Capítulo 2
De Volta a Hogwarts

Morgan acordou sobressaltada, ouvindo a sua própria voz a gritar: "NÃÃÃÃÃÃÃOOOOOOOOO!!!!". Sentou-se na cama, cobrindo a face com as mãos. Estremecia convulsivamente, suores frios percorriam-lhe o corpo.

Já não era a primeira vez que aquilo acontecia, acordar a meio da noite depois de mais um pesadelo. Nunca contava a ninguém o que se passava durante a noite, não sentia necessidade de relatar um pesadelo estúpido. Sim, porque era sempre o mesmo. Desde que viera para Hogwarts que tinha aquele pesadelo.

Levantou-se, ainda a tremer e, vestindo o roupão, saiu do dormitório, descendo as escadas até à sala comum. Sentou-se ao pé da lareira, com os joelhos encostados ao peito, embalando-se para trás e para a frente.

Sentiu as lágrimas queimarem os seus olhos, teimando em não as deixar cair por uma coisa tão inútil. Foi só um pesadelo, Morgan... Nada daquilo é real.

Mas por mais que tentasse, não conseguia parar de pensar no sonho, de o relacionar com a realidade do que tinha visto quando tinha 11 anos. Nunca contara nada a ninguém. E agora aquele sonho, pesadelo para ser mais exacto, não parava de se repetir na sua cabeça, como que um presságio do que estava para acontecer.

Mais uma explosão acabava de ser fazer ouvir perto do local onde Morgan se encontrava. Gritos ecoavam por todos os lados, só se viam pessoas a correr em todas as direcções, com um ar assustado e as roupas todas desalinhadas.

Morgan estava escondida atrás de um barril de pó de Floo. Nunca se tinha sentido tão aterrorizada na vida, não sabia da irmã, não via ninguém conhecido, ninguém a ajudava. Diagon Alley estava num caos autêntico e ela não sabia para onde se dirigir.

De repente, viu-os... Ali estavam eles, com aqueles capuzes a tapar-lhes a face, aqueles mantos negros, que lhes davam um ar ainda mais imponente. Sentiu um arrepio percorrer-lhe o corpo ao mesmo tempo que os via dirigir-se ao seu local. Aninhou-se ainda mais, de forma a poder-se esconder totalmente, mas sabia que eles vinham ao seu encontro. Estava paralisada de medo, quase nem conseguia respirar. Um frio congelava-a por dentro, toda ela tremia.

Sabia que não lhes podia fugir... Eles tinham-na visto, sabiam precisamente onde ela se encontrava. O tempo parecia ter parado. Morgan não ouvia nada, a não ser o bater do próprio coração, misturado com a respiração acelerada. O medo apoderava-se dela, assim como um sorriso se apoderava da face de um dos Devoradores da Morte, que com a proximidade, se conseguia avistar.

Sem aguentar mais a pressão, Morgan levantou-se e desatou a correr na direcção oposta dos Devoradores da Morte, entrando num beco escuro, estreito e húmido. Olhou para trás e viu-os a perseguirem-na. Continuou a correr, a correr, até que avistou ao fundo uma saída, uma luz. Ao se aproximar, deu conta que a luz provinha de várias varinhas.

Horrorizada, parou no meio da viela, com um grito sufocado na garganta. Estava ali um conjunto de pessoas, todas amontoadas, umas já caídas no chão, outras com a boca aberta de profundo terror. Entre elas, Morgan pôde avistar Julia, Lily e Severus, recuados num canto, abraçados, como se se tentassem consolar com o destino que iriam ter.

Em frente a este grupo, e detentores de varinhas, encontravam-se mais Devoradores da Morte, que exerciam uma espécie de brincadeira perversa com as pessoas, lançando-lhes feitiços que as faziam gritar de dor. Pareciam esperar algo, e enquanto isso iam-se divertindo dessa maneira.

Morgan correu na direcção dos amigos, puxando as pessoas para o lado, tentado chegar até eles. Mas pelo caminho esbarrou contra os pais, que a pararam.

Morgan, sai já daqui, salva-te enquanto podes, foge! Nós ficamos bem, simplesmente sai daqui! Corre!

A rapariga ficou estática, parada no mesmo sítio, com lágrimas nos olhos...

Eu não posso fazer isso... Não vos posso abandonar assim, aqui, sozinhos... Não têm a mínima hipótese contra eles! sussurrou, as lágrimas a escorrerem-lhe pela cara a baixo.

E não és tu que vais fazer a diferença, Morgan... Vai! Foge!

Julia corria agora ao seu encontro, seguida de Severus e Lily. Ao mesmo tempo, tentavam desviar-se dos feitiços lançados pelos Devoradores da Morte, correndo o mais depressa possível até Morgan, todos com um ar aflito.

Uma voz ecoou na cabeça de Morgan. Ouviu uma voz grave e fria sibilar algumas palavras, viu três feitiços idênticos atingirem Julia, Severus e Lily pelas costas. Tudo se passou em câmara lenta, como num filme posto em slow motion. Depois, tudo à sua volta parou, e ela permaneceu imóvel, como que petrificada, vendo os corpos caírem no chão, sem vida. Tinham o olhar vago, a expressão congelada num grito que permaneceria para sempre sem ser ouvido.

Passaram alguns segundos até Morgan se aperceber do que tinha acabado de acontecer. Ia-se virar para os pais, de forma a pedir ajuda, socorro, quando mais dois feitiços foram ouvidos ali perto. Sem querer presenciar a cena que se seguiria, gritou com todas as suas forças, caindo de joelhos no chão, com aquela voz assustadora a rebentar-lhe a cabeça "Avada Kedavra".

Morgan fechou os olhos e deixou as lágrimas caírem livremente pela face. Não podia contar aquilo a ninguém. Simplesmente não podia. E ficou ali, sozinha, encolhida ao pé da lareira até o dia nascer.


O dia amanheceu cinzento, tristonho. Quando os primeiros raios de luz entraram pela pequena janela do dormitório, Remus levantou-se. Não precisava de dormir muito; estava habituado a dormir menos em casa.

Dirigiu-se para a casa-de-banho dos rapazes, aproveitando as primeiras horas do dia para tomar um bom banho quente e relaxado. Voltou enrolado numa toalha e aproximou-se da mala, situada aos pés da cama, tentando remexê-la em silêncio.

Pegou no único manto que possuía, comprado em segunda mão e já muito pequeno nas mangas e curto nos pés, e suspirou. Não sabia como se iria safar só com um manto durante o ano todo. Teria que pensar em alguma coisa.

Preparava-se para voltar para a casa-de-banho, quando ouviu sussurros vindos do canto do dormitório, da cama de James. Parou por momentos, admirando um dos seus melhores amigos, e arriscou um segundo olhar na direcção da cama de Sirius.

Ainda lhe custava acreditar que eles o tivessem aceite tão prontamente, sem dúvidas ou hesitações. Passados três anos, ainda se perguntava o que teria feito para merecer amigos tão fieis e dedicados como Sirius Black e James Potter. Não se achava digno da amizade deles, tinha tentado racionalizar com eles tantas vezes...

Lembrava-se de quando o tinham confrontado no final do primeiro ano, querendo saber as razões do seu desaparecimento. Fora durante uma manhã de Primavera particularmente fria... Tinha ficado aterrorizado. Pensava que o iriam abandonar, que nunca mais o iriam querer ver. Estava enganado. Eles tinham-se mostrado muito compreensivos; eram os melhores amigos que alguém poderia desejar.

Remus, precisamos de falar.

Estavam todos no dormitório, a vestir-se lentamente para irem tomar o pequeno almoço. Não havia pressas porque era fim-de-semana. Naquele momento, Sirius, James e Peter rodeavam o pobre rapaz, que naquela manhã estava com um ar ainda mais fraco e cansado do que o habitual.

