Capítulo Três - Tudo de Mim
N/A: Este capítulo tem como tema a música "My All" (Tudo em mim). Apesar de não ser uma Songfic, ela traduz todo o sofrimento que a personagem está sentindo.
Quando chegaram em casa, Dona Geórgia já havia voltado. O céu alaranjado indicava que o sol não tardava a se pôr. Remo havia deixado um bilhete preso no espelho da sala visando aonde iam. Sarah aparatou na sala e começou a subir as escadas quando Lupin apareceu.
- Sarah? - ele chamou.
A mulher se virou.
- Eu... Eu não sei o que te dizer...
- Não diga nada... - ela tirou o chapéu. - Eu estou com muita dor de cabeça... Você poderia chamar minha tia? Ela está no jardim cuidando das flores.
- Chamo... Chamo sim...
Sarah olhou a mala que ele havia deixado mais cedo no corredor.
- Você não vai mais encontrar trem a esta hora, Remo... Pode dormir aqui se quiser...
- Não, obrigado - ele falou indo buscar a mala. - Não vou viajar de trem.
Sarah ficou parada no meio da escada olhando para o chapéu.
- Obrigada... - ela falou descendo os três degraus que havia subido. - Você... Você foi um amigo e tanto...
- Fique bem, ouviu? - ele largou a mala e a abraçou. - Eu te escreverei... Assim que me acomodar em algum lugar...
- Tá... - ela disse sem ânimo.
- Vou chamar sua tia... Aproveito para me despedir dela... - ele pegou a mala e saiu pela porta da cozinha depois de olhar para traz e ver Sarah terminar de subir as escadas.
Você acabou de matar mais uma pessoa, Sirius...
Dona Geórgia estava vindo todos os dias para a casa da sobrinha. Sarah nunca teve vocação para os afazeres domésticos e, mesmo que tivesse, o trabalho dela e de Sirius na Ordem da Fênix combatendo as forças obscuras não lhe permitiam cuidar da casa. Por isso, desde que os dois se casaram, ela vinha três vezes na semana ajudar o casal.
Já haviam se passado duas semanas que Sirius estava em poder do Ministério. Todos os dias Sarah esperava ansiosa pelo Profeta Diário, mas nada a respeito do caso estava sendo noticiado além de algumas notas do tipo "Caso Black continua sem solução".
Sarah já não chorava mais. Parecia que havia perdido o gosto pela vida. Acordava tarde, ignorava as corujas preocupadas de amigos - inclusive as de Remo e de Arabella -, subia para o quarto e se recusava a comer ou tomar qualquer poção. Quando não estava trancada no quarto olhando fotos dela e de Sirius, ficava no sofá, os cabelos sem cuidado, o olhar perdido em algum ponto da parede.
Na noite de domingo, dezessete dias depois que Sirius havia sido preso, Sarah recebeu um bilhete do Sr. Milligan.
"Cara Sra. Black,"
É com profundo pesar que lhe notifico que não seu marido não irá a julgamento. Foram ouvidas testemunhas trouxas que presenciaram o assassinato de Pedro Pettgrew e todas juraram ver o acusado tirar do bolso uma espécie de vareta. Logo depois a rua explodiu. Dadas estas averiguações, o Ministério irá sentenciá-lo com pena perpétua em Azkaban. Não foi comprovado envolvimento dele com a morte dos Potter. A morte deles acabou por ser atribuída a mais um fatídico ato d'Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado. Estas informações sairão amanhã nos jornais. Tomei a delicadeza de lhe informar antes.
Cordialmente,
Milligan, A."
Sarah largou o papel como se este lhe queimasse as mãos. Levantou derrubando a cadeira e correu escada acima. Fechou a porta com estrondo e se encostou a mesma, apática. Escorreu lentamente pela porta até sentar no chão abraçada aos joelhos.
- Todos esses dias - ela murmurou. - Rezando... Esperando... Na esperança de ter você de volta... -inclinou a cabeça para o lado. - Para nada...
Tomada por uma onda de fúria, Sarah levantou e passou a mão com violência na penteadeira. Os perfumes se espatifaram no chão. Ela gritou. Pegou um frasco no chão e atiçou no espelho. Agarrou os cabelos embaraçados e mirou sua imagem partida. O estalo que o frasco provocara no espelho ficou exatamente em cima do seu coração. Tocou o peito e viu sua imagem manchar o roupão branco de vermelho. Estava maculada. Olhou para as mãos e percebeu que uma delas sangrava. Na certa se cortara com o frasco que jogou no espelho. Sarah odiava ver sangue. Tirou o roupão se jogou nua na cama, abraçada ao travesseiro em que Sirius costumava dormir. Não sentia vontade de chorar. Estava odiando a si mesma por não conseguir chorar.
