Capítulo Nove - Verdades
Remo, Eve e Sarah ficaram conversando na sala até o dia amanhecer. A claridade os encontrou sentados no tapete tomando café. Somente quando bocejou pela décima vez, Eve se levantou.
- Gente eu realmente não consigo mais. Eu preciso ir dormir.
- Eu entendo, Eve, eu também não estou agüentando - Sarah disse sem conter um bocejo. Ela e Remo se levantaram também.
- Foi... Hum... - Eve falou, fazendo graça. - Interessante conhecê-lo, Remo. - Sarah riu.
- Posso dizer o mesmo de você, Eve - ele sorriu cordialmente e apertou a mão que ela estendeu. - Espero que possamos nos encontrar mais vezes.
- Eu também - disse sorrindo. Somente Sarah percebeu que a mão dos dois continuavam seguras. - Até mais tarde, Sarah - completou, soltando a mão de Remo e soltando um beijo para a amiga.
- Mais tarde eu apareço por lá.
Eve ainda lançou um último olhar a Remo antes de deixar a casa. Sarah andou até a porta e a fechou. Olhou para o amigo e soltou uma gargalhada.
- O que foi? - ele perguntou, sentando-se de novo no tapete.
- A sua cara... - ela sentou ao lado dele.
- Que tem ela?
- Nada... Esqueça... - ela olhou para Remo sorrindo. - A Eve é uma pessoa maravilhosa...
- Você... Não, pode esquecer. Você sabe muito bem como as minhas relações são desastrosas. Você pode presenciar uma ontem à noite.
- A Arabella ainda guarda um pouco de mágoa, Remo. Eu sei bem o que é isso.
- Vamos deixar isso para lá. Eu vim aqui conversar com você sobre outra coisa.
- O que foi? Aconteceu alguma coisa?
- O Harry... Ele ganhou uma vassoura ontem pela manhã. Uma Firebolt. Você tem alguma idéia de quem possa tê-la mandado?
- Não...
- Sarah... - falou com tom de incredulidade.
- Eu juro que não sei, Remo!
- Olha Sarah. Sirius não conseguiria fazer isso sozinho. Ele está foragido, portanto sem autorização para mexer na conta. Ele precisaria de alguém que fizesse o pagamento e esse algum teria que ter acesso ao dinheiro... A única pessoa, portanto, seria você.
- Mas não fui. Já passou pela sua cabeça que poderia ter sido o Dumbledore? Ou a Minerva?
- Sim mas essa hipótese foi descartada quando os dois deram ordens de desmontar a vassoura para ver se não estaria enfeitiçada.
- Estão desmontando a vassoura?
- Estão. Querida, se você não quer me contar, tudo bem, é um direito que você tem. Mas o garoto corre grande perigo, o que quer dizer que os dementadores precisariam ficar cada vez mais de olho nele. E o menino sofre com a aproximação deles. Muito.
- Sofre?
- É. Eu estou ensinado-o a conjurar um Patrono.
- Você está usando um dementador?
- Não, claro que não. Estou usando um Bicho-Papão. Ele ouve os pais sendo mortos.
- Tiago e Lílian?
- Sim. Ele ouve a voz deles, na noite em que Voldemort invadiu a casa.
- Por Merlin, coitadinho... Deve ser horrível para ele.
- É... Por isso que eu vim te perguntar. Mas já que você diz que não foi você...
Sarah não respondeu. Estava se sentindo péssima em mentir para Remo mas não sabia qual seria sua reação. Ele ainda não acreditava na inocência de Sirius como ela acreditara durante anos. Naquele momento, inclusive ela tinha suas dívidas.
- Ele sabe que o Sirius é seu padrinho?
- A essa altura não duvido. Ele não sabe é que tem uma madrinha também.
- E pelo visto nunca vai ficar sabendo...
- Não se martirize, Sarah - Remo passou o braço em volta dela e a puxou contra si. - Você não tem culpa de nada.
- Às vezes eu penso que sim. Eu devia ter dado mais atenção às coisas. Eu praticamente ignorava todos os acontecimentos.