Acabara de passar por uma noite particularmente terrível e dolorosa e atrasara-se demais na enfermaria. Quase tinha chegado ao dormitório ao mesmo tempo em que os outros acordavam, mas conseguira utilizar o resto das suas forças e arrastar-se o mais depressa possível para a cama.

Os três rapazes olhavam para Remus com um ar sério, de sobrolho franzido. Já tinham reparado, durante os primeiros meses de aulas, no desaparecimento nocturno do seu companheiro de dormitório e tinham finalmente decidido enfrentá-lo.

A decisão não tinha sido fácil e encontrar momento para o fazer ainda menos. Remus parecia encontrar sempre maneira de escapar à conversa. Mas não naquele dia... Não havia fuga possível.

S-sim...? gaguejou Remus, já com o pânico a demonstrar-se na sua voz.

Morria de medo que eles descobrissem o seu segredo e se afastassem dele. Todos o tratavam tão bem, como um deles, como um verdadeiro amigo. Não queria perder essa amizade. Faria tudo, mesmo mentir, para a manter, porque ao menos assim não se sentiria tão sozinho.

Onde estiveste esta noite? perguntou James com um ar calmo, mas voz determinada.

Remus engoliu em seco. Já tinha resposta preparada para aquilo, tudo combinado previamente com Dumbledore no caso de surgirem situações destas. Dizer que a Professora McGonagall o tinha chamado por causa das notas dos trabalhos.

Mas custava-lhe ter de mentir os amigos, não conseguia fazê-lo e olhá-los nos olhos sem que eles percebessem que era uma mentira. Era muito mais fácil fugir à conversa, adiar aquele momento... Mas não havia escapatória possível, não naquele dia.

Hummm... Eu... Ermmm... Depois eu conto-vos... Agora estamos atrasados para... mas foi interrompido por um suspiro desesperado de Sirius.

É fim-de-semana, Remus! Por amor de Deus! Porque raio tentas tu fugir à conversa?! Não confias em nós?! James pôs uma mão sobre o braço de Sirius para o tentar acalmar.

Tinha chegado a hora... Já não havia saída, ia ter de lhes contar tudo e ia perdê-los. Ia ficar sozinho outra vez. Por alguns momentos durante aqueles meses tinha pensado que poderia finalmente ter amigos sem se preocupar com o que era. Mas pelos vistos, a vida não estava mesmo do lado dele.

Com lágrimas nos olhos, apesar de tentar com todas as suas forças contê-las, olhou para os amigos. O seu olhar deteve-se em cada um deles, como que guardando aquele momento eternamente na sua memória. Ganhando coragem, suspirou e confessou de uma só vez:

Sou um lobisomem.

Fechou os olhos, não querendo ver a reacção dos amigos àquela declaração. Tinha ficado muito corado e as mãos contorciam-se nos bolsos, sem parar.. Todo ele estava num estado de nervosismo tal que parecia a pontos de explodir.

Mas em vez de ouvir gritos abafados de espanto e passos a afastarem-se rapidamente, sentiu um braço a rodeá-lo e a puxá-lo contra o corpo de alguém. À sua volta só se ouviam risos e ao abrir os olhos viu James com um sorriso tranquilizador. Quem o abraçara fora Sirius que palrava agora sem cessar sobre "Animagus, alcunhas e noites sem fim".

Remus abanou a cabeça para afastar aquela imagem, duvidando da realidade do momento. Aquilo não estava a acontecer... Ou será que estava?

Sirius tinha-o largado e pulava agora em cima da cama, entusiasmado com a revelação. Remus, ainda com uma expressão aparvalhada, observava-o e aos outros dois amigos, Peter com um ar ligeiramente receoso e James, de sobrolho franzido.

Tentou prestar atenção ao que Sirius estava a dizer, para perceber melhor esta reacção da parte deles.

Não percebem?? É tudo muito simples! O Remus não pode continuar a passar sozinho estas noites! Precisa de companhia! E quem melhor que nós? Sim, devem-se estar a perguntar: como, sem corrermos o risco de sermos atacados? É Fácil! Transformamo-nos Animagi1 e pronto! Problema resolvido! Todos ficam contentes e é diversão garantida!

Remus não podia acreditar naquilo... Animagi! Companhia naquelas noites tão solitárias e dolorosas... Seria fantástico! Mas será que eles fariam mesmo isso por ele? Mereceria ele tanto afecto, tanta preocupação e atenção?

Ouvi dizer que a transformação em Animagus dói muito... balbuciou Peter, com uma voz tremida.

Sirius conteve um impulso de lhe saltar em cima. Mas que afirmação mais parva!!! Que é que importava a dor se iam ter a possibilidade de fazer algo em grande pelo seu amigo?

Eu preocupava-me mais em como o vamos fazer... disse James, mais para si próprio, numa voz pensativa.

O corpo de Remus tremeu todo e os olhos dele humedeceram-se, fazendo-o morder o lábio inferior, ao tentar controlar-se. James e Sirius agora olhavam-no, preocupados. Tentando conter as lágrimas, Remus fechou os olhos, ainda mal acreditando no que lhe estava a acontecer.

Vocês... vocês têm certeza do que estão a fazer? — perguntou com voz rouca. — Não precisam... Eu--

Claro que temos a certeza!!! — Exclamaram ambos ao mesmo tempo. — Tu és nosso amigo, e nós gostamos muito de ti. Vamos tornar as transformações uma das melhores partes da tua vida!

Pouco a pouco, o coração de Remus voltou a bater normalmente, e um pequeno sorriso teimava em aparecer-lhe no canto da boca. Olhou os amigos durante muito tempo, ora Sirius, ora James, e até mesmo Peter, que apesar de lhe lançar vários olhares invejosos de tempos a tempos, também era seu amigo.

Ao ver Remus mais calmo, Sirius voltou à carga, fazendo já montes de planos para as saídas nocturnas, as transformações em Animagi, e como arranjar os livros necessários, sem dar tempo aos outros de dizer sequer uma palavra. James, mais calmo, encarregou-se de tomar nota das melhores ideias, aproveitando aquela fase inspiradora para proveito posterior. Remus, ainda meio abananado, limitava-se a observá-los, sem conseguir parar de sorrir estupidamente.

Tudo estava bem no mundo, porque não haveria ele de sorrir?

Sentiu uma mão tímida tocar-lhe no ombro levemente, e voltou-se para Peter, que mordia o lábio inferior, e tentava parar de tremer.

Desculpa aquilo de há pouco... Eu... Hum... — Peter tentou balbuciar, mas sem grande êxito.

Pete, não te preocupes, a sério. Não precisas de te transformares em Animagus, se não quiseres. Eu compreendo.

Não é isso... Eu disse aquilo, mas... Eu não me importo de me tornar Animagus, se isso significa que não tens que sofrer sozinho... Eu tenho medo, muito medo... Mas acho que fui escolhido para Gryffindor por alguma razão, certo?

Remus não conseguiu conter-se. Com um sorriso radiante, abraçou Peter com força, murmurando vezes sem conta "Obrigado... Não sabes o que isso significa para mim...".

Sirius e James tinham sido fantásticos, e Remus amava-os por isso. Mas a reacção de Peter tinha-lhe tocado fundo no coração. Ele estava disposto a suportar uma transformação muito dolorosa (e quase impossível para feiticeiros adultos) por ele, só para o ajudar.

Remus tinha a certeza que não merecia metade do que eles iriam fazer por ele. Mesmo assim, não conseguia negar o que eles lhe ofereciam tão abnegadamente, sem qualquer proveito próprio.

