Capítulo 5
Preparar a Vingança

— SIRIUS BLACK, EU MATO-TE!!!

O grito ecoou no silêncio da manhã, acordando tudo e todos na torre dos Gryffindor. Todos sabiam exactamente de onde o grito vinha. Dormitório das raparigas, 4º Ano. Julia Welling. Hora da desforra.

Julia acordara com o sol de finais de Verão a bater-lhe levemente na face. Abrira os olhos lentamente, sorrindo ao ver o azul do céu, limpinho, sem uma única nuvem. A cor do céu fê-la recordar os olhos de Sirius, e ela sentiu imediatamente o estômago a contorcer-se, alarmada por ter pensado em Black ao admirar tal beleza e com o facto de se ter referido a ele pelo primeiro nome dentro da sua cabeça. Devia ser efeitos de ainda não estar completamente acordada, só podia ser isso.

Voltou a concentrar-se no tempo, naquele clima maravilhoso que já se fazia sentir tão cedo na manhã, pensando que se tivesse tempo iria dar uma volta pelo lago de tarde, arrastando Severus (que começava a parecer-se cada vez mais com os vampiros da ficção muggle) e as raparigas consigo. Era um dos seus locais favorito, e seria uma pena se não aproveitasse aquele sol fantástico.

Tinha acordado super bem-disposta, há já algum tempo que não dormia tão bem. Voltou o olhar para a cama de Lily, a ver se esta já estava acordada. Mas, pelo contrário, Lily estava deitada sobre a colcha da cama, ainda de manto vestido, varinha na mão e com duas manchas negras sob os olhos. Parecia mesmo cansada e Julia abanou a cabeça em sinal de reprovação.

Ficou a trabalhar até tarde outra vez, aquela rapariga não tem juízo...

Tentou lembrar-se se tinham trabalhos de casa e se os tinha feito. Normalmente nunca poria isso em causa, mas uma nuvem cobria as memórias do dia anterior e ela não se conseguia lembrar de nada que tivesse acontecido. Apenas se tinha sentido extremamente bem, como se a sua vida se tivesse transformado num paraíso. Estranho, pensou ela, tenho a certeza que ontem acordei com a sensação de que o dia iria ser um inferno.

Ia levantar-se para se começar a arranjar (já eram 7h30 e assim podia tomar banho nas calmas) quando começou a sentir um cheiro estranho, um perfume muito intenso. E, para sua surpresa, vinha de si própria. Parecia emaranhado no seu corpo, na sua pele, na cama e na almofada, sentia-se rodeada por aquele aroma fortíssimo, que parecia querer provar-lhe alguma coisa, mostrar-lhe que algo tinha acontecido e que já era tarde demais para o evitar.

Sentou-se imediatamente na cama, atirando os cobertores para o lado, numa tentativa de afastar aquele cheiro. Ela reconhecia aquele perfume; sabia exactamente de quem era (como podia não saber quando ele tomava banho, literalmente, com ele?), mas... não podia ser... podia?

Mal pôs os pés no chão, a realidade abateu-se sobre ela como uma sombra. A mini-saia preta, rasgada, e a camisola vermelha, estavam aos pés da cama, amarrotadas e sujas. Já não havia dúvidas... O perfume era mesmo dele e as roupas tinham sido usadas por ela no dia anterior. Aos poucos, a lembrança do que acontecera na véspera foi aparecendo e a raiva, misturada com a vergonha, apoderou-se dela.

Saltou da cama, berrando com todas as forças o nome dele, numa fúria crescente. Correu para a porta do dormitório e lançou-se pelas escadas abaixo, não vendo nada à sua frente, apenas o rosto de Black, pálido, cheio de sangue, todo esmurrado, nariz partido, olhos negros, lábios roxos. Sim, ele ia ver o que era bom.

Julia, de andar decidido e com uma expressão furiosa no rosto, caminhava para o dormitório dos rapazes do 4º Ano a passos largos. Na torre, as portas abriam-se de par em par e, por todos os lados, apareciam alunos, ainda meio ensonados mas desejosos de ver a reacção de Welling àquela prank de Black.

Sussurros enchiam o silêncio apenas perturbado pelo ruído dos passos da estrela do momento, e todos davam palpites sobre toda aquela situação e especulavam sobre o que iria acontecer.

"Vês?! Eu disse-te que era uma prank. Ela nunca iria agir daquela maneira por outra razão."

"Esta sim é a nossa Julia!"

"Oh!! Espero que ela não o desfigure muito. Tem uma cara tão fofinha!"

"Coitado do Black!! Nem sabe o que lhe espera!"

"Eu acho muito bem feito! Ele brincou com o fogo... Agora vai-se queimar bem!"

Julia ouvia tudo aquilo, mas não tinha tempo a perder com aqueles disparates. Aquilo significava guerra!! Não ia sobrar nem uma migalhinha daquele corpinho que ele tanto amava quando ela estivesse acabada com ele.

Finalmente chegara ao seu destino. A porta abriu-se com um estrondo, e Julia não esteve com meias medidas e entrou pelo dormitório adentro, não se preocupando com os outros ocupantes do quarto, tendo um único objectivo em mente: apanhar Sirius Black e fazer dele o que sempre sonhara fazer com uma bludger.

Ao correr o dormitório com os olhos, viu Lupin a esconder-se por baixo dos cobertores, numa tentativa de tapar o corpo. Potter saltara logo da cama, pondo os óculos na cara, para ver quem tinha entrado assim de rompante. Ao ver Julia, a sua boca abriu-se de espanto e tratou logo de tapar o seu peito nu. Não queria aquela confiança com uma rapariga... Muito menos uma Welling!

Pettigrew, esse tinha-se levantado, com uma cara ensonada e perguntava agora o que se estava a passar. A barriga caía-lhe em ligeiros pneus de bicicleta e o umbigo mal se via. Apesar de furiosa, Julia não conseguiu deixar de reparar naquele pormenor e arrepiar-se...

Ou ele faz uma dieta urgente, ou não vai conquistar muitas fãs...

Desviou o olhar para a única cama que lhe faltava e constatou que estava... vazia. Desesperada, correu para a casa-de-banho, para ver se o desgraçado lá estava. Mas também ela estava vazia. Lançou um olhar felino aos outros três rapazes, ameaçando-os com um destino nada feliz se não lhe dissessem onde Black se encontrava.

Lupin apontou imediatamente para debaixo da cama, em parte porque não queria apanhar com as culpas quando não tinha nada a ver com aquela situação, mas também porque achava que Sirius merecia um castigo. Ao ver o olhar que James lhe lançou engoliu em seco, mas não queria saber. Ele é que tinha razão, não podiam proteger Sirius. Ele tinha de assumir as consequências dos seus actos.

