Cedendo aos apelos de seus estômagos, as duas desceram no café da manhã para comer alguma coisa. Ambas tinham os olhos inchados e feições tristes. Passaram a refeição inteira em silêncio. Na verdade comeram pouco, mas já foi o suficiente para deixar Madame Healery e os garotos mais felizes, afinal, elas já tinham até emagrecido depois de cerca de uma semana nesse ritmo.
Já no final da refeição, antes que alguém se levantasse da mesa da Grifinória, Lílian tomou coragem e pediu para que todos fossem para a sala comunal. Precisava aproveitar a privacidade de que ainda dispunham, já que a partir do dia seguinte aquela sala estaria repleta de alunos barulhentos.
Sentados em sofás e poltronas ao redor da lareira, todos olhavam ansiosos para a ruiva, que andava de um lado para o outro à frente deles.
- Eu reuni vocês aqui pra contar pra uma coisa que vocês já sabem...
"Comecei mal", pensou ela, vendo a cara confusa dos outros.
- O incêndio... vocês devem ter percebido... fui eu quem causou... sem fazer nada. – ela passou as mãos pelos cabelos nervosamente – Eu tenho o que o Prof. Auro chama de "excesso de energia", minha "força mágica" é maior do que o normal e, se eu não me controlar, acabo destruindo as coisas a minha volta...
- Como assim? – perguntou Pedro.
- Isso quer dizer que você pode fazer sozinha o que nós precisamos de varinha pra fazer? – perguntou Viviane.
- Mais ou menos, mas o problema é que eu não escolho fazer mágica, ela simplesmente acontece... eu não sei controlar!
- Você disse "destruir", não acha que está exagerando não? – foi a vez de Remus falar – Nem tudo que você fez deve ter sido ruim...
Ela o encarou entendendo, através do olhar dele, o que queria dizer. Ele estava certo, era graças a sua "força mágica aflorada" que tinha sobrevivido duas vezes ao lobo.
Desviando o olhar para o chão, ela continuou.
- Era por isso que aqueles homens vieram aqui no dia do incêndio, eles queriam me levar para o Departamento de Uso Descontrolado de Magia, me internar lá...
- Ahhhh! – fez Sirius, lembrando-se da conversa que ouvira do diretor com a professora de Transfiguração – Agora eu entendi tudo...
- Mas o Diretor não deixou. – completou Tiago.
Naquela mesmo dia, Dumbledore havia chamado Lílian em sua sala para conversar com a garota, explicando tudo o que ela já sabia, mas que ouviu atentamente: quem eram os homens de terno branco, o que eles estavam fazendo em Hogwarts e que não havia com o que ela se preocupar, pois ele já tinha cuidado de tudo e a ajudaria nessa difícil fase de aprendizado sobre sua força mágica.
- Exatamente. Mas eu ainda tenho medo...
A garota se jogou em uma almofada vermelha no chão, escondendo o rosto com as mãos trêmulas. Viviane logo se levantou e foi para junto da amiga.
- Lily, você vai superar isso, pode contar com a gente, nós estaremos sempre ao seu lado.
- Você não entendeu! Eu sou perigosa!! – gritou ela, levantando-se bruscamente – Já machuquei uma pessoa antes, não quero machucar nenhum de vocês!
- Lílian, se isolar vai ser pior. – disse Remus em seu tom calmo de voz – Além do que, você pode se surpreender com o que o apoio dos amigos pode fazer...
- Você pode até tentar se livrar da gente... – começou Sirius.
- Mas, como você já deve ter percebido – Tiago sorria –, isso é muito difícil...
Lílian, com os olhos marejados de lágrimas, perguntou-se como podia detestar tanto aqueles garotos... até ter voltado no tempo. Será que as coisas agora estavam como deviam estar? Essa resposta ela não tinha, mas agradecia por ter encontrado amigos que a ajudassem com esse "problema", pois sabia que sozinha seria muito mais difícil.
Viviane a abraçou e, retribuindo ao abraço, ela deixou as lágrimas escorrerem livres por sua face branca. Depois voltou a encarar os garotos, colocando as mãos na cintura.
