Capítulo Seis - Um Breve Reencontro

Sarah se abaixou. Contemplou o corpo caído e soube quem era antes de virá-lo para cima. Afastou a mata de cabelos negros que envolviam o rosto dele. Era Sirius. Ainda em estado de choque, Sarah o puxou para dentro e fechou a porta. Continuou a arrastá-lo até em frente à lareira. Ele estava gelado.

A bruxa correu até o quarto no andar de cima e voltou com sua varinha e vários cobertores e toalhas. Acendeu o fogo magicamente (nem se deu conta de que não fazia aquilo há anos) e as chamas iluminaram o homem deitado aos seus pés. Ela se ajoelhou ao seu lado.

Sirius estava pálido como cera. Seu rosto, antes bonito e risonho, agora estava frio e cadavérico. Sarah lhe desabotoou a túnica encharcada. Engoliu seco ao vê-lo tão magro. Enxugou-lhe o corpo e o cobriu com dois grossos cobertores. Se não fosse pela sua fraca respiração ela teria dúvidas de que estivesse realmente vivo.

Sentiu o peito apertar. Sentou-se no chão e encolheu as pernas sem tirar os olhos dele.

- Como ele deve ter sofrido... - murmurou baixinho.

"Isso é irônico,", pensou desdenhosamente, "eu passei anos planejando mil e uma formas matá-lo caso ele aparecesse na minha frente e agora só consigo sentir pena". E concluiu involuntariamente, "Preciso odiá-lo antes que ele acorde... Sei que se ele abrir os olhos e sorrir eu vou voltar a amá-lo...".

E ela passou a noite toda a velá-lo. O único som que se fazia ouvir era da chuva, caindo aos borrões lá fora, e do fogo. crepitando na lareira. Sarah lutou a noite toda contra o sono. Não podia dormir com ele ali. Diversas foram as vezes em que ela se levantou e andou pela sala para espantar o sono.

Algumas horas depois de a chuva cessar o sol começou a nascer e a luz clara da alvorada entrou pela janela da sala. A cabeça pendeu no ombro. Sarah cabeceou. Suas pálpebras pesavam de cansaço. Mas a vontade de vê-lo acordar era maior. Pretendia levantar para lavar o rosto quando Sirius se mexeu.

Sarah quis se afastar mas, ao invés disso, apoiou uma mão de cada lado do corpo dele, ficando com o rosto bem próximo.

Lentamente, Sirius abriu os olhos. Sarah viu o próprio reflexo de seus olhos azuis dentro dos negros dele. Seus olhos eram a única parte de seu rosto que parecia ter vida. Ficaram algum tempo apenas se olhando, até que...

- Sarah... - ele murmurou, erguendo a mão para tocar seu rosto.

Mas Sarah se afastou antes do contato. Sirius se sentou no chão. Olhou ao seu redor procurando palavras.

- Eu pensei que você tinha vendido este terreno. - ele falou, olhando-a.

- Como você me achou aqui? - ela perguntou, desviando o olhar do dele.

- Eu... Eu fui até nossa casa em Londres.

- Ela agora é um supermercado - completou secamente.

- Eu vi... Então fui até a casa de sua tia, em Surrey. E vi um bilhete no espelho.

- Que bilhete? - perguntou, tentando adivinhar como havia entrado no apartamento.

- O que você deixou para seu marido - respondeu em tom irônico.

- Marido? Do que você está...

- De você e do Remo, Sarah, é disso que eu estou falando!

- Eu, não... - a expressão dela mudou do espanto para a raiva, e levantou. - Que direito você tem de me cobrar alguma coisa? Se bem me lembro foi você quem jogou nossas alianças fora, acabou nosso casamento e me mandou esquecê-lo!

- Não amando o meu melhor amigo! - ele se levantou também.

- Amando? Amigo? - ela falou desdenhosamente. - O que você entende por sentimentos nobres como o amor e a amizade?

- Eu não acredito, Sarah, que você realmente, até hoje, acredite que eu entreguei Lílian e Tiago a Voldemort.