Julia correu mais depressa que uma puma para debaixo da cama de Black, mas este escapou-se pelo lado contrário. Lily, que chegara nesse preciso momento à porta do dormitório dos rapazes, desatou a rir-se ao ver a figura de Black, vestido apenas com boxers com desenhos de bludgers, a fugir da cama, todo despenteado e com um ar mesmo assustado.

Sirius correu para a porta do dormitório, usando Evans como protecção contra Welling para se conseguir escapar do quarto sem esta o apanhar. Correu para a Sala Comum a toda a velocidade, passando por vários dormitórios cujas portas estavam completamente abertas, de onde espreitavam vários alunos curiosos, que se riam às gargalhadas. Nem queria imaginar os malefícios que aquela história iria trazer à sua imagem.

— Que foi? Nunca viram é? Não metam o nariz onde não são chamados!

Nesse preciso momento, Julia apareceu na esquina, furiosa e com olhar capaz de fulminar a primeira pessoa que lhe dirigisse a palavra. Avançou em direcção a Black, ridículo naqueles boxers infantis e o cabelo todo desgrenhado, ansiosa por o agarrar e desfazê-lo em pedaços.

Lily, James, Remus e Peter, já recuperado do acidente da véspera, apareceram logo a seguir a Julia, decididos a não perder um único minuto da acção. Por muito rivais que fossem, os momentos "Black/Welling" eram fantásticos e, nessas alturas, ambos os grupos uniam forças para se rirem à grande e à francesa.

Quando finalmente chegou à Sala Comum, Sirius viu-se rodeado de raparigas, que soltavam risadas histéricas, com a mão à frente da boca e o dedo a apontar para ele. Sentiu-se corar, maldizendo Welling e o dia em que a tinha conhecido e rogando-lhe todas as pragas que conhecia e mais algumas inventadas, por o estar a fazer passar pela maior vergonha da sua vida.

Ao vê-la no fundo das escadas, engoliu em seco e decidiu deixar as pragas para depois e salvar-se antes. Correu que nem doido para o retrato, saindo disparado pelo corredor fora, só tendo uma coisa em mente: esconder-se de Julia Welling.

Esta chegou ao retrato esbaforida mas, de certa forma, mais calma. Black tinha escapado, sim, mas não por muito tempo. Ela ia planear a vingança ao mínimo pormenor, de forma a fazê-lo recordar o seu nome com um estremecimento de pavor. Black podia ter ganho um jogo, mas a taça era sua.

E com este pensamento, virou-se e dirigiu-se para o dormitório, ocupando imediatamente a casa-de-banho, sem dar tempo às companheiras para protestarem. Tinha que se livrar daquele cheiro fedorento o mais rapidamente possível, já estava a ficar com náuseas.

Para trás, deixou uma Sala Comum estupefacta e paralisada de surpresa. Black tinha saído impune! Ninguém podia acreditar no que acabará de ver, ainda deviam estar meio a dormir, era única explicação.

Pouco a pouco, a normalidade instalou-se na Torre dos Gryffindor, onde os alunos se preparavam para mais um dia de aulas. Todos menos as alunas do 4º Ano, que tentavam, em vão, tirar Julia do WC.

— Julia! Sai imediatamente da casa-de-banho! Estás aí metida há mais de uma hora! Nós também temos de nos arranjar! — gritava Anna Brown, ao mesmo tempo que batia à porta da casa de banho.

De lá de dentro só se ouviram uns grunhidos, intercalados por frases sem nexo que, numa outra altura, as fariam rir que nem doidas.

— Arghh... Esta porcaria não sai... Nem pensem que meto os pés lá fora enquanto isto não sair... Buuuuahhhh, estou contaminada...

Nenhuma das raparigas percebia o que se estava a passar. Não compreendiam o porquê daquele tempo todo com a água a correr, mas também, não tinham tempo para pensar muito. Tinham de se despachar a arranjar-se antes que fossem horas de ir para as aulas. Revirando os olhos, saíram do dormitório e, subindo as escadas, pediram licença às alunas do 5º ano para tomarem banho na casa-de-banho delas.

Quando Kat, a primeira a tomar banho, voltou ao dormitório do 4º Ano, encontrou Julia a esfregar-se à toalha, com todo o vigor. A pele dela já estava mais que vermelha e, a esfregá-la assim com tanta força por muito mais tempo, de certo que a arrancaria.

Mas ela continuava a tentar livrar-se do que quer que fosse que a estava a incomodar. Kat aproximou-se com cuidado e pôs-lhe a mão no ombro, lançando-lhe um ar preocupado.

— Estás bem, Julia? Que se passa?

Julia olhou para ela, já a ponto de chorar de raiva. Por mais que tentasse, aquele cheiro perseguia-a, não a abandonava, tinha vindo para ficar. Se elas imaginassem como ela se estava a sentir desconfortável com aquela situação toda...

— Podes emprestar-me o teu perfume? Não consigo tirar o cheiro do Black de mim, portanto a única maneira é disfarçá-lo...

Kat tentou não se rir, começando a compreender as atitudes da companheira. Sorrindo, abriu a mala que estava aos pés da sua cama, e entregou um frasco a Julia, afastando-se depois para se vestir e pentear.

— Usa o que quiseres, a minha mãe depois manda-me outro... São vantagens dela trabalhar numa perfumaria — e piscou-lhe o olho.

Lily e Anna chegaram pouco tempo depois, a resmungarem baixinho por já estarem atrasadas. Mal entraram no dormitório, foram invadidas por um perfume ligeiramente adocicado, mas, como havia sido posto em excesso, sem dúvida enjoativo.

Começaram a tossir repetidamente e taparam os olhos que ardiam por causa do vapor do perfume. Avançaram às cegas pelo dormitório, acabando por se atirar para cima de uma cama, à espera que o cheiro se dissipasse.

Julia ajeitava agora o cabelo em frente ao espelho, não ligando ao comportamento das suas colegas de dormitório. Não sabia como era possível, mas ainda continuava a sentir o cheiro de Black em si e isso só a fazia sentir-se ainda com mais sede de vingança.

Sentou-se numa cadeira enquanto esperava por Lily para descerem para o Grande Salão. O perfume já começava a desaparecer aos poucos do dormitório, mas mesmo assim, tudo o que as três raparigas menos queriam naquele momento era pensar em comida.

Despacharam-se a arranjar-se e, ao sair para as escadas, puderam ouvir comentários das outras raparigas da Torre, a queixarem-se do cheiro, para abrirem as janelas.

Claro está que todas coraram, menos Julia, que continuou o seu caminho de nariz empinado, limitando-se a ignorar aqueles comentários idiotas a respeito do seu perfume. Até esterco de dragão cheirava melhor que Black e era uma fraca comparação!

