Capítulo 3
Um dia de Doidos

Segunda-feira, 9 de Setembro de 1974. Uma semana havia passado desde a chegada dos alunos a Hogwarts para mais um ano escolar, e, lentamente, a rotina começava a instalar-se.

Os alunos do 4º Ano, especialmente Slytherins e Gryffindors, estavam ansiosos por qualquer pretexto para armarem confusão. Depois daquela primeira aula fora do normal de Poções, todas as outras lhes pareciam demasiado monótonas e alguns Gryffindors, especialmente um certo Sirius Black, estavam praticamente a subir pelas paredes.

Tinha passado o resto do primeiro dia fechado na enfermaria e, na manhã seguinte, ainda todo dorido, tinha sofrido mais uma humilhação por parte de Julia Welling. Os professores, esses estavam cada vez piores.

A McGonagall tinha-lhe dado um sermão enorme, simplesmente porque se esquecera de fazer o trabalho de casa, e a professora de Herbologia parecia ter engolido a enciclopédia. O Binns, esse pelo menos nunca mudava. Até os primeiros anos sabiam que era uma boa altura para porem o sono em dia.

A tarde fora passada a planear a vingança e a jogar Exploding Snap com James. Mas, tudo o que é bom acaba sempre depressa demais e, quando deu por ela, já era quarta-feira. Encantamentos até tinha passado relativamente rápido mas Defesa tinha sido um pesadelo. Desde o 1º Ano que o professor não o podia ver à frente e, naturalmente, sempre que podia fazia-lhe a vida num inferno.

Adivinhação tinha sido, de longe, a mais divertida de sempre. Ele e James tinham passado as férias de Verão a pensar em acidentes e mortes desastrosas para "preverem" o futuro de cada um deles, como a professora tinha mandado para trabalho de casa e quando leram o seu trabalho na aula Trelawney tinha ficado muito comovida. Com lágrimas nos olhos, tinha-lhes dito que era preciso muita coragem para aceitar um futuro cheio de tragédia e dor e, depois de lhes ter dado um grande abraço, deixara-os sair uma hora mais cedo.

A tarde fora novamente dedicada à diversão. Enquanto Remus fazia o trabalho para Defesa ("Depois, quando ele tirar meia dúzia de pontos aos Gryffindor, vais-te arrepender de não os teres feito a horas."), ele e James tinham montado nas vassouras e jogado Quidditch um-contra-um.

Tinham chegado super cansados à aula de Astronomia e, azar dos azares, acabaram por adormecer enquanto observavam Marte e a posição dos planetas do sistema solar. Escusado será dizer que, no final da aula, a professora estava praticamente a fumegar.

Sirius, sempre charmoso, ficara para o fim à saída dos alunos e, pedindo desculpa, lançara-lhe um brilhante sorriso. Depois, olhando para o céu, murmurara: "Sirius está menos brilhante esta noite...". A professora Sinistra abanou a cabeça com ternura. Todos sabiam que Sirius era o seu aluno predilecto, talvez por ter o nome de uma estrela. "Então Sirius devia ir dormir. Tenho a certeza que o brilho voltará após uma boa noite de sono..."

História na quinta-feira tinha sido... História. Fazia um aluno perguntar-se porque raio é que ainda ninguém se tinha lembrado de exterminar os duendes e acabar de vez com tanto sofrimento. Três anos a ouvir falar neles e nas suas estúpidas guerras era o suficiente para levar qualquer aluno à loucura.

Quinta-feira revelara-se então a tortura da semana. História, Poções e Herbologia. Sirius bem tinha tentado fazer explodir a sua poção novamente, mas sem grande sucesso. Depois, bem se esforçara para tropeçar nas escadas, mas havia sempre alguém que o segurava. Herbologia acabou mesmo por esturricar lhe os poucos neurónios que se dedicavam ao estudo.

Sexta-feira!! Sirius teria dado graças a Gryffindor, se a sua primeira aula do dia não fosse Defesa Contra as Artes Negras. Assim sendo, Remus estivera certo, e Sirius perdeu mais uns 20 pontos para Gryffindor. Mas em Transfiguração as coisas começaram finalmente a correr bem. Sendo a sua melhor disciplina, não precisava de estudar e a Professora McGonagall sempre tivera um fraquinho por ele, o que fazia com fosse o melhor aluno da turma, juntamente com James.

Finalmente a semana aproximava-se do fim. Cuidados Com As Criaturas Mágicas mostrara-se fascinante, e fora uma das poucas aulas que ele não queria que acabasse. À noite, voltaram a ter Astronomia, a última aula da semana. Desta vez, não querendo zangar a professora, mantivera-se sempre atento, ganhando alguns sorrisos e pontos para os Gryffindor. No céu, Sirius voltava a brilhar.

O fim-de-semana passara sem ele dar por isso. Entre dormir até tarde, almoçarem na cozinha na hora do lanche e passarem o resto da tarde no dormitório com os livros sobre as Transformações em Animagus, quando deu por ela, já era outra vez segunda-feira. Mas, para Sirius, esta não iria ser uma segunda como as outras. Finalmente iria vingar-se de Julia Welling.


O dia amanheceu claro e sem nuvens, como no Verão. O sol entrava pela janela do dormitório, iluminando a cara de um dos seus ocupantes. James mexeu-se, espreguiçou e abriu os olhos lentamente, um de cada vez.

Demorou alguns segundos a focar a visão, reparando imediatamente em Remus, que dormia profundamente na cama em frente da sua. Ao lado deste, também todo enrolado no quentinho dos lençóis e ressonando relativamente alto, estava Peter. James sorriu para consigo e voltou o olhar para a cama do melhor amigo. Sirius estava...

Acordado.

Pasmado, James olhou para o relógio, esfregou os olhos, olhou para o relógio novamente e beliscou-se. Só podia estar a sonhar. 7h da manhã. Talvez o relógio estivesse atrasado, e já fosse mais tarde. Sim, só podia ser isso. Sirius acordara, apoderara-se da casa-de-banho para poder tomar o seu banho de 30 minutos descansado, e depois viria acordá-los, pedindo mil desculpas por ser tão tarde.

Concentrando-se, podia ouvir a água do chuveiro a cair, e Sirius a cantar no duche. A cantar??!! Mas que raio... Será que ele bateu com a cabeça em algum lado enquanto dormia?, pensou, sem conseguir acreditar no absurdo de toda aquela situação.

Sentou-se e, empurrando os cobertores para os pés da cama, preparou-se para se levantar. O barulho da água do chuveiro deixara de se ouvir e, segundos depois, Sirius, assobiando, entrou no quarto enrolado numa toalha.