Com o braço nos ombros de Peter, conduziu-o para junto dos outros Marauders, que abriram espaço para eles se sentarem.

Naquela noite, nenhum deles dormiu. Passaram a noite a planear, decidindo começar o mais rapidamente possível a recolher material sobre Animagi na biblioteca. A partir desse dia, os Marauders passaram a ter mais um segredo. Nos anos que seguiram a Revelação, as tardes e as noites foram passadas a estudar livros da Secção Restrita, com um único objectivo: Tornarem-se Animagi.

Abanando a cabeça para afastar os pensamentos do passado, Remus tentou concentrar-se no presente. Olhou para o relógio e, reparando que eram quase oito horas, decidiu acordá-los. Não seria bom chegaram atrasados logo no primeiro dia de aulas.

James, que sempre tivera sono leve, estava acordado em segundos. Sirius, porém, foi outra história.

Remus chamou-o várias vezes, abanando-o gentilmente e depois com mais força. Era sempre engraçado ver a reacção dele mal acordava, repetindo vezes sem conta que ainda estava a dormir e que tudo era apenas um sonho, tentando ele próprio convencer-se de que não precisava de acordar.

Finalmente, e meia hora depois, admitiu a derrota e lá se levantou, praguejando baixinho contra "aqueles idiotas que os torturavam logo às 9h da manhã".

James, que entretanto tinha ido tomar o seu banho matinal, entrava agora no dormitório completamente a pingar, esbarrando-se contra Sirius que, ainda meio ensonado, não o tinha visto.

Os dois rapazes caíram ao chão, um para cada lado, e Sirius pareceu finalmente acordar.

— Hey Jamie, desculpa lá. Sabes como eu sou logo de manhã — disse-lhe embaraçado.

Remus riu-se. Sirius Black, de pijama, completamente despenteado e cheio de sono era comum logo de manhã. Sirius Black, em todas as situações anteriores mais o embaraço que lhe corava as faces de um rosa que lhe era pouco característico, era hilariante.

— Sirius, é melhor despachares-te... Já são 8h30 e ainda temos de ir tomar o pequeno-almoço... — apressou-o Remus.

O rapaz, ainda com os olhos semicerrados devido ao sono, começou a correr de um lado para o outro, da casa-de-banho para o quarto, pois esquecia-se sempre de alguma coisa na mala. De vez em quando ouviam-se murmúrios desesperados, sobre as tarefas que ainda tinha que fazer.

— ...não posso ir com o cabelo neste estado... e a barba... olhem-me só para estas olheiras...

James e Remus olhavam-se entre si e riam-se das figuras do amigo. Começaram a vestir-se, de forma a não se atrasarem mais. Ao mesmo tempo, iam chamando Peter, que continuava enfiado debaixo dos lençóis, a mandar vir com eles por o acordarem tão cedo.

Sirius saiu do WC a correr, com uma toalha em volta do corpo e com a varinha na mão, a fazer a barba à pressa.

— Não acredito nisto! Todo desarranjado logo no primeiro dia. Uma vergonha enorme! Porque é que não me acordaram mais cedo?!

Peter já se tinha levantado, encontrando-se sentado na borda da cama, de olhos fechados, quase a dormir em pé. Não parecia preocupado com o facto de faltar às aulas e, como prova disso, caiu para o lado, enterrando novamente a cabeça na almofada.

James comentou com Remus o estado deprimente do manto deste e ofereceu-se para lhe emprestar um dos seus. Remus abanava a cabeça com um sorriso, recusando com gentileza. Eles já tinham feito tanto por ele; tinham feito demais. Não podia aceitar a oferta de James, mesmo sabendo que o amigo oferecia com a melhor das intenções, não por pena, mas por se preocupar com o seu bem estar.

James encolheu os ombros, olhando na direcção de Sirius, como que dizendo que tinha tentado. Ambos sabiam que Remus se sentia mal quando faziam alguma coisa por ele, não se achando digno de amor ou amizade.

Faltavam apenas quinze minutos para a primeira aula, e ainda tinham de ir tomar o pequeno-almoço. Remus e James estavam prontos. Peter ressonava no quentinho dos lençóis, dormindo profundamente. Sirius...

Bem, Sirius tentava pôr o aftershave e o desodorizante ao mesmo tempo, tentando ganhar tempo, mas sem grande sucesso. Por fim lá conseguiu, dedicando então a sua atenção ao cabelo molhado, que lhe caía sobre os ombros. Penteou-o delicadamente, durante uns cinco minutos, até que James, completamente impaciente e quase a subir pelas paredes, lhe gritou para se despachar. Sirius amarrou o cabelo num rabo de cavalo, e começou a vestir-se.

Farto de esperar pelo amigo, James, que estava com Remus à porta do dormitório, entrou e, agarrando-o no braço, arrastou-o para fora.

— Sirius, já chega! — gritou-lhe de mau humor. — O que é demais é erro.

— Hey, sabes muito bem que não gosto de andar desarranjado — respondeu-lhe Sirius, encolhendo os ombros.

Os três correram até à sala comum, Sirius a vestir-se pelo caminho, recebendo olhares divertidos de alguns alunos mais velhos, que não tinham aulas ao primeiro tempo.

Pegando no horário do quarto ano, repararam que as duas primeiras horas eram poções com os Slytherin. Fantástico! O dia estava a começar lindamente.

Saíram da torre dos Gryffindor, Remus e James liderando uns bons metros à frente de Sirius, que apertava a camisa e vestia o manto, tentando manter o passo dos amigos.

Usaram uma das passagens secretas do castelo, situada dois corredores depois do retrato da Dama Gorda, saindo mesmo em frente da entrada para a cozinha.

Sirius aproveitou o momento para endireitar a roupa e dar os últimos retoques ao cabelo, usando como espelho o vidro de uma janela. James lançou-lhe um olhar feroz; Remus riu-se, divertido. Não conheciam ninguém mais vaidoso que Sirius Black. Ele ficaria horas à frente do espelho, se os amigos deixassem.

Fazendo cócegas à pêra do retracto, entraram e foram recebidos com tanta comida que dava para um regimento. Tinham ficado amigos dos elfos domésticos da cozinha no ano anterior, quando descobriram a entrada para a mesma. Pegando num prato com torradas, um pouco de sumo e fruta, saíram novamente, prometendo voltar brevemente para conversar.

Exactamente 2 minutos e 30 segundos para o toque. Comeram pelo caminho, usando mais algumas passagens para o encurtar. Agradeceram a todos os Deuses e mais algum por conhecerem o castelo tão bem. Era impossível chegar-se da torre dos Gryffindor aos calabouços em menos de 20 minutos e eles tinham passado pela cozinha antes.

Chegaram à porta da sala exactamente 30 segundos antes das 9 horas. Ofegantes, tentaram controlar a respiração.

— Vês, James, conseguimos chegar a tempo — disse-lhe Sirius a sorrir. — Não percebo qual era a pressa toda.

James tentou lançar-lhe um olhar assassino, falhando completamente, e Remus abanou a cabeça, revirando os olhos.

Olharam em volta, reparando que já quase todos os alunos se encontravam à porta, prontos para começar o novo ano. O olhar de Sirius cruzou-se com o de Welling, que lhe lançou um beijo, piscando-lhe o olho. Ele mordeu o lábio inferior com força, tentando controlar a sua fúria.

Lily ria baixinho da provocação da amiga, enquanto que Severus e Morgan olhavam ora para uma, ora para outra, e algumas vezes para Black, tentando perceber o que raio se passava.

O professor de poções, Daniel Orpheus, Chefe da Equipa do Slytherin, um homem alto e loiro, com olhos de uma cor entre o azul-claro e o verde, possivelmente uma mistura de ambos, pôs fim a toda a conversa, abrindo a porta da sala de aula. Era um homem severo e rigoroso, mas justo, e as opiniões sobre ele dividiam-se.