I am thinking of you
(Eu estou pensando em você)
In my sleepless solitude tonight
(Na minha solitária insônia esta noite)
- Por quê... - ela murmurou baixinho. - Éramos tão felizes... Por quê?
Subitamente se viu de novo em Hogwarts. Estava correndo pelo campo de Quadribol. Correr... Era o que ela queria fazer agora... Correr para longe de tudo isso que a impedia de chorar. Mas Sarah não correu. Virou-se para ver o que a perseguia quando um grande cão preto a derrubou no chão.
If it's wrong to love you
(Se é errado amar você)
Then my heart just won't let me be right
(Então meu coração apenas não me deixa ser correta)
Abriu seus olhos azuis e deu com os negros olhos de Sirius a encará-la, sorrindo. Ele a prendeu pelos pulsos acima da cabeça e deu uma gargalhada gostosa.
"Você nunca vai escapar de mim, Sarah McDillan", ele falou sorrindo.
"E quem disse que eu quero escapar?", ela riu de volta.
Sirius soltou as mãos dela para que pudesse abraçá-lo enquanto ele a beijava. Ele passou os lábios entreabertos pelo seu pescoço, afastando com a mão a onda de cabelos loiros. A mãozinha alva e delicada dela procurava tirar a blusa dele.
'Cause I've drowned in you
(Porque eu me afoguei em você)
And I won't pull through
(E eu não vou sobreviver)
Without you by my side
(Sem você ao meu lado)
Sarah terminou de arrancar a fronha do travesseiro e a jogou para trás. Percebeu que voltara ao seu quarto. Ela não precisava de lembranças felizes agora... Ela precisava de algo que a fizesse chorar... Lembranças felizes não eram o suficiente.
Sirius abriu a porta do quarto com o pé. Pegou Sarah no colo e a levou até a cama. Presente de casamento de Tiago e Lílian: uma semana em uma Colônia de Bruxos nas Ilhas do Mediterrâneo. Voltou para a cama e se ajoelhou ao lado dela.
"Eu já disse que te amo hoje?", ele perguntou depois de beijá-la docemente.
"Hum...", ela fingiu concentração. "Acho que umas sete vezes... contado com essa."
"Que bom... Sete é um número bom...É o número de filhos que eu quero ter..."
"Sete??"
"É... Dá para montar um time de quadribol!"
"Eu não tenho estrutura física para ter sete filhos, Sirius... E você não tem estrutura mental..."
"Bem... isso a gente só vai saber se tentar... Que tal encomendarmos o primeiro?", ele perguntou desabotoando seu vestido de noiva.
Sarah rolou na cama com uma forte dor no pé da barriga. Olhou para onde estivera deitada. Havia sangue. Muito sangue. Horrorizada, tentou levantar, mas a dor não permitiu.
- Tia... - ela tentou gritar mas sua voz não passou de um sussurro. - Tia... - tentou mais uma vez, mas ainda não havia sido alto o suficiente. - TIA!! -gritou em plenos pulmões.
Não demorou a ouvir passos apressados na escada. A porta estava trancada. Ela viu a tia bater e girar a maçaneta.
- Tia! Socorro! - gritou apertando cada vez mais a barriga.
A porta do quarto se abriu com um jorro de faíscas. Dona Geórgia correu para a mulher na cama.
- Meu Deus, Sarah... O que você fez? - perguntou assombrada ao ver o sangue na cama e o quarto em pedaços.
- Eu não fiz nada... - ela olhou o sangue que ainda corria. - Tia... O que é que...
- Ah meu Deus... - a tia se afastou da cama. - Sarah... - ela imaginou o que podia ser. - Segure isto... - deu o roupão branco à sobrinha. - Eu vou chamar alguém...
Dona Geórgia correu para a sala e acendeu a lareira. Sarah a ouviu falar com alguém. Uma mulher. Menos de cinco minutos depois, Dona Geórgia subia as escadas e entrava no quarto acompanhada de uma jovem vestida de branco.
- Ela é a Dra. Lucy... Do Hospital St. Mungus.
- Muito bem, moça... - ela depositou uma maleta no chão e tirou o roupão das mãos de Sarah. - O que a senhorita andou fazendo? -mexeu as pernas de Sarah a fim de deitá-la na cama.