Quando o viu, um grande sorriso iluminou-lhe o rosto, e ele dirigiu-se ao armário, tirou as roupas que ia vestir, e aproximou-se da cama do amigo, sentando-se. James limitou-se a olhar para ele, pasmado.

— Jamiee!! Bom dia! Está um lindo dia, não achas? — perguntou-lhe enquanto se vestia. — Vá, toca a levantar porque hoje não podemos chegar atrasados a nenhuma aula, e estou mortinho por começar este dia maravilhoso.

James, ainda de boca aberta e cada vez mais confuso, olhou-o horrorizado. Tinha acontecido alguma coisa muito grave ao seu grande amigo de infância, era a única explicação. Algo de muito sério se passara durante a noite.

— Siri?? Estás bem? Acho melhor irmos à enfermaria... — disse muito lentamente, como quem fala para uma criança pequena. — Até faltarias a Poções, lembras-te? A aula que temos logo as 9h da manhã de segunda-feira com os Slytherin a quem desprezas completamente.

Agora era a vez de Sirius parecer confuso.

— Porque é que eu iria querer faltar a Poções? Além disso, sinto-me muito bem. Hoje vai ser, de facto, um dos melhores dias da minha vida.

— Mas Sirius... Tu não estás... Quer dizer... Sentes-te mesmo bem?

— James, deixa-te de coisas e levanta-te. Irra que há dias em que não te entendo. — levantou-se, e caminhou novamente para a casa-de-banho, parando na porta. —Acorda o Remus, sim? Ainda tenho centenas de coisas para aprontar...

Dito isto, deu meia volta e entrou no WC, deixando James a olhar para a porta com uma expressão aparvalhada. Sirius voltou às cantorias e James abanou a cabeça, tentando focar os pensamentos. Levantou-se e dirigiu-se até à cama de Remus, que ainda dormia.

— Remus... Remus acorda — chamou enquanto abanava o amigo. — O Sirius não está bem, não sei o que se passa...

Remus levantou-se num salto, acordando imediatamente.

— O quê? — perguntou com voz ainda ensonada. — O que é que aconteceu? Ele ontem estava bem...

— Não sei Remus, não sei mesmo. Ele está muito estranho — James começou a andar de um lado para o outro no meio do quarto, hábito que tinha quando estava muito nervoso.

— Mas onde está ele? — O olhar de Remus percorreu todo o quarto, parando primeiro na cama vazia de Sirius e depois no relógio da mesinha-de-cabeceira, que marcava as 7h15. — Por Merlin, James!!! São sete da manhã!!

Antes de James ter tempo para responder, a porta da casa-de-banho abriu-se novamente e Sirius, agora já vestido e com a barba feita, entrou novamente no quarto.

— Ahh, Remus, vejo que já estás de pé. Muito bem! — disse, batendo uma palma. — Não podemos chegar atrasados, por isso é bom que se despachem. Senão terei que ir sem vocês.

Depois, pegou na escova do cabelo, e começou a penteá-lo, muito calmamente, para o desensarilhar todo. Remus olhou para James com uma expressão aterrorizada no rosto, e este acenou-lhe com a cabeça e encolheu os ombros.

— Bem, sendo assim vou-me arranjar — James pegou na toalha e nos produtos de higiene e dirigiu-se também ele para a casa-de-banho. — Pelos vistos o dia promete.

Remus, que continuava a observar Sirius a cuidar dos cabelos como se fossem uma preciosidade, pareceu cair em si e foi acordar Peter, que talvez conseguisse chegar a tempo pela primeira vez em todos os anos que passara em Hogwarts.

Quando Sirius terminou de se pentear, prendeu o cabelo no seu habitual rabo-de-cavalo e, depois de pôr metade do frasco de Boss Bottled, virou-se para Remus.

— Bem, ainda tenho que preparar umas coisas... — explicou ao amigo. — Vemo-nos ao pequeno-almoço, sim?

Antes de Remus ter tempo para responder, já estava a sair do dormitório, de livros na mochila à tiracolo, mãos nos bolsos e a assobiar "Sex Bomb", deixando Remus a perguntar-se se Julia lhe teria pregado alguma partida.

James saiu nesse momento da casa-de-banho, ainda com um ar meio abalado. Remus comunicou-lhe as palavras de Sirius e James encolheu os ombros, como que dizendo que não podia fazer mais nada por ele. Os dois vestiram-se em silêncio, sem mais demoras, estando prontos pouco tempo depois.

Quando desceram até à sala comum, perto das 8h da manhã, já quase todos os alunos se encontravam acordados e a preparar-se para mais uma semana de aulas, mostrando-se surpresos por verem os Marauders já de pé e prontos para o pequeno almoço.

Encontraram Sirius sentado a meio da mesa dos Gryffindor, rodeado de raparigas, que pareciam encantadas por ele ter decidido tomar o pequeno-almoço com elas. Sentaram-se ao lado dele e observaram-no ao pormenor, tentando descobrir o que é que ele tinha.

— Hey rapazes — disse ele finalmente, cansado de todos aqueles olhares inquiridores. — Está tudo bem, ok? Sinto-me perfeitamente bem, não bati com a cabeça em lado nenhum, não comi nada estragado, ninguém me lançou nenhuma maldição. Parem de se preocupar, está bem?

James e Remus trocaram olhares entre si.

— Então, se não te aconteceu nada, porque é que estás assim tão... tão...

— Feliz?

— Sim!! — exclamou James. — Deixaste-me mesmo preocupado, Siri.

Sirius sorriu, erguendo as sobrancelhas em sinal de excitação. Ahh, os prazeres da juventude..., pensou, relembrando mentalmente todos os detalhes da sua prank. Depois, aproximando a cara da dos seus melhores amigos, sussurrou-lhes:

— Estejam atentos hoje, durante a aula de Encantamentos. Vão perceber logo o porquê de toda a minha excitação — e olhou para Julia, que sentada ao lado de Lily parecia prestes a matá-lo, ficando ainda pior quando ele lhe sorriu de forma provocante.

— O quê?!! — James não podia acreditar naquilo que estava a ouvir. — Então quer dizer que a tua atitude... toda a minha preocupação... foi tudo por causa de uma simples--

— Não, James!! — Sirius interrompeu-o, quase aos berros. Depois, muito mais baixo, continuou: — Não é uma simples prank. Vai ser uma vingança inesquecível. Finalmente aquela miúda vai perceber que quem brinca com o fogo queima-se, esperem só.

Terminaram o pequeno-almoço em silêncio e, pela primeira vez desde que tinham descoberto as cozinhas, dirigiram-se para os calabouços pelo caminho utilizado por todos os alunos, que demorava uns bons vinte minutos.


