficou de pé.

-  Como? Como descobriu??

Ela sorriu.

-  Não foi nada fácil. Tive que juntar muitos detalhes e, no fim, você ainda me ajudou.

Ele franziu o cenho, confuso, depois bateu a palma da mão na testa.

-  Na biblioteca! Você estava pesquisando sobre animagos! Parece que aproveitou bem o tempo que teve... – ele deu um breve sorriso – Mas, sobre o Remus...

-  Teve um dia que a professora Clearfut disse pra ele que a lua ia estar muito forte esse mês... na hora aquilo não fez sentido algum pra mim, mas depois que descobri que ele era um lobisomem, deduzi que estaria mais perigoso agora...

Tiago andava de um lado para o outro na sala.

-  E o que você quis dizer com "estão sendo vigiados"??

-  Exatamente isso! Eu ouvi a conversa de duas pessoas..hum...suspeitas, ontem mesmo, dizendo que um Comensal estaria vigiando a Casa dos Gritos.

-  Mas por que eles teriam interesse na Casa dos Gritos??

Lílian não entendeu quando o outro fechou os olhos com raiva e, com a mão direita cerrada, deu um soco na palma da outra mão.

-  Snape! Depois de tudo o que eu fiz por ele! Ele prometeu não nos dedurar!

-  O que você fez? Como ele sabia? – Lílian aproveitou a oportunidade para tirar suas próprias dúvidas.

-  No início do ano letivo – começou ele, escolhendo bem as palavras com as quais contar – ele andava desconfiado de que a gente fazia alguma coisa errada... mais do que o normal – acrescentou, ao ver a ruiva revirar os olhos –, ele ficou nos perseguindo um tempão, até que o Sirius resolveu...err... dar uma lição nele...

-  Como assim? – atreveu-se a perguntar.

-  Mostrou a ele a entrada da passagem, dizendo que ele descobriria tudo se fosse lá...

-  Céus! – Lílian levou a mão à boca – O Remus estava lá?!

-  Estava. Mas eu cheguei a tempo e o tirei de lá.

Lílian respirou aliviada. Por um segundo, Tiago sorriu, estava gostando de contar aquela estória como se fosse o herói. É claro que certos detalhes haviam sido omitidos, mas eram só detalhes.

-  Mesmo assim – continuou ele –, ele viu o lobo. Dumbledore o fez prometer que não contaria nada a ninguém, afinal o Remus não tinha culpa. Sirius pegou uma detenção qualquer e depois tudo voltou ao normal.

***

-  Não se culpe, cara, ela foi lá porque quis, de livre e espontânea vontade!

Remus continuava a encarar o teto da enfermaria, inconsolável.

-  Ora, pare de drama! Ninguém se machucou!

-  Você não entende, Sirius. – Remus disse num tom tão baixo que mais parecia um sussurro. – Nunca vai entender.

-  Ah, tá bom! – irritou-se Sirius, descendo da mesa onde estava sentado (sem que Madame Healery visse) – Fique aí com o seu complexo de eu-sou-um-perigo-pra-humanidade que eu vou dar uma volta.

Olhou de relance para Pedro, que estava encostado à parede, apenas observando.

-  Se você tiver paciência – sussurrou Sirius para Pedro –, cuida dele.

Sorrindo, Sirius voltou-se novamente para Remus, sabendo que o amigo tinha escutado, esperando uma resposta. Mas não ouviu nada. Irritava-lhe profundamente toda essa pena que o amigo sentia de si mesmo.

Saiu da enfermaria.

Andava a passos pesados pelos corredores quando se deparou com uma sextanista da Corvinal. Sorriu maliciosamente. Se não podia fazer nada por Remus, por Tiago podia. Talvez aquilo até prejudicasse o amigo, mas ele estava confuso, precisava de um "empurrãozinho" para decidir.

***

-  Mas como você entrou na casa? – perguntou Tiago, parando em frente à garota.

-  Aparatando. – respondeu ela, mas logo percebendo que ele queria outra resposta – Pela mesma passagem que você me levou a Hogsmeade outro dia.

-  Foi o que eu pensei... – ele voltou a andar de um lado para o outro – E foi fácil?

-  Nem um pouco!! Eu não fazia idéia de qual era a senha do espelho!!

Ele riu.

