Capítulo 6
A Retaliação de Julia

Entretanto, nas fortalezas Maraudianas, Sirius estava a dar em doido. Podia jurar que para qualquer lado que se virasse estava Welling, de olhos castanhos cintilantes e uma expressão de quem está a planear alguma no rosto. Até já começara a ouvir vozes que se pareciam muito com a dela a provocá-lo, instigá-lo e a prometer-lhe vingança.

Nos dias que se antecederam à vingança da Julia, Sirius começou mesmo a entrar em paranóia. Não conseguia dormir, mal se podia concentrar nos estudos, andava sempre a espreitar por trás das costas, e tudo o que Julia Welling fazia era para ele sinónimo de algum plano obscuro que ela estava a planear. Tudo isto estava a levar os companheiros à loucura, que já não o conseguiam aturar.

Sempre que mencionava as suas suspeitas sobre Welling a James ou Remus, ambos olhavam para ele como se ele precisasse de ser internado em São Mungos ou desatavam-se a rir às gargalhadas. ("Siri, tem juízo, não achas que estás a exagerar?"). Isso irritava-o profundamente, o facto de que os seus próprios amigos o consideravam doido e se divertiam às suas custas. A coisa estava rapidamente a perder o controlo e só parecia com tendência a piorar. Facto que aconteceu no dia 21 de Setembro, um sábado.

A manhã tinha passado como de costume, com os Marauders a dormirem até tarde e aproveitarem o final da manhã para estudarem os livros sobre Animagi (como habitual) onde fizeram verdadeiros progressos, graças a um livro que James tinha surripiado da Biblioteca, intitulado "Get in Touch With Your Inner Animal", e a almoçarem fora de horas na cozinha, enquanto conversavam animadamente sobre tudo o que lhes vinha à cabeça.

Até aqui, nada de novo, e Sirius tinha começado já a relaxar quando o seu olhar cruzou o de Welling pela primeira vez naquele dia, e escassos segundos bastaram para ele saber, instantaneamente, que aquilo que tinha temido durante duas semanas estava prestes a tornar-se realidade. Julia Welling estava preparada para a vingança.

Naquele princípio de tarde, estava sentado na Sala Comum, depois do almoço quase banquete na cozinha. Tinha-se deixado convencer por Remus a começar os trabalhos de casa e esperava agora pelos outros Marauders, que tinham ido buscar o material ao dormitório, enquanto abria os livros e tirava os pergaminhos, a tinta e a pena da mochila, pondo-os em cima da mesa.

Um barulho atraiu-lhe a atenção para o buraco da entrada, da frente da qual deslizou o retrato da Dama Gorda, e pela abertura apareceram Evans e Welling, a primeira de sobrolho franzido e com uma expressão de preocupação no rosto e a última de olhos brilhantes e um sorriso de orelha a orelha, capaz de iluminar o mundo.

Mas Sirius não teve tempo de ficar a matutar naquilo, pois Welling dirigia-se a passos largos na sua direcção, de varinha na mão e olhar gelado, como uma leoa pronta a defender as suas crias. Foi naquele momento que se apercebeu, num misto de surpresa e terror, que Julia não tinha esquecido a Prank de Atracção, muito pelo contrário, e estava prestes a retaliar.

Amoureux Shy Power! — Nunca tinha ouvido falar naquele feitiço, não sabia sequer o significado daquelas palavras, mas Welling pronunciara-o com grande à vontade, como se o usasse diariamente, e ele apercebeu-se que ela o devia ter praticado durante algum tempo, para o saber usar perfeitamente.

Durante os primeiros segundos, Sirius não sentiu nada. Limitou-se a olhá-la com receio, sem saber se aquela inactividade de reacções era uma coisa boa ou má. Mas depois... depois sentiu um arrepio gelado pela espinha acima, completamente involuntário, e começou a tremer ligeiramente, facto que sobressaía principalmente nas suas mãos.

Não conseguia explicar as reacções do seu corpo, não conseguia perceber o que se estava a passar nem a razão pela qual os sintomas duplicaram automaticamente quando sentiu Welling mover-se para trás das suas costas, roçando um pouco do seu manto no corpo dele.