Decididamente, aquele não era um dos melhores dias para Julia. Tinha passado uma noite terrível, estava com uma dor de cabeça enorme e ainda por cima tinha de aturar os estúpidos dos Marauders o dia inteiro, começando logo às 9h da manhã! De facto, nada podia piorar aquele dia, tinha quase a certeza disso.

Era um daqueles dias em que daria tudo para ficar na cama, não ser obrigada a ver a irritante luz solar que parecia compenetrada em tornar toda a gente alegre demais e divertida.

As conversas nos corredores, caras sorridentes e olhos brilhantes sem razão aparente, tudo serviu para abespinhar Julia ainda mais e, quando chegou ao Grande Salão, estava completamente insuportável e pronta para descarregar toda a sua frustração em alguém.

Lily, sentindo o vulcão prestes a explodir, não lhe dissera uma única palavra depois do habitual "Bom dia!" e caminhava com ela em silêncio, esperando uma altura mais favorável para intervir.

No entanto, uma surpresa aguardava-as no Grande Salão. Sentados na mesa dos Gryffindor estavam Black, Potter e Lupin, o primeiro dos quais parecia estar a ter uma grande dificuldade em parar de sorrir absurdamente.

Julia sentou-se o mais longe possível do três e do grande grupo de raparigas que estavam sentadas à sua volta e começou a tomar o pequeno-almoço o mais rápido possível. Não conseguiria sair dali tão depressa como gostaria.

Os Marauders pareciam estar a discutir qualquer coisa, talvez uma prank qualquer a julgar pela expressão no rosto de Black. Cerrando os dentes, tentou ignorar os sorrisinhos cínicos que ele lançava na sua direcção, e quando este sussurrou qualquer coisa aos outros dois, não aguentou mais e, pegando na mochila, saiu disparada do Grande Salão, deixando Lily sentada na mesa estupefacta, a olhar para a porta que ainda abanava.

Julia desceu as escadas para os calabouços, e continuou a correr na direcção da sala de Poções. Quando virou a esquina, esbarrou-se contra um corpo alto e forte, que imediatamente a segurou, puxando-a para si e impedindo-a de cair para trás. Ela olhou para cima, deparando-se imediatamente com um par de olhos negros, que brilhavam divertidos.

— Julia, Julia... Se te queres atirar a mim, não precisas de me cair nos braços. Pensei que já tivéssemos esclarecido esse aspecto...

— Ora Severus, sai mas é da frente que hoje não estou para brincadeiras — ela ordenou-lhe, enquanto o empurrava para o lado e se preparava para continuar a correr.

Severus abanou a cabeça, sorrindo para consigo.

— Ui... Temos tigreza hoje, estou a ver — piscou-lhe o olho, atirando-lhe um beijo à La Black. — Ruge pra mim, vai...

Julia voltou-lhe as costas muito depressa, gritando algo que se pareceu muito com "Vai vomitar lesmas!" e continuou o seu caminho em direcção à sala de Poções, agora mais furiosa que nunca.

Santa paciência!! Mas que raio fizera ela para merecer tudo isto??! Ainda nem 9 horas da manhã eram e já se tinha chateado com toda a gente e armado uma cena no Grande Salão. Se continuasse assim não iria sobreviver até ao final do dia.

E, a meio da aula de Poções, nem pôde acreditar no seu azar... Quando dissera que o dia não lhe podia correr pior, devia ter mordido a língua. O dia acabara de começar...

Surpreendentemente, a aula estava a correr muito bem para o professor Orpheus, e todos pareciam partilhar o mesmo sentimento. Estavam todos muito calmos, o que lhes proporcionava uma certa paz para se conseguirem concentrar e relaxar ao fazer a poção, que era de um nível relativamente acessível.

A poção de Julia borbulhava lentamente, com vapores a formarem-se no topo do caldeirão. Não estava completamente perfeita, feito para já só conseguido por Severus, mas encontrava-se lá perto. Só lhe faltava juntar as Asas de Morcego para acabar a poção. Depois era só deixar ferver durante 10 minutos enquanto mexia lentamente no sentido dos ponteiros do relógio e estaria pronta.

Diminuiu um pouco o lume e pegou na caixa dos ingredientes, reparando imediatamente que o frasco de Asas de Morcego estava vazio. Praguejou entre dentes. Devido a tantas aulas extra de explicação com Severus, utilizava sempre muitos mais ingredientes do que os outros alunos e, estupidamente, esquecera-se de verificar o stock.

Voltou-se para Lily com a intenção de lhe pedir o ingrediente emprestado, mas reparou imediatamente que o frasco dela também se encontrava vazio.

E agora? Que fazer?

O professor Orpheus ficaria muito desapontado se lhe pedissem algum ingrediente e elas não se davam bem com mais ninguém. Morgan e Severus tinham-se sentado do outro lado da sala, uma imposição do professor de modo a separar as duas casas e tentar impedir as pranks e distracções.

Que frustração!! Como haveriam de arranjar as Asas de Morcego sem o professor saber? Lily olhou para ela com uma expressão de preocupação no rosto. O tempo de adicionar o último componente esgotar-se-ia em breve e a poção ficaria arruinada.

Lily engoliu em seco e voltou-se para a mesa de trás, onde Black e Potter se encontravam a finalizar a sua poção. Potter olhou-a com desdém, preparando-se para começar a mandar bocas ou até insultá-la, quando Black levantou os olhos do seu caldeirão, onde a sua poção borbulhava delicadamente e, sorrindo sem malícia, deu uma cotovelada ao companheiro de carteira.

— Está uma manhã fantástica, não achas? — perguntou a Lily, enquanto mexia a poção segundo as instruções. — Precisas de alguma coisa?

Lily sentiu a boca a abrir, fazendo todos os possíveis para a manter fechada, e a força do olhar de Julia na sua nuca. Não tendo outra solução, a pergunta de Black caíra mesmo do céu.

— Descobrimos agora que não temos Asas de Morcego — respondeu no tom de voz mais neutro que conseguiu. Só Deus sabia o quanto lhe estava a custar ter que depender do pior dos Marauders para alguma coisa. — Será que--

— Ah, é só isso. Pensei que fosse alguma coisa mais grave — interrompeu Black imediatamente, não a deixando continuar. Depois, pegou no frasco que estava em cima da mesa e estendeu-lho. — Toma. Usem o que precisarem. Já acabei a poção e não preciso de mais.

Julia voltou-se para trás como um relâmpago. Potter olhava para Black com cara de estúpido, talvez perguntando-se se teria que internar o seu melhor amigo em São Mungos, e Lily tentou acalmá-la com o olhar, como se dissesse que precisavam muito do último componente, para não estragar tudo.

E Black!! O idiota teve a lata de lhe sorrir, como se fossem todos amigos, ajudando-se mutuamente. Julia estava prestes a explodir. Só Merlin sabia o quanto lhe apetecia apertar as mãos naquele pescoço, vê-lo deixar de respirar e com uma expressão de pânico no rosto, os braços a mexerem-se sem sentido, a cara a ficar roxa, os olhos sem vida...