- Mas vocês precisam prometer que não vão me irritar, aprontando assim que o castelo estiver cheio de primeiranistas ingênuos o suficiente pra caírem nos seus truques...
- Ah, isso vai ser ainda mais difícil! – exclamou Tiago, sorrindo.
- É melhor você aprender a se controlar logo... – acompanhou Sirius.
E todos riram, como há tempos já não faziam.
***
Entretanto, o clima em que os alunos voltaram das férias não foi nada propício à brincadeiras. O ar do castelo parecia pesado. Os adultos estavam sempre preocupados. As corujas não paravam de trabalhar. As saídas do castelo foram suspensas. Crianças choravam ao sair da sala do diretor. Estava cada vez mais difícil concentrar-se nos estudos. O Mundo Mágico estava um caos.
"O Mundo Mágico em completo caos"O Ministério da Magia declarou na última coletiva à imprensa, realizada ontem, que estamos em guerra. Finalmente admitindo o estado de calamidade pública, o Ministro proíbe a circulação de pessoas não autorizadas a partir das 8 da noite e pede a colaboração de todos:
- Estamos com treinamento intensivo para novos Aurores e, em breve, convocaremos cidadãos bruxos e bruxas para defenderem a ordem pública, o país, o mundo!
O Ministro se nega a dar qualquer declaração sobre o Lorde das Trevas ou sobre seus seguidores. Muitos bruxos do próprio ministério estão sob investigação. Com sua segurança reforçada e morando numa casa à prova de magia, o ministro..."
- Blá, blá, blá... Ele ainda não entendeu? Ou se une ao Lorde ou morre! – Bellatrix riu tão alto que todos na sala comunal da sonserina se viraram para ela – O Ministério já foi dominado!
Severo observava a animada Black conversar com seus amigos. Ele se isolava por opção própria, mas tinha raiva da satisfação que a outra tinha nisso. Tudo bem, sabia que ela só tinha interesse nos poderes dele mas, se era tão forte assim, por que continuava a ser o repugnante impopular do qual as pessoas se afastavam olhando torto?
Ele mirava a garota de maneira compenetrada. Depois fixou o olhar no jornal. Nem ao menos sabia ao certo quem era aquele Lorde, que ela chamava de Mestre. Será que ela o conhecia? Saiu de seus pensamentos bruscamente ao ouvir um grito. O jornal que estava olhando agora estava em chamas. Viu Bellatrix aproximar-se furiosa, com os restos dele em mãos. Ela parou à frente dele, cruzou os braços e levantou uma sobrancelha.
- Proposital ou descontrole? – perguntou ela – Acho que a melhor resposta pra você seria alegar descontrole, porque se tiver feito de propósito, se arrependerá de ter dito a verdade.
Ele a encarou, já não tinha mais medo dela. O salão inteiro prendia a respiração diante da cena. Não precisavam entender o que se passava, a simples expressão de raiva de Bellatrix era o suficiente para se saber que deviam temer.
- Não sei ao certo... simplesmente aconteceu.
- Ah, sei... pobrezinho, não teve culpa, não é mesmo?
No dia seguinte, o caldeirão de Snape explodiu na aula do professor Strict.
***
Lílian olhou instintivamente para Potter e Black, sem nem imaginar que o estrago havia sido causado por outro Black.
- Vocês prometeram!
- Não fui eu! – responderam prontamente os dois.
Olhando para Snape, ela ainda cogitou a possibilidade dele ter se descontrolado, mas sua expressão era serena demais para isso, ele parecia até que já esperava que algo do tipo acontecesse.
A aula seguinte não foi tão agitada quanto esta. Para a turma toda, exceto Viviane. Agitada, ela não prestava atenção na aula, nem deixava que Lílian o fizesse. Rabiscava o pergaminho, enquanto o livro permanecia fechado na mesa.
- Anda, Vi, conta.
- Contar o quê, Lily?
- O que aconteceu.
- Não aconteceu nada.
- Eu não estava perguntando – Lílian riu – Vai contar ou não?
- Mas não aconteceu nada mesmo!