-  "Hogsmeade". Só isso. – e riu mais ainda ao vê-la de queixo caído – O espelho só deixa passar quem sabe aonde vai dar...

Tiago tinha o olhar perdido. Parecia estar se divertindo com uma lembrança.

-  O Sirius tinha achado muito estranho um espelho ali, do nada... ficou "brincando" com o Pedro, de escrever palavras ao contrário, dizendo que o espelho era mágico. Não que fosse uma passagem, mas que mostraria o que pedíssemos... até que o Pedro "caiu" pelo espelho ao pedir pra ir pra Hogsmeade.

-  E no poço? Também tinha uma senha tão fácil que chega a ser idiota?

-  Sim. "Escada". – novamente ele parou em frente à ela.

-  Que senha ridícula! – ela riu – De qualquer jeito, da próxima vez eu levo uma vassoura!

Ambos riram. Mas estes cessaram ao notarem a porta se abrir.

-  Que cena linda. – ironizou Katherine – Por que não estou surpresa, Titi?

Tiago e Lílian se entreolharam sérios, não estavam acreditando que Kat queria dizer o que eles pensavam que ela queria dizer.

-  E eu achando que você gostava de mim...

A garota se virou e saiu dramaticamente da sala. Os outros dois se entreolharam novamente.

-  Tá esperando o quê? Vai atrás dela! – disse Lílian.

Imediatamente o garoto saiu da sala. Havia vacilado, mas temeu perder Katherine e, por isso, foi esclarecer as coisas com a garota.

Lílian continuou sentada na poltrona vermelha, perdida em pensamentos. Perguntava-se se ela teria interferido no destino dessa garota também. Balançou a cabeça negativamente, provavelmente Potter e Cherr teriam terminado o namoro no início das férias e, durante estas, ele teria começado a sair com Katherine de qualquer jeito. Concluiu que não tinha responsabilidade alguma por isso.

Foi então que se deu conta de que, a partir daquele dia, nada do que acontecesse seria responsabilidade sua, nada seria mudado e, acima de tudo, ela não fazia idéia do que aconteceria de agora em diante. Finalmente havia voltado ao ponto de partida.

Sorriu. Era boa essa sensação de não saber o que iria acontecer, essa despreocupação de poder fazer o que quisesse. Mas melhor do que isso era saber que sua família estava bem em casa e que ela estava em Hogwarts, ao invés de internada do Departamento de Uso Descontrolado de Magia.

Olhou para o relógio preferido, intacto, quando se deu conta da hora. Levantou-se de um pulo. Se não corresse se perderia o almoço.

Na pequena mesa da Grifinória, foi recebida por uma, como sempre, agitada Viviane.

-  Finalmente! Onde você tinha se enfiado, menina??

-  Na minha sala. – respondeu Lílian sorrindo e sentando-se.

-  Aqui, guardei o seu jornal.

Lílian pegou o jornal que a amiga lhe entregava e deu logo de cara com a notícia sobre os Aurores.

"Tragédia Evitada. Comensais Presos."

"Graças a uma denúncia anônima, duas vidas foram salvas! Recentemente o Ministério da Defesa foi informado sobre um atentado à casa de um casal de Aurores, que resultaria na morte de ambos. Graças ao aviso prévio, um esquema de segurança foi montado, com Aurores disfarçados e o próprio casal em alerta, pegando em flagrante os "Comensais da Morte", como se autodenominam esses bruxos que fazem questão ter reconhecida a autoria nos atentados. Eles já se encontram em Azkaban, à espera de julgamento.

O Ministério continua afirmando que a população não precisa se desesperar. Esse foi apenas um caso isolado e teve sua ação bem sucedida. Esperamos apenas que sempre hajam denúncias para nos salvar no caso de haver mais um 'caso isolado'..."

Lílian suspirou aliviada.

-  Você os conhecia? – perguntou Viviane.

-  Não. – respondeu Lílian automaticamente.

-  Humpf... Pareceu...

-  Ah, não...é...impressão sua...é só que...

-  BLACK! – todos ouviram Potter gritar.

O salão todo pareceu ficar em silêncio.

-  Pois não? – perguntou Sirius, com a cara mais cínica do mundo, sorrindo para o amigo em pé na cabeceira da mesa, com Kat ao seu lado.