Todos os alunos o seguiram para dentro da sala, em silêncio. Aquele professor era dos poucos a conseguir ter aquele efeito. Impunha um respeito enorme, com a sua expressão austera e decisões firmes, e todos sabiam que naquela aula não deviam abusar da sorte.

Julia e Lily, ainda a rirem-se baixinho de Black, seguiram para uma das mesas, pousando os livros. Foram seguidas por Severus e Morgan, que mantinham um ar confuso e que se sentaram na mesa situada à frente da das amigas.

— Importam-se de nos dizer onde está a piada? — sussurrou Severus para Lily, inclinando-se um pouco para trás.

Lily deu-lhe, rapidamente, um safanão no braço, fazendo-lhe sinal para se calar, ao mesmo tempo que lançava um olhar ao professor, com profunda admiração. Era sempre a mesma coisa! Todos as raparigas suspiravam pelo professor de Poções. E logo ele, Severus, tinha de se ver rodeado por três verdadeiras fãs.

Baixou a cabeça, olhando para o livro que tinha na sua frente, não aguentando o olhar que Lily deitava a Orpheus. Revoltava-o intensamente aquela situação, todas as suas amigas caídinhas por aquele homem bonito quando era ele que passava horas a ensinar-lhes as verdadeiras técnicas para fazer boas poções.

Irritava-o particularmente a devoção de Lily naquelas aulas, só mesmo para agradar ao Prof. Claro que isso lhe permitia estar mais tempo com ela, nas aulas extra, mas mesmo assim, era a Orpheus que ela tentava impressionar e não a ele. Não que precisasse de o fazer, ela só por si já era perfeita.

Mas não conseguia parar de sentir aquilo, aquela revolta para com o professor, que nem sequer tinha culpa do que acontecia. Ele, Severus, é que era um parvo por querer que Lily olhasse para ele da mesma forma que olhava para Daniel Orpheus. Porquê? Ele nunca o admitiria, mas tudo isto se devia aos ciúmes...

De repente, sentiu alguém tocar-lhe no ombro, chamando-o baixinho, com carinho. A sua primeira reacção ao toque foi de se afastar, de se proteger, mas depressa percebeu a familiaridade da pessoa que o tocava. Julia. Conheceria o seu toque entre todos os do universo. Ela tinha sido a primeira a provar-lhe que nem todas as pessoas são iguais, que havia esperança no mundo.

Levantou o olhar do livro, e os seus olhos imediatamente encontraram os dela. Sentiu que ela o analisava, que lhe lia a alma como se fosse um livro aberto. E era. Para Julia tudo sobre Severus era visível; dor, tristeza, solidão, desejos, sonhos...

— Já estamos a preparar a poção — disse-lhe, com um sorriso terno. — Aposto que não tinhas reparado...

Ele agradeceu-lhe naquele meio sorriso que lhe era característico, mostrando-lhe o quanto apreciava o facto dela não ter comentado o que se passava com ele. Julia encolheu ligeiramente os ombros, enquanto voltava para o lado de Lily, não dando grande importância ao que tinha feito. Ela era assim, fazia as coisas por estarem certas, não para ser agradecida ou recompensada.

Após ir buscar o material ao armário, sentou-se no seu lugar, preparando maquinalmente a poção. Sabia-as todas de cor; conseguia prepará-las todas de olhos fechados. Relembrava quando tinha sido apresentado a Julia, o quão importante ela tinha sido nos primeiros anos que estivera em Hogwarts e o quanto ainda era.

Severus suspirou desesperado, ao ver Morgan deitar pela terceira vez consecutiva a quantidade errada de asas de morcego. Voltou a deitar a poção fora e colocou o caldeirão à frente da rapariga, que não sabia o que dizer de tanta vergonha que sentia.

Desculpa, Severus... Eu... Eu... — gaguejou Morgan, quase à beira das lágrimas.

Está tudo bem, não tem problema. Hás-de aprender com os teus erros... Nem que fiquemos aqui a tarde toda! tentou consolar a amiga, não conseguindo deixar de reparar nas verdadeiras semelhanças entre ela e a irmã gémea.

Desde o primeiro dia que se tinham visto, na selecção, que pareciam não conseguir tirar os olhos de cima um do outro. Queria falar com ela, conhecê-la, poder finalmente aliviar aquela ansiedade que sentia sempre que a via.

Tinha a certeza que ela pensava o mesmo, notava-se no olhar... Quando os seus olhos o fixavam parecia vê-lo por completo, mesmo todos os seus segredos mais profundos. Sentia que havia uma ligação muito forte entre os dois, mas não tinha coragem de pedir a Morgan que os apresentasse.

Mas o seu desejo foi concedido mais depressa do que ele imaginara. Ali estava ela, na porta da sala onde se encontravam, nos calabouços, com o olhar brilhante, como sempre, o cabelo em perfeito estado de harmonia com o olhar e um sorriso de orelha a orelha, já habitual na sua face.

Os seus olhares cruzaram-se novamente e, de repente, pareceu que toda a sala tinha desaparecido... Não havia mais nada, só ele e Julia. Num universo paralelo, em que eles estavam sozinhos, cada vez mais próximos um do outro, a contemplar todos os mistérios que cada um trazia na alma.

Sem darem conta, começaram mesmo a andar em direcção um ao outro, sem se aperceberem da presença de Morgan. Esta olhava-os surpresa, admirada com o que se estava a passar entre os dois.

De repente uma rapariga exactamente igual a Julia atravessou-se na sua frente... Pensou que só poderia estar a ver mal, que só podia ser efeito de alguma coisa que tinha comido... Mas por um lado, duas Julias até nem era má ideia

Mas calma... Uma estava de verde...

Tentou focar o olhar e apercebeu-se que essa rapariga era Morgan. Os seus olhos abriram-se descomunalmente e passaram rapidamente para Julia, para se certificar de quem era quem... Aquele olhar... Sim, era mesmo Julia, de vermelho...

Abanou a cabeça para afastar da mente o pensamento de duas Julias, ao mesmo tempo que se apercebia que Morgan começara a falar... Ou seria Julia?

Mana! Finalmente estamos os três juntos! Muito bem, agora já vos posso apresentar avançou a largos passos até aos dois, já muito próximos um do outro e colocou um braço em volta de Julia. Severus, esta é a minha famosa irmã, Julia, de quem já ouviste falar imenso... Mana, este é o Severus e nem vale a pena dizer mais nada...

Severus e Julia pareceram acordar de um transe e estremeceram um pouco, como que voltando à realidade. Olharam-se meio envergonhados e, ao mesmo tempo que Severus estendia a mão para a cumprimentar, Julia inclinou-se para a frente e deu-lhe dois beijos, um em cada face. Severus corou.

Realmente, mana... Finalmente tenho a hipótese de conhecer o teu querido Severus... Muito prazer disse a sorrir para o rapaz, que continuava corado, mas ainda de olhos pregados na face de Julia.

Julia... Severus sussurrou.

Continuava a olhá-la, não conseguia tirar os olhos dos seus. Ficaram a olhar-se muito tempo, Morgan observando-os sem saber o que dizer ou fazer. Finalmente, Julia pareceu cair na realidade, lembrando-se do objectivo da sua visita. Focando a sua atenção na mochila, remexeu-a, procurando alguma coisa. Tirou de lá um livro sobre transfiguração, que Severus reconheceu como pertencente a Morgan, e virou-se para a irmã.

Esqueceste-te disto junto com as minhas coisas e as da Lily. Pensei que pudesses precisar... disse-lhe, entregando-lhe o livro.