- Porque você não quis ou não deixou?
Viviane arregalou os olhos numa exagerada expressão de quem acha o comentário absurdo.
- Lílian Evans, o que você está insinuando??
- Sem fugir do assunto, Vi, o que não aconteceu?
- Não dá – ela voltou a ficar séria – Toda vez que ele chega perto de mim eu só consigo pensar na Maddeleine...
- Já pensou que ela ficaria extremamente triste de saber que ela é um empecilho pra você ficar com o Sirius?
- Eu sei, ela estaria torcendo por mim, morrendo de inveja – acrescentou, sorrindo –, mas ainda assim torcendo...
- Então da próxima vez pense no que você vai estar jogando fora à toa.
A sineta tocou e elas então seguiram para o salão principal. Entretanto, foram paradas ainda no saguão de entrada por uma sonserina.
- Quero falar à sós com a Evans. – disse ela sorrindo gentilmente para Viviane.
- Então sinto muito. – Vi sorriu em resposta – Mas isso não será possível.
- Inconveniente você, garota.
- Ah, obrigada, não precisava elogiar... – Viviane simulou vergonha.
Bellatrix estava visivelmente sem paciência. Lílian sabia que aquele doce diálogo não acabaria nunca se não intervisse, por isso tentou despachar logo a sonserina, mas ela foi mais insistente.
- Certo, pode ir indo, Viviane, eu cuido disso. – acabou cedendo – Anda, Black, fala.
- Você viu o que Snape fez com o caldeirão dele. Depois de tudo o que vocês dois já fizeram, como você ainda não percebeu o óbvio??
- Por favor, esclareça-me, qual é o óbvio? – perguntou Lílian, revirando os olhos.
- Que ambos foram destinados a unirem-se ao lado das Trevas! Você não pode mais recusar seu dom de destruição. Só vai poder controlá-lo quando aceitá-lo, então pare lutar porque eu sei que você gosta, ou vai dizer que não é boa a sensação depois daqueles momentos de "descontrole", quando você deixa sua raiva se esvair e libera aquele peso que estava sentindo antes??
Bellatrix notou que estava progredindo pelo olhar incrédulo da ruiva. Deu um breve sorriso de satisfação e continuou.
- Eu sei, você teme pelos seus amigos... mas eu já te disse, quando você aceitar o que é, poderá controlar seu poder e direcioná-lo pra quem você quiser, ou melhor, pra quem te irritar...
Da mesa da Grifinória, Viviane observava a discreta conversa com tanta atenção que os marotos já haviam percebido o que se passava.
- Devemos interferir? – perguntou Sirius sorrindo.
- Não. Ela se vira bem sozinha. – Tiago também ria.
- Só espero que ela não..hum...se "descontrole"... – disse Remus, enquanto comia elegantemente.
- Ah, mas é isso mesmo que eu espero que aconteça! – soltou Sirius, recebendo olhares repreensores em seguida – Ah, até parece que vocês não iam gostar!
- Mas aí ela ia chamar atenção pros poderes dela... – disse Pedro.
Os outros o olharam surpresos. Era o tipo de comentário reservado para o Remus, enquanto Sirius e Tiago pensavam apenas na diversão e Pedro os seguia.
- É verdade. – concluiu Remus – Além do que, ela tem progredido bastante nas aulas de Controle Mágico pra fazer besteira na frente de todo o castelo...
Porém, havia uma coisa que Lílian tinha aprendido a fazer que era muito discreta. Era arriscado, ela precisava estar completamente calma para não dar errado mas, naquele momento, ela soube que conseguiria fazer. Olhou bem dentro dos olhos de Bellatrix.
A morena começou a sentir seu corpo todo se enrijecer, a começar pelos pés, como se estivesse se transformando num bloco de gelo. Literalmente, pois passou a sentir um frio inexplicável também, frio este que parecia sair de seu próprio corpo.
- O que você está faz-
Ela não conseguiu concluir a frase, pois seu rosto foi tomado pela petrificação também.
Quando os olhos de Bellatrix começaram a expressar medo, a ruiva parou. Desviou o olhar e o corpo da outra amoleceu, por pouco ela não desabou no chão. Retomando sua postura, Black não se deu por vencida.