-  Acho que nós dois precisamos ter uma conversinha... – Tiago cruzou os braços – Agora.

-  Pode falar, amigo, qual é o problema?

Tiago inclinou a cabeça e estreitou os olhos, como que perguntando "Ah, é? Não vai levantar não? Então conversaremos aqui mesmo." .

-  Que história é essa de ficar inventando coisas sobre mim e... – ele pareceu vacilar, mas continuou – para a Kat??

-  Ora, cara, eu só tava tentando ajudar. – Sirius continuava com seu sorriso inocente – Depois do que aconteceu ontem...

-  Depois do que aconteceu ontem? – repetiu Tiago, incrédulo – Não aconteceu nada de mais ontem! Eu estive com você o tempo todo ontem!!

-  Ih, pegou mal, heim... – disse Viviane, atraindo a atenção de todos na mesa – Ops, foi mal, não deu pra segurar...

"Então foi por isso que ela deu aquele showzinho básico na sala dos monitores", pensava Lílian, enquanto a discussão estava sendo retomada.

-  Eles não perdem uma oportunidade de aparecer, né... – ouviu Viviane dizer baixinho.

Lílian concordou com um sorriso. Aos poucos todos foram voltando aos seus afazeres, deixando a discussão de lado, até que Tiago parou de falar e, sorrindo maliciosamente, sentou-se ao lado de Viviane.

-  Sabe, não se pode cair na conversa fiada daquele cachorro...

Tanto Lílian quanto Viviane encararam o garoto com expressões confusas. Mesmo sem entender o que o outro queria dizer, Lílian sabia que a expressão "cachorro" não era à toa.

-  É – continuou ele –, você viu, ele é muito infantil. – com a cabeça, ele apontou Sirius – Você é que está certa, não dando bola pra ele...

-  Hei! – gritou o outro – Isso é golpe sujo!

E a discussão foi mais uma vez retomada.

Com uma troca de olhares significativos, Lílian e Viviane se levantaram.

-  Ah, crianças...

-  Como eles são infantis, né?

-  Ninguém merece...

***

No final da tarde o número de pessoas no castelo teve um pequeno aumento. Voltar  naquele trem era o que Lílian tinha programado da primeira vez. E foi com grande alívio que ela viu o Professor Jack Auro retornar. Segundo ele, que estava animadíssimo depois do jantar, as aulas especiais para a garota começariam no dia seguinte.

Paralelamente a isso, duas pessoas não estavam nem um pouco animadas. Pelo contrário, um estava desesperado, enquanto a outra achava-se furiosa.

-  Você precisa acreditar em mim! – gritou Snape, segurando Black pelo braço.

A garota se virou para encará-lo de maneira fuzilante.

-  Você tem noção do que você fez? – ela tentava manter o tom de voz baixo – Eu acreditei em você e eles acreditaram mim, agora minha imagem está na lama! Você me fez de palhaça!! – mas obviamente não conseguiu.

-  Mas... – ele tentou continuar, porém parou, olhando ao seu redor no corredor – Bellatrix, vamos para um lugar mais reservado...

-  E mais seguro... – completou ela, tento em mente a "força" de Snape.

Apesar de contrariada, ela o seguiu até a sala de sempre no quinto andar. Após fechar a porta magicamente, ele continuou.

-  Você precisa acreditar em mim, eu sei que eles estão lá!! Todas as noites de lua cheia eles estão lá!

-  Pode até ser, mas eles não irão acreditar mais uma vez... – o tom dela voltou a ser perigosamente calmo.

-  Mas tem que haver uma maneira de pegá-los! Eu sei que eles estão lá... Alguma coisa deve ter acontecido, alguém pode ter inferido...

Snape parou, desesperado, mãos nos cabelos sedosos. De repente, sentiu como um estalo em sua mente.

-  Claro! Ela deve ter inferido!

-  Ah, sempre ela... – Bellatrix revirou os olhos – Por que eu não posso simplesmente matar logo essa garota? – perguntou-se.

-  Não!! Ela é forte demais para ser desperdiçada... pense no que seu Mestre vai achar de você depois que você lhes der dois aliados tão raros...tão fortes...

-  Acorda, Severo! Aquela garota é uma santa! Nunca faz nada de errado nem no colégio!

-  Ela quase matou a irmã...