- Ai! - sentiu uma pontada nas costas. - Eu não fiz nada... - Sarah se defendeu. - E é senhora.... Por favor...
- Hum... Casada? - perguntou enquanto tomava a pulsação dela.
- Era...
- Eu também já fui -tirou um frasquinho da mala e molhou a ponta da varinha.
- O que ela tem? - Dona Geórgia perguntou ansiosa enquanto a outra tocava a barriga de Sarah com a varinha.
A bruxa não respondeu. Continuou o exame sem ligar para a cara de pânico de Sarah ou para as perguntas de Dona Geórgia. Depois de quase quinze minutos respirou fundo e largou a varinha no colo.
- O que eu tenho? - Sarah perguntou.
- A senhora teve algum atraso menstrual?
- Eu... - Sarah estava confusa. - Acho que tem quase dois meses... Eu não tenho regularidade... Pensei que fosse normal...
A médica calculou alguma coisa e falou:
- A senhora acabou de perder um bebê... Eu sinto muito...
- Como?? - Dona Geórgia perguntou esganiçada. - Sarah?! Você estava... Grávida?!
- Eu... Eu... - Sarah falou aturdida. - Eu não sabia...
- Vou lhe receitar algo para as cólicas. O sangramento vai continuar por uns dias. Ela precisa ficar deitada -virou-se para Dona Geórgia. - Em absoluto repouso... E dê-lhe um cálice disto a cada seis horas... - a médica entregou-lhe um frasquinho. - Pelo que observei, a causa disto foi puramente emocional... A senhora sofreu algum choque recentemente?
I'd give my all
(Eu daria tudo de mim)
To have
(Para ter)
Just one more night with you
(Apenas mais uma noite com você)
Sarah estava deitada no escuro. Dona Geórgia dormitava na poltrona junto à janela. Quisera que Sarah tomasse um calmante, mas ela preferiu que não. Precisava sofrer. Precisava chorar o que havia entalado há duas semanas. Ela devia isso a ele. Ela devia isso a si mesma. Perdera o amor de sua vida, e acabara de perder o fruto deste amor. Talvez se ela soubesse disso antes... Se pudesse ter contado a ele... Nada disso teria acontecido. Ele agora estaria ao seu lado, com a cabeça deitada em sua barriga fazendo planos de comprar a vassoura mais veloz que existisse.
Então ela veio. Uma dor muito mais intensa e muito mais cruel do que qualquer uma que ela já tivesse sentido antes. Era uma dor que dilacerava... Como se mil facas estivessem sendo espetadas em seu corpo frágil. Abraçou-se. O pranto entalado veio à tona e ela chorou livremente. Livre como uma criança. Levantou-se débil. Sentia arder em febre. Cambaleou até o banheiro e se escorou na pia. A natureza a aliviou fazendo-a vomitar.
- Sarah... - a tia acordara e estava junto dela. - Você devia ter me chamado...
- Vá dormir tia... -limpou a boca e tentou voltar para a cama se apoiando nas paredes. - Eu preciso chorar sozinha...
- Você está ardendo em febre... - falou a tia deitando-a na cama.
- Sirius... - ela se encolheu na cama tremendo.
Dona Geórgia sabia que ela estava delirando. Cobriu-a com o edredom e colocou uma toalha molhada em sua testa. Puxou sua poltrona para o pé da cama e olhou a sobrinha gemer em cima dela.
I'd risk my life to feel
(Eu arriscaria minha vida para sentir)
Your body next to mine
(Seu corpo junto ao meu)
'Cause I can't go on
(Porque eu não posso continuar)
Living in the memory of our song
(Vivendo na memória da nossa música)
I'd give my all
(Eu daria tudo de mim)
For your love tonight
(Pelo seu amor esta noite)
Era uma sensação maravilhosa. Como se o mundo inteiro tivesse sido sacudido por um terremoto a depois uma chuva fina começasse a cair, fazendo florescer botões de avenca por toda parte. Ela se estirou na relva, crucificada. Braços e pernas abertos, ainda digerindo a emoção. Sirius apoiou a cabeça no cotovelo e pôs-se a admirá-la. Abriu os olhos. A chuva engrossara e agora as gotas ultrapassavam a copa da árvore que os protegia, pingando pesadamente em seu rosto. Com o braço livre ele a enlaçou pela cintura, aproximando mais seus corpos.
"Você é linda..."
Um trovão leve cortou o céu clareando o fim de tarde. Sarah o beijou e se ergueu para juntar o resto do piquenique dentro da cesta. Ele se apoiou no tronco da árvore, girando um graveto entre os dedos.