- Agora pare de bancar a boazinha e admita que gostou do que fez.
- Caramba, você não desiste???
- Não, você só atiçou ainda mais meu interesse por você com essa demonstração de poder.
E, com um meio sorriso, Black se virou, andando para a mesa da Sonserina.
Lílian sentou-se exausta ao lado de Viviane. Lutando contra a fraqueza que sentia.
- Você está bem?
- Estou, Vi, tudo bem...
- Você fez alguma coisa, não fez? – Sirius perguntou animado, eles já haviam percebido que ela ficava cansada depois de usar sua força mágica.
- Sim, mas só piorei as coisas... eu acho que ela é a pessoa mais insistente do mundo. – brincou Lílian.
- E você a mais resistente. – deixou escapar Tiago que, quando percebeu que expressara seus pensamentos alto, riu. Resolveu continuar – Então não se preocupe.
- Pobre Bellinha... – disse Sirius com falsa pena.
Todos riram e Lílian sentiu-se aliviada pela atenção ter sido desviada. Talvez ninguém nem tivesse reparado, mas aquele comentário de Tiago a tinha deixado sem graça. Mais do que isso, ela sentiu novamente aquela estranha sensação de perda. Ainda bem que ele parecia não ter notado. Parecia.
Mais a melhor e mais surpreendente refeição ainda estava por vir. No jantar daquela sexta-feira, em meio ao burburinho sobre a Guerra Mágica, o Ministério, os Aurores, os Comensais, etc., Dumbledore levantou-se para anunciar algo.
- Meus queridos alunos, como esse ano não tivemos Baile de Inverno, nem nenhuma festa de retorno às aulas, então achei que vocês gostariam de alguma coisa agora...
Uma leve pausa no discurso foi o suficiente para o burburinho tomar conta do salão. Estaria o diretor ficando maluco? Como os alunos teriam cabeça para festas em meio a essa Guerra toda?
- Simples, ele quer distrair a gente e mostrar que a vida continua apesar da Guerra e das perdas... – disse Sirius, todo orgulhoso, como se tivesse feito a maior descoberta do mundo.
- Insensível... – murmurou Viviane.
- Mas vai funcionar, você vai ver... – riu Lílian, olhando para um grupo de meninas, Cherr incluída.
- Porém – recomeçou o diretor, fazendo o silêncio reinar no recinto – achei que seria divertido se fizéssemos algo diferente dessa vez... – ele sorriu e apreciou os olhares receosos e atentos dos alunos – Que tal mudarmos uma regra tradicional e deixarmos que as jovens convidem os rapazes?
Dessa vez o burburinho foi ainda mais alto.
- Mas é claro – disse ele no tom de voz mais elevado que conseguiu, buscando atenção – que cada um está livre para fazer o que quiser, isso é apenas uma sugestão. O Baile será sexta-feira que vem portanto, apressem-se!
- Calma, meninas, por favor, façam fila! – disse Sirius bem alto, depois que o salão voltou a se agitar.
O olhar de desprezo de Viviane foi tamanho que Sirius sorriu para ela.
- Não se preocupe, querida, você não precisa entrar na fila.
Ela revirou os olhos enquanto os outros ao redor na mesa riam.
***
Bem, se a intenção do diretor era preencher a cabeça dos adolescentes, ele conseguiu, pois só se falou desse estranho baile. Algumas meninas até mesmo tentavam algumas investidas, outras deixavam claro que não convidariam ninguém e que esperariam que um garoto o fizesse.
Viviane já estava ficando irritada com tamanha futilidade, mas não podia negar que não sabia o que fazer, que pensava muito no maldito baile também e isso só a deixava ainda mais irritada. Aquela segunda aula de segunda-feira, Transfiguração, foi a gota d'água.
- Como essas garotas conseguem ser tão cara de pau?? – perguntou para Lílian.