Pelo caminho, lembrou-se da última vez que tinha estado no Grande Salão e do grande escândalo que armara. A professora McGonagall devia estar furiosa!! Tinha que falar com ela antes das aulas começarem, para lhe tentar dar a volta.

Olhou para o relógio de pulso, horrorizada por ver que faltavam apenas 20 minutos para a primeira hora do dia que, por acaso, era Transfiguração. Lá se vai o meu pequeno almoço!! Ai Black, quando eu te puser as mãos em cima!!, pensou, enquanto decidia mandar o pequeno almoço às urtigas e salvar a pele antes.

— Hum... Lily... — Julia parou no meio do corredor e virou-se para amiga, esperando que as outras companheiras de dormitório continuassem até ao Grande Salão. Eram todas amigas e confiava nelas mas havia coisas que nunca lhes contaria como, por exemplo, o que se passara realmente na véspera. — Tenho que ir falar com a professora McGonagall, por causa de ontem à noite... sabes?

Ao lembrar-se da noite anterior, e da forma como tinham tratado a Chefe de Equipa de Gryffindor, Lily ficou imediatamente com uma expressão horrorizada.

— Ai meu Deus!!! Mas que fomos nós fazer?!!! Viramos as costas a um professor, faltamos-lhe ao respeito. Nem posso pensar.... Nem posso--- — Lily falava cada vez mais baixo e depressa, começando a apertar as mãos uma na outra, esfregando-as depois no manto, em sinal de grande nervosismo.

— Lily, Lily, LILY!! — gritou Julia até recuperar novamente a atenção de Lily. — Não te preocupes, ok? Eu vou falar com ela, explicar a nossa versão da situação e ela vai compreender. Vocês fizeram tudo para me ajudar e estou muito grata por isso. Não vou deixar que sofram qualquer consequência por causa de uma coisa provocada por aquele animal!!

Ao ouvir as palavras da companheira, Lily começou a acalmar-se, chegando mesmo a rir-se um pouco da sua última afirmação. Era muito bom ter Julia de volta, muito bom mesmo. Não haviam palavras para descrever o que sentira quando tinha acordado de manhã e se lembrara que o dia anterior tinha acabado e a Julia que todos adoravam tinha voltado.

— Lily... Outra coisa — Julia engoliu em seco, pondo-lhe a mão levemente sobre o ombro. — Preciso de te pedir desculpa, por causa de ontem.

Ao ver que Lily a ia interromper, Julia levantou a mão, sinalizando para ela se calar.

— Deixa-me acabar, depois falas. Peço-te desculpa, primeiro por estar com um humor terrível de manhã, mesmo antes do feitiço e fazer-te aturar-me sem teres culpa nenhuma. Depois, por tudo aquilo que te disse sob o efeito do Feitiço de Atracção. Pensei muitas coisas que não devia, disse coisas que nunca diria no meu estado de espírito normal. Mas mesmo assim, sinto-me culpada. Desculpas?

— Oh Juls!!! Isso nem se questiona! — Lily abraçou Julia com força, sorrindo-lhe em seguida. — Bem, nem foi tudo tão mau ontem... O Black acabou com o nariz partido, a sua carinha toda amassada.

Ao ouvir aquilo, Julia ficou imediatamente horrorizada. Severus... Oh, Severus!! De todas as coisas estúpidas e anormais que eu podia dizer... Tinha que falar com Severus o mais rapidamente possível, pedir-lhe desculpas, implorar perdão se fosse necessário.

— Merda!!

— JULIA!!!! — gritou-lhe Lily escandalizada. Julia andava a aplicar-se demais a Estudos Muggles e a ler o que não devia.

— Ah Lily, forgive. Mas não me podes culpar... O Sev, Lils!! Tudo o que eu lhe disse, o que eu lhe fiz!! Ele nunca mais me vai querer por os olhos em cima! Não me vai perdoar! — A última frase foi dita quase aos berros, atraindo a atenção de vários alunos curiosos que iam a passar.

— Julia!! Tem calma, está bem? O Sev adora-te, ele praticamente venera o chão que tu pisas, não é por lhe dizeres algumas coisas menos boas sob o efeito de um feitiço que ele vai ficar chateado contigo. Vai falar com a McGonagall, e depois no intervalo ou assim falas com o Sev.

— Ah, sim, já estou super atrasada. McGonagall agora, Sev depois, certo. Vemo-nos na aula então? — E sem dar tempo a Lily de responder, correu na direcção da sala de Transfiguração.


Enquanto se dirigia para a sala de Transfiguração, Julia ia remexendo a mochila, tentando tomar nota dos estragos da véspera. Cada vez que pensava nisso, em tudo o que tinha acontecido no dia anterior, principalmente no corredor e na Sala Comum, era obrigada a morder o lábio inferior até sair sangue, para se tentar controlar. Sentia uma raiva tremenda de Black, algo tão forte que era impossível de explicar e que a fazia tremer de ódio e rancor.

Tudo tinha corrido horrivelmente mal naquela segunda-feira do inferno e agora tinha que tentar consertar um sem número de coisas e planear vingança. Mentalmente, criou uma lista de coisas que tinha que fazer o mais rápido possível.

Primeiro, falar com a professora McGonagall, tentar explicar minimamente o porquê do seu comportamento tão obsceno. Tentar convencer a professora mais rígida da escola da sua inocência não iria ser nada fácil, já a podia imaginar a acusá-la de atentado ao pudor!

Depois, tinha que falar com Severus, implorar-lhe perdão. Em seguida era a Morgan, a quem, para variar, tinha que pedir também desculpas. Para alguém que raramente precisava de pedir desculpas começava muito bem o dia. Hum... podia agradecer a Potter e a Lupin enquanto estava nas suas acções boas do dia. Sim, porque mal aquela onda passasse, a vingança começaria e, sendo um prato que se come frio, iria ser inesquecível.

— Será que é seguro aproximar-me da tigreza de Gryffindor? — perguntou uma voz que ela reconheceria no meio de todas as outras do mundo, uma voz vinda da sua frente e que pertencia a Severus Snape. O seu tom era de brincadeira, mas Julia não conseguiu deixar de fechar os olhos, sendo imediatamente assaltada por memorias que ela desejaria nunca mais lembrar.

Mas que pensas tu que estás a fazer? Deixa-o em paz! Não tens o direito de te intrometer na minha vida!

Odeio-te Severus Snape!!! Nunca mais te quero ver na vida!! Não significas mais nada para mim!

De repente, foi como se todo o ar à sua volta se tivesse evaporado e Julia não conseguia respirar, apenas ouvia as suas palavras para Severus, ditas no tom de ódio e raiva que sentira contra ele, ouvia-as vezes sem conta durante segundos que pareceram horas. Deixou a mochila cair no chão, levantando a cabeça e olhando-o nos olhos, atirando-se para ele sem pensar duas vezes.