— A vingança é um prato que se serve frio... Sabias? — murmurou Julia junto do seu ouvido, algo que outrora o faria tremer instintivamente e suster a respiração por outros motivos, e agora lhe causava calafrios intermináveis e uma sensação enorme de mal estar. Sabia que tinha alguma coisa a ver com o feitiço de Welling, mas não sabia o que era, nada fazia sentido...

Infelizmente, Welling não se ficou por ali. Sirius sentiu as mãos dela deslizarem suavemente pelos seus ombros, entrando por dentro da camisola que usava e ficando em contacto directo com a sua pele, e se ele tinha ficado surpreendido com as reacções anteriores, desta vez não sabia mesmo o que pensar.

Era como se tivesse havido uma divisão entre o seu corpo e a sua mente, e ao contrário do primeiro, a segunda desejava que Julia não parasse nunca, apreciava o mínimo contacto com a perfeição que era Julia Welling. Mas o corpo dele em vez de reagir como qualquer corpo masculino reagiria numa situação daquelas, parecia queimar nos locais que as mãos de Welling haviam percorrido e ele sentiu uma vontade de vomitar tão súbita e inacreditável que se levantou num salto, acabando por tropeçar no tapete e cair desamparado no chão.

Merlin!! Será que ela me tornou gay?

Aquele pensamento só serviu para aumentar ainda mais a sua náusea, e ele tentou pôr-se de pé a todo custo, lutando contra as sensações físicas que se queriam apoderar dele e tentando obedecer àquela vozinha que no interior da sua cabeça gritava para que ele se afastasse de todos os membros do sexo feminino, especialmente a que estava mesmo à sua frente.

— Afasta-te demónio!! Não te aproximes!! — gritou um Sirius que tremia dos pés à cabeça como varas verdes e tentava procurar a sua varinha com os olhos, na tentativa de se defender. No entanto, o seu o seu olhar cruzou-se com o de Evans, que olhava toda a cena com uma expressão divertida e que lhe piscou o olho, formando a palavra "vingança" com os lábios, sem produzir o mínimo ruído.

Todos os pensamentos coerentes desapareceram sem deixar rasto, e ele pareceu funcionar em piloto automático, obedecendo a um instinto de sobrevivência que não sabia que possuía. Sem pensar duas vezes, voou para as escadas que levavam até aos dormitórios, correndo o mais rápido que conseguia, correndo tanto que qualquer pessoa julgaria que ele estava a ser perseguido por um Cauda-de-Chifre da Hungria17, um dos dragões mais ferozes do mundo.

— JAMES!!! REMUS! JAMES! REMUS!!! — Sirius entrou a correr pelo dormitório adentro, não se preocupando com a porta, que fez um estrondo enorme ao bater, e concentrou-se nos melhores amigos, que tinham acabado de pegar em todo o material para o levar para baixo.

Os três Marauders olharam para ele com expressões idênticas de preocupação, não conseguindo imaginar o que se poderia ter passado para causar toda aquela comoção. Mas ao olharem para Sirius, cujo corpo todo tremia e que estava muito amarelo e suava como se tivesse acabado de correr a maratona, aperceberam-se imediatamente que algo de muito grave se passava com ele.

— Mas que bicho é que te mordeu, Sirius? — James foi o primeiro a reagir, correndo para Sirius numa tentativa de o suportar antes que ele perdesse todas as forças, mas já chegando tarde de mais, pois este caiu para cima da cama, completamente desamparado e a arfar.

— A Welling--

— A Julia mordeu-te? — perguntou-lhe Remus, incrédulo.

— Oh não! Antes tivesse... Qualquer coisa seria melhor que isto... — murmurou Sirius contra o travesseiro, enquanto tentava enterrar a cara o mais possível na fronha. Ainda estava a sentir os efeitos daquela abominável maldição e só queria acordar daquele pesadelo infernal e não pensar mais no assunto.