A ruiva deu uma olhava geral pela sala: Tiago estava sentado com Pedro, incrivelmente prestando atenção no livro, havia um grupo compenetrado na aula, um outro de garotas dando risadinhas e, à direita e umas duas carteiras atrás dela e Vi, Remus e Sirius. Notou que havia uma garota, a monitora da Lufa-Lufa – uma loira muito bonita, diga-se de passagem –, na carteira à frente deles virada para trás, apoiando-se na mesa dos dois.
- Há-há, você está com ciúmes!
Viviane arregalou os olhos imediatamente.
- Pirou, Lily? Eu não estou com ciúmes, só espero que ele não aceite o convite dela...
- Não fique preocupada, Vi, todos sabemos que ele tem recusado todas as garotas por sua causa... – Lílian tinha um sorriso malicioso – e vai continuar recusando-as até você convidá-lo...
- Ãh?? – fez Viviane, como se tivesse ouvido um absurdo.
Ela olhou para trás e Sirius logo sorriu para ela. Ao lado dele, a loira ainda falava com Remus.
- Eu não estava falando do Sirius! – explicou-se.
Foi a vez de Lílian olhar confusa para trás. Era verdade, a loira não estava dando em cima de Sirius.
- Então... – Lílian parecia ficar mais confusa à medida que processava as informações em seu cérebro – por que você não quer que ele, o Remus, aceite?
- Ah, porque...porque eu acho que ele merece algo melhor do que uma Cherr da vida...
"Uma Cherr da vida?". Lílian não conseguia ver nada de errado na monitora, muito pelo contrário, até achava que eles formariam um belo casal. Estaria Viviane com ciúmes do Remus??
Viviane, como se lesse os pensamentos da amiga, estalou os dedos em frente à outra para chamar-lhe a atenção.
- Alooow!! Não viaja, Lily, eu não estou com ciúmes. De nenhum dos dois!
- Ah, é? Então você já sabe com quem vai ao baile? – perguntou, desconfiada.
- Não. E, como minha vida não gira ao redor disso, vamos acabar de Transfigurar esse pergaminho??
A morena apontou sua varinha para o pergaminho e, ao invés de mudar a frase a qual mirava, mantendo a letra e os outros parágrafos escritos, ela apagou tudo, deixando apenas um palavra nele: beijos.
- Você fez de propósito, Lily!! – gritou.
- Claro que não, Vi, eu não fiz nada!
Felizmente o sinal tocou, indicando o término da aula, antes que a professora chamasse a atenção das garotas.
Na mesa da Grifinória, Viviane abriu o jornal de Lílian e escondeu-se atrás dele. Não podia evitar, mas tudo e todos naquele salão a estavam deixando irritada, principalmente se ela ouvisse a palavra "baile" mais uma vez.
Entretanto, num momento em que ela baixou o jornal, viu Lílian com um olhar pensativo para algum ponto distante no salão. Tomou um gole do seu suco de uva e, passando o olhar pelo local, notou Tiago conversando com Kat, entre sorrisos doces. Voltou a ler o jornal.
De repente, a ficha caiu. Viviane largou o jornal de qualquer jeito na mesa e seguiu o olhar de Lílian, como que para ter certeza de que não estava tendo alucinações. Sim, ela estava observando o casal, de uma maneira estranhamente – assustadoramente, diria Viviane – sonhadora. Ela parou, ainda de olhos arregalados, tentando achar palavras para falar com a amiga.
- Lily?! Você está bem??
- Ãh? – fez a outra, voltando finalmente à realidade – Do que você está falando?
- Do quê?? Disso! – Viviane apontou para o casal.
- O que que tem??
- Tem que eu vi a cara que você tava!!
- Que cara, Viviane? – perguntou sem muita paciência para o drama exagerado que a amiga gostava de fazer.
Viviane olhou ao seu redor na mesa, certificando-se de que nenhum dos marotos estava por perto e disse dramaticamente:
- Cara de quem gostaria de estar no lugar dela...
Lílian riu, tentando dizer um "Não viaja!" entre os risos. Porém, ela logo parou de rir. Não havia motivo para não se abrir com sua melhor amiga.
- Eu só estava pensando...é que ultimamente eu tenho tido uma sensação estranha com ele...