— Oh Sev!! Eu não queria... Nada daquilo era verdade, tens que acreditar em mim... Paenitet Sev... Oh, paenitet! — murmurava Julia enquanto o abraçava com muita força, pousando a cabeça no ombro dele e agarrando-se a ele como se a sua vida dependesse disso. — Magoei-te muito?

— Shhhhh Julinha, estás perdoada. Estou bem, não te preocupes. Eu sei que não estavas em ti, tudo por culpa daquela pulga miserável. E tu, estás bem? — perguntou com voz suave, fazendo-lhe festas no cabelo.

— Ainda estou a recuperar do choque inicial. Senti-me tão mal Sev, tão usada. Suja! As raparigas tiveram que me arrastar da casa-de-banho, mas ainda consigo sentir o cheiro daquele verme em mim, mesmo depois de ter despejado metade do frasco de perfume de uma delas.

— AH! Está explicado então! O cheiro a rato podre vem de ti!!

— Severus!!! — gritou uma Julia indignada enquanto olhava para cima e lhe dava uma pancadinha amigável no peito. — Eu admito que exagerei um pouco mas também não precisas de insultar.

— Nunquam. Sabes que não. Estava apenas a brincar contigo. Olha lá, não devias estar a tomar o pequeno-almoço?

— Oh, nem me digas nada — Julia suspirou fundo, relembrando tudo o que tinha para fazer e sentindo já a barriga a dar horas. — Tenho que ir pedir desculpa à professora McGonagall por causa do vexame de ontem. Só vou poder comer à hora de almoço. Mas o que fazes aqui, anyway? Não devias estar a caminho das estufas?

— Ah, minha querida Julia, um passarinho disse-me que uma grande amiga minha não tinha tomado o pequeno almoço no Grande Salão e que provavelmente não o iria fazer e, como é natural, não podia deixar uma pessoa tão especial sem comer durante tanto tempo — respondeu-lhe Severus, ao mesmo tempo que lhe entregava um saco de papel do qual vinha um cheirinho muito agradável.

— Oh Sev! Até me deixas sem jeito. Que seria de mim sem ti?

— Não sei, dulcis Julia, nem quero descobrir — Severus lançou-lhe um raro sorriso, apertando-a com força e afastando-se um pouco depois. — Vá, tenho que ir andando. Bom apetite, vemo-nos depois.

Julia sorriu, deu-lhe um beijo no rosto e fez-lhe uma pequena carícia na face, pegando na mochila caída a seus pés e preparando-se para seguir caminho, enquanto ele virava costas e seguia na direcção de onde tinha vindo.

— Eu vou pensando na vingança!! — gritou para um Severus que já estava quase a virar a esquina. Ele virou-se para trás ergueu as sobrancelhas e abanou a cabeça, como que dizendo que ela ainda mal tinha saído de uma e já se estava a enterrar noutra.

Julia sentia-se muito mais leve, livre da preocupação com a reacção de Severus, e sensivelmente mais descansada. Faltavam poucos corredores para a sala de Transfiguração e apenas dez minutos até tocar. Abrindo o saco que Severus lhe trouxera, tirou um frasco de sumo de laranja (o seu preferido) e um croissant misto, agradecendo a todos os deuses dos muggles e mais alguns por ter um amigo tão dedicado como Severus Snape.


Julia bateu levemente na porta, receando a reacção da professora. Agora que estava a segundos do confronto, os nervos tinham regressado em força e ela tremia ligeiramente. Como estaria o estado de espírito de McGonagall? No Grande Salão ela parecera completamente furiosa, e não era para menos. De todas as coisas embaraçosas que podia ter feito, tinha escolhido logo uma completamente depravada, mesmo a meio do jantar, ainda por cima. Que vergonha! Como poderia encarar a professora McGonagall depois de tudo o que se passara?

— Entre! — uma voz ordenou do interior da sala e Julia, engolindo em seco, obedeceu.

McGonagall levantou os olhos dos papeis pousados na secretária e focou o olhar em Julia, que tremia como varas verdes.

— Miss Welling... Não a esperava aqui depois do espectáculo da noite passada — disse a professora enquanto olhava Julia de alto a baixo. — Mas sente-se, temos muito que discutir.

Julia aproximou-se da frente da sala, puxando a cadeira da mesa mesmo em frente a McGonagall, sentando-se em seguida. Pousou as mãos no colo, apertando-as com força para se tentar acalmar, enquanto mordia o lábio inferior numa tentativa de controlar o que iria dizer.

Como lhe apetecia contar toda a verdade! Desde a prank de Sirius Black até às humilhações que passara, contar tudo detalhadamente e sem censura, mas não o podia fazer. Era uma espécie de regra não combinada entre os dois grupos, regra que tinham mantido desde o inicio da "Guerra de Pranks", e que assegurava que todas as figuras de autoridade (pais, professores, familiares) permaneceriam na ignorância sobre o que se passava entre eles.

Mas, pensando melhor, se McGonagall descobrisse sobre as pranks ela já não se poderia vingar. E por mais agradável que fosse ver Sirius Black em detenções com o Filch ou em outra espécie de humilhações, nada seria melhor do que a sua própria vingança. Ele vai-se arrepender de ter cruzado o meu caminho!

— Professora, antes de mais, tenho que lhe pedir desculpa — começou Julia. — O meu comportamento no Grande Salão foi vergonhoso e sinto-me verdadeiramente embaraçada.

McGonagall olhou-a profundamente, perscrutando-a de alto a baixo, numa tentativa de descobrir algum indício que lhe provasse que tudo aquilo não passara de uma prank.

Todos os professores sabiam da existência daquela "guerra de pranks", mas por muito que desconfiassem, nada podiam fazer se os próprios que sofriam as pranks não acusavam os culpados. E, se não se enganava, Welling jamais acusaria quem quer que fosse, limitando-se a esperar pelo momento mais oportuno para aplicar a sua vingança. Teria que se manter atenta para tentar apanhar os culpados.

— Ainda bem que concordamos nesse ponto, Miss Welling — fez uma pausa estratégica, deixando o tom severo da sua voz penetrar bem fundo na consciência de Julia, que engoliu em seco novamente. — Mas isso não desculpa os seus actos de ontem, e muito menos os dos seus amigos. Exijo uma explicação com pés e cabeça. Oh, e Miss Welling... Nem sequer pense em me enganar...

Julia conteve um risinho irónico, ao ouvir o que a McGonagall acabara de dizer. Quantas vezes já ouvira aquela última frase, aquela suposta ameaça. Das primeiras vezes ficara com medo, temendo aquela professora com um ar rígido e austero. Mas depois habituara-se à parte de inventar desculpas pois, apesar de suspeitar a verdade, McGonagall não podia acusar ninguém sem provas.