— Obrigada — acabou por dizer, engolindo a raiva que sentia e reconhecendo aquela batalha como perdida.

E ele sorriu ainda mais, voltando-se novamente para a poção para finalizar o seu trabalho. Como o detestava! Ai se pudesse...

Mas Lily percebera o seu conflito interior, o quanto lhe custava rebaixar-se para Sirius Black, o quanto lhe doía ter que aceitar a sua ajuda. Pôs-lhe as mãos nos ombros, confortando-a, e ambas terminaram a poção em silêncio.

Quando tocou, os alunos limparam os caldeirões e enfrascaram as suas poções, pousando-as na secretária do professor à saída da sala de aula. Julia acabou de mexer o conteúdo do seu caldeirão, cerrando os dentes ao reparar que não tinha a sua qualidade habitual. Será que nada corre bem neste dia miserável?

Quando se aproximou da mesa do professor de Poções, reparou em Sirius Black, ainda com aquele sorriso infernal espetado na cara, que colocava a sua poção com todo o cuidado, como se fosse algo muito precioso, junto das dos outros alunos.

Mas não foi isso que cativou a atenção de Julia. O que a fez morder o lábio até sair sangue e alguma coisa quebrar dentro dela foi o facto da poção estar quase tão perfeita quanto a de Severus, que era o melhor dos melhores a poções. Por mais que tentassem, nem Julia nem Lily conseguiriam algum dia atingir a perfeição de Severus, e ver Sirius Black muito perto disso tinha sido um grande balde de água fria.

Julia sentiu-se como se tivesse acabado de ser esbofeteada várias vezes, podia imaginar o calor a rosar-lhe as faces e o olhar de troça de Black, que parecia existir com o único propósito de fazer a vida dela num inferno. Furiosa e de orgulho ferido, atirou a sua poção para a mesa e saiu disparada da sala.

Sabia que estava a dramatizar, que era só uma simples poção, Black tivera apenas muita sorte e ela estava num daqueles dias em que mais vale não sair da cama. Tentou acalmar-se, não valeria a pena andar a descarregar as suas frustrações em pessoas que não tinham culpa nenhuma do que acontecera.

Ouviu passos a correrem ao seu encontro e Lily parou ao seu lado, completamente esbaforida. Abanou a cabeça ternamente, entregando-lhe a mochila que deixara na sala de Poções. Que faria ela sem Lily?

— Obrigada — murmurou, um pouco embaraçada. — Este não é mesmo um dos meus melhores dias. Tudo parece estar a correr mal...

Caminharam ambas em silêncio para a sala de Encantamentos, no terceiro andar. A maior parte dos alunos já se encontravam na sala, e elas sentaram-se nos seus respectivos lugares, tirando os livros, pergaminhos e penas.

Ouviram-se risadas no corredor e os Marauders entraram na sala, conversando animadamente. Black sentou-se na carteira ao lado da delas, Potter ao lado dele e Lupin atrás. Pettigrew estava mais uma vez atrasado, mas isso já era habitual.

O professor Flitwick começou a aula, explicando a teoria do Feitiço de Expulsão, e os alunos começaram a tirar notas, fazendo algumas perguntas sobre os vários factos, às quais ele tentou responder.

A primeira hora passou rapidamente. A segunda parte da aula era a parte prática e o silêncio que reinara durante o discurso do professor dera lugar a sussurros e pequenas conversas entre alguns alunos, enquanto encostavam as secretárias à parede e tiravam as almofadas do armário.

Sirius, aproveitando toda aquela confusão, pegou na varinha e, piscando o olho a James e Remus, aproximou-se de Welling. Ela encontrava-se no canto e revia os apontamentos mais uma vez, talvez para conseguir ter sucesso à primeira.

Cadere Animis — murmurou Sirius, observando um jacto de luz cor-de-rosa sair da extremidade da sua varinha e atingir Julia no peito, que abriu muito os olhos, horrorizada.

Julia cambaleou para trás, apoiando-se numa mesa para não cair. Sirius olhou em volta e, reparando que ninguém se tinha apercebido do que se passara, voltou para junto dos dois Marauders. Sem lhes dar tempo para fazerem perguntas, disse-lhes apenas:

— Observem. Este dia vai ficar na história.

Quando já estava tudo preparado, os alunos começaram a praticar. Lily e Julia, que tinham dominado o feitiço logo à primeira, divertiam-se agora a brincar com a almofada, usando o feitiço para jogarem ao jogo dos dez passos, enquanto os Marauders tentavam explicar a Peter, que tinha chegado na segunda hora, tudo o que Flitwick tinha falado.

Sirius aproveitou para começar a por em prática a segunda parte do seu plano engenhoso, expulsando a sua almofada contra as costas de Julia, de modo a parecer um simples acidente.

Naquele instante todos pareceram parar, e todas as cabeças se voltaram para ver a reacção dela, mesmo as dos Ravenclaw, que detestavam brincadeiras nas aulas. Julia virou-se e o seu olhar encontrou o de Sirius. Depois, pegou na almofada e expulsou-a para ele, dizendo simplesmente:

— Para a próxima tem mais cuidado, sim?

Nenhum Gryffindor podia acreditar naquilo que estava a ouvir. Julia Welling tinha sido relativamente simpática para Sirius Black. Depois de tudo o que acontecera na aula de Poções e ao pequeno-almoço, ela tinha-o tratado normalmente, como se ele fosse apenas um companheiro de equipa. O mundo ia acabar, tinham a certeza disso. Até os Ravenclaw estavam espantados, entreolhando-se entre si, e sussurrando que ela devia estar enfeitiçada.

Lily, ao lado de Julia, não sabia o que pensar daquela atitude da amiga. Julia tinha ficado muito melhor humorada de repente, como aquelas chuvas passageiras que acabam ao fim de 10 minutos e o céu volta a ficar completamente limpo. E agora aquela atitude para com Black, tão imprevista e preocupante... Será que ela está a tramar alguma?, interrogou-se. Não seria a primeira vez...

Decidida a descobrir o que se estava a passar, começou a observar Julia mais atentamente, tentando reparar em todos os pormenores.

Minutos depois, o choque foi ainda maior. A almofada de Black voltou a atingir Julia nas costas, que se virou imediatamente para trás, já um pouco irritada, procurando o culpado. Mas, quando o seu olhar caiu sobre Sirius novamente, a sua expressão suavizou e ela lançou-lhe um pequeno sorriso, para horror geral da turma.