- Xiiii, já vi tudo! Quem diria, heim, Srta. Evans...
- Pára, Vi, eu tô falando sério e não é nada disso que você está pensando... eu não consigo entender mas, como agora há pouco, às vezes eu tenho a sensação de que eu estou perdendo alguma coisa...
- Como assim?
- Sei lá, Vi! Eu apenas sinto. Mas é claro que isso não quer dizer nada, eu não estou perdendo nada pelo simples motivo de que eu não quero nada...
- Não queria estar no lugar dela? – perguntou Viviane, mal podendo conter o riso.
- Não!
- Não queria ir ao baile com ele?
- Não!
- Não queria ter um namorado?
- Não!
- Nem dar uns beijinhos nele??
- NÃO!! NÃO E NÃO! Dá pra parar agora, Viviane??
- Hum...deixe-me ver... três "não"s... ah, então uns beijinhos você quer, né??
- VIVIANE!! – gritou, fazendo todos os alunos ao redor olharem para as duas.
***
Se as duas estavam nos seus respectivos limites e pensavam que as coisas não poderiam piorar mais, estavam redondamente enganadas. Ainda havia uma longa semana a se passar ouvindo as palavras "baile", "nervosa", "convite", "ansiosa". E à medida em que o evento tornava-se mais próximo, as meninas ficavam mais desesperadas para conseguirem arranjar um par.
Na manhã de quarta-feira, Lílian e Viviane se arrumavam para descer para o desjejum quando foram abordadas por uma sorridente Cherr, parada em frente à elas.
- Vocês não vão com ninguém, não é mesmo?
Viviane parou de arrumar sua bolsa para encarar a outra.
- O que você tem a ver com isso?? Se quer ir com o Sirius, fique à vontade, querida, pode convidá-lo, mas duvido muito que ele vá aceitar...
- Não, a última pessoa com quem eu gostaria de ir é o Sirius, mas já que você falou nele, sabia que ele já tem par?
- Não diga... – disse Vi num tom sarcástico.
- E quem é a "felizarda"? – perguntou Lílian, duvidando que aquilo fosse verdade.
- Ninguém sabe, mas ele diz que já tem par.
Lílian começou a rir, parando tudo o que estava fazendo. Na sua cabeça, Cherr teria uma grande surpresa, pois tinha certeza de que Sirius estava se referindo à própria Viviane, recusando todas as outras garotas por ela. Viviane, por seu olhar de superioridade, demonstrava ter pensado a mesma coisa.
- Ah, não... – Cherr parecia ter entendido – Vai me dizer que você o convidou?
- Eu? Convidar Sirius Black para um baile? – Viviane riu – Alow, né??
- Hum, por que não? Todo o castelo já está sabendo do romance de vocês... Aliás, você não perdeu tempo, né? Eu mal terminei com ele e você já estava dando em cima dele. Ou será que vocês já estavam juntos antes?
- Alooow, como assim??? Em primeiro lugar, eu e ele não estamos juntos e nem nunca estivemos. E que estória é essa de romance que tá circulando pelo castelo??
- Se é verdade – começou Cherr, num tom de desprezo – a estória é óbvia, se não é, será apenas mais um boato de Hogwarts... e não se preocupe, as pessoas logo esquecem... a menos que você vá com ele pro baile.
Cherr girou em seus calcanhares e saiu do quarto, seguida de perto por Amy.
- Ainda bem ela não ouviu o que você disse dormindo. – disse Viviane para Lílian – Se não ia sobrar pra você também...
- E o que eu disse dormindo?
- Ora, Lily, foi você quem sonhou, se você não lembra não sou eu quem vai contar o sonho...
- Eu... – a ruiva começava a ruborizar – acho que sonhei que convidava alguém pro baile...
- Ah... – fez Viviane, com um sorriso malicioso – isso explica muita coisa...
- Mas eu não lembro de nada! Anda, me conta, o que eu disse??
- Nada demais...
Viviane se negou a responder e desceu pro salão principal, seguida por uma curiosa amiga que tentava tirar mais informações dela. No caminho, entretanto, Vi fez um sinal para que a outra ficasse em silêncio. Duas vozes podiam ser ouvidas no corredor mais próximo ao saguão de entrada.