Numa tentativa de consolar o amigo, James sentou-se na beira da cama, pondo-lhe a mão num dos ombros e tentando fazer com que ele parasse de tremer. Sirius preparou-se para a dor, que nunca veio. Muito pelo contrário, o contacto com James serviu para aliviar toda a tensão do seu corpo, fazendo-o sentir-se melhor do que nunca, e ele gritou, bem alto e durante muito tempo, ao aperceber-se que as suas suspeitas estavam certas e que Welling o tinha, de facto, tornado gay.

Aquele grito, completamente inesperado e manifesto de uma dor tão profunda que só podia vir da alma, apanhou todos os outros ocupantes do quarto de surpresa, fazendo com que James retirasse imediatamente a mão das costas do amigo, como se tivesse sido queimado, e tentasse levantar-se, acabando por desequilibrar-se e cair contra Remus, que, felizmente, o segurou.

— Mas o que é que se passa? O que é que ele tem? — Peter olhava para todos eles com olhos muito abertos, querendo ajudar mas sem saber o que fazer, com medo de piorar ainda mais a situação. — Sirius? — chamou Remus gentilmente, enquanto se agachava perto da cabeceira da cama dele. — Conta-nos o que se passou. Sem saber, Remus acabara de dizer as palavras mágicas, que fizeram com que Sirius deixasse de se lamentar em murmúrios e se levantasse rapidamente, olhando para eles com uma enorme expressão de fúria. — Welling! Eu disse-vos que ela andava a planear alguma, eu disse-vos e vocês não se acreditaram em mim... Eu sabia que ela não iria deixar aquela prank barata, eu tinha um mau pressentimento e vocês achavam que estava a ficar doido, mas eu sabia que não, eu sabia qu---

— SIRIUS!! Pára com isso de uma vez!! O apito já soou e agora é tarde demais para apanharmos a snitch!! Já não podes fazer nada para o evitar, só resta tentarmos resolver o problema — interrompeu-o James, já irritado com toda aquela situação. — Desculpa se não acreditámos em ti, mas tens que admitir que não andavas a agir de forma coerente. Como é que nós iríamos saber?

— Sim, eu também lamento, Siri... Mas não fujam ao assunto. Conta-nos tudo tintim por tintim. Só assim é que te podemos ajudar.

Sirius olhou Remus durante segundos, acabando por se sentar novamente na cama, gesticulando aos outros para fazerem o mesmo. Em poucas palavras, explicou-lhes tudo o que se tinha passado na Sala Comum, deixando de fora apenas a sua teoria gay. Era embaraçoso demais. Ele, mais lady's man que o Don Juan, tinha dado uma volta de 180º graus por causa de um feitiço de uma admiradora com dor de cotovelo. E o pior de tudo, nem sequer se sentia gay!

— Vamos por partes.... — começou James, devagar, e começou a levantar um dedo de cada vez, à medida em que mencionava uma coisa. — Primeiro, tudo o que te está a acontecer é por causa de um feitiço lançado pela Welling. Segundo, quando ela se aproximou de ti e te tocou ficaste com vontade de vomitar e calafrios e o toque dela parecia queimar-te... Mais alguma coisa?

Sirius abanou com a cabeça, não tendo coragem para confessar o resto. O mal estava feito, já não podia fazer mais nada, restava-lhe salvar o pouco que lhe sobrava da sua dignidade. Os outros três entreolharam-se, como se conseguissem pressentir que ele lhes escondia alguma coisa. Não podiam propriamente obrigá-lo a contar, mas experiências passadas mostravam-lhes que ele, mais cedo ou mais tarde, acabaria por confessar tudo, bastaria apenas pressioná-lo disfarçadamente.

— Lembras-te do encantamento, Sirius?

— Amreux Shower ... ou qualquer coisa do género... — respondeu, com ar de quem não tinha bem a certeza do que estava a dizer.

— Huh? Nunca ouvi tal coisa na vida — murmurou James, um pouco desapontado.

— Nem eu. Tens a certeza que era assim? Sinceramente, não me parece... Acho que isso nem existe. Mas eu não sou a melhor pessoa para falar de Encantamentos... — Remus franziu o sobrolho, parecendo mergulhar de repente nos seus pensamentos. — A outra Welling, a Morgan, ela é que percebe imenso do assunto, anda sempre com um livro enorme sobre---

— Oh Remy! Desde quando é que andas a reparar na Welling de Slytherin? — interrompeu-o Sirius, que aproveitava qualquer altura e pretexto para meter o bedelho na vida amorosa dos amigos. — Ui... A Morgan huh?