"O que foi?", ela perguntou divertida colocando as mãos na cintura.
"Nada não... Estou admirando a paisagem...", ele sorriu.
"Você estava olhando para mim!"
"Você faz pertence à paisagem..."
"Eu só pertenço a você...", ela caminhou dengosamente até ele. Sirius a puxou pela mão fazendo-a cair em seu colo.
Outro trovão, desta vez mais forte.
Dona Geórgia se levantou para fechar a janela que a chuva havia aberto. Um raio iluminou o céu da madrugada. Ela escreveria a Remo no dia seguinte. Precisavam sair daquela casa. Cada pedaço daquela casa estava marcado pela presença de Sirius e Sarah iria continuar a sofrer. Olhou para o criado mudo ao lado. As alianças estavam em cima dela, unidas por uma fita dourada. Dona Geórgia as pegou e atirou pela janela.
Baby, can you feel me
(Querido, você não pode me sentir?)
Imagining I'm looking in your eyes
(Imaginando que estou olhando nos seus olhos)
I can see you clearly
(Eu posso te ver claramente)
Vividly emblazoned in my mind
(Vivo em minha mente)
Sirius inclinou a moto em direção ao chão. Quando atravessaram as nuvens Sarah pôde ver o campo abaixo. Havia lindas montanhas que acabavam no mar. Pousou suavemente em uma planície. Ela desceu da moto jogando o capacete no chão para ver melhor à sua volta. A planície acabava em um precipício, onde ondas quebravam lá em baixo. Parecia o paraíso. Estavam a 40 minutos da agitação de Londres e a 10 minutos da pitoresca cidade de Bournrmouth. No alto de uma montanha, ao longe, o sol marcava a silhueta de um castelo. Provavelmente algum hotel para turistas trouxas. Sirius, ainda sentado na moto, observava Sarah andar maravilhada pelo terreno.
"É lindo...", ela disse sorrindo.
"Que bom que gostou."
"Por que você me trouxe aqui?"
"Pra que você conhecesse a vista da janela do seu quarto."
Sarah fez cara de quem não havia entendido.
"Meu quarto?"
"", ele fez um gesto com a mão apontando uma parte baixa do terreno, "ali ficará a estufa para suas orquídeas... Ali vamos montar a sala de estar e ali adiante a sala de jantar. Naquela árvore vou armar um balanço para as crianças e bem aqui onde estou vou colocar a nossa cama..."
"Sirius?", Sarah sorriu abobada.
"Ah!", ele falou, ignorando-a "E é claro, um campo de Quadribol..."
"Você está querendo dizer... Que vai comprar este terreno?"
"Já comprei, meu amor, ele é nosso"., ele emendou.
Sarah levou as mãos à boca sorrindo, o coração palpitando de felicidade. Subiu na moto, de frente para ele, as pernas por cima de seus joelhos e o abraçou.
"Você é doido!"
Ele tomou o rosto dela entre as mãos e beijou-lhe a boca de leve.
"Sou doido por voc", disse beijando-a novamente cheio de amor e de desejo.
"Hey!", ela falou sorrindo quando as mãos dele deslizaram por sua cintura subindo depois pelas coxas, por baixo do vestido.
"Hey o quê?", ele repetiu divertido.
"O que você pensa que vai fazer?", ela perguntou, fingindo-se de desentendida.
"Eu quero ver qual a sensação de amar você em nossa nova casa."
"Hum... Interessante... Então pode prosseguir", falou Sarah puxando-o pela nuca até os lábios se encontrarem.
And yet you're just so far
(E você ainda está tão longe)
Like a distant star
(Como uma estrela distante)
I'm wishing on tonight
(Eu estou te desejando esta noite)
Dona Geórgia levou a mão à testa da sobrinha. Ela acabara de ter uma terceira convulsão e agora dormia tranqüilamente, as mãos postas embaixo do rosto. A febre havia cessado.
- Deus que me livre - ela fez o sinal da cruz -, depois de tudo que esta menina falou durante o sono, posso até imaginar com que ela andou delirando...
Ajeitou maternalmente as cobertas de Sarah e foi para a cozinha preparar alguma coisa para comer. Tomou um pouco de leite e foi se deitar no quarto de hóspedes.
Snowflake subiu os degraus da escada com uma fita dourada na boca. Passou pela porta entreaberta do quarto e deitou-se na cama da dona, deixando em cima do travesseiro um par de alianças.