- Será mesmo?? Vocês não se desgrudam mais!! – disse a voz feminina.
- Do que você está falando? Eu estou com você, com voc!
- Está? Pois não pareceu, você sumiu o resto das férias e todas as vezes que eu te via você estava com ela!
- Com ela e todos os meus amigos! Não distorça os fatos! Nunca houve nada entre mim e ela!
- Só porque ela nunca quis!!
- Porque EU também não quero mais! Desde que eu estou com você eu nunca mais paquerei a Lily!
Lílian e Viviane se entreolharam surpresas. Engolindo em seco, a ruiva percebeu que havia até prendido a respiração, como se o ruído produzido por esse ato fosse entregá-las.
- "Lily"?? – perguntou a voz feminina, embargada – Você diz que se afastou dela, mas na verdade vocês só têm ficado cada vez mais próximos um do outro e, no momento em que ela quiser, você vai correr feito um cachorrinho e nem vai se lembrar de que eu existo...
Passos foram ouvidos na direção contrária. As duas continuaram estáticas, sem saber o que fazer ou para onde ir. De repente, Tiago entrou no corredor em que elas estavam e parou, de olhos arregalados, ao vê-las. Era óbvio que elas tinham ouvido ao menos o final da discussão. Viviane sorriu para ele, disse "Bom dia!" e saiu dali o mais rápido que pôde. Lílian entretanto não a acompanhou.
- Não se preocupe, todo casal briga. – soltou ela, ainda sem saber o que fazer.
- Não somos exatamente um casal e é por isso que ela tá irritada comigo... – disse Tiago, deixando o embaraço de lado e buscando uma amiga para desabafar.
- E por que não?
- Sei lá... – respondeu ele sinceramente, olhando para o chão – gosto muito dela mas...
Ele levantou o olhar e ficou óbvio para Lílian que ela poderia ser um empecilho para esse namoro. Um estrondo foi ouvido e eles notaram que um quadro havia caído no chão. A garota, que já estava ruborizando, amaldiçoou sua força mágica excessiva, pois aquilo demonstrava que ela estava nervosa. Já bastava ter ficado nervosa sem motivo, afinal, que Potter gostava dela nunca foi segredo e isso nunca a deixou assim antes, mas ele saber que ela estava desconcertada era o cúmulo. Pelo menos ele não sabia do beijo que aconteceu antes... Para ele, o beijo nunca tinha acontecido. Graças a Merlin!
- Hum... mas... é... – tentava perguntar Lílian, enquanto ele recolocava o quadro no lugar – mas vocês ainda vão juntos pro baile, né?
"Ah, Lily, que pergunta é essa??", indagava-se ela, "Por que não desconversou e foi pra mesa?? Por quê?? O que você ainda tá fazendo parada aqui?"
- Não, ela não me convidou, nem eu a ela...
- Não?? – surpreendeu-se a ruiva.
- Não... acho que ela está me testando, vendo se eu não aceito nenhum outro convite...
- E você aceitou?
Tiago riu. Teria uma resposta na ponta da língua para isso ("A única garota da qual eu aceitaria o convite nunca vai me convidar"), mas não podia dizê-la. Ela não entendeu o motivo do riso, sentiu-se até idiota.
- Não, não aceitei nenhum... e você, já convidou alguém?
Inexplicavelmente, Lílian sentiu seu coração se acelerar.
- Não. Pra dizer a verdade, ainda não faço idéia do que fazer... nem estou muito a fim de ir a esse baile...
- Ah, que é isso! Você tem que ir, sim!
- Nem que eu vá sozinha? – brincou ela.
- Claro! Desde quando você se importa com o que os outros vão dizer sobre o que você faz? Você só faz o que quer mesmo. – disse ele rindo.
Ela ficou sem palavras. Um silêncio um tanto quanto incômodo tomou conta deles. Eles pareciam não ter percebido que ainda estavam em pleno corredor, por onde algumas pessoas passavam de vez em quando rumo ao salão principal.