- Não... Nisso eu posso até não acreditar... Então vamos cortar a "amizade" da lista... O que você entende por amor? Você sumiu esses anos todos... Onze anos... Exatamente a mesma quantidade de anos que eu dei pra você junto com o meu amor... E para quê? Para nada!

- Eu não sumi! - ele elevou o tom de voz. - Eu estava preso!

- Não interessa! Você me mandou ser feliz! E é isso que eu estava tentando fazer! - ela gritou no mesmo tom. - E você não respondeu minha pergunta!

- Que pergunta?!! - ele disse já exasperado.

- O que você entende por amor... Você jogou o nosso fora...

- Eu não joguei nosso amor fora... Se eu pudesse arrancar o coração do meu peito eu o teria feito - Sirius deu um passo até ela, que recuou. - Mas infelizmente eu não podia. E agradeço muito a você por me fazer sofrer, se eu estivesse feliz teria enlouquecido porque os dementadores se alimentam justamente de sentimentos felizes.

- Eu não te agradeço por ter me feito sofrer... Você não sofreu mais do que eu... - ela falou com a voz rouca.

- Não? - ele andou mais um pouco. Dessa vez ela não recuou. - Você estava livre... Podia fazer o que bem entendesse da vida... Eu não.

- Eu não podia fazer o que quisesse - ela falou desafiadoramente - simplesmente porque, como eu te disse, a minha aliança não sai com facilidade. E até hoje ela continua aqui - ela estendeu a mão esquerda. - Tão visível que a única pessoa que poderia ter me feito te esquecer não me quis.

- Do que é que você está falando?

- Do Remo! Não foi por falta de tentativa minha... Mas ele sim, sabe o significado da amizade e, mesmo sabendo que você não merecia, ele te respeitou.

- Ele não te quis? Você... Você deu em cima dele? - perguntou, incrédulo. - Você mudou muito mesmo... - sacudiu a cabeça.

Sarah avançou até ele.

PÁ.

Ela ergueu a mão novamente, mas Sirius a segurou.

- As feridas fazem a gente mudar... - ela disse ofegante. - Mas você não está no direito de me insultar...

- Sim, eu estou... - ele falou, recuando até encostar Sarah na parede de vidro atrás da escada. Um raio de sol entrou pelos vitrais. - Porque se você me insulta, eu também posso fazê-lo...

- Eu não te insultei... - ela respondeu, torcendo o pulso dentro da mão fechada dele.

- Sim - ele prendeu o pulso com mais força e segurou o queixo dela -, você me insultou da pior maneira que uma mulher pode insultar um homem.

- Como? - ela falou sarcasticamente. - Te colocando um par de chifres?

- Não, Sarah... - ele disse, olhando-a de uma forma que só ele sabia e fazendo-a sentir as pernas amolecerem. - Acusando-o de esquecer a mulher de sua vida...

Sarah se arrependeu amargamente de ter dito a última frase. Ele estava tão próximo dela que podia sentir o coração dele batendo no mesmo ritmo que o seu. Perdida naqueles olhos negros, ela viu que, em algum lugar, o Sirius que amava ainda existia. E foi esse Sirius que puxou seu rosto, colando seus lábios no dela.

Sirius sentiu a mão livre de Sarah empurrá-lo pelo peito, o rosto sendo puxado para trás. Mas por um breve instante, seu braço relaxou e ela entreabriu os lábios, dando a ele um sopro de vida. No segundo seguinte, ela o empurrou com força para trás.

- Seu... - ela apontou para ele. - VOCÊ NÃO DEVIA TER FEITO ISSO!

- Você ainda me ama... - ele disse com um sorriso de triunfo nos lábios. - Eu sei... Eu pude sentir... Só não entendo por que você está lutando contra isso...

- Sirius - ela agarrou os cabelos num movimento de desespero. - Se você não sair daqui eu vou chamar o Ministério...

- Chame! - ele desafiou. - Pode chamar! Sabe o que vai acontecer se eles me pegarem? Um daqueles dementadores vai me dar um beijinho... E não vai ser tão doce quanto esse aqui não...

- Saia... Por favor... Saia daqui... Eu não quero te ver nunca mais outra vez... - ela agarrou um vaso à sua esquerda e jogou nele.