Um grande sorriso iluminou o rosto da irmã, e esta suspirou, aliviada.

Eras tu que o tinhas? perguntou. Que bom! Pensei que o tivesse perdido ou que o tivessem roubado. Nem sabes como me sinto bem...

Julia riu-se ligeiramente, e Severus não pode deixar de reparar na beleza daquele som, que saíra tão naturalmente.

Ai mana, só não te esqueces da cabeça porque é fisicamente impossível. brincou. Então e o vosso estudo, está a ser produtivo?

Morgan grunhiu, acenando-lhe com a cabeça na direcção dos restos das tentativas falhadas para a resolução da poção.

Sou horrível, Julia! Não consigo acertar uma. E ainda só estamos a fazer as básicas, se não sei estas nunca terei hipótese com as outras.

Disparate! gritou-lhe logo Severus. Não precisas dramatizar. Tenho a certeza que com mais um pouco de treino consegues realizá-las sem qualquer problema.

Julia deu umas palmadinhas no ombro da irmã, virando-se em seguida para ele.

Se o talento dela para Poções for tão grande como o meu, desejo-te muita paciência. Vais precisar. Se compensar às outras, talvez a minha média não note grande diferença.

Severus olhou-a de uma forma estranha, tentando ganhar coragem para sugerir aquilo que poderia vir a ser o seu melhor sonho tornado realidade. Passar tempo com Julia. Sozinhos, de preferência.

Se quiseres... disse, indeciso. posso dar-te explicações. Percebo um pouco de Poções, nem é nada complicado.

Um pouco!! Morgan interrompeu-o. È um ultraje dizeres isso assim, Severus. Aposto que sabes mais que os do quinto ano, mais, quem sabe.

Julia sorriu-lhe outra vez, aquele sorriso que lhe era tão característico quando olhava para ele, que ele sentia-se tentado a designá-lo seu.

Não te importas? Eu ia adorar. E fazia-me tanto jeito...

Claro que não me importo. Se importasse não tinha perguntado. Podes vir com a Morgan, assim explico-vos às duas. Não é incomodo nenhum.

Perfeito! Julia exclamou. — Bem mana, já estou muitíssimo atrasada. Vemo-nos depois. Até à próxima, Sev...

Voltou-se e correu para fora da sala, parando para sorrir mais uma vez para Severus. Tantos sorrisos em tão pouco tempo, estava-se a tornar mesmo um hábito. Ele limitou-se a vê-la partir, ali, parado no meio da sala, observando por fim a sombra dela desaparecer por completo do seu ângulo de visão.

Ela chamara-o Sev...

Nunca ninguém o tinha chamado assim, de forma tão carinhosa. Sentiu uma alegria imensa no peito, algo que não conseguia explicar. Nunca tinha pensado ser possível sentir-se assim tão feliz, livre de preocupações, como se a vida valesse mesmo a pena ser vivida. Mas, naquele momento, todas as dúvidas que tinha foram esquecidas.

Julia aceitara ser ensinada por ele; ia passar a vê-la todas as tardes. Isso era a única coisa que importava. Com este pensamento, voltou-se para Morgan, determinado em fazê-la terminar a poção.

— Severus, cuidado!! — ouviu alguém gritar de repente.

Olhando para a poção que estava a preparar, reparou que estava quase a adicionar as pernas de rã, que provocariam uma enorme explosão se fossem colocadas antes do sangue de dragão.

Levantou a cabeça, e o seu olhar cruzou-se novamente com o de Julia. Os seus lábios formaram um "obrigado" silencioso e voltou novamente a atenção para a poção, prometendo a si próprio que não se iria distrair novamente.

Ao lado de Julia, Lily observava Severus pelo canto do olho. Estava muito preocupada com ele. Desde o início da aula que estava distante, perdido no seu mundo, para o qual ninguém tinha a chave, tirando talvez Julia, que parecia saber tudo o que se passava com ele e todos os seus pensamentos.

Não conseguia deixar de ter ciúmes daquela intimidade que eles partilhavam, daquela compreensão mútua que se estabelecera entre os dois. Não conseguia explicar porquê; sabia que devia ficar feliz por Severus ter alguém que conhecia todos os seus segredos e que estava disposta a fazer tudo por ele.

Mas, uma parte de si, desejava secretamente ser essa pessoa. Não percebia porquê. Sabia que apenas gostava de Severus como amigo; sabia que para ele ela era perfeita.

Mas havia qualquer coisa misteriosa em Severus, qualquer coisa que o tornava diferente de todos os outros rapazes, e Lily ansiava por conhecer aquela alma doce e solitária por completo.

Sabia que estava a ser egoísta, que se se aproximasse dele apenas o iria magoar, porque não correspondia ao que ele sentia, mas ansiava por se entregar a ele, por se esconder nos seus braços e esperar que ele a protegesse de todo o mal que a perseguia...

Deu o toque para a segunda hora, e Lily pareceu finalmente cair em si. Não se podia distrair assim, principalmente em Poções. Que vergonha!! Voltou a concentrar-se na poção à sua frente, tentando esquecer o que se passava à sua volta.

Foi então que a porta se abriu com um estrondo, e Pettigrew caiu para dentro da sala. Imediatamente todos os alunos se voltaram para ver o que se passara. Alguns riram às gargalhadas; outros simplesmente abanaram à cabeça e voltaram para a poção que estavam a realizar. Peter Pettigrew era, provavelmente, o aluno mais desastrado da escola; as suas quedas já não eram novidade para ninguém.

Orpheus, que se encontrava a supervisionar a poção de Morgan, como fazia em todas as aulas desde o acidente do balão explosivo, voltou o olhar para o resto da turma.

— Isto é que é um entrar cheio de classe... Bons olhos o vejam, Mr Pettigrew... Vejo que continua na mesma...

Peter levanta-se, ainda meio ensonado e com a cara corada de embaraço. O professor lançou-lhe um olhar severo, e abanou a cabeça. Não havia nada a fazer com aquele rapaz.

— Desculpe professor — disse em voz baixa, fitando os pés. — Adormeci. Não vai tornar a acontecer.

— Para teu bem, é bom que não volte a acontecer — o olhar dele, voltou-se para o quadro. — As instruções para a poção estão no quadro. Pode começar. No final, espero um resultado satisfatório. Ah, e 20 pontos a menos para os Gryffindor.

Todos os Gryffindor lançaram olhares de ódio a Pettigrew e ele foi sentar-se, cabisbaixo, ao lado de Remus, que o olhou com simpatia, dando-lhe uma palmadinha no ombro. Resultado satisfatório, realmente, Lily pensou divertida. Dizer que Peter era péssimo a poções era um grande eufemismo.

Todos se voltaram a concentrar nas suas poções, mas para ela a aula parecia infindável. Levantou a cabeça para observar a sala, que estava cheia de caldeirões fumegantes com poções de todo o tipo de cores, cheiros e espessuras. Era uma poção com um grau de dificuldade acima da média, sendo possivelmente a mais complicada que jamais tinham realizado numa aula.

Altura de acrescentar mais um componente. A poção de Lily tornou-se preta, muito próxima do azul escuro que era suposto ficar, e ela deu-se por satisfeita. Olhando para todas as outras, verificou que a de Julia tinha uma cor muito próxima à sua, a de Morgan estava azul clara, e só a de Severus possuía a cor perfeita. Ele era mesmo um mestre em poções.

Claro que ela sabia que só conseguia ter um resultado tão bom a poções por causa de Severus; as aulas extras que ele lhe dava, juntamente com Julia e Morgan, eram a razão pela qual ela conseguia realizar as poções quase perfeitamente.