- Mas você não tem mesmo ninguém em mente? – arriscou-se Tiago a perguntar.
Lílian não notou, mas ele se arrependeu profundamente de ter perguntado. Uma discussão interna passava-se na mente do maroto.
"O que você está fazendo, Tiago?? Por que não foi atrás da Kat?? Você não pode ter uma recaída pela Lílian agora, NÃO PODE! Não agora que estava indo tão bem... ah, fala sério, a quem tá querendo enganar, Tiago Potter? Você nunca a esqueceu, nunca desistiu dela... também, como poderia desistir daqueles olhos verdes que te enfeitiçaram anos atrás? Ou daquele cabelo vermelho que não te deixa olhar pra nenhum outro lugar que não seja ela? Ou daquela garota forte e decidida que nunca caiu na sua conversa galanteadora?"
Lílian simplesmente não conseguiu responder e não entendia o motivo disso. Ora, era uma pergunta fácil, por que não respondia? Porque não sabia a resposta. Aparentemente era "não", ela não tinha interesse em ninguém naquele castelo para convidar ao baile mas...
"Ai, que raiva! Por que aquele beijo, que nem mesmo aconteceu pra ele, não sai da minha cabeça?? Isso nem tem nada a ver com a pergunta! Vamos lá, concentre-se, Lily... 'Não', a resposta é 'não', anda, abre a boca e fala logo!"
- Por quê? – perguntou ela – Você sabe de alguém que aceitaria ir ao baile comigo?
Foi a vez de Lílian se arrepender. Por que diabos não tinha dito a simples resposta?? "Não era isso que você tinha que falar!! Droga, Lily, o que você está fazendo??"
Tiago a fitou por alguns segundos. Como ele gostaria de poder dizer tudo o que se passava por sua cabeça naquele momento.
""timo!", pensou Lílian, "Agora além de lembrar do beijo, você pensa naquele dia em que ficou na sala estranha com ele... o que raios isso tem a ver com o baile??? Não! Não pense besteira, ele só estava consolando uma amiga numa fase muito ruim... aquele abraço foi só um apoio... Ora, Lílian Evans, desde quando você precisa se justificar para si mesma?? E por que ele demora tanto pra responder uma pergunta idiota?? Só se... ah, não! Ele deve estar achando que aquilo foi uma indireta! Que eu quero convidar ele pro baile! Até parece... que viagem! Mesmo porque ele não aceitaria mesmo... eu sei que ele desistiu de mim e eu agradeci aos céus quando ele fez isso..."
- Não... – mentiu ele – Ninguém.
- Hum... certo... – aquilo foi como um balde de gelo caindo sobre Lílian, o que ele estava querendo dizer? Que ninguém iria ao baile com ela? Logo ele, que sempre foi a fim dela, iria dizer uma coisa dessas?? – Bem, eu vou indo pra mesa...
- Espera! – chamou ele, percebendo de repente o que tinha feito – Eu não quis dizer que não tenha ninguém interessado em você, mesmo porque isso seria uma coisa meio difícil, não? Ai, não, eu não estou dando em cima de você, só estava me corrigindo... enfim, só quis dizer que eu não sabia de ninguém... mas até que tem um setimanista muito a fim de você na Corvinal... não acho que ele seja o cara certo pra você, mas afinal é só um baile, né... e eu não tenho nada a ver com isso... aposto que qualquer que você convide fique muito feliz e aceite... é, eu preciso ir...
Lílian permaneceu estática, sem reação, parada no corredor. O que tinha sido aquilo? Que garoto confuso. Talvez mais confuso do que ela. Confusa? Não, ela não era confusa... ele é que a tinha deixado confusa... Bom, não importava, era melhor ir logo para a mesa antes que o sinal tocasse.
N/A: Esse cap. foi mais é a saída do "luto", pra podermos entrar nos romances mais alegrinhos...rs.. aliás, o próximo cap. será praticamente só romances! E, logicamente, com bastantes cenas L/T, como vcs pediram... Bem, é isso! Me mandem e-mails ou reviews! Bjs!
(www.fotolog.net/meloflog)