James e Peter voltaram também eles o olhar para Remus, que corava profundamente, ficando quase mais escarlate que as cortinas e a colcha da cama. Mas ele não se deixou atrapalhar pelas palavras do amigo, apressando-se a defender-se e continuar a sua teoria.

— Sirius! Não comeces, isso não tem nada a ver. Além disso, estamos a tratar de um problema sério aqui, devias saber disso, principalmente porque és o mais interessado. De qualquer modo, a Morgan deve ser a melhor da escola em Encantamentos, não te esqueças que foi ela que descobriu o feitiço que usaste na tua prank. Era natural a irmã pedir-lhe ajuda...

— Vocês lembram-se do livro que ela recebeu num dia ao pequeno almoço? E depois saíram as duas muito sorridentes e a cochichar... — Peter comentou, tentando ajudar Sirius, a quem considerava o seu herói.

— Ah!!! Peter, és um génio!! Agora só temos que arranjar o livro ou raptar a Morgan... — e dizendo isto, o mais interessado dos quatro rapazes saltou da cama, quase correndo em direcção à porta, mas parando estático mesmo na entrada.

Sirius voltou-se então para os amigos, como se acabasse de descobrir outra coisa e respirou fundo, fechando os olhos em quase agonia interior. Os outros não conseguiam perceber aquela mudança de humor súbita e ele suspirou, apressando-se a explicar.

— Não me posso aproximar de nenhuma delas... Nunca conseguirei--

— Oh, claro!! — exclamou James, batendo com a mão na testa. — Que estúpidos que fomos. O melhor é mesmo ficares por aqui. Nós tratamos de tudo, não te preocupes. Não é rapazes?

Remus e Peter acenaram que sim com a cabeça, tentando sorrir de forma tranquilizadora, para que ele ficasse descansado. E sem disserem mais uma palavra, os três rapazes saíram do dormitório quase a correr, sem darem tempo a Sirius para ripostar por o deixarem sozinho naquele momento tão difícil da sua vida.

— Vão, vão! Deixem aqui o gay sozinho que ele não se importa!!! — gritou Sirius quando eles já iam no corredor, atirando-se para cima da cama de birrinha e mordendo o lábio inferior, tentando parar de fazer beicinho.


James parou, estático, no corredor, olhando para os companheiros com cara de quem tinha acabado de ver o próprio Merlin. O grito de Sirius ecoara pelas paredes do dormitório, propagando-se para o exterior e bombardeando os três Marauders com mais informação do que eles estariam interessados em saber.

Gay? Gay?!!! — James perguntou e exclamou ao mesmo tempo, tentando provar a si próprio que tinha ouvido mal e esperando que os amigos lhe confirmassem o mesmo. — Eu sabia que eles nos estava a esconder alguma coisa, mas nunca pensei que fosse...

— Então achas que ele pensa que o objectivo do feitiço era torná-lo homossexual? Pobrezinho, deve estar a sentir-se completamente humilhado... — murmurou Remus, enquanto franzia as sobrancelhas e parecia tomar uma decisão. — Mas vamos. Ficarmos aqui no corredor a olhar uns para os outros não vai adiantar nada e, além disso, a Morgan conhece a resposta para as nossas perguntas...

Encontrarem a Welling de Slytherin não se provou, no entanto, tarefa fácil. Remus tentara usar o seu olfacto apuradíssimo de lobisomem, apoiando-se no facto de que conhecia o perfume de Morgan tão bem como o do próprio Sirius, mas devido à enormidade do castelo e das suas centenas de divisões, era praticamente impossível distinguir os vários aromas.

Percorreram quase metade do castelo em tempo recorde, entrando em quase todas as salas e divisões mais comuns, mas sem encontrarem o mínimo rasto da slytherin. Peter passara a maior parte do tempo a queixar-se, arfando sempre que paravam alguns segundos nas escadas, não sendo pessoa para fazer exercício físico.