Os outros alunos não tinham tanta sorte. A sala de aula parecia um arco-íris, repleta de cores que iam desde o verde alface ao rosa florescente. À medida em que se acrescentava os ingredientes, as cores iam ficando cada vez mais vivas, os cheiros mais intensos. Só alguém com algum talento a poções saberia qual o ingrediente que anularia os efeitos dos outros e conseguiria assim, tentar consertar a poção.

Duas mesas à frente de Lily, Black acabara de adicionar a garra de morsa e agora a sua poção borbulhava, deitando um cheiro intenso a vomitado. Ele levou imediatamente a mão aos olhos, que ficaram muito vermelhos e inchados em segundos. Todos tinham parado para observar Sirius. Ele saltitava ora num pé, ora no outro, lágrimas a escorrem-lhe a fio pela cara abaixo.

O professor pareceu alarmado. Estava sempre ocupado demais a observar Morgan, nunca notava o que se passava com os outros alunos. Ela estava na sua lista negra.

Ao lado de Sirius, James observou a sua poção mudar de vermelho-sangue para cinzento-escuro, e começou de imediato a soluçar. Por mais que tentasse, não conseguia parar, e a classe inteira estava indecisa entre rir-se às gargalhadas, ou preocupar-se com a poção que estavam a fazer. No fim, a vontade de se rirem foi mais forte, e gargalhadas sonoras podiam ouvir-se nos corredores dos calabouços.

— Miss Welling, leve os seus companheiros de equipa à enfermaria... — ordenou o professor com voz grave. — É uma pena que as lesões não sejam mais graves. Assim talvez aprendessem a lição...

— Mas professor — tentou desculpar-se Julia. — A minha poção...

— Já está terminada, e tenho a certeza que a sua companheira de carteira terá o maior prazer em enfrascá-la por si e limpar o seu caldeirão, não é verdade miss Evans?

— Sim, senhor — Lily respondeu em voz baixa.

Entretanto, os soluços de James passaram. Sirius, pelo contrário, parecia cada vez pior. O seu estado era lastimoso. Agora tinha a cara tão inchada. que era praticamente impossível reconhecer-se quem era.

Julia suspirou, e vendo que Potter já não precisava de cuidados médicos, aproximou-se de Black. Ajudando-o a caminhar, arrastou-o até à porta. Quanto mais depressa se visse livre dele, melhor. Ele não estava em condições de protestar, não podendo fazer nada senão tentar acompanhá-la.

Lily observou a saída dos dois com um sorriso. Julia nunca iria mudar. Ainda bem, pensou. Após colocar a poção dela no frasco, e escrever o nome e a data no rótulo, começou a limpar o caldeirão da amiga. A sua poção ainda demorava mais alguns minutos.

De repente, lembrou-se de Morgan. As aulas de poções eram sempre um verdadeiro pesadelo para ela; o professor estava sempre sem cima dela, literalmente. Desde o incidente com Black no primeiro ano que ele a tinha sempre debaixo de olho, com medo que ela fosse provocar mais alguma catástrofe. Quem visse, não acreditaria que ela era Slytherin.

Morgan tremia. A sua poção estava azul claro; ela nunca se conseguia concentrar devidamente com o professor a respirar para o seu pescoço. Tinha-lhe um medo terrível, não conseguia compreender a admiração que todas as raparigas de todas as casas sentiam por ele. Sim, ele era um pão, mas isso não fazia com que fosse menos assustador.

Lily resolveu ajudá-la. Apenas precisava de uma desculpa; alguma razão para o chamar. Humm... A poção. Preto em vez de azul-escuro. Teria que servir.

— Professor? — chamou.

Ele levantou os olhos da poção de Morgan e levantou a sobrancelha, encorajando-a a continuar. Era especialmente atencioso para alunos aplicados e com algum talento.

— Podia chegar aqui, um momento?

Daniel pareceu espantado. Lily era, afinal, uma das suas melhores alunas. Deixou Welling por instantes; a rapariga não teria tempo de aprontar alguma em tão pouco tempo, certo?

Não tinha a certeza. Na última vez tinha demorado meses a limpar a sala de aula; anos depois, ainda não se encontrava como era antes. Mas não podia negar um pedido de ajuda de um aluno, principalmente de alguém tão aplicado e estudioso como Lily Evans.

Severus, tentando ajudar Morgan, ia acrescentando vários componentes à poção. O azul-claro tornou-se azul marinho, uma das cores possíveis para a poção. Morgan lançou-lhe um sorriso agradecido que ele retribuiu.

Entretanto, o professor voltava. Olhou a poção e voltou os olhos ora para Morgan ora para Severus, mostrando-lhes que sabia o que se tinha passado, mas não disse nada.

Tocou para o final da aula; os alunos limparam os caldeirões e saíram da sala. Lily aproximou-se de Morgan e Severus e juntos saíram da sala. Caminharam lentamente, prolongando o momento até à separação. Lily contava a cena entre Julia e Black; os outros dois mal conseguiam conter as lágrimas.

Antes de darem por isso, já estavam na entrada para os calabouços, onde tinham que se separar. Combinaram encontrar-se mais tarde na biblioteca e afastaram-se, Lily para a sala de Encantamentos e os outros dois para Defesa Contra as Artes das Trevas.


Sirius estava no céu. Sim, só podia ser isso. Sentia-se a flutuar; não sabia o que tinha acontecido. A última coisa de que se lembrava era da aula de poções, tudo o resto estava desfocado.

Sabia que tinha desmaiado à saída da sala; a dor tinha ficado impossível de suportar. Agora apenas sentia a cara inchada; devia parecer um monstro. Quase sorriu da ironia. Sirius Black desfigurado. A escola iria realmente divertir-se às suas custas.

Abriu os olhos devagar, não querendo acordar daquele sonho. Não se atreveu a mexer-se; permaneceu imóvel, sentindo-se ser carregado por alguém. Ouviu murmúrios: "Estúpido... Fez de propósito, aposto! Ai, ele vai ver... Só existe para tornar a minha vida num inferno..." Welling... Julia. Era ela que o carregava, como um fardo, um peso.

Durante instantes, não soube o que fazer. Indeciso entre fechar os olhos outra vez e continuar a sonhar, continuar a ser transportado pelo corpo quente e macio de Julia, ou protestar, defender a sua honra, mostrar-lhe que tinha sido um acidente e que ele estava inocente. Como se atrevia ela a duvidar?

Sentiu a raiva que se apoderara dele na noite anterior reaparecer. Não conseguia suportar a ideia de ser ajudado por ela, não quando ela apenas o fazia por ordens do professor. Não sabia a razão da sua obsessão por Julia; era como se alguma coisa o atraísse para ela, como íman atraí o ferro.

Desde o primeira dia em que se tinham visto, na altura da selecção, que ficara fascinado por ela. Por aqueles olhos castanhos, cor de chocolate, que possuíam um brilhozinho de rebeldia (tão diferentes dos da irmã!), aquele cabelo castanho-claro que reluzia ao sol, o sorriso que dava toda a gente, sem descriminações...

Abanou a cabeça ligeiramente, tentando afastar aqueles pensamentos. Julia Welling odiava Sirius Black. Sirius Black odiava Julia Welling. Não havia nada a fazer, nada podia mudar esse sentimento.

A culpa era sua, ele sabia disso. Tinha iniciado a luta de pranks entre os dois grupos. Tinha começado aquela guerra infernal, e uma parte de si ainda se orgulhava disso. Tinha atirado a amizade de Julia pela janela fora, tudo por causa de uma estúpida rivalidade entre Gryffindors e Slytherins.

Ainda tinha bem presente na memória o momento em que tinham começado a falar, logo na primeira noite. Tornaram-se amigos rapidamente, sentiam-se bem um com o outro. E nos dias que se seguiram, ainda se tinham aproximado mais...