Sirius se abaixou a tempo, o vaso passou raspando seu cabelo e esse espatifou na parede às suas costas.

- Você está maluca! - ele gritou.

- Estou maluca sim! Agora vai logo! - ela pegou um segundo vaso.

Sirius olhou para ela com tristeza e vestiu a túnica que estava pendurada na grade da lareira. Abriu a porta. Sarah o viu se transformar em cão. Ele ainda lhe lançou um último olhar antes de sair da casa.

Sarah marchou até a porta e a fechou com violência. Jogou no chão o vaso que segurava e começou a chorar.


- Sarah... - Remo aparatou na sala. - Eu vim assim que soube...

Ele parou e olhou os cacos junto à parede. Sarah não estava na sala. Ele subiu as escadas de dois em dois degraus, mas ela também não estava em nenhum dos quartos. Desceu novamente as escadas e viu, através da parede de vidro atrás da escada, a silhueta de uma mulher loira com o vestido branco agitado pelo vento na beira do despenhadeiro. O sol se punha nas montanhas à sua frente.

- Ah não... - ele correu para fora, tropeçando no tapete da entrada. - Sarah!!! Não!! - gritou.

Sarah olhou para trás e Remo parou derrapando junto a ela. Soltou um grito quando ele a abraçou com força e os dois caíram de costas na relva.

- Você está doido? - ela falou, tirando os braços dele de sua cintura.

- Eu não vou permitir que você acabe com sua vida!

- Remo...

- Porque se você fizesse isso você estaria acabando com a minha também....

- Remo...

- Logo agora que eu estou passando por um momento crítico e...

- REMO! - ela o segurou pelo rosto e ele se calou, assustado. - Eu não ia me matar...

- Ah... - ele falou sem graça. - Eu fiquei preocupado... Aliás, me senti até culpado porque não fui à sua casa no dia combinado... Eu recebi um convite do professor Dumbledore para lecionar este ano, aí me confundi todo arrumando coisas e só fui lá hoje e vi um bilhete amassado no chão... Vim direto para cá - ele a olhou e percebeu que ela estava chorando. - O que foi? - perguntou.

- Ele esteve aqui...

- Ele...? ELE!

- Foi... - ela respondeu . - Saiu há poucos instantes...

- E ele te machucou? - ele falou alisando seus braços e rosto, procurando algum hematoma. Ela sacudiu a cabeça para cima e para baixo. - Onde? Eu mato ele se... - mas parou ao ver a mão de Sarah indicar o peito.

Sem dizer mais nenhuma palavra, Remo passou o braço pelos ombros dela até que a cabeça loira encostasse em seu peito. Ela agarrou sua blusa e deixou que o pranto entalado viesse à tona molhando todo o tecido.

Ele a puxou contra si, ninando-a como se fosse um bebê. Ficaram assim por muito tempo, até que o sol desapareceu no horizonte e alguns respingos anunciaram que a chuva iria desabar novamente. Remo a pegou no colo e entrou em casa.

Um vulto negro saltou por cima da cerca sem se aproximar muito da casa.

Mais calma, Sarah sentou-se na poltrona.

- Quer conversar agora? - Remo perguntou.

- Quanto tempo você pode ficar?

- O que é o tempo quando os amigos precisam da gente? - falou, estendendo-lhe um lenço e sorrindo. Sarah sorriu de volta ao apanhá-lo.

- Sabe o que aconteceu? - ela perguntou limpando os olhos. Remo sacudiu negativamente a cabeça. - Ele achou que você e eu estávamos casados.

- Achou, é? - ele arregalou os olhos.

- Sim, por causa do bilhete que eu deixei para você.

- Então ele esteve em sua casa?

- Sim, esteve.

- Esse foi o motivo da briga?

- Isso foi o que desencadeou a discussão, Remo - ela falou entristecida -, a briga era algo inevitável.

- Não sei se era inevitável... - ele falou pensativo.

- Como não? Você acha que eu iria me atirar nos braços dele assim que o visse?

Remo franziu as sobrancelhas.

- Você quer mesmo que eu responda? - ele falou marotamente. - Sarah, qualquer um pode ver o quanto você ama este homem... Apesar de tudo, você sabe que o seu sentimento por ele continua guardado aí, pronto para explodir a qualquer momento.