Foram encontrar Morgan a sair da Sala Comum dos Slytherin, com um grande sorriso nos lábios e livro de Encantamentos debaixo do braço, e não lhe deram tempo sequer para pensar, porque James gritou um "APANHEM-NA!!" para os outros dois, que imediatamente se despacharam a cumprir a ordem, saltando-lhe logo para cima.

Morgan esperneou-se, furiosa, atirando murros e pontapés para onde conseguia, e sentindo um pequeno orgulho interior cada vez que acertava em algum deles e eles respondiam com grunhidos, gritos ou saltos. Mas, como eram três contra um, nem todos os livros de Encantamentos no mundo conseguiriam salvar Morgan do "sequestro", e ela acabou por ser arrastada para uma sala dos calabouços, que estava abandonada à vários anos.

Mal a porta se fechou atrás deles, James largou Morgan imediatamente, trancando a porta com todos os feitiços que conhecia e usando também um Encantamento Silenciador à volta da sala. Não seria nada bom se os gritos de Morgan fossem ouvidos, principalmente em território de Slytherins e com Snape mesmo ao virar da esquina, pronto para vir ao socorro de uma das suas raparigas.

— Mas vocês estão parvos? O que é que pensam que estão a fazer? — gritou Morgan furiosa, ainda a lutar para se conseguir soltar.

Peter tirou a varinha de Morgan do manto desta, entregando-a a James, e levantou-se, acenando a Remus para fazer o mesmo. A rapariga não se deixou intimidar, saltando logo para uma posição vertical e preparando-se imediatamente para a luta. Não era por qualquer razão que tinha sido escolhida para Slytherin, e iria fazer jus à sua equipa, custasse o que custasse.


Entretanto, na Sala Comum dos Gryffindor, Julia e Lily já estavam fartas de esperar que Black descesse novamente, principalmente a primeira. Quando viram os restantes Marauders passar, sussurrando baixinho e tentando reunir toda a informação que sabiam sobre o feitiço, a rapariga de caracóis não conseguiu conter um sorriso, apesar de ficar um bocado confusa com a menção da palavra gay várias vezes em cada frase.

Quando o retrato da Dama Gorda voltou ao seu lugar na frente da entrada e as duas ficaram novamente sozinhas, ambas trocaram olhares maquiavélicos, mesmo Lily, que era considerada a santinha do grupo, e correram escadas acima, ao encontro do dormitório masculino do 4º Ano.

Sirius ainda estava deitado em cima da cama, de barriga para cima e uma expressão de aborrecimento no rosto, e quando ouviu a porta a ranger olhou, esperançado, confiante que os amigos tinham voltado. No entanto, e ele mal conseguiu conter o choque, quem entrara tinham sido as duas raparigas que ele menos queria ver.

Contudo, Sirius não era pessoa de se deixar intimidar facilmente e muito menos na frente de inimigos. Apesar de já se ter começado a sentir um bocado tonto e enjoado novamente, ignorou a dor física que se tentava apoderar dele, levantando-se mais ou menos rapidamente e olhando-as de forma furiosa. Era certo que tinha sido ele que começara aquela brincadeira, mas elas tinham passado das marcas. Aquilo era um atentado contra a sua integridade humana e pessoal, não podia ficar impune!

— Mas o que é isto? Vocês têm uma lata! — gritou com a sua voz mais feroz que, infelizmente, não teve qualquer efeito sobre as duas raparigas.

Julia e Lily aproximavam-se dele lentamente, trocando olhares de cumplicidade e separando-se um pouco uma da outra, para evitarem que ele escapasse. Julia parecia estar a adorar o poder que exercia sobre ele, sorrindo maliciosamente e passando a língua sobre os lábios, num gesto provocante.

— Então, então, Siri... não estás feliz por nos ver?

— Nos teus sonhos, Welling! Principalmente depois do que me fizeste! Vingança é uma coisa, outra completamente diferente é esta humilhação, é aquilo em que me tornaste!