— Oh, professora! Eu jamais seria capaz de tal coisa! Limito-me a dizer os factos, a contar a verdade — aguentou firme o olhar céptico da professora, tentando aparentar um ar sincero. — Na verdade, sei que ontem acordei super maldisposta e ninguém me podia aturar. Mas na aula de Encantamentos, a minha disposição alterou-se num estalar de dedos. Claro que devia ficar furiosa com o Lupin, afinal de contas, a incompetência dele é injustificável. Mas quando ele me acertou com o feitiço senti-me tão... feliz! Por isso só lhe posso agradecer. Até porque os efeitos do feitiço nem foram muito graves, embora vergonhosos. Na verdade, não tomei muita consciência dos meus actos depois da aula e, por isso, vim hoje pedir desculpa e tentar justificar-me perante as consequências do que fiz e disse.

Despejou aquilo tudo de uma só vez, sabendo que McGonagall não acreditaria numa só palavra. Um silêncio incómodo instalou-se na sala, apenas pontuado pelo roçar do manto de Julia, que não conseguia parar de abanar as pernas, de tão nervosa que estava. Detestava ter de mentir, não tinha jeito nenhum para a coisa, mas não tinha outra opção.

A campainha tocou nesse momento e McGonagall ajeitou os óculos na ponta do nariz, não tirando os olhos de Welling. Sabia que ela estava a mentir e não o podia provar. Claro que lhe podia dar Veritaserum6, mas era proibido por lei administrar essa poção a menores e ela nunca iria desrespeitar uma lei. Mas eles não sabiam disso... Hum, terei de acrescentar isso à minha ameaça para a próxima...

— Levante-se, Miss Welling. Se o que disse é verdade, então não há nada que eu possa fazer. Talvez falar com o professor Flitwick para dar aulas extra a Mister Lupin. Sim, creio que será o mais acertado e Mister Lupin só lhe ficará agradecido — fez um sorriso sarcástico, enquanto ela própria se levantava e ia abrir a porta da sala para os alunos entrarem.

Perante uma Julia boquiaberta, McGonagall parou Lupin por uns momentos na entrada e, com um ar sério, mas ao mesmo tempo divertido, disse para um Remus espantado:

— Mister Lupin, preciso de falar consigo. Se não se importar, no final da aula dispensa um pouco do seu tempo à minha atenção.

Julia mordeu o lábio inferior ao ver a cara de Lupin, de olhos esbugalhados e um ar confuso, sentindo-se de certa forma culpada pelo que lhe ia acontecer. Logo ele que não tivera culpa nenhuma naquele caso e até saltara em sua defesa nas horas mais apertadas. E ela, em vez de lhe agradecer, só lhe causara mais problemas.

— Com certeza, professora — balbuciou Remus antes de se arrastar lentamente até ao lugar, interrogando-se sobre o destino que o esperava.

A professora caminhou até à frente da sala, com o manto a arrastar-se pelo chão. Todos os alunos estavam sentados nas suas carteiras, em silêncio e com ar sério. Ninguém se atrevia a desafiar aquela professora e a postura que lhes tinha sido imposta indirectamente na primeira aula do primeiro ano. Aquela aula não era para brincadeiras.

McGonagall pigarreou e encavalitou os óculos no nariz. Olhou em volta, parando o olhar em cada aluno, uma das suas maneiras de impor respeito e manter a seriedade da aula.

— Bom dia, Gryffindors e Hufflepuffs. Hoje vamos deixar de parte a teoria sobre como transformar objectos pequenos em grandes e vamos passar à prática. Queiram prestar atenção à minha exemplificação e reparar em todos os pormenores. O feitiço não é dos mais simples, pois envolve uma total transformação do objecto noutro de material, tamanho e textura diferente — pegou num frasco com botões e tirou um de dentro, pousando-o sobre a mesa. — Verti Cavea!

Uma luz azulada propagou-se na carteira da professora e uma gaiola começou a surgir lentamente, começando-se a ver o apoio, as barras de metal e por fim a pega em cima.

Toda a turma assistiu àquilo, com uma expressão de espanto e admiração. Jamais conseguiriam fazer aquele feitiço. A maioria já tinha tentado nas horas de estudo e o máximo que conseguira fora fazer crescer barras de metal no botão. O que já não era nada mau, considerando que McGonagall dissera que o feitiço não era muito fácil.

— Muito bem, como viram, nada de mais fácil. O que é necessário é precisão, pronunciação correcta e muita atenção e concentração. Podem passar à acção — a professora começou a distribuir os botões pelos alunos e depois foi circulando entre eles, ajudando os que tinham mais dificuldades.

Entre botões, gaiolas e "botaiolas", a aula passou-se num piscar de olhos e quando repararam já a campainha estava a tocar para o intervalo. Lily, toda orgulhosa de si própria, arrumava as suas quinze gaiolas num canto da sala, enquanto Julia, também com um sorriso, mas com um ar stressado, metia à pressão as 10 gaiolas num armário.

— Oh não! — resmungou Julia, batendo com a mão na testa. — Esqueci-me das coisas de Herbologia no dormitório... Vou ter de lá ir depressa. Vai indo e diz à professora o que aconteceu. Eu vou já.

Ia a sair da porta, quando viu Lupin a falar com a professora, na frente da sala. Notou o olhar constrangido do rapaz, e mentalmente tomou uma nota para lhe pedir desculpas mais tarde. Mais um menos um Julia, não te faz diferença nenhuma. Vais conseguir entrar para aqueles prémios muggles que glorificam as pessoas que fazem alguma coisa nunca antes conseguida. Guinese ou algo do género. Não, está qualquer coisa mal. Tenho que estudar mais.

Abanando a cabeça para afastar aqueles pensamentos estúpidos, Julia saiu o mais rápido possível (para não dar tempo à avalanche de alunos para tomar conta da porta) e correu o mais depressa que conseguiu para a Torre dos Gryffindor.


Morgan corria apressadamente pelos corredores dos calabouços, sabendo que tinha mais ou menos cinco minutos para chegar à Sala de Transfiguração. Faltara à primeira aula da manhã e estava furiosa consigo própria por isso. Deixara-se adormecer, depois do dia super cansativo que tivera na véspera, e ninguém tivera a preocupação de a acordar!

Ia a tomar o pequeno-almoço pelo caminho, que também parecia tudo fazer para lhe tornar o dia ainda mais miserável. Sumo de pêra (que ela tanto detestava) e uns bolinhos de amêndoa (que não podiam ser piores). Severus tinha falhado na comida, desta vez. Não que ele tivesse culpa, aliás, coitado, ele já fazia tanto por ela que ela nem tinha coragem para reclamar. Mas mesmo assim! Podia ter pedido a alguém para a ir chamar ou assim.