-  Hum... É verdade... – Bellatrix fitava um ponto qualquer de maneira pensativa. Ergueu uma sobrancelha – Talvez ela não seja tão santinha assim... se nós a convencermos disso, poderemos despertar seu lado mais perverso... e então ela não terá outra alternativa, senão se juntar à nós...

-  Exatamente. – concordou Snape, sorrindo aliviado.

***

Foi estranho. Aquela era a primeira noite em que Lílian sabia onde os Marotos estavam em suas desaparecidas mensais. De algum modo, Viviane sentiu isso, assim como sabia que isso tinha a ver com a noite anterior. Apesar dela não ter engolido as desculpas esfarrapadas da amiga, entendeu que Lílian não podia contar a verdade e respeitou isso.

Viviane reparou que na noite seguinte a mesma coisa aconteceu. Os quatro mais uma vez desapareceram. Ela, já tomada pelo tédio, sabia que a amiga teria "alguma aula estranha aí" com o professor de DCAT e ficou mais agitada do que nunca. Ficaria sozinha com aquelas três crianças grifinórias entediantes por horas e não sabia o que estava acontecendo com os outros.

Lílian estava com medo da sua primeira aula de Controle Mágico e, por isso, resolveu ler um livro para se distrair. Enquanto estava lendo, no sofá em frente à lareira, a morena andava de um lado para o outro, quase que saltitante. Isso estava começando a irritar Lílian. Concentrou-se no livro.

"O luar atravessava o vidro e coloria de prata o painel e o rosto..."

Viviane passou pela sua frente para a direita.

"...Estática dentro do carro, Ravena observava a casa simples no meio do quarteirão. Sua mente estava um caos..."

Viviane passou andando para a esquerda.

"Ela notou as mãos suadas, que escorregavam sobre o volante..."

Viviane novamente para a direita.

-  Ai, menina, fica quieta!! Eu não consigo ler assim! – explodiu Lílian.

-  Eu estou entediada! Preciso fazer alguma coisa!

-  Ah, vai dar uma volta!

-  Já sei! – exclamou a outra, em seguida saiu rapidamente da sala comunal.

Lílian franziu a testa, mas logo deu de ombros e, notando que já estava na hora de ir, fechou o livro.

***

-  Hei, gata, aonde vai com tanta pressa?

Viviane parou, girou nos calcanhares e encarou Sirius. Ele não tomava jeito. Estava aprendendo com Potter como ser tão insistente. Sorriu, e Sirius tomou esse sorriso como "para ele".

-  A Lílian me mandou "dar uma volta", então aqui estou eu...

-  Nossa, que amiga mais insensível.

-  Pois é, me sinto tão incompreendida!

Ninguém conseguia se manter sério ante o tom sarcástico de Viviane, a não ser aqueles poucos que achavam que ela estava falando sério. Mas Sirius não era um deles.

-  Mas, pra "dar uma volta", a gente anda devagar...

-  Certo. Você venceu. Estou indo na enfermaria.

-  Hum, certo, até mais. – despediu-se Sirius, logo se virando e afastando-se.

Viviane continuou imóvel, observando o moreno se afastar. Inclinou a cabeça, pensativa, achando aquilo estranho. Era só isso? Ele não iria cantá-la, nem perturbá-la e só ir embora quando ela lhe desse um belo fora? Ela riu. Estaria Sirius usando a mesma tática de Tiago, dizendo que tinha desistido e afastando-se, mas para fazer com que a garota sentisse sua falta?? Não, primeiro porque ele não tinha desistido, segundo porque, para Potter, isso não era uma "tática", ele estava mesmo tentando esquecer Lílian e terceiro porque era óbvio que isso não daria certo com Viviane.

Óbvio. Mas então porque ela estava sentindo falta? Novamente, ela riu. Deu meia volta e seguiu para a enfermaria.

***

-  Oiiii! – disse Viviane animadamente, empurrando os remédios que estavam em cima da mesinha ao lado da maca de Remus  e sentando-se na ponta.

-  Oi. – respondeu ele sorrindo, ajeitando-se na cama, de modo a ficar sentado.

Viviane notou que Pedro, que fazia companhia ao paciente, havia recuado alguns passos e encontrava-se agora encostado à parede. Fitando o assustado garoto, ela sorriu.

-  Remus eu...vou...dar uma volta...não demoro.