- Não fale assim. E não vá começar a chorar novamente - ele acrescentou quando percebeu que ela fungava.
- Está bem... - ela sorriu e o beijou na bochecha. - Eu só preciso dormir um pouco.
- Quer que eu fique com você?
- Não. Não vou lhe prender. Sei que você precisa voltar para Hogwarts.
- Preciso mesmo. Meu período está chegando, e eu preciso adiantar algumas coisas... aulas... etc.
- Me mantenha informada, por favor...
- Eu manterei - ele deu um beijo em sua testa.
Sirius já estava com câimbra de ficar naquela posição. Estava muito feliz. Assistira o jogo Grifinória versus Corvinal, sendo cauteloso para não ser visto, e vibrou quando Harry agarrou o pomo em uma belíssima jogada manobra enganando a apanhadora do time adversário. Sentira uma pequena pontada de raiva quando Remo viera cumprimentar o garoto. "Aquele miserável... Ele vai ver...", pensou. Mas não pôde deixar de rir quando viu três alunos sendo severamente repreendidos por tentarem se passar por Dementadores.
Era uma pena que assistira o jogo de longe. Queria ter visto qual era a forma que o Patrono de Harry havia assumido.
Já era tarde da noite e ele estava em forma de cão, sentado na raiz de uma árvore observando a grande janela da Torre da Grifnória. Pelo barulho que vinha de lá os alunos ainda estavam festejando a vitória do jogo. Esperaria o tempo que fosse preciso. Entraria lá e pegaria Rabicho. Desta vez não precisaria obrigar o retrato da Mulher Gorda a se abrir. Ele tinha a senha. O gato laranja da amiga de Harry havia trazido para ele.
Precisaria ser cauteloso. Esperaria o silêncio absoluto para entrar no castelo sem ser pego. O barulho finalmente diminuiu mas ele ainda esperou alguns instantes até se mover. Esperara tantos anos... Alguns minutos a mais não fariam diferença. Somente quando durante meia hora nada foi ouvido que ele se mexeu. Andou margeando as sombras à orla da Floresta Proibida e depois colado ao muro do castelo, onde a era escura o protegia. Desceu por uma vala lateral rente à cabana de Hagrid e entrou por um buraco na parede.
Aquele buraco descobrira quando ainda estudava em Hogwarts. Dava nas masmorras. Sirius odiava aquele lugar mas estava tão apreensivo em completar seu plano que nem cogitou a possibilidade de ser encontrado por um sonserino.
Caminhou sem fazer barulho pelos corredores. O bom de ser cachorro era poder andar sem ser notado, justamente por causa de suas patas acolchoadas, ou suas "almofadinhas". Quando virou o corredor que dava acesso à Torre da Grifinória olhou os lados e se transfigurou em homem novamente. O Cavaleiro do Retrato dormia profundamente. Reconheceu como o Sir Cadogan, o quadro que ficava no patamar do sétimo andar. Sacudiu o quadro e o homem acordou. Estava sonolento e mal abriu o olho. Gritou "Quem ousa invadir o Castelo??", mas Sirius disse todas as sete senhas que havia no papel. Retrucou "Concordo plenamente" e girou revelando a entrada do Salão Comunal.
Sirius entrou. O salão estava deserto. Havia algumas mesas com comida e apanhou alguns restos de cerveja amanteigada, abóbora espumante e tortinhas de caramelo. Depois de limpar a boca na manga da túnica tirou do bolso uma faca que reluziu à luz da lareira.
Subiu as escadas pé ante pé e entrou na Ala Masculina. Procurou pela porta do terceiro ano e abriu com cuidado. Todas as cinco camas estavam com as cortinas fechadas. Teria que abrir uma por uma até encontrar a que queria. Ou não. Era só olhar as iniciais nos malões aos pés das camas. Andou devagar até a primeira. No malão estava gravado N.L. Não era aquela que procurava. No malão seguinte ele leu H.P. Seu coração deu um salto e ele abriu as cortinas cautelosamente.