— Tu outra vez? Com problemas num feitiço tão simples, hem? — perguntou-lhe, enquanto se aproximava do local onde ele se encontrava. — Parece-me que a única maneira de deixar de ser atingida é mesmo ajudar-te com o encantamento...

Lily teve que se segurar para não cair, enquanto James observava toda a cena de boca aberta e Remus começava a ter uma ideia do objectivo do feitiço.

— Como queiras — respondeu-lhe Sirius encolhendo os ombros, fazendo os possíveis e impossíveis para não se desatar a rir como um louco.

Todos os alunos já tinham desistido de trabalhar e observavam agora toda a interacção entre os dois rivais. Até o professor Flitwick estava curioso e tentava ver tudo disfarçadamente.

Julia colocou a mão direita sobre a de Sirius, corrigindo-lhe a posição da varinha, explicou-lhe o movimento da mão necessário para o Encantamento de Expulsão e os dois gritaram: "Ablegatio!", fazendo com que todas as almofadas da sala fossem projectadas para a parede à sua frente.

Os sussurros pararam imediatamente, toda a sala ficou imersa num silêncio de cortar à faca. Alunos e professor olhavam, pasmados e com uma expressão de choque, para Sirius e Julia, que pareciam tão surpresos como todos os outros. Nunca na sua vida tinham experimentado um feitiço com tanto poder, nem imaginavam que eram capazes de o fazer com toda aquela força.

No meio do silêncio, a voz de Remus fez-se ouvir, num tom entusiasmado:

— James! Consegui! Consegui! — dizia ao mesmo tempo que puxava a manga do manto do amigo. — Viste a minha almofada? Foi direitinha à parede!

Mas James continuava boquiaberto, com o olhar fixo em Sirius e Julia.

— Eu não vi isto — repetiu várias vezes, sem conseguir acreditar no que se tinha passado.

— Eu sei!! — exclamou Remus excitado. — Finalmente conse--

Remus parou de repente, reparando no silêncio que se apoderara da sala e em todos os olhares focados em Sirius e Julia, que ainda estavam parados no meio da sala, a mão de Julia ainda sobre a de Sirius, os olhos fixos nas almofadas caídas contra a parede.

O som da campainha soou, trazendo-os de volta ao presente, e todos os alunos piscaram os olhos várias vezes, como se estivessem a acordar de um transe. O professor Flitwick, ainda um pouco abananado, levantou-se com dificuldade, tentando apanhar os livros que lhe serviam de banco do chão.

— M-muito b-bem... Vin-vinte pontos-s para os Gr-Gryffindor — disse a muito custo. — Po-podem sair. Eu arrumo t-tudo.

Os alunos entreolharam-se e começaram a arrumar o material nas mochilas. O professor tremia. Sirius pareceu acordar de repente e abanou a cabeça, afastando-se de Julia e pegando na mochila. Remus suspirou, um pouco desiludido, e virou-se para James, que encolheu os ombros e cerrou as sobrancelhas. Peter dava pulinhos de excitação e deu uma palmadinha nas costas de Sirius, dizendo:

— Wow, Sirius! Foi espectacular. Faz outra vez...

Julia continuou parada no mesmo sítio, o olhar ainda fixo em Sirius, observando todos os seus movimentos até ele sair da sala com um brilhozinho esquisito nos olhos. Lily, deixando para outra altura a análise da situação, pegou nas duas mochilas e tentou atrair a atenção de Julia, que pareceu acordar de repente, focando os olhos na mesa dos Marauders, onde o livro de Black ficara esquecido.

Antes de ter tempo de a chamar novamente, já Julia pegara no livro e corria agora até à porta, chamando por ele a plenos pulmões, deixando-a especada no meio da sala, com as duas mochilas na mão e o rosto a contorcer-se de irritação.


Segunda-feira.

Morgan simplesmente detestava as segundas-feiras. O tempo demorava a passar, parecia que o dia se prolongava eternamente. Cada segundo que passava parecia séculos, embora o tempo passasse mais depressa nas horas em que estava com a irmã.

Começar com Poções logo às 9h da manhã depois de uma noite muito mal dormida era um pesadelo. Aturar os Gryffindors e as suas gracinhas estúpidas numa aula de Poções era um verdadeiro inferno. Respirar o mesmo ar que o dos Marauders era quase pior que um beijo de um Dementor. Quase. E para piorar, havia a terrível presença do professor Orpheus... Ainda hoje não conseguia controlar o terror que aquele homem lhe provocava.

Mas pelos vistos não havia mesmo nada a fazer. Poções parecia destinado a ser partilhado com os Gryffindor e as aulas tinham sempre aquela tendência para serem as primeiras do dia, muito propício a pequenas explosões, o que mostrava perfeitamente o humor maquiavélico de Albus Dumbledore.

Morgan grunhiu, abriu um olho de cada vez, voltou a fechá-los e tapou a cabeça com os cobertores. Hoje não é segunda-feira. Não tenho que me levantar, pensava repetitivamente, tentando tornar os pensamentos em realidade.

Ouviu as companheiras de dormitório levantarem-se, a água a correr no chuveiro, o roupeiro a abrir-se e roupas a roçarem em corpos. Como sempre, ninguém lhe disse uma única palavra, mas após quatro anos a ser desprezada, Morgan já estava mais que habituada àquele tratamento. Permaneceu quieta na cama, ignorando-as, e só se levantou quando os seus passos se afastavam no corredor para a Sala Comum.

Vestiu-se mecanicamente, tentando convencer-se que não queria saber da amizade delas para nada, que, de acordo com um ditado qualquer muggle, mais valia estar só do que mal acompanhada. Mas uma parte de si ainda guardava uma esperança inocente e sem fundamento de que qualquer dia elas iriam mudar e começar a tratá-la como um ser humano.

Após se ter arranjado e arrumado tudo, pegou na mochila e saiu para o corredor que conduzia à Sala Comum. Sabia que já era tarde, não ia ter tempo de tomar o pequeno-almoço. Ficava sempre à espera que o dormitório ficasse vazio para se levantar e depois andava sempre a correr.

O corredor estava deserto, o que não era nada de estranhar visto que todos os Slytherins eram muito pontuais e as aulas estavam quase a começar. Todas as portas para os outros dormitórios estavam fechadas, mostrando mais uma característica específica da casa das serpentes. Desconfiança.

Chegou à Sala Comum rapidamente, onde Severus, sentado numa poltrona, esperava por ela. Morgan sorriu-lhe apologeticamente, suspirando, e deu graças a Miranda Goshawk por Severus Snape. Todas as manhãs, sem falta, esperava por ela na Sala Comum, não a deixando ficar sozinha se o pudesse evitar.

Em cima da mesa à sua frente estava um copo de sumo de abóbora e um prato com bolinhos de maçã. Ele lançou-lhe um daqueles olhares impenetráveis, inclinando a cabeça ligeiramente para o prato, e ela preparou-se para mais um sermão, por se ter atrasado tanto.

