Capítulo Dez - Acerto de Contas - Parte I: Em Pratos Limpos
Remo abriu a porta de casa e empurrou do malão para dentro com o pé. Mal fechou a porta e alguma coisa segurou seu pescoço. Ele sentiu falta de ar. Foi empurrado contra a parede, os pés mal tocando o chão.
- Agora... Nós dois...
Remo levou a mão ao pescoço tentando afrouxar as que o apertavam.
- Depois de resolvermos o problema do menino, vamos resolver o problema da mulher... Da minha mulher...
Remo reconheceu o rosto de Sirius na penumbra.
- Sirius... Eu... - ele fez força para falar.
- Não sou idiota, Remo...
- Sirius... Me... Solte... - ele se contorcia segurando os punhos do outro.
- Eu posso estar desarmado e fraco mas ainda tenho forças para acertar contas com você... - disse erguendo Remo ainda mais.
- Si.. riu... s... - Remo sentia faltar ar no cérebro. - Ela... Eu... Nós não... Nunca... Por favor...
- Eu vi, Remo... Eu vi vocês aquela tarde na casa... Você subindo com ela nos braços para o quarto... Ninguém me contou, eu estava lá - os olhos dele crispavam de raiva.
- Idi...o... ta...
- O que você disse? - ele o soltou.
Remo se apoio na parede para não cair. Alisou o pescoço de leve e sentiu as marcas fundas da mão de Sirius.
- Eu te chamei de idiota. Porque você É um grande idiota - falou ainda rouco.
- Você ainda ousa falar assim comigo? - disse exasperado. - Eu pensei que você fosse meu amigo!
- E sou... Está vendo como você é idiota?
- Seu... - Sirius deu um soco no queixo de Remo.
Ele cambaleou. Não deixou por menos e acertou Sirius no olho. Sirius o segurou pela gola na intenção de lhe dar outro soco mas Remo o empurrou antes e os dois bateram na estante, derrubando livros e vasos de vidro. Sirius se soltou e acertou-lhe o estômago. Remo conteve uma careta de dor e num impulso mais forte jogou Sirius com um murro no chão.
Parou arfando e se jogou no chão também. Sirius o encarou. Remo passou o polegar no canto da boca e veio sangue em seus dedos. Sustentou o olhar.
- Você é o ser mais acéfalo que existe na face da terra, Almofadinhas...
- E você é o ser mais baixo que existe nela, Aluado...
- Você vai ficar me insultando ou vai me deixar falar?
- O que você vai me dizer? "Me desculpe amigão mas agora eu estou dormindo com a sua mulher"...
- Eu de via te bater mais - falou massageando o queixo.
- Sou eu quem devia te bater mais!
Levaram alguns segundos se olhando até que caíram na risada.
- Tudo bem... - Sirius falou sério. - Eu sei que a culpa foi inteiramente minha. Você, com toda boa vontade a levou ao Ministério para se despedir e eu acabei nosso casamento. Eu praticamente a joguei em cima de você...
- Sirius...
- Mas eu nunca imaginei que vocês dois pudessem fazer isso comigo. Eu a liberei porque achava que ia morrer naquela prisão e não queria que ela perdesse o resto da vida como viúva de marido vivo.
- Sirius...
- A mulher da minha vida e o meu melhor amigo. Vocês dois mereciam o prêmio de Cafajestes do Milênio...- falava gesticulando para o teto. - Posso até visualizar como foi que você a consolou no dia que eu fui preso.
- Sirius se você não me ouvir...
- Estou enojado de saber que ela deu em cima de você. Que cantada ela usou? Não foi a de "você vem sempre por aqui"? Ou foi?
Remo ficou de joelhos e agarrou Sirius pelo colarinho. Ele piscou diversas vezes sem reação.
- Você vai me deixar falar ou eu vou ter que te amarrar?
- O que você tem para me falar? - disse em tom de desafio.