Ali estava ele. Harry. O garoto dormia pesadamente, um dúbio sorriso nos lábios. Sirius sorriu e seus olhos se encheram de lágrimas. Vê-lo só aumentava a raiva que sentia de Rabicho. Fechou novamente as cortinas e rumou para a cama ao lado. Sim. Aquela era a cama que procurava. R.W. Procurou avidamente pela abertura da cortina. Sem sucesso, apanhou a faca e a lascou em dois lugares. O garoto ruivo dormia tranqüilamente. "Pobre garoto", pensou, "Não sabe com o que convive".
Ergueu uma ponta da coberta à procura do rato. Nada. Quando passou a mão por baixo do travesseiro o menino se mexeu. Ele recolheu a mão mas o garoto abriu os olhos, dando de cara com ele.
- AAAAAAAAAARRRRRRRRR! NNNÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃOOOOOOOOOOO!!
Não esperou que Rony gritasse novamente. Saiu precipitadamente do dormitório, batendo a porta às suas costas.
Desceu as escadas aos tropeços e alcançou o retrato. Precisava deixar o castelo com urgência. Em instantes estaria povoado de professores. Transfigurou-se em cão e rumou para as masmorras, mais furioso ainda por ter perdido Rabicho pela segunda vez.
- Professora Sarah? - uma vozinha a tirou do devaneio. - Professora?
Ela sacudiu a cabeça e focalizou os alunos.
- A senhora está bem? - perguntou a mesma voz. Sarah olhou a garotinha loira que estava em pé na sua frente e segurava sua mão.
- Estou sim, Beth - ela sorriu. - Estava apenas distraída.
- A minha prova... Eu terminei... Posso sair? - ela estendeu a folha de respostas.
- Sim, querida. Pode sim.
Observou a criança sair da sala e procurou recordar no que estava pensando. Ah sim. Ainda ontem Remo a escreveu. Sirius havia invadido a Torre da Grifinória e desta vez quase atacara um aluno. Como se não bastasse, Remo, dias depois, apreendeu das mãos de Harry o Mapa do Maroto.
Aquilo era demais para sua cabeça. Parecia que tudo estava acontecendo ao mesmo tempo. Não queria acreditar que ele estivesse fazendo de propósito. Mas, se não fora ao dormitório para matar Harry o que ele havia ido fazer lá?
O sinal tocou e ela se levantou.
- Muito bem, crianças, acabou o tempo. Ponham as provas sobre a minha mesa, por favor.
A Páscoa chegou com tristeza para Sarah. Remo não poderia passar o feriado com ela, como sempre fazia, porque cairia em semana de lua cheia. Eve viajaria com a irmã para visitar os pais, em Londres, Arabella aproveitaria a ausência dos Dursley para refazer alguns feitiços de proteção na casa.
Ela ficaria sozinha. "Nossa", pensou enquanto ajudava os alunos a decorarem os ovos de isopor e enche-los de bombons. "Já é abril. Mais um mês e mês e acabam as aulas. Onde foi para o meu ano?"
Não precisava raciocinar muito para descobrir. Os últimos anos de sua vida haviam se arrastado pesadamente e aquele teve atribulações o suficiente para compensar toda a monotonia dos anteriores.
Três semanas depois Sarah se viu aplicando os exames finais para sua turma da segunda série. Teve todo um cuidado especial com os alunos que precisava de mais pontos e sacrificou algumas de suas tarde para lhes dar reforço.
- Sarah, aonde você pretende ir quando acabarem as aulas? - Eve lhe perguntou quando estavam almoçando.
- Eu não sei, Eve... Foi um ano pesado para mim. Estou esgotada. Acho que irei até a minha casa em Bournrmouth me recuperar.
- Depois podíamos marcar uma viagem. Tem anos que eu fui à Paris. Adoraria ir novamente.
- Ah, Eve... Paris é uma cidade para se ir acompanhada. Ir sozinha deve ser desastroso.
- Bom... Então quem sabe Itália? Ou Alemanha? Ah, Sarah, se anime! Você precisa viajar, espairecer, sair desta confusão.
- Eu vou pensar... Prometo...