Mas ele não disse nada, limitou-se a olhá-la enquanto se sentava em frente dele e tomava o pequeno-almoço o mais rápido possível. O silêncio da Sala Comum começa a tornar-se incómodo, e ela desejava que ele dissesse qualquer coisa, mesmo que fosse para a insultar por o fazer chegar sempre em cima do limite do toque e andar sempre a correr.

— Não dizes nada, hoje? — perguntou por fim, já impaciente.

Ele ergueu-lhe uma sobrancelha, tentando conter um sorriso.

— Que queres que diga? Por mais vezes que eu repita o meu discurso matinal não há maneira de aprenderes e seguires os meus concelhos... Não vale a pena andar a cansar-me não achas?

Ela sentiu imediatamente um friozinho na barriga, culpando-se por fazer Severus pensar que o que dizia não era importante o suficiente para ser ouvido.

— Sev... Não é isso, sabes que não é. Simplesmente... — Abanou a cabeça, sem saber como continuar.

— Não podes deixar que elas controlem a tua vida — disse enquanto se ajoelhava em frente da poltrona e punha as mãos sobre as dela. — Não vale a pena ficares assim. Não por este tipo de pessoas, sabes disso. Eu sei que custa...

Morgan deu-lhe um grande sorriso, abraçando-o. Depois levantou-se, deixando a louça em cima da mesa, e pegou novamente na mochila dizendo:

— Tens razão. Tens sempre razão. Elas não merecem sequer que eu pense nelas. Vamos?

Severus levantou-se também, e juntos caminharam até à entrada da Sala Comum. O relógio marcava as 8h45. Caminharam rapidamente para a sala de Poções, conversando animadamente sobre os trabalhos de casa de Defesa Contra as Artes Negras, a aula que iriam ter a seguir.

Passaram pelos Marauders no corredor, e pararam imediatamente de conversar, pondo uma expressão fria no rosto e olhando em frente. Black, no entanto, voltou-se para cumprimentá-los, sorrindo como se fosse fim de semana ou as aulas tivessem sido canceladas.

— Bom dia! Então, vamos a levantar esse astral. O dia está fantástico, é preciso aproveitar! — Sorriu novamente, os olhos brilhando de felicidade, e continuou o seu caminho, deixando o resto dos Marauders a olhar para ele de boca aberta e Severus e Morgan petrificados no corredor.

Abanando a cabeça para tentar voltar à realidade, Morgan e Severus entraram para dentro do calabouço, onde se situava a sala de Poções. Não podiam acreditar no que se tinha passado, Black devia estar a tramar alguma. Até mesmo Potter e Lupin estavam espantados, o que não era nada normal.

Não... Algo de errado se estava a passar. E Morgan nem queria ver o que estava para acontecer.

Como sempre que pensava no assunto, na rivalidade entre os dois grupos, sentiu a raiva crescer dentro de si, o calor a alastrar-se pelo corpo todo. Por muito que tentasse, não compreendia a necessidade de todas aquelas pranks estúpidas, nem porque tinham de se tratar assim tão mal. Mas de uma coisa tinha a certeza, não fora ela que começara a luta, não era ela que iria acabar com ela.

A aula começou e, para espanto total de Morgan, correu sem incidentes de qualquer espécie! Aliás, nunca uma aula correra tão bem ao professor Orpheus. Decididamente, Morgan estava a achar aquilo tudo muito estranho e não descansou até ao fim da aula, altura em que entregou a sua poção são e salva.

E qual não foi o seu espanto ao ver a poção de Sirius Black perfeitíssima, quase tão boa como a de Severus, pousada na secretária.

No entanto, não se admirou quando Julia passou por ela a praguejar entre dentes. Dava para perceber que estava em dia "não" e o facto da poção de Black ser melhor que a sua era suficiente para a deixar pior que estragada. Tinha a certeza que se Julia pudesse escolher, preferiria mil vezes tomar um dos piores xaropes de Madame Pomfrey do que ter que passar por aquela humilhação. Até o tomaria em dose dupla!

Rindo-se para si própria das atitudes da irmã, viu-a sair disparada da sala, deixando para trás uma Lily carregada de livros e com um ar apalermado.

— Isto hoje não está a correr nada bem... Parece praga! — e olhou intencionalmente para os Marauders, que conversavam animadamente a um canto.

E com isto, saiu da sala, correndo para apanhar Julia antes que ela decidisse matar um dos alunos do 1ºAno apenas por este se atravessar no seu caminho na hora errada.

Morgan e Severus acabaram de arrumar tudo e saíram da sala também, dirigindo-se até à aula seguinte. Defesa Contra as Artes Negras. Não era propriamente uma das disciplinas preferidas de Morgan, mas que era útil, lá isso ela tinha que admitir que era.

A aula correu como todas as outras aulas de Defesa. Teoria, prática. Nesta aula específica tinham treinado como criar uma protecção contra o Feitiço de Petrificação e após diversas tentativas a pares, Morgan e Severus tinham conseguido bons resultados e até alguns pontos para os Slytherin.

Portanto o dia para Morgan até nem estava a correr muito mal. Na verdade, começava a pensar que aquela segunda-feira até poderia vir a ser agradável, sem nenhum problema, sem nenhuma discussão.

Mas, assim que chegou à porta da sala de Encantamentos, onde ela e Severus deveriam encontrar-se com Julia e Lily para depois seguirem para o exterior, a sua opinião mudou drasticamente. Agora podia afirmar com toda a certeza, algo de errado se estava a passar. Algo de muito errado.

— Por Slytherin... Que raio...? — Severus balbuciou, sem poder acreditar no que os seus olhos viam.

Ele e Morgan tinham acabado de chegar à Sala de Encantamentos, pensando encontrar as duas companheiras à sua espera para seguirem caminho logo de seguida, mas o cenário que os esperava fora completamente imprevisível.

— Sirius! Sirius! Espera! Esqueceste-te do livro! — Julia correu na direcção de Black o mais depressa que conseguiu, passando por Severus e Morgan sem sequer os cumprimentar.

Logo de seguida, Lily apareceu toda esbaforida à porta da sala, olhando incrédula para Julia.

— Julia Leanna Welling! Volta já aqui! Nem te atrevas a fazer o que estás a pensar! Não me obrigues a lançar-te uma maldição! — gritava Lily, tratando-a como se fosse sua mãe.

Julia entregou o livro a Black, sob os olhares estupefactos de Severus e Morgan e ignorando os comentários de Lily, e corou quando o rapaz lhe sorriu e agradeceu pela simpatia. Suspirou quando Sirius virou costas para continuar o caminho, e depois voltou para a sala, enfrentando os amigos com um sorriso.