E rapidamente Pedro saiu da enfermaria.

-  Que legal! Ele continua com medo de mim. – divertiu-se Viviane.

-  Desde que contamos pra ele sobre as ameaças que fez a Tiago e Sirius, quando a Maddeleine se machucou na aula de Poções. Mas, o que faz por aqui, senhorita?

-  Perturbando você! – respondeu ela, com uma cara de "isso-não-é-óbvio"?

-  Que sorte a minha, então.

-  É, poucos têm essa sorte. Mas e aí, quando é que você sai daqui?

-  Acho que semana que vem...  por quê? Cansou de perturbar os outros?

-  É... a Lílian, o Sirius, estão todos tão entediantes...

De um pulo, Viviane ficou de pé, saindo de cima da mesinha, e abriu um sorriso inocente para Madame Healery, que passava naquele momento. Sentou-se então na maca, de frente para Remus.

-  Estou disfarçando, me ajuda... – sussurrou por entre os dentes, sem desfazer o sorriso.

-  Não se preocupe, ela nunca pegou o Sirius em cima da mesa, não vai pegar logo você, uma menina tão inocente...

-  Ele faz isso é? – perguntou, desfazendo o sorriso.

-  Sim, vocês têm muitas coisas em comum...

-  Não diga. – ela revirou os olhos.

-  A teimosia é uma delas.

-  Eu não sou teimosa! Ele é que é metido e arrogante demais pro meu gosto!

-  Ele não está mais assim... – argumentou Remus – Pelo menos, não tanto quanto antes...

-  É verdade. O que houve? – perguntou ela, aparentando seriedade – Você anda ensinado a ele boas maneiras?

Remus riu.

-  Talvez ele esteja amadurecendo.

-  Sei não... deixa só as aulas recomeçarem, o castelo se encher de menininhas fúteis saltitantes e nós voltamos a conversar...

***

Como Lílian imaginava, aquela primeira aula seria sobre "Autocontrole".

-  Controle suas emoções e você controlará sua força mágica! – dizia Auro animadamente, enquanto ela tentava pensar em coisas que a deixavam extremamente irritada, sem quebrar o espelho a sua frente.

-  Eu sei, mas não é tão fácil quanto parece...

-  Tente. Pense em coisas ruins...

Lílian fechou os olhos. Tentava se lembrar de tudo o que já ouvira de sua irmã e de como tinha ficado com raiva naquele dia. Sentiu seu sangue começar a ferver.

"-  O que eu fiz pra você, Petúnia?

-  Você nasceu. Eu só vou me lembrar de que tenho uma irmã no dia em que você morrer, pra eu pisar sobre o seu túmulo. E vou rir muito pois o seu velório vai estar vazio. Até lá as pessoas já vão ter percebido que eu sempre soube: que você é um monstro!"

-  Não está dando certo. – disse ela, abrindo os olhos.

Ao invés de ficar com raiva, ela estava ficando triste. Ela gostava de Petúnia, por que a irmã não podia gostar dela? Além disso, sentia-se mal por quase tê-la matado. Lembrou-se de ter até concordado, achando-se um monstro, quando estava na pousada em Hogsmeade. Estivera tão confusa, culpada, arrasada, naquela noite. Talvez "desesperada" fosse a palavra certa.

Sentiu um aperto no coração, uma angústia... aquilo não estava lhe fazendo bem. Tinha lutado tanto para esquecer aquele dia todo e agora revivia intensamente aqueles momentos horríveis. Chegara a achar que tinha superado isso, mas não tinha, nunca esqueceria e...

Tik. O espelho se partiu. Lílian olhou assustada para o espelho, vendo dois reflexos distorcidos nele. Levou as mãos à cabeça abaixada, parando os dedos por entre os cabelos.

-  Calma. – disse o professor, aproximando-se dela – Você precisa conhecer sua força primeiro, para depois controlá-la...

***

Viviane teve que rir quando entrou na sala comunal. Lílian não estava mais lá, mas parece que tinha deixado seu livro por ali e alguém o tinha pego. Aquela cena lhe parecia absurda... Sirius lendo!

-  Ei, senta aí. – disse ele, quando notou a garota parada na sala – Não precisa ter medo, eu não vou agarrar você...

-  É verdade, isso você já fez.