Sirius estava assustado àquela tarde. Havia três bruxos do Ministério na escola, entre eles Cornélio Fudge, o Ministro da Magia, e McNair. Admirou-se em ver um ex-seguidor de Voldemort ocupando um cargo como aquele. Não ousou deixar o interior da Floresta Proibida por um minuto sequer, mas um guincho agudo chegou aos seus ouvidos. Um guincho de rato.
Em forma de cão, correu para fora do esconderijo e parou à beira da floresta. Olhou o terreno aberto mas não viu absolutamente nada. Lançou um olhar de esguelha para a cabana de Hagrid, de onde vinham vozes, e pôs-se a farejar a grama à sua volta, na direção onde viam os guinchos. Um vulto laranja passou rapidamente por ele e Sirius reconheceu Bichento, o gato laranja da amiga de Harry. O cão viu o gato parar em um ponto do jardim com o pelo eriçado.
Sirius agora ouvia vozes. Não mais as que vinham da cabana de Hagrid, mas vozes infantis.
- Perebas... NÃO!
Um rato cinzento se materializou na grama e Bichento correu em seu encalço. Logo em seguida um garoto ruivo apareceu do nada e Sirius não precisou usar a inteligência para descobrir que ele estivera sob uma capa de invisibilidade.
- Rony! - disse uma voz feminina.
Mas Rony não pôde ouvir. Estava desesperado atrás do gato, que perseguia o rato. Sirius se decidiu em ir atrás de Rabicho mas Harry e uma menina se materializaram perto dele, segurando um tecido que notou ser uma Capa de Invisibilidade. Recuou um pouco para a sombra. Talvez Bichento ainda conseguisse alcançar o rato.
- Fique longe dele... - gritava Rony. - Fique longe... Perebas, volta aqui!
Rony se jogou sobre a grama com um baque sonoro e apanhou o rato. Harry e a garota pararam derrapando em cima dele enquanto o garoto guardava Rabicho no bolso.
O grupo agora estava a poucos metros do cão e Sirius ouviu a menina ofegar.
- Rony... Vamos... Volta para debaixo da capa... Dumbledore, o Ministro... eles vão voltar para o castelo já, já...
Sirius achou que aquele era o momento. Galopou na direção deles e voou sobre o peito de Harry, derrubando o garoto no chão. Derrapou na grama e se posicionou de frente para Rony, que acabara de ficar de pé. Jogou-se contra o garoto e prendeu fortemente as mandíbulas em seu braço estendido.
Começou a arrastar Rony para o Salgueiro Lutador à sua frente e sentiu que o agarravam pelo pêlo. Abaixou o corpo a tempo de evitar uma chicotada de um galho mas sentiu que este havia atingido o que, ou melhor, quem o segurava: Harry.
Aproveitou a distração da árvore para se aproximar da abertura. Entrou puxando o menino que se debatia até que sentiu resistência.
- Rony! - gritou Harry.
Rony havia enganchado a perna em uma raiz. Porém o cão era mais forte que ele. Sirius deu um puxão maior e um estampido cortou o ar. A perna de Rony se partira.
Arrastou o garoto, que se debatia, pelo longo túnel até entrar em uma pequena abertura. Não parou para descansar. Subiu as escadas à sua esquerda com certa dificuldade pois Rony vez por outra se agarrava aos degraus. Já no nível superior soltou Rony em um canto do quarto e sentou, olhando para ele. O menino estava ofegante, as vestes rasgadas e os cabelos repletos de poeira. Então se transfigurou. Rony abafou um grito. Sirius apenas olhou para ele sem dizer nenhuma palavra e apanhou a varinha que caíra no meio do aposento. Bichento entrou ronronando no quarto e se enroscou em suas pernas.
Remo jogou a pena sobre a mesa. Soprou o pergaminho que acabara de redigir e o enrolou. Enviaria a carta à Sarah pela manhã. Seus olhos então bateram em um segundo pergaminho enrolado à sua frente. Ele o abriu devagar. Apontou a varinha e murmurou "juro solenemente não fazer nada de bom". Era como se tivesse sido transportado vinte anos no passado e lembrou as inúmeras aventuras que ele, Aluado, Rabicho, Pontas e Almofadinhas realizaram em poder daquele papel.