Ia tão mergulhada nos pensamentos que nem teve cuidado ao virar uma esquina e chocou contra Julia. Por momentos pensou que se tivesse espetado contra um espelho, mas depois o vermelho sobressaiu e ela deu-se conta que era a irmã.

— Mana! Que fazes aqui?? Devias estar em Herbologia! — exclamou Morgan, enquanto limpava umas gotas de sumo de pêra do manto.

— Sis!! Nem de propósito, precisava mesmo de falar contigo! Ewwww, isso é sumo de pêra? Chega para lá mana! Yuck! — Julia fez um olhar enojado e deu um passo para trás, com um ar de repulsa.

— Oh, muito obrigado. Foi muito simpático da tua parte — suspirou e meteu o último pedaço de bolo na boca, num esgar de sacrifício. — De toute façon, o que tinhas para falar avec moi?

Julia não pôde deixar de notar nas pequenas expressões francesas que a irmã sempre usava enquanto falava consigo. Por acaso era engraçado, isso tinha ficado como uma espécie de hábito em Morgan desde que se tinham mudado para França por uns tempos para viver com a irmã do pai de ambas, a tia Sherry Morgan (o nome de Morgan viera dela). Desde então que Morgan não deixava de utilizar algumas palavras em francês sempre que podia.

Tentou ignorar o cheiro intenso a pêra e puxou a irmã para um canto do corredor, olhando em volta, a ver se ninguém os estava a observar. Tendo essa certeza, voltou a olhar para Morgan, que retribuiu o olhar, curiosa e de sobrolho franzido.

— Bem, ermm... Primeiro queria pedir-te desculpa pelo que aconteceu ontem. Disse coisas que não devia e... enfim... Sabes que no meu estado normal, nunca diria coisas daquelas.

— Sim, mana... Eu sei, não te preocupes. E ainda me ri bastante com toda aquela situação. Mas, o que é que tinhas de tão importante para falar comigo? Tenho a certeza que não precisas de mim só para me pedir desculpa, n'est-ce pas?

— Well... cof... — gaguejou Julia, embaraçada.

— Apanhei-te! — riu Morgan baixinho.

— Oh, não comeces! Vou mas é directa ao assunto, como se tivesse motivos para estar aqui toda preocupada. Queria pedir-te ajuda para me vingar do Black. Preciso de um feitiço que o faça ter medo das conquistas dele todas.

Morgan riu-se de antemão, ao imaginar a situação de Black a fugir das raparigas todas da escola. Tinha de ir procurar no seu livro e na biblioteca qual o feitiço perfeito para o tipo de efeitos que Julia pretendia.

— E... humm, mana... Vou precisar que sejas a minha cobaia — e acrescentou muito depressa antes que Morgan se atirasse a ela: — Mais ninguém pode saber disto e eu tenho de testar o feitiço em alguém!

— Oh, sim, muito inocente a nossa Julinha! — revirou os olhos. — D'accord, d'accord... Eu trato do assunto. Na verdade, acho que até estou a ver o feitiço perfeito! Allez, ma chérie! Temos de ir para as aulas. Depois eu digo-te alguma coisa. À tout à l'heure! — e com isto correu o mais que pôde até ao 5º andar.

Julia acenou com a cabeça e começou também a correr em direcção ao exterior do castelo, onde a aula de Herbologia estava a decorrer.


Nunca o tempo passara tão depressa como naquelas duas semanas. Todos andavam atarefados com trabalhos de casa, treinos de Quidditch, aulas extra em grupos, sessões tardias na biblioteca... Já ninguém se lembrava da prank que Sirius pregara a Julia e muito menos pensavam em retaliação. Claro, todos menos a própria Julia e a sua querida cúmplice, Morgan, que planeavam a vingança em segredo.

Depois de horas de pesquisa, logo na primeira semana, Morgan encontrara a referência ao feitiço perfeito. Não era bem o que Julia lhe pedira, mas era ainda melhor! Mas, por azar, o livro onde a descrição pormenorizada se encontrava fazia parte da Secção Restrita da Biblioteca, e só poderiam aceder a ele com a autorização de um professor, o que chamaria muito a atenção para os seus planos.

No entanto, perante o ar desanimado de Julia, Morgan escrevera para os pais, implorando-lhes que lhe comprassem aquele livro urgentemente, pois precisava dele para um trabalho de Encantamentos que teria de apresentar ainda nessa semana. Sabendo do amor que a filha tinha por aquela disciplina, Leandra e Stevan Welling não estranharam o seu comportamento, enviando-lho o mais rápido que puderam.

Não demorou muito até a encomenda chegar, num dia ao pequeno-almoço. Entusiasmada, e já sob o olhar atento e em pulgas de Julia, levantara o livro acima da cabeça para lhe dar a boa notícia. Julia levantara-se imediatamente da mesa dos Gryffindor, fazendo-lhe um pequeno gesto em direcção à porta, com um sorriso enorme e ansioso. Dando uma desculpa esfarrapada a Lily, saíra ao encontro de Morgan, sem pensar em mais nada senão na desforra.

Tanto Lily como Severus tinham ficado de sobrolho franzido, observando a saída das duas irmãs. Estavam a achar aquilo tudo muito estranho, aliás, Morgan e Julia andavam a actuar de forma muito suspeita nos últimos dias. Cochichos no corredor, horas na biblioteca, chegadas à Sala Comum a horas tardias, todos os intervalos se encontravam... Eles nem sonhavam com o que elas estavam a preparar e os dias que se seguiram àquele pequeno-almoço só serviram para lhes aguçar a curiosidade.

A partir do momento da chegada do livro, todos os dias ao fim da tarde, Morgan e Julia reuniam-se numa das muitas salas não utilizadas do castelo e praticavam o feitiço até à exaustão. Morgan teve de se submeter como cobaia, pois claro, não teve outro remédio.

No início treinavam com o perfume de Severus (Utopia Negra, criado pelo próprio e que tinham surripiado à socapa do dormitório masculino), de forma a que Morgan pudesse relatar os sintomas que sentia. A Julia, custou-lhe um pouco a atinar com o feitiço, mas quanto mais praticava, melhor se saía e mais Morgan sofria.

No final da segunda semana, já Julia tinha um controlo perfeito do feitiço, e os efeitos em Morgan eram muito melhores do que ela alguma vez pudera imaginar. Quinta-feira, 19 de Setembro, fora o dia do teste final. Como sempre, reuniram-se numa sala do 6º andar, onde Julia se apressou a lançar o feitiço sobre Morgan. Mas, desta vez, não iriam usar o perfume de Severus. Julia queria ver o efeito real do feitiço, e para isso, era necessário um membro do sexo oposto.

Severus, qual estrela de TeenWiz (a revista para adolescentes mais popular do mundo mágico), tinha sido o escolhido para a missão que mais tarde seria chamada "O Teste!", nome nada original quando comparado com o que se passara nessa tarde.