— Então? Vamos para a próxima aula?

Severus estava parvo. Ainda naquela manhã, duas horas atrás, para ser mais exacto, ninguém a podia aturar e agora estava tudo bem! Alias, "bem" não era exactamente a palavra certa. Na verdade, tudo estava muito mal! Julia Welling, a sua melhor amiga, líder do grupo "odeio-o-Sirius-Black-vamos-embaraça-lo?", estava praticamente a babar-se por ele.

E, completamente horrorizado, viu Julia seguir pelo corredor, a fazer uma espécie de coreografia, a cantar Britney Spears! Que Slytherin o ajudasse, que ele não se estava a sentir nada bem.

Olhou para Lily, à procura de explicações, ao mesmo tempo que levava uma mão ao peito, em sinal de profundo horror. Mas Lily estava tão chocada quanto ele. Com os olhos muito abertos e a mão sobre a boca para abafar um grito, segurava-se com a outra mão em Morgan, para não cair redonda no chão, tal era o seu espanto.

Morgan, essa abria e fechava a boca sem saber o que dizer ou fazer. Ouvia as gargalhadas dos outros alunos no corredor e via como Julia cantava cada vez mais alto, conforme ia recebendo mais atenção. Na verdade, para além do choque de ver a irmã agir daquela maneira, também ela começava a sentir vontade de rir.

My loneliness is killing me and I, I must confess, I still believe, I still believe. When I'm not with you I lose my mind, so give a sign, hit me baby one more time! — Julia cantava, dançando de um lado para o outro do corredor, esfregando-se nas paredes, agarrando-se às armaduras, metendo-se com os ocupantes dos quadros.

E, no meio daquilo tudo, num tom baixo e rouco, como se lhe custasse a sair o som, a voz de Severus ouviu-se:

— Ai que o meu coração não aguenta uma desgraça destas...

Morgan não conseguiu deixar de sorrir, disfarçando logo a seguir com um ar sério, para os amigos não pensarem que ela estava a gozar com a cara deles. Por fim, achando que aquela situação já estava a ir longe demais, agarrou nos braços de Lily e de Severus e arrastou-os pelo corredor, atrás de Julia, que continuava a sua encenação, como se no mundo só existisse ela e aquele corredor.

Oh baby, baby... How was I supposed to know that something wasn't right, yeah...

Pelo caminho, Lily e Severus pareceram recuperar do choque, e Lily contara aos outros o que tinha acontecido na aula, a súbita e estranha mudança de humor de Julia, o feitiço, o comportamento de Black, a reacção do professor, etc.

Oh baby, baby... I shouldn't have let you go...

Morgan e Severus ficaram aparvalhados. Depois de discutiram a situação, os três chegaram à conclusão que Julia devia estar sob o efeito de um feitiço, algo muito forte e provavelmente ilegal.

Mas o quê? Tinham que descobrir, não podiam deixar Julia a comportar-se daquela maneira, em breve ela passaria a ser um perigo para si própria e para os outros, quem sabe.

Tinham chegado ao exterior. Julia, ainda seguindo à frente deles, estava já mais calma, limitando-se a suspirar de vez em quando e a olhar o céu e a natureza de forma enternecida. Os outros, trocando olhares entre si, tentaram apressar o passo, de forma a ficarem mais próximos dela.

A meio do caminho, porém, Julia parou. Antes de lhes dar tempo para fazerem perguntas, baixou-se e colheu um malmequer da borda do caminho, colocando-o no cabelo, para o enfeitar. Depois, voltou-se para eles, sorrindo enigmaticamente.

— Está um dia perfeito, não acham? A vida é simplesmente bela, temos que a aproveitar o máximo possível... — e continuou a andar, como se caminhasse sobre nuvens, de cabelos ao vento e com um brilhozinho enigmático nos olhos.

— Onde é que eu já ouvi isto hoje? — murmurou Morgan, achando que toda aquela atitude por parte de Julia estava a ultrapassar todas as barreiras do aceitável.

Na verdade, todos eles concordavam que Sirius Black tinha ido longe demais. Julia estava completamente fora de si, e se continuasse assim por muito mais tempo a situação ia ficar incontrolável. Decididamente, aquele ia ser um loooongo dia.


Quando chegaram junto dos outros alunos repararam imediatamente em duas coisas. Primeiro: num campo, vedado com uma rede, estavam as criaturas mais horrorosas que alguma vez tinham visto.

Segundo: ninguém notara a sua chegada, 15 minutos atrasados, e estavam todos círculo à volta de Pettigrew, que se encontrava coberto de queimaduras de vários graus. Tudo dava a entender que tinha caído (só Merlin sabia como) para dentro da vedação, onde todos aqueles "bonitos" animais o tinham feito sentir em casa.

Aproximaram-se da multidão, um pouco preocupados com as consequências que um simples descuido poderia ter.

— Chamam-se Explojentos — Lily ia explicando aos amigos. — Vêem a cauda? De vez quando saltam de lá faíscas e elas explodem. Se não se souber lidar com eles podem ser muito perigosos, basta olhar para o desastre ambulante.

Morgan e Severus olharam as criaturas com desdém. Nenhum deles gostava de Cuidados com as Criaturas Mágicas, achavam uma grande perda de tempo aprender a cuidar de animais com os quais nunca iriam lidar na vida. Julia, no entanto, pareceu fascinada.

Aproximou-se da rede, com a mão esticada e o olhar perdido no vazio, e os outros observaram, horrorizados, um Explojento, com a cauda a faiscar, aproximar-se de Julia, que estendeu a mão, para lhe fazer uma festa. ("Explojentos bonitos!!")

Severus correu, agarrando nela pela cintura e puxando-a para trás. Caíram ambos redondos no chão, Julia por cima de Severus, com uma expressão confusa no rosto. Mas Severus estava farto daquela situação. Levantou-se num salto e, sem esperar que ela se levantasse, perdeu a cabeça.

— Mas tu tas parva? Por acaso sabes o que te podia ter acontecido? Às vezes parece que não pensas!! — e continuou a falar, cada vez mais depressa, gesticulando com os braços, que ainda tremiam. Depois, caiu de joelhos na frente dela, abraçando-a com muita força. — Oh Julia, tu matas-me!

Julia retribuiu o abraço, com um misto de culpa e confusão no rosto, como se não soubesse muito bem porque é se havia de sentir culpada.

Morgan e Lily olhavam dos Explojentos, para Julia e de seguida para Peter, que estava nesse mesmo instante a ser transportado para a enfermaria. Não podiam acreditar que Julia tinha agido tão irracionalmente, lançando-se para cima daquela criatura horrorosa e perigosa, como se apenas tratasse de um cãozinho adorável. E o que mais as surpreendia era o olhar confuso dela, inocente, como se não tivesse acontecido nada demais, como se a sua vida não tivesse estado em perigo.