Procurou por Harry. Provavelmente estaria na cabana de Hagrid, uma vez que Bicuço seria sacrificado a qualquer momento. Não. Não estavam mais na cabana. Nela, os pontos "Alvo Dumbledore", "Rúbeo Hagrid", "Walden MacNair" e "Cornélio Fudge" andavam impacientes de um lado para o outro.
Seguiu com o dedo o caminho que levava ao castelo e parou perto do Salgueiro Lutador. Arregalou os olhos e seu coração disparou com o que viu. Além de Harry, Rony e Hermione, havia mais duas pessoas. Uma ele tinha certeza que encontraria pelos terrenos do castelo. A outra nunca poderia ter imaginado... Nem nos seus piores pesadelos. Subitamente ele entendeu tudo.
Apanhou a varinha sobre a estante e saiu apressado da sala, deixando o mapa escancarado sobre a mesa.
Alguns minutos depois, ouviram sons vindos do andar de baixo. Sirius recuou para trás da porta, fazendo o assoalho ranger, e colocou o indicador sobre os lábios, mandando o menino ficar em silêncio.
Passos indicaram duas pessoas andando pelas escadas. Bichento correu pelo quarto e subiu na grande cama de colunas. A porta foi escancarada com violência e por pouco não atingiu o rosto do bruxo.
Sirius viu Harry e a amiga entrarem de costas para ele, correndo depois para Rony estendido no chão.
- Rony... Você está bem?
- Onde está o cão?
- Não é um cão - gemeu Rony, os dentes rilhando de dor, olhando por cima do ombro de Harry diretamente para Sirius. - Harry... É uma armadilha...
- Quê...
- Ele é o cão... Ele é um animago...
Sirius empurrou a porta e esta se fechou com um estalo. Sorrindo, apontou a varinha para os dois garotos, que o olhavam em choque e pronunciou:
- Expelliarmus!
As varinhas voaram de suas mãos e Sirius as apanhou no ar. Seu plano finalmente iria se concretizar.
Sarah ascendeu as luzes da sala e largou a mala no chão. Preferia sempre pegar o último trem para a cidadezinha de Bournrmouth para chegar em casa no inicio da madrugada.
Sentou-se na poltrona e encolheu as pernas. A claridade da lua cheia salpicava o tapete de prata. Sarah escondeu o rosto nas mãos e chorou.
Cerca de duas horas depois o grupo deixou a Casa dos Gritos, agora acrescido de três integrantes. Remo, Rony e Pedro iam à frente, presos uns aos outros por pesadas algemas. Logo depois vinha Sirius, que fazia o corpo inerte de Snape flutuar, seguido por Harry e Hermione.
Sirius estava com a língua coçando. Precisa perguntar uma coisa e Harry mas temia a reação do garoto. Não sabia por onde começar.
- Sabe o que isso significa? - perguntou ao menino, escolhendo as palavras e quebrando o silêncio. - Entregar Pettigrew?
- Você fica livre... - respondeu Harry.
- É - ele engoliu seco. - Mas eu também sou, não sei se alguém lhe disse, sou seu padrinho.
- Eu soube.
- Bem... - agora vinha a parte mais difícil. - Os seus pais me nomearam seu tutor. Se alguma coisa acontecesse a eles... - Harry o escutava em silêncio. - Naturalmente, eu vou compreender se você quiser ficar com seus tios - continuou temeroso. - Mas... Bem... Pense nisso. Depois que o meu nome estiver limpo... Se você quiser uma... Uma casa diferente...
- Quê? Morar com você? - fez Harry batendo a cabeça em uma pedra no teto do túnel. - Deixar a casa dos Dursley?
- Claro, achei que você não ia querer - Sirius completou apressadamente. - Eu compreendo, só pensei que...
- Você está maluco? - Harry disse com a voz rouca. - Claro que eu quero deixar a casa dos Dursley! Você tem casa? Quando é que eu posso me mudar?
Sirius parou de andar e olhou para Harry.
- Você quer? Sério?