Julia acabara de lançar o feitiço a Morgan, que naquele momento tremia por todo o lado e cambaleava para longe do frasco de Utopia Negra, cheia de suores frios e a cara mais vermelha que o escarlate de Gryffindor. E sempre que tentava abrir a boca para implorar a Julia que parasse o feitiço, só lhe saíam, em sons agudos e histéricos, sílabas gaguejadas de palavras.

Contudo, Julia apenas sorriu de orelha a orelha, orgulhosa de si própria. Só lhe faltava uma pequena coisa para o feitiço ficar finalmente testado: a entrada triunfal na sala de Severus Snape. E, nem por falar no Diabo, Severus bateu à porta e chamou por Julia. Morgan saltou imediatamente para trás de uma das carteiras, mas, desajeitada e trapalhona, tropeçou no manto e estatelou-se no chão da sala.

Julia bateu palmas e deu pulinhos, não contento a sua excitação. Severus era fantástico, sempre pontual, tinha chegado mesmo à hora combinada! Ansiosa por saber se o feitiço sempre resultava na presença de um membro do sexo oposto, mandou Severus entrar. Este assim o fez, de sobrolho franzido e um ar sério e grave.

Ao ver Morgan caída no chão e a guinchar que nem um porco, correu para ela, preocupado. Tentou levantá-la mas ela desatou aos gritos, estridentes, enchendo-o de perdigotos. Rapidamente a largou e viu-a a recuar, de olhos muito abertos e a brilhar das lágrimas. Morgan, de respiração acelerada, sentia-se fraca e não conseguia controlar a reacção do corpo. Para ela, ver Severus a aproximar-se dela fora quase pior que um dos seus pesadelos.

Severus olhou de Morgan para Julia, que se agarrava à barriga, rindo-se às gargalhadas. Ai Salazar, ajuda-me, que elas andaram a tramar alguma. Ficou parado no meio da sala durante alguns segundos, sem saber o que fazer ou como reagir a toda aquela situação. No ar, pairava um aroma que lhe era muito familiar, e voltou os olhos pela sala, parando no frasco do seu perfume, aberto e meio entornado, pousado em cima de uma mesa.

Não posso acreditar nisto! Com o meu perfume, a minha criação! É bom que tenham uma explicação para isto ou então vai haver sangue esta tarde.

Julia, alheia aos pensamentos do melhor amigo, parecia prestes a sufocar. A reacção de Morgan tinha sido ainda melhor do que esperara e, apesar de saber que a irmã muito provavelmente a mataria, não conseguia deixar de se rir perante as figuras que ela fizera quando Severus se aproximara.

De repente, o olhar dela caiu sobre o de Severus, que continuava fixado no frasco de Utopia Negra, e engoliu em seco, ainda a rir-se, o que fez com que quase se entalasse. O olhar de Severus focou-se então nela, prometendo-lhe muita dor se ela não justificasse tudo imediatamente. A cena era toda tão caricata, tão hilariante que a gémea de Gryffindor teve que se controlar para não desatar a rir-se novamente.

Tossiu para disfarçar, pedindo ajuda a Vénus e a Diana para se conseguir escapar com vida daqueles dois e puder completar a vingança, e lançou o feitiço de reversão para Morgan voltar ao normal. Antes mesmo de se poder proteger atrás de uma cadeira, já a irmã saltara sobre ela, fazendo-as cair no chão. Ao cair, Morgan soltou um uivo prolongado e agarrou-se ao joelho, com lágrimas nos olhos.

— Aiiiiiiiiiii... Mana, escusas de pedir desculpa, porque o que fizeste não tem perdão! Foste má no verdadeiro sentido da palavra!

Julia levantou-se, tentando conter um sorrisinho maléfico, devido ao plano da irmã se ter virado contra ela, e ajudou-a a sentar-se numa cadeira. Esta continuava agarrada ao joelho, com um esgar de dor, e, quando Julia a ajudou, deu-lhe uma grande cotovelada, soltando um "Humpfff!". Ambas se olharam e, perante um Severus que perdera toda a sua irritação devido a todo aquele espectáculo e que agora se limitava a observar aquilo tudo com um ar de parvo, desataram a rir, orgulhosas do êxito do feitiço.

— Bem, quando as madames acabarem de gozar com a minha cara, pode ser que se decidam a explicar esta trapalhada toda — sussurrou Severus numa voz áspera.

Morgan calou-se, então, sentindo-se tanto culpada como vítima naquilo tudo. Continuou a esfregar o joelho, que ainda lhe doía, e ao mesmo tempo contou ao amigo o que tinham estado a planear.

— Primeiro de tudo, lamento imenso que te tenhamos feito passar por tudo isto. Mas só poderíamos saber se o feitiço realmente funcionava se passássemos por uma situação real. E tu foste o escolhido! Já viste, devias estar orgulhoso! — engoliu em seco ao ver o olhar que Severus lhe lançou e continuou, ignorando-o. — De qualquer das maneiras, nestas últimas semanas, estivemos simplesmente a preparar a prank para o Black. A Julia teve uma ideia fantástica, de lhe lançar um feitiço do tipo Amoureux, o número 35 "Dread Contrary Gender". Claro que me pediu ajuda, mas eu encontrei um muito melhor! Faz parte do mesmo género, mas é o número 59 "HiperShyness Around Opposite Sex", que é de longe o mais hilariante!

— Morg--- Morgan... MORGAN!!! – gritou Severus, tentando-se fazer ouvir acima da excitação da amiga. Aquela rapariga quando começava, não havia meio de parar. — Explica-me isso por miúdos, se não te importas...

Julia, que até ali tinha escutado com atenção a irmã, a ver se ela explicava tudo direitinho, revirou os olhos ao ouvir o comentário de Severus. Morgan com tanto trabalho a tentar explicar-lhe tudo da melhor forma e ele vinha com comentários daqueles...

— Ok... Ok... Do início... — Morgan respirou fundo e recomeçou a explicação. — Então foi assim, a Julinha queria lançar um feitiço ao Black que o fizesse ter medo das raparigas. Sabes como é que ele é, sempre rodeado delas por todo o lado. Com este feitiço, ele passaria a fugir a sete pés das raparigas.

« Muito bem, eu fiz a pesquisa por ela só que me deparei com um de certa forma diferente mas, em termos de humilhação, melhor. Ou seja, em vez do Black sentir medo das filles, sentir-se-ia extremamente embaraçado, tímido em frente a elas. Nesta semana temos treinado isso mesmo e hoje foi o dia do teste final, apesar de nem eu ter sabido disso até te ver entrar pela porta.

— Eu a pensar que estava a salvar uma dama em apuros... Nós, os cavalheiros, não tardaremos a ser obrigados a pedir a reforma antecipada. Ou então entramos em extinção... — interrompeu Severus ironicamente, lançando um olhar penetrante a Morgan.