- Vou te contar uma histórinha - falou largando-o. - Era uma vez uma linda garotinha loira que se apaixonou pelo cara mais cafajeste da escola. Eles eram muito, muito amigos, e ele levou quatro anos para descobrir que sempre foi louco por ela. O que no começo era um romance infantil se revelou um amor forte e ardente capaz de sobreviver a tudo e a todos que se colocassem em seu caminho. Pois bem, eles se casaram. No meio social em que viviam eram invejados por serem o casal mais feliz, mais amoroso, feitos um para o outro, de verdade. Um belo dia, por uma ignorância do destino, ele é acusado de um crime. O que ela fez? Ela faz de um tudo para ir vê-lo na cadeia. O que ele faz? Ele acaba com o casamento dos dois. A atitude dele foi como se tivesse dado um tiro em uma pessoa que estivesse agonizando... A intenção é amenizar a dor mas é tão brutal quanto matar propriamente. Ela, antes uma garota alegre e aberta para vida, vira uma pessoa apática... Quase um vegetal... Isso porque toda a luz do seu ser foi arrancada de seu corpo no momento em que o idiota do marido dela arrancou a aliança de seu dedo.
- Eu não...
- Eu ainda não acabei - Remo fez um gesto com a mão. - A pobre mulher achava que ele sairia daquela situação e que os dois voltariam a ficar juntos, como se nada tivesse acontecido. Mas ele não saiu. Ele foi preso. Prisão perpétua. Ela rezou noites afora, implorando para que a morte a levasse, mas o pior ainda estaria por vir. Enquanto ela tinha alucinações com os momentos mais felizes de suas vidas a natureza achou pouco e lhe deu o golpe de misericórdia. O que a jovem dessa triste história não sabia - ele fez uma pausa para se recuperar da emoção - é que dentro dela havia um fruto desse amor... E a morte atendeu as suas preces. Ela perdeu aquilo que os dois mais queriam na vida... Ela perdeu um filho.
- Meu Deus...
- E num gesto desesperado ela se agarrou à única taboa de salvação que flutuava naquela tempestade: um amigo. Mas o amigo era digno demais para mexer em feridas tão recentes e profundas e não se deixou levar pelas ondas do acaso. Ele a guiou pelas águas tumultuadas, com todo carinho e atenção, ficando à deriva junto com ela e à espera de um milagre. E o milagre aconteceu. O marido fugiu. E eles se reencontraram onze anos depois. Só que o marido, minha gente, é tão pateta que ao invés de correr para os seus braços em busca de amor correu em busca de satisfações que ela não tinha para dar, acusando-a de um crime injusto.
- Não é injusto...
- É injusto, sim. É injusto porque aquela mulher nunca amou mais ninguém durante estes onze anos além do acéfalo que a acusou de traição - Remo passou a mão pelos cabelos. - Aí tem você, a história de Sarah. O fim dela ainda não foi escrito. Eu só quero ver se você vai deixar ela fechar o livro sem escrever "e viveram felizes para sempre"...
Sirius não conseguiu responder. Levantou cambaleando e deu um soco violento na parede. Depois escorregou por ela, chorando como uma criança.
- Eu não sabia... - falou entre lágrimas - Se eu soubesse...
- A estória de vocês nunca vai poder ser feita de "se"...
- Será que ainda dá tempo? - perguntou passando a mão no rosto.
- Claro que dá... - Remo recostou na poltrona. - O destino está em suas mãos.
Um sorriso iluminou o rosto de Sirius. Ele se ergueu e marchou para a porta mas Remo o deteve com o braço.
- Veja lá o que você vai fazer...
- Eu sei muito bem o que vou fazer... - segurou o ombro de Remo. - Você me perdoa, meu amigo?
- Sim... Claro que eu te perdôo... - sorriu. - Mas antes de você ir deixe-me ver esses ferimentos ou a Sarah irá me matar... E vamos acabar com esse seu visual de fugitivo da cadeia...
- Remo... Eu sou um fugitivo...