- Sério! - confirmou Harry.
Sirius sorriu largamente. Por um instante pensou em contar tudo a ele, que tinha uma casa numa belíssima encosta que se debruçava para o Pacífico, que teria um quarto só dele e o mais importante: que tinha uma madrinha e, juntos, poderiam formar uma família. Mas foi só por um instante. A lembrança da existência de Sarah veio junto com a imagem de Remo a carregando no colo. Carregando a SUA mulher em SUA casa na encosta, para o SEU quarto. Sirius se calou. Foi calado até chegarem à abertura do Salgueiro.
Bichento passou primeiro. Remo, Pedro e Rony passaram depois. Sirius fez Snape passar pela abertura e se afastou para que Harry e Hermione passassem, saindo em seguida.
O jardim estava completamente escuro. Andavam em silêncio. O único barulho que se ouvia eram os choramingos de Pedro.
- Um movimento errado, Pedro - Remo o ameaçou com a varinha apontada para seu peito.
Ninguém disse mais nada. Todos andavam de cabeça baixa. Sirius viu sua sombra escurecer lentamente na grama. Congelou. O trio à frente parou abruptamente e Snape se chocou contra eles.
Olhou para cima. Uma nuvem acabara de se mover destampando a lua cheia e prateada. Esticou o braço fazendo Harry e Hermione pararem de andar. O corpo de Remo enrijeceu de repente.
- Ah, não! - exclamou Hermione. - Ele não tomou a poção hoje à noite. Ele está perigoso!
- Corram... - foi o que Sirius conseguiu dizer. - Corram. Agora.
Mas Harry não o obedeceu. Saltou para frente, na direção de Rony. Sirius o agarrou pelo peito e o atirou para trás.
- Deixe-o comigo... CORRA!
Um rosnado medonho cortou a noite. A cabeça de Remo se alongou e seu corpo também. Pêlos começaram a brotar em seu rosto, mãos e pés. Seus dedos curvaram-se em garras. Bichento eriçou o pelo e pôs-se a recuar.
Quando a transformação se deu por completa e o lobisomem empinou batendo as mandíbulas, Sirius se transfigurou no enorme cão preto e voou nele, abocanhando-o na jugular. O cão o arrastou para trás, afastando-o de Rony e Pettigrew. Atracaram-se, mandíbula com mandíbula. O cão atingia o lobisomem com as patas abertas, as grandes unhas expostas. As garras do lobisomem se enterraram em seu ombro e Sirius soltou um uivo de dor. Deu-lhe uma forte patada e o lobo caiu por terra. Investiu novamente contra ele e o lobisomem correu em direção à floresta.
- Sirius... - Harry gritou chamando-o. - Ele fugiu. Pettigrew se transformou.
Sirius estava sangrando. Focinho e costas cortados, mas se ergueu, correndo atrás do rasto de Pedro. Não. Não permitiria que acabasse com sua vida novamente. Não permitiria que escapasse novamente.
Ao se aproximar do lago sentiu uma terrível onda de dor invadi-lo. Soltou um uivo longo e sofrido, no mesmo instante se transfigurou em humano, caído de quatro na areia.
- Nãããoo... Nãããooo... Por favor...
Uma onda de frio o engolfou e ouviu as palavras destoarem em sua mente.
"Estou terminando nosso casamento"
"Eu não posso me libertar de você!! a minha aliança não sai assim tão fácil!"
"Então trate de me tirar daí... porque dentro de mim você não ficará por muito tempo..."
Sentiu a vista escurecer. Balbuciou o nome de Sarah e estremeceu, rolando de barriga para baixo. Imóvel.
Sirius abriu os olhos lentamente. Estava deitado em um sofá. Cada centímetro do seu corpo estava dolorido. Sentou-se com dificuldade e piscou assustado ao deparar com Dumbledore sentado em uma cadeira à sua frente. O velho bruxo o encarava imóvel. Ficou sem reação. Encontrar-se com o diretor àquela altura era a última coisa que ele tinha imaginado.