— Ora, o problema é que já não se fazem cavalheiros como antigamente. Qualquer um ficaria orgulhoso de ter sido escolhido para participar numa experiência com duas belas raparigas... — disse Julia num tom airoso, dando uma voltinha pela sala a segurar o manto, qual princesa a desfilar para os seus súbditos.

— Se não tivesse a certeza que ainda não bebi hoje, juraria que estou a ver a dobrar — comentou Severus, não se deixando atingir pelo comentário de Julia.

Morgan bateu com o pé no chão sistematicamente, de braços cruzados. Olhava para os amigos com um ar sério e de sobrolho franzido, esperando que eles terminassem a brincadeira para que ela pudesse continuar a explicação. Não é que quisesse estragar o momento ou fazê-los sentirem-se mal, mas o facto é que havia alturas para a risota e outras para falar a sério.

E naquele preciso momento em que acabara de sofrer na pele o pior feitiço da sua vida, e só lhe apetecia ir apanhar ar para refrescar a cabeça, tinha de estar ali à espera que suas excelências acabassem as piadas para poder terminar o seu esclarecimento sobre o feitiço.

— Bem, se não querem ouvir-me, basta dizer. Agora escusam de me deixar pendurada.

Tanto Julia como Severus engoliram em seco, apercebendo-se do súbito mau humor de Morgan. Por muito brincalhona que ela fosse, por vezes achava alguns comentários exagero e, de certa forma, com toda a razão. Quando Julia e Severus estavam juntos, esqueciam-se um pouco do que os rodeava e normalmente quem sofria era Morgan e Lily.

Apercebendo-se do silêncio que se tinha instalado, Morgan abanou a cabeça e revirou os olhos, ao mesmo tempo que soltava um suspiro. Não valia a pena chatear-se por coisas tão triviais.

— Bem, continuando... Se tudo correr bem, o Black vai ficar absolutamente confuso, porque o feitiço ataca o corpo e não a mente. Ou seja, ele não vai poder controlar as reacções do seu corpo face à presença de raparigas, principalmente se uma delas for a Julia, porque quem lança o feitiço tem um poder ainda maior sobre a vitima.

« Os sintomas são vários, desde suores, calafrios, aperto no estômago, vontade de vomitar, tonturas, até visão desfocada, gaguejos, incontinência, perda de equilíbrio e desmaios, este feitiço poder mesmo causar a morte, se o desgraçado estiver rodeado de um numero exagerado de elementos do sexo oposto, sobretudo se estiverem muito perto dele.

Àquela afirmação, Severus franziu o sobrolho, apercebendo-se da gravidade do feitiço e das consequências que poderia acarretar. Por seu lado, Julia agarrou-se à barriga, já de lágrimas nos olhos e os músculos do rosto contraídos, devido ao esforço de rir e falar ao mesmo tempo.

— Ahahahah!... O Black... Ahahahahah!

Os dois Slytherin olharam um para o outro, encolhendo os ombros, certos que Julia tinha pirado de vez. Avançando na direcção dela, ajudaram-na a levantar-se e começaram a caminhar para a porta.

— Ai... Ai... meu rico Gryffindor... Incontinência... Ahahahahah! — e escangalhava-se toda outra vez, perdida de riso.

Severus revirou os olhos e tomou nota mentalmente de nunca se meter com as amigas. Elas sabiam mesmo como embaraçar uma pessoa...

Morgan deixou Julia e Severus à beira da porta e voltou atrás, para dar uma arrumadela à sala, para não ficarem provas incriminadoras da prática ilegal do feitiço. No seu rosto desenhava-se já um sorriso, contagiado pelas gargalhadas da irmã e, quando voltou para o lado de Severus, já ela própria se ria tanto ou mais que Julia. Saltitou entusiasmada à volta dos dois e puxou-os para o corredor, ansiosa.

— Andem lá! Temos de contar à Lily! Não pode ficar sem saber deste espectáculo! E Julie, temos de combinar com ela aquilo dos horários para aparecer ao Black! Vamos, vamos!

Arrastou-os ao longo do corredor até à Biblioteca, onde Lily certamente se encontraria. Pelo caminho, e por entre as lágrimas de riso (até Severus já se deixara contagiar pela alegria das duas amigas), cruzaram-se com a Professora McGonagall, que parou estática no meio do corredor, com as sobrancelhas quase juntas do esforço que fazia para ouvir o que eles sussurravam entre si, cumplicemente.

Já há duas semanas que andava a reparar que algo de estranho se estava a passar. Muitos cochichos entre as duas irmãs logo após o sermão de McGonagall a Julia, a chegada de um livro e a saída abrupta do Grande Salão, as varias horas desaparecidas dos olhos de toda a gente...

Sempre que as apanhava num corredor, tentava perceber o que elas estavam a preparar, bastar-lhe-ia ouvir a palavra prank, que ao menos já teria uma prova. Mas, tendo em conta que eram só suspeitas, não podia fazer nada em relação a isso, e essa sensação de impotência só a deixava ainda mais curiosa. Sabia que a vingança estava a ser preparada e quando algo acontecesse, ela seria a primeira a saber. Ainda de sobrolho franzido, viu os amigos afastarem-se dela e ela própria continuou o seu caminho, ainda a matutar naquele assunto.

Os três amigos encontraram, de facto, Lily num canto da biblioteca, embrenhada numa pesquisa para a composição de Herbologia. Só reparou neles quando foi arrastada para a beira da parede, pelos amigos excitados, e ficou a fazer parte do segredo do grupo.

Ao saber tudo o que tinham estado a preparar, às escondidas dela, ficara magoada com as amigas, mas após saber que Severus também tinha acabado de descobrir, sentira-se furiosa com aquela mania das pranks. Ao verem a reacção dela aos efeitos do feitiço ("Meu Deus! Vómitos! Desmaios! Incontinência! Isso é um exagero!"), decidiram omitir-lhe, compreensivamente, a parte do poder causar a morte, o extremo dos efeitos...

Ao inicio recusou-se a participar numa brincadeira ilegal, mas aos poucos lá se deixou convencer pelas súplicas de Morgan e Julia, que estavam quase de joelhos, e ficaram o resto da tarde a combinar tudo para o dia seguinte, denominado de Dia B, porque iria ser muito negro para o Black.


Latim, traduções literais:

'Paenit' (desculpa-me)
'Nunquam' (nunca)
'Dulcis' (doce)
Verti Cavea' (transformar em gaiola)


Traduções de Francês: (só as mais complicadas)

'De toute façon' (de qualquer maneira)
'N'est-ce pas' (não é)
'D'accord' (está bem)
'Allez, ma chérie' (vamos, querida)
'À tout à l'heure' (até logo)
'Allez, on y va' (vamos lá)