Severus ajudou-a a levantar-se e dirigiram-se todos para a beira dos outros alunos, que se encontravam à volta da Professora Grubbly-Plank.

— Vá, meninos. Todos para aqui que já perdi muito tempo de aula com aquele desastrado. Espero que a partir de agora todos tenham cuidado e me poupem trabalhos deste tipo — disse num severo e um pouco preocupado.

O resto da aula decorreu normalmente, com Severus sempre a chamar Julia à realidade, que não parecia nada ela própria: olhos brilhantes, fixos no céu sem nuvens e a acariciar suavemente o cabelo. De vez em quando, olhava para o lugar onde se costumava sentar Sirius, que se encontrava vazio pois os Marauders tinham acompanhado Peter à enfermaria, e suspirava profundamente, com um ar triste.

Morgan já não podia aturar aquilo. No início até tinha tido piada, mas agora estava-se a tornar um exagero. Começou a pensar em todas as mudanças de Julia, no que Lily lhe tinha dito e, de repente, uma ideia começou a formar-se na sua cabeça.

Uma ideia que a levava até um feitiço, um dos muitos que se encontravam no seu livro "Guia Prático e Completo para Aprender Todos os Feitiços Possíveis e Imaginários", um presente de aniversário de Julia. Começou a visualizar os efeitos do feitiço e tudo coincidia com as alterações de Julia.

— Já sei! — gritou enquanto arrumava tudo rapidamente na mochila pois já tinha tocado.

Agarrou no braço de Severus que, surpreendido, se deixou levar, e começou a correr rapidamente em direcção ao castelo, enquanto berrava para Lily, que tinha ficado para trás com Julia, que olhava para eles com cara de parva. Na verdade, naquele dia, a sua expressão era sempre igual, estava sempre completamente surpreendida com tudo.

— Nós já vamos ter convosco ao Grande Salão! Acho que descobri o que se passa com a Julia! Vemo-nos já! — gritava Morgan ao mesmo tempo que desaparecia da vista de Lily.

Julia pareceu acordar de repente, e sem dar tempo a Lily de reagir, pegou na mochila e começou a dirigir-se para o castelo em passo apressado.

— Vamos Lily!! — gritou para a amiga um pouco irritada, que se encontrava a tirar algumas dúvidas com a Professora Grubbly-Plank. — Não estás preocupada com o Peter? Coitadinho. Eles já devem estar no Grande Salão...

Lily piscou os olhos, não acreditando no que acabara de ouvir. Uma Julia simpática e sonhadora era uma coisa. Mas uma Julia preocupada com os Marauders, Pettigrew neste caso, era completamente assustador. Com sorte, Morgan saberia resolver o problema rapidamente e tudo estaria em breve terminado.

Pedindo desculpa à Professora, e depois de a assegurar que Julia estava apenas a passar por uma fase complicada, correu na direcção da amiga, seguindo-a até ao Grande Salão.


Julia dirigiu-se rapidamente para o Grande Salão, seguida de perto por Lily, que tentava acompanhar-lhe o passo. Nos corredores, alunos dos primeiros anos paravam para observar a cena: Julia quase a flutuar no ar, seguindo um rasto invisível, como se estivesse a ser atraída por uma força magnética. Mas ela não via nada nem ninguém. A única coisa importante era chegar ao Grande Salão, matar finalmente saudades de Sirius Black.

Mas uma surpresa desagradável esperava-a na mesa dos Gryffindor. Os lugares dos Marauders encontravam-se desertos, os pratos vazios e limpos e a comida nas travessas ainda por tocar.

Julia parou no meio do salão, perdida em sem saber o que fazer. A sua expressão mudara radicalmente, passando de sorridente e alegre para completamente miserável em questão de segundos. Virou-se para Lily, que a observava silenciosamente e, após murmurar "perdi o apetite", saiu disparada do salão, deixando-a, mais uma vez, especada a olhar para a porta, que se fechou com um estrondo.

O salão encheu-se imediatamente de sussurros, comentários ao comportamento de Julia e discussões sobre o que se passara entre ela e Sirius na aula de Encantamentos. Lily suspirou, abanando a cabeça àquela reacção tão típica, a sede de fofocas e os comentários sobre a vida privada das pessoas. Pegou em duas maçãs da mesa dos Gryffindor e saiu do salão, com o objectivo de procurar Julia antes que ela se metesse em mais sarilhos.

Foi encontrá-la sentada encostada à porta da Enfermaria, de joelhos colados ao peito e a cabeça pousada sobre os mesmos. Suspirou novamente, aproximando-se em silêncio e baixando-se na frente dela. Fez-lhe uma festa na cabeça, pondo-lhe a mão no queixo e levantando-o para poder olhá-la nos olhos.

Os olhos de Julia estavam muito vermelhos e inchados e pareciam completamente perdidos. Quando reparou em Lily mordeu o lábio inferior para conter um novo mar de lágrimas que se aproximava e atirou-se para cima dela, abraçando-a com muita força.

— Oh amiga... Que se passa contigo? — perguntou-lhe Lily, sem saber o que fazer. Custava-lhe muito ver Julia naquele estado, cheia de variações de humor e com atitudes completamente inacreditáveis. — Não sei o que fazer para te ajudar...

— Quando cheguei cá ele já não estava... Senti-me tão perdida Lily. Parecia que o mundo tinha acabado — murmurou Julia contra o ombro da amiga. — Sinto-me tão estúpida!

— Shhh... Vai ficar tudo mais claro, vais ver.

Deu-lhe uma maçã e levantou-se, trazendo Julia consigo. Limpou-lhe os olhos com as mãos e deu-lhe um pequeno sorriso, decidida a mudar de táctica.

— Agora vamos para as aulas e vais esquecer por um bocado aquilo que te preocupa. Depois eu ajudo-te a caçar aquele idiota que se dá pelo nome de Sirius Black, combinado?

Julia sorriu-lhe brilhantemente e, pegando-lhe na mão, puxou-a até à porta. As duas raparigas caminharam em silêncio até à porta da sala de Aritmancia, permanecendo sempre muito próximas e só se voltando a separar no final da aula, para irem para Estudos Muggles e Estudo das Runas, respectivamente.


Latim, traduções literais:

'Cadere Animis' (perder o coração)
'Ablegatio' (mandar embora, expulsar)


Goshawk, Miranda: Autora dos Livros de Feitiços e Encantamentos dos Primeiros Anos.

Plumpton, Roderick
: Seeker da Equipa de Quidditch Inglesa. Recorde britânico da captura mais rápida da snitch: três segundos e meio!