- Faz muito tempo, não é mesmo, Black? - perguntou Dumbledore. Sirius não respondeu. - Anos e anos... Até hoje eu paro para me perguntar o que foi que aconteceu realmente. Você pode me dizer?
- Eu não tenho nada para contar - disse secamente. - E mesmo que tivesse não adiantaria muita coisa.
- Engano seu. Adiantaria muita coisa. Tem várias peças faltando nesta história, Black. Até onde concebo você está foragido da maior prisão de segurança máxima do mundo bruxo, onde cumpria pena de homicídio qualificado, quase uma chacina, além de ter um processo arquivado por prática e seguimento de Arte das Trevas. Sem contar a acusação de participação na morte de Lílian e Tiago Potter.
- Você sabe muito bem que eu não tive participação na morte de Tiago e Lílian.
- Não, eu não sei. O que eu sei é que você era o fiel do segredo dos Potter. E a única maneira de Voldemort ter descoberto o esconderijo deles era o fiel contar... Portanto...
- Portanto o fiel contou. Tudo estaria certo se não fosse por um pequeno detalhe. Você sabe qual é a peça que está faltando? Uma informação errada que chegou ao seu conhecimento, Dumbledore.Eu não era o fiel do segredo. O fiel era o Pedro Pettigrew.
- Por quê?
- Por que o quê? - perguntou irritado.
- Por que vocês trocaram?
- PORQUE EU FUI UM FRACO! PORQUE EU TIVE MEDO! POR ISSO! - ele se levantou.
- Não compreendo - Dumbledore retrucou com calma. - Do que você tinha medo?
- Eu tinha medo de ser apanhado e ser torturado... Podiam me obrigar a contar.
- Não poderiam. O Feitiço Fidelius resiste inclusive à poção Veritaserum. Você só contaria se quisesse.
- O problema é justamente este, Dumbledore. Eu temi queeles a raptassem... Raptassem e me obrigassem a contar em troca de sua vida...
- Ela?
- Sarah, Dumbledore. Eu fui ameaçado algumas vezes. Ameaçavam fazer-lhe mal. Eu não agüentaria vê-la morrer...
- No entanto...
- No entanto perdi Tiago... Não sei se foi uma escolha lógica...
- A lógica não tem absolutamente nada a ver com os sentimentos, Sirius - Dumbledore se ergueu e o encarou. - Você seguiu o seu coração e não deve jamais de arrepender disto. Talvez se tivesse optado por aceitar o papel de fiel perdesse sua mulher. - "E a perdi, de toda forma...", o outro pensou. - Mas, ainda tem algumas peças faltando... E preciso que você seja rápido nas explicações, pois eu não disponho de muito tempo - Dumbledore fez uma pausa. - Como você estava entrando no castelo?
- Animagia Eu sou um animago clandestino.
- Interessante...
- Eu, Tiago e Pedro. Descobrimos que Remo era lobisomem e aprendemos animagia para estar com ele quando estivesse em seu período perigoso. Eu me transformo em cachorro, Tiago era um cervo e Pedro... Pedro era um rato. Eu entrei no castelo assim - disse, transformando-se em um enorme cão negro.
- Não vou negar que essa hipótese passou pela minha cabeça... - disse o diretor quando Sirius voltou ao normal. - Então está explicado como você fugiu de Azkaban.
- É.
- Só é uma pena Pettigrew estar morto. Não temos como provar sua...
- O senhor ainda imagina que eu matei Pedro?
- E não foi?
- Pedro era também seguidor de Voldemort. O senhor se lembra da desconfiança que tínhamos de que alguém entre nos estava passando informações para ele? Pois era Pedro. Eu troquei com ele o papel de fiel do segredo - uma contração de raiva se formou em seu semblante - e ele os denunciou ao seu Mestre.
- E você o matou.
- Eu não o matei! Eu fui atrás dele para me vingar... Não nego que pensei em matá-lo. Quando eu o encurralei ele gritou para todos que eu havia matado Lílian e Tiago, explodiu a rua e se transfigurou em rato. Só sobrou o dedo dele, que obviamente deve ter decepado para usar como prova contra mim. Imagino que entrou em um bueiro e fugiu.