A sala comum dos Gryffindor estava deserta. O único sinal de luz era o fogo que crepitava na lareira, transmitindo calor e aquecendo a torre. Sirius desceu as escadas do dormitório e sentou-se num dos sofás mais próximo das chamas. Era a sua primeira noite em Hogwarts, a primeira de entre as muitas da sua jornada na escola de Magia e Feitiçaria.

Sentia-se numa excitação tremenda; o dia tinha voado e ele mal dera por isso. Estava finalmente em Hogwarts, com James, um sonho tornado realidade. Juntos na mesma equipa, no mesmo dormitório, frequentariam as mesmas aulas. James era o irmão que ele sempre desejara ter e os próximos anos prometiam ser os melhores da vida dele.

Tinha também conhecido Remus; muito calado e tímido, parecia tão frágil e tão sozinho que Sirius sentia uma grande vontade de ser seu amigo, de o confortar nos momentos difíceis, de lhe mostrar que a vida não era tão cruel como aqueles olhos cor de avelã pareciam pensar.

Havia também a gémea... Julia. Possuía qualquer coisa misteriosa, algo que o fazia dizer a primeira coisa que lhe vinha à cabeça, e que normalmente era completamente ridícula. Sentia necessidade de se exibir perante ela, de mostrar tudo aquilo que era e mesmo o que não era...

Sorriu ligeiramente, lembrando-se das palavras de James. Mal tinham subido para o dormitório, ele tinha-o encostado à parede, fazendo-lhe montes de perguntas. James estava sempre atento a tudo à sua volta, e, obviamente, notara o seu nervosismo e vontade de agradar. Mais ninguém notara; decerto pensavam que ele era mais um menino mimado à procura atenção.

Subitamente, ouviu uma porta a abrir-se, alguém a sair de um dormitório, a porta a fechar-se outra vez, passos no corredor, movimento nas escadas... Desviou o olhar das chamas, voltando-se na direcção do ruído. Ao fundo das escadas, vestindo um pijama amarelo claro com ursinhos vermelhos e cinzentos, e de livro na mão estava... Julia, em toda a sua glória. O cabelo comprido estava preso em rabo de cavalo; os pés descalços.

Quando o viu, Julia parou.

Oh.. Não sabia que estavas aqui... Hum... Posso ir embora, se quiseres...

Sirius atarantado, levantou-se de um salto, gritando muito depressa "Não!!". Depois, apercebendo-se de como tinha reagido, corou, olhou para o chão e múmurou: — Podes ficar, se quiseres...

Julia abanou a cabeça, sorrindo ligeiramente do seu embaraço.

Não te importas? Se quiseres ficar sozinho eu posso ir embora — perguntou-lhe.

Sirius respirou fundo, concentrado em não fazer figura de estúpido. Aproximou-se dela lentamente, tomou-lhe uma das mãos e puxou-a para um dos sofás. Espantada, ela não teve tempo de reagir, deixando-se levar até perto do fogo. Sentaram-se muito perto um do outro, em silêncio, contemplando as chamas.

Minutos passaram.

Não conseguia dormir — disse-lhe Sirius subitamente, em voz baixa. — Isto é tudo tão fantástico, mal consigo acreditar que estou aqui. Desde criança que não penso noutra coisa e, mesmo agora, receio que seja tudo um sonho, e tenho medo de acordar...

Bem, Sirius Black — ela respondeu-lhe, em tom de brincadeira. — Se quiseres, posso-te beliscar...

Ele levantou a cabeça e olhou-a com um sorriso maroto nos lábios.

Nahh... Acho que prefiro continuar na ignorância, muito obrigado.

E a partir dali foi tudo tão simples, as palavras pareciam sair naturalmente, formando frases tão coerentes e verdadeiras que Sirius esqueceu a razão do seu nervosismo inicial e começou a ver Julia de uma forma diferente.

Naquela noite, quando se despediram, combinaram encontrar-se novamente na noite seguinte, e assim aconteceu...

Julia, alheia a estes pensamentos, continuava a caminhar na direcção da enfermaria. O corpo de Black, apesar de estar sob o efeito de um feitiço, começava a pesar-lhe sobre as costas. Que vontade de o deixar aqui..., pensava. Mas não o podia fazer.

Tinha medo de piorar ainda mais a situação entre os dois, não queria chegar ao ponto em que já não se pudessem ver à frente. Apesar de todas as suas discussões, de todas as diferenças, Julia continuava com esperanças de recuperar a velha amizade que os ligara outrora. Não que fosse dar o braço a torcer! Nunca na sua vida deixaria que Sirius Black passasse à sua frente!

De qualquer maneira, tinha de encarar aquilo como uma obrigação. O professor Orpheus tinha-lhe pedido para levar Black à enfermaria e era isso que iria fazer. Tudo o que precisava era fazer de conta que não era Sirius Black que estava ás suas costas, mas sim outra pessoa qualquer... Sim, era uma óptima ideia! Outra pessoa... Severus! Ele estava magoado e tinha de o levar rapidamente até à Madame Pomfrey.

Auto-convencendo-se de que era Severus que carregava, assustou-se quando olhou para trás, ao sentir movimento, e deparou com os olhos azuis de Black profundamente imersos nos seus.

Sentindo-se invadir por uma súbita raiva, parou no meio do corredor e atirou-o, literalmente, para o chão. Como o corpo dele estava mais leve devido ao feitiço a que estava sujeito, Sirius não se magoou muito, levantando-se de imediato, ainda com os olhos inchados e vermelhos.

Ficaram parados durante uns tempos, a olharem-se nos olhos, a fúria a borbulhar no seu interior, prestes a explodir. Foi Julia quem começou primeiro, disparatando por tudo e por nada, sem se conseguir controlar.

— Eu não acredito nisto!! Tu és impossível! Tiveste este tempo todo acordado, a gozar com a minha cara, e eu feita estúpida a levar-te com todos os cuidados até à enfermaria!! Eu devo ser mesmo idiota! Como é que me pude rebaixar tanto?!!!

— Xiii... Ouve lá, fala baixo... disse Sirius, numa voz sussurrada, levando as mãos à cabeça. Parece uma galinha, não se cala... Irra...

— Eu não posso acreditar no que estou a ouvir! Sempre que abres a boca só pioras a situação! Que perda de tempo! Nem sei para que me dou ao trabalho de falar contigo! Estás cada vez pior!

— Oh pá... Não queres falar, não fales. Até fazes melhor em não falar. Só me dás dores de cabeça.

Julia, decididamente, estava escandalizada com Sirius. Ela esforçava-se por pôr as diferenças à parte, mas ele ainda piorava mais a situação! Como é que tinham chegado àquele ponto?

— Sirius Black... Tu vais-te calar agora mesmo, antes que essa tua cara fique ainda mais nojenta!

Sirius ficou logo alarmado. O primeiro pensamento que teve foi de se ver a um espelho e de se esconder antes que alguém o visse naquele estado. Mas depois começou a pensar no que Julia tinha dito.

De certa forma, nenhum dos dois tinha razão. Ele não tinha fingido, tinha mesmo desmaiado. Mas ela tinha razão num ponto, ele piorava cada vez mais a situação dos dois. Não que fizesse de propósito. Mas a vontade de desafiar e não admitir que lhe passassem à frente era maior.

— É melhor ires para a aula, Welling... Eu cá me arranjo...

— É óbvio que vou para a aula! Era o que mais me faltava, ter de te acompanhar à enfermaria depois de tudo o que me disseste!

E com isto, virou-lhe costas e dirigiu-se, ainda a resmungar entre dentes, para a sala de Encantamentos, no segundo andar.