- Não é bem assim!

- É sim, Sarah, se não for pior... - ele abaixou a cabeça. - Eu invejo o Sirius... Eu queria ter em algum lugar uma pessoa que me amasse durante vinte e dois anos, mesmo que os últimos onze tenham sido à distância.

Sarah o fitou em silêncio.

- Você sabe que tudo isso que eu estou falando é verdade, Sarah. O problema é que a separação de vocês foi muito dolorosa... E depois veio a gravidez... E tudo isso ao mesmo tempo... Você é uma mulher muito forte... Uma outra qualquer não teria agüentado o tranco. E por você ter sofrido tanto você tem medo de sofrer novamente. Mas a gente não pode se fechar para a vida, Sarah. A vida foi feita para ser encarada de peito aberto.

- Remo... Você não entende... Eu passei todos esses anos me curando da dor... Você nunca vai sentir o que eu senti, mesmo que sua vida dure mil anos. Foi com muito custo que hoje eu superei tudo aquilo... Se eu me entregar de novo para essa vida, de peito aberto como você fala, eu vou ter apenas breves momentos de felicidade, porque quando ele for apanhado novamente eu vou abrir todas as feridas que com muito custo fechei.

- Será que fechou mesmo, Sarah? - Remo perguntou, olhando-a nos olhos.

- Não... - ela disse num fio e voz. - Não fechei... Apenas elas diminuíram. Eu ainda choro todas as noites quando me lembro das noites em que eu pedia à morte que me levasse... - novas lágrimas brotaram de seus olhos. - Você entende o porquê?

- Sim, Sarah, eu entendo... - disse ele segurando a mão dela entre as suas. - Mas o que eu podia fazer eu já fiz, que foi te dizer minha opinião. Quando a gente está no meio de uma tempestade não conseguimos nos orientar. O que fazer, então? Você tem duas opções: seguir a voz de alguém que está do lado de fora e vê tudo com clareza até que essa voz consiga te tirar de lá ou sentar esperar que a tempestade passe, mas aí você corre o risco de se perder para sempre. Eu estou gritando pra te tirar de lá, ou melhor, para te orientar dentro dela... Mas você também pode optar por rachar a cabeça dele com um vaso...

- Eu pensei que você o odiasse...

- Odio é uma palavra muito forte... Decepção, talvez - ele a olhou com doçura. - Mas isso não muda o fato de você o amar.

Sarah recostou na poltrona e fechou os olhos de leve. Duas grossas lágrimas escorreram pelas maçãs de seu rosto. Ela se lembrou que não dormira durante a noite e agora seu corpo todo doía como se tivesse levado uma surra. Remo se levantou.

- Você já vai? - ela segurou em sua mão.

- Sim... Tenho milhões de coisa para fazer... Que dia você volta para Surrey?

- Segunda... Por favor, Remo, fique comigo até eu dormir...

Remo sorriu e ela estendeu-lhe os braços. Ele a pegou no colo.

- Você parece uma criança grande... - ele brincou. Ela sorriu. - E aí? - ele perguntou enquanto subia as escadas. - Na sua cama ou na minha?

- Remo! - ela riu.

- Pelo menos serviu para você rir - ele falou sorrindo e parando no meio da escada.

- Eu te adoro... - ela beijou-lhe levemente os lábios. - Eu não sei o que seria de mim sem você...

Sirius deu às costas para a cena. Não precisava ver mais nada. Precisava era sair daquela chuva. Precisava seguir seu plano. Quanto àela, não havia mais nada que ele pudesse fazer.

- Nem eu - Remo falou enquanto a colocava na cama e ajeitava as cobertas.

Com toque da varinha, Remo fechou as cortinas e acendeu a lareira. Sarah o acompanhou com os olhos. Ele puxou uma cadeira e se sentou ao contrário, apoiando o queixo no encosto.

- Pode dormir - ele disse bondosamente. - Eu vou ficar aqui com você...

E Sarah fechou os olhos, entregando-se àquela maravilhosa sensação anestésica que só o esgotamento emocional consegue provocar.