- E você encontrou este rato...
- Sim. Ele estava com o menino Rony, amigo de Harry. Eu o vi em uma foto do Profeta Diário. Sabia que ele viria a Hogwarts, por isso fugi e vim para cá. Passei o ano todo tentando pegá-lo, entrei na Torre da Grifnória com esse intuito, mas ele foi mais esperto mais uma vez e fugiu. Hoje eu o apanhei e levei para a Casa dos Gritos. Harry e Hermione estavam lá, foram atrás do amigo Rony, que eu acabei arrastando também. Depois Remo chegou, e por fim, Snape.
- Então o Harry sabe da verdade.
- Sim. Inclusive, nós, eu e Remo, obrigamos Pedro a se transformar e provamos aos garotos de que estávamos falando a verdade. Mas quando estávamos retornando ao castelo para entregar Pedro, a lua cheia...
- Entendi...
- E o rato aproveitou a oportunidade para escapulir. Não sei onde ele está agora - Dumbledore o olhou com atenção. - O senhor acredita, não acredita? Harry e seus amigos podem confirmar... E tem o Remo também...
- Não creio que a palavra de bruxos menores valerá alguma coisa. Tampouco, Remo. Pelo que eu entendi está...
- Na Floresta Proibida.
- Pois é.
Uma agonia foi tomando conta do peito de Sirius. Os dementadores já deviam estar chegando. Não havia mais esperança. Seria beijado. Talvez mandassem seu corpo sem vida para que Sarah tomasse conta. Ah. Sarah...
- Infelizmente, Sirius, eu não tenho mais poder de decisão. A minha palavra não pode contra a do Ministro. Eu não fui uma testemunha ocular.
- Eu compreendo... - ele se sentou na cadeira e passou a mão pelos cabelos. - O que me dói é saber que eu vou morrer em vão...
- Sirius - Dumbledore pousou a mão em seu ombro. - Para tudo se tem remédio... Exceto a morte, e você ainda não está morto.
- Ainda...
- Aguarde... - Dumbledore disse se retirando.
- Aguardar? - Sirius sacudiu a cabeça. - Só se for um milagre...
O bruxo escondeu o rosto entre as mãos. Ouviu algumas batidas vindas da vidraça e ergueu o rosto. Deu um pinote da cadeira quando viu a cabeça de Harry subir e descer do outro lado da janela. Ainda com o queixo despencado, tentou abrir as janelas mas estava trancada. Ele ouviu Hermione balbuciar "Se afaste", e obedeceu.
A garota abriu a janela com um feitiço. O queixo de Sirius despencou ainda mais. Os dois estavam montados em um hipogrifo.
- Como... Como? - ele perguntou com a voz fraca.
- Não temos muito tempo - disse Harry. - Você tem que sair daqui, os dementadores estão chegando, MacNair foi buscar eles.
Sirius se apoiou na janela e içou o corpo pelo parapeito. Passou depois uma perna por cima do lombo do animal e montou atrás de Hermione.
- Ok, Bicuço, para cima! - disse Harry, sacudindo a corda que fazia de rédea. - Para a torre, anda!
Pouco depois o hipogrifo pousava no alto da Torre Oeste. Os garotos escorregaram para o chão e Sirius chegou mais para frente, tomando a corda.
- Sirius, é melhor você ir depressa - ofegou Harry. - Ele vão chegar na sala de Flitwick a qualquer momento e vão descobrir que você fugiu.
- O que aconteceu com o outro garoto? Rony! - perguntou Sirius.
- Ele vai ficar bom. Ainda está desacordado mas Madame Pomfrey diz que vai dar um jeito nele. Depressa, vai...
Sirius olhou mais uma vez para Harry.
- Como é que eu vou poder lhe agradecer...
- VAI! - gritaram Harry e Hermione.
Sirius puxou a corda fazendo Bicuço se virar para o céu.
- Nós vamos nos ver outra vez - disse. - Você é bem filho do seu pai, Harry.
E apertou os flancos do hipogrifo com os calcanhares, fazendo-o levantar vôo em direção à lua.