-  É, e acho que eu nunca cheguei a pedir desculpas por aquilo, né?

A garota ficou dividida entre espanto e confusão.

-  Não se preocupe, não vou pedir agora... – ele riu.

-  Ah tá, agora sim é você!

Ela se sentou no sofá em que ele estava, em frente à lareira, e ele fechou o livro trouxa de Lílian.

-  O Remus tem razão, você é diferente. – Sirius falava sério, olhando-na profundamente – Aposto que a Lílian também é, e foi por isso que Tiago gostou tanto dela, agora eu entendo. Vocês não são como as outras... é difícil simplesmente desistir de vocês e partir pra outra...

-  Hum...obrigada...eu acho...

-  Não, não agradeça.

***

-  Era isso que você quis dizer quando me disse que já estava cuidando de seus poderes?? – perguntou em deboche.

Lílian, que havia acabado de sair da sala do professor Auro, levou um susto ao ouvir Bellatrix atrás dela.

-  O que você quer, Black?

-  Já disse, sua amizade.

-  Sinto muito, mas isso eu não posso lhe dar.

-  Será que você ainda não percebeu??

A ruiva estreitou os olhos confusa. Bellatrix sorriu, depois prosseguiu.

-  Você é uma de nós. Pare e pense: essa sua "força mágica" ajudou alguém ou só fez mal??

Lílian simplesmente não conseguiu responder. A verdade era que tinha destruído sua casa e machucado sua irmã.

-  Você tem o dom da destruição, garota, não desperdice isso tentando reprimi-lo dentro de você. Passará a vida toda se controlando pra não fazer "nada de errado"... admita logo que nasceu pra isso e junte-se a nós.

Bellatrix tinha um brilho no olhar que assustara Lílian.

-  Você é louca, Black! Deixe-me ir em paz e não me perturbe mais com essa loucura toda!

***

-  Por quê? – perguntou Viviane.

-  Porque se você agradecer vai parecer que eu te elogiei com alguma outra intenção...

-  Ah...saquei... – disse ela desconfiada – Parece que o Remus te deu mesmo umas aulinhas de boas maneiras....

-  Não, ele só me mostrou que eu estava fazendo tudo errado contigo. Você merece mais do que um garoto mimado e arrogante que só quer se divertir com o maior número de garotas possível...

-  Tá. Se você queria me deixar assustada-confusa-desconfiada-impressionada, você conseguiu...

-  Impressionada? – repetiu ele, com seu sorriso galanteador.

-  Você ouviu os outros também...

-  Hum...parece que estamos progredindo... – Sirius se aproximou dela no sofá.

-  Não, não estamos não! – mentiu Viviane, apesar de não ter se afastado dele.

-  Não, é? Então tá.

Sirius então se afastou, voltando para a ponta do sofá e reabrindo o livro. Viviane respirou fundo, não acreditando no que iria fazer.

-  Ah, foda-se. – disse para si mesma e, após puxar o livro das mãos dele, o agarrou, cedendo ao impulso de beijá-lo.

***

-  Severo, eu tive uma idéia brilhante...

-  Mesmo? O que é?

-  Vamos deixar a ruivinha muito irritada, mas muito mesmo... ela vai ficar arrasada, sentindo-se completamente culpada por não ter conseguido evitar um...err...desastre mágico...será uma perda e tanto... tadinha, ela não vai conseguir controlar sua força mágica depois disso... Vamos, Severo, temos muito o que planejar.

N/A

Os trechos do livro trouxa que a Lílian lê foram tirados do livro "Amigas Inseparáveis", de Erica Spindler.

Gente, eu acho que esse capítulo ficou parecendo enrolação, mas não é, eu nem sei enrolar...(né, Fernanda? Sempre me critica por minhas estórias serem curtas..rs...). O que eu quero dizer é que estou apenas desenvolvendo as coisas, ninguém simplesmente olha pra outra pessoa e "Oh! Estou apaixonado!". Além do que, eu gosto muito do "nada acontece por acaso", da nossa querida Rowling, onde detalhes são importantes.

Uma última coisa: Pra quem quiser, se alguém aí quiser, me "conhecer", eu tenho um flog com um amigo...não é sério, estamos sempre zoando algo ou alguém, mas de vez em quando tem umas fotos nossas..rs...

www.fotolog.net/meloflog