Sirius ficou para trás, mantendo um olhar indiferente, mas maldizendo-se por dentro, por ser tão casmurro. Detestava ter de fazer aquilo a Julia, mas já não havia maneira de voltar atrás. Era muito tarde. E mesmo que quisesse voltar atrás, Julia nunca aceitaria. Ela detestava-o, vira-o nos seus olhos.

Encolheu os ombros, convencendo-se a si próprio que aquele problema não se resolveria apenas por pensar nele, e continuou o caminho até à enfermaria, já no corredor seguinte.


Já passava das 18h45 e Sirius ainda não tinha regressado da enfermaria. Tinha passado lá o dia todo, e James já começava a ficar preocupado, sem conseguir ter informações sobre o amigo.

Remus tentava constantemente assegurar-lhe que o amigo estava óptimo, que a Madame Pomfrey conseguia curar tudo e todos, que daí a pouco Sirius entraria pela porta do dormitório, ou pelo salão adentro, com um sorriso de orelha a orelha, como habitual.

Já fartos de esperar e sabendo que não podiam chegar atrasados ao jantar, começaram a descer, Remus e Peter sempre a tentar consolar James, que caminhava cabisbaixo.

Durante todo o jantar, James não tirou os olhos da porta, mal tocando na comida. Sentia a sua preocupação aumentar cada vez mais, uma inquietação enorme, um aperto na barriga. Talvez não tivesse motivos para se sentir assim, mas o facto é que não conseguia deixar de se perguntar porque é que Sirius se estaria a demorar tanto. O ferimento dele não parecia grave, decerto que se curaria em pouco tempo. Portanto não percebia a ausência de Sirius ao longo do dia todo.

Remus e Peter trocavam olhares inquietos também, porque começavam a impacientar-se. Realmente, Sirius já devia ter chegado. E se a preocupação de James sempre tivesse fundamento?

O jantar acabou e todos recolheram aos seus dormitórios. Quando chegaram ao seu quarto, James foi directamente à sua mala, abriu-a e tirou o manto da invisibilidade.

— Vou até à enfermaria... Já passou muito tempo! Deve ter acontecido alguma coisa!

Remus suspirou, já não sabia o que dizer. Era verdade que não era normal, mas também não deviam preocupar-se assim, sem motivos. Se tivesse acontecido alguma coisa grave, já lhes teriam comunicado. Bem... Pensando bem, tinha sido a Welling, a Julia, que o tinha levado à enfermaria... E se ela lhe tivesse feito alguma coisa? Lançado um feitiço que o pusesse num estado ainda pior?

— Sim, também estás a pensar na Julia... Meu deus, não imagino o que se terá passado entre eles. Cá para mim, foi ela que aprontou alguma... — sussurrou James.

Já tinha pensado naquela hipótese, sim. Mas não queria admitir que Julia fosse capaz de fazer algo, naquela situação. Sirius estava indefeso, e por muito que ela o detestasse, saberia conter-se e respeitá-lo.

De repente ouviu-se um estrondo enorme, fora do quarto, nas escadas. Os três correram para a porta, abrindo-a rapidamente e deparando com um Sirius todo sorridente, a acenar lá para baixo.

— Está tudo bem, meninas... Foi uma pequena distracção, tinha-me esquecido deste degrau... Sabem como é... A memória falha às vezes... — dizia ele, com um sorriso de orelha a orelha e a piscar o olho.

Mas mal se virou, os amigos repararam que algo não estava bem. Sirius tentava conter as lágrimas ao máximo custo. Caminhou cheio de estilo até dentro do quarto, atirou-se para cima da cama e soltou um gemido.

— Auuuuuu..... — disse, agarrado ao tornozelo.

Os amigos partiram-se a rir, aliviados. Sirius estava de volta.

James correu para a cama, sentou-se nela e atirou o manto à cabeça de Sirius. Remus entrou dentro do quarto, deixando Peter no corredor, ainda a acenar às raparigas do andar inferior. Só mesmo Peter para se aproveitar do momento...

— Então rapaz? Conta-nos lá o que se passou? Isto são horas de chegar? — perguntou James, curioso.

Sirius respirou fundo e sentou-se na cama, endireitando as costas... Já estava farto de estar deitado, doía-lhe o corpo todo, estava cheio de fome... Se tivesse sorte, James teria qualquer coisa para ele comer.

— Bem... Na verdade, a Madame Pomfrey disse que eu podia sair logo no fim da manhã...

James abriu a boca, incrédulo. O que é que lhe teria levado tanto tempo a chegar à sala comum?? Se ele já tinha saído ao fim da manhã...

— Só que... Ao ver-me ao espelho, cheguei à conclusão que não poderia sair da enfermaria naquele estado! Se vocês me vissem... Cristo...! Estava cheio de ligaduras, a minha cara estava feita num bolo! Já imaginaram o estado em que ficaria a minha reputação depois disto? Que vergonha... Preferi ficar lá até poder tirar aquelas ligaduras todas e estar 100% restabelecido.

Remus até deixou cair o livro que tinha ido buscar, de tanto se rir.

— Isto não me está a acontecer! Eu aqui a morrer de preocupação e o menino todo preocupado com o visual! Sirius Black, tu matas-me!!!!

Sirius tentava-se proteger da melhor forma que podia, resmungando entre dentes que ainda estava debilitado, para terem dó dele, que não tinha tido culpa. Pegou na almofada e ficou muito sério de repente, fitando o branco da fronha com um ar pensativo.

— Que se passa, Sirius? — perguntou James, de novo com um ar preocupado.

— Bem... Esta manhã... Tive uma discussão com aquela Welling outra vez... O raio da miúda não desiste...

James desviou o olhar para Remus, trocando um aceno cúmplice. Por muito que Sirius tentasse disfarçar, eles sabiam muito bem que Julia lhe tocava bem fundo no coração.

— O que aconteceu? – quis saber James, sentando-se ao lado de Sirius, na cama.

— Oh... Nada de mais, a sério. É ela que é uma parva, pensa que eu faço sempre as coisas todas de propósito, tá sempre a acusar-me de tudo...

James sorriu um pouco. Sirius Black, preocupado com o que Julia Welling tem para dizer contra ele. Wow.... O ferimento devia ter chegado ao cérebro...

Peter encolheu os ombros com um ar nada surpreso.

— Ora, qual é a novidade? Isso é o pão nosso de cada dia...

Remus pigarreou e aproximou-se dos amigos, com um olhar malicioso. Realmente aquela situação não era nada normal, Sirius a demonstrar assim tão abertamente os seus sentimentos em relação a Julia?? Nahhh, algo estava errado...

— Sirius, meu amigo... Só tenho uma coisa a dizer... Quem desdenha quer comprar... — Remus tentou manter um ar sério ao dizer isto, mas teve de fugir imediatamente ao ser atingido com uma almofada na cabeça.

— Eu vou fazer de conta que não ouvi isto, Remus!! Para teu bem!!!! — gritou Sirius com os olhos fora de órbita, as veias do pescoço proeminentes.

James só se ria, não conseguindo conter as lágrimas. Até já estava a ficar com dores de barriga. Quando olhou para Peter, então, ainda lhe apeteceu rir mais. O pobre rapaz olhava de uns para os outros, com um olhar confuso. Certamente não tinha percebido a boca.

Sirius deitou-se, amuado, e passadosan uns tempos cada um foi para a cama, apagando as luzes. Apesar de ainda ligeiramente chateado, Sirius não pôde deixar de pensar que Remus tinha razão. Por muito que negasse, Julia mexia com ele.

Arghhhh, porquê a Julia??? No meio de tanta mulher, tinha logo de ser aquela rapariga!!!!

E com este pensamento, fechou os olhos e preparou-se para uma bela noite de sono, ainda com o estômago a fazer barulhos esquisitos, da fome que tinha.