Ao ouvir as acusações de Black, o sorriso de Julia desapareceu repentinamente, e a sua expressão mostrou a preocupação que sentia. Não conseguia perceber a que é que ele se referia, porque ela dissera o feitiço com toda a precisão e, pelo que tinha observado, ele parecia estar a funcionar às mil maravilhas. Mas Sirius tinha um ar mesmo assustado, como se pensasse que os efeitos eram permanentes e que estaria condenado a conviver apenas com o sexo masculino.

— Hey, também não precisas de dramatizar! Não me digas que não consegues sobreviver sem a presença de cromossomas XX durante oito horas?

— Oito horas? Então quer dizer que não vou ficar gay para sempre? — O brilhozinho da esperança encheu os olhos azuis de Sirius ele olhou para Julia como se ela fosse a sua salvadora.

Gay? — perguntou Lily quase a desmanchar-se a rir. Tinha ouvido os Marauders falarem incessantemente nisso, mas nunca poderia imaginar que eles pensassem que Julia fosse mesquinha o suficiente para fazer uma coisa dessas. — Pensavas que a finalidade do feitiço era tornar-te gay?

— Não era? — perguntou Sirius, confuso, enquanto olhava para Julia de forma suspeita. — Não me estás a enganar, pois não?

— Oh Black... Nem sei se me devo sentir orgulhosa ou furiosa. Achas que eu ia brincar com uma coisa tão séria como a tua sexualidade? Sinceramente, pensei que me conhecesses melhor que isso. Nunca me iria divertir às custas de algo tão importante.

— Então não tem nada a ver com homossexualidade? — Sirius ainda estava desconfiado, não querendo acreditar numa ilusão só para depois verificar que era tudo mais um complô, mais uma brincadeira.

Julia suspirou, revirando os olhos para Lily, como se dissesse que era pior falar com ele do que com crianças pequenas. Não percebia porque queria assegurar a Black que tudo voltaria ao normal, mas qualquer coisa dentro dela a pressionava para o fazer, com o intuito de não o deixar naquela inquietação.

— O feitiço não tem nada a ver com a tua sexualidade... Apenas causa umas sensações físicas menos boas, por assim dizer, quando estas na presença de elementos do sexo oposto. Mas podes ficar descansado que daqui a oito horas o efeito desaparecera — Ao dizer isto, tinha permanecido mais ou menos serena, com uma expressão séria no rosto. Mas depois, o seu sorriso brincalhão começou a aparecer-lhe no canto dos lábios e ela ergueu as sobrancelhas, lançando um olhar a Lily. — Contudo, até lá... vou-me divertir à grande!

Sirius ficara tão aliviado com as palavras de Welling, que lhe asseguravam que dentro de pouco de tempo tudo voltaria ao normal, que não se apercebeu que ela terminara de falar e que agora as duas raparigas se aproximavam dele como se ele fosse um pedaço de carne pronto a ser devorado. Recuou o mais que pôde, mas após dois ou três passos deu de costas com a parede, que lhe impossibilitava qualquer oportunidade de fuga.

À medida que ambas iam ficando mais próximas, começava a sentir os efeitos do feitiço a manifestarem-se dentro de si, primeiro com umas leves tonturas e um ligeiro tremer de mãos, que depressa cresceram para um forte enjoo e uma tremenda vontade de vomitar. Sentia que lhe espetavam agulhas em todas as partes do corpo, sentia-se tão mal, muito pior do que quando estivera na Sala Comum, e já via tudo a andar à roda, só queria fugir dali, a qualquer custo.

Encurralado pelas duas, perdeu completamente o controlo das suas faculdades mentais, não aguentando mais aquele sofrimento físico que a presença delas causava. Precisava de escapar, qualquer coisa seria melhor que aquele fogo que ameaçava consumi-lo por inteiro e, numa última tentativa de salvar a pele, pegou na varinha e gritou o primeiro feitiço que lhe veio à cabeça, apontando para o tapete peludo que estava no chão mesmo à frente deles.

Incendio!

Uma labareda de fogo começou, imediatamente, a consumir a tapeçaria, enchendo o dormitório de fumo e de um cheiro a queimado muito intenso, e Sirius aproveitou toda aquela distracção para se por a milhas, não se preocupando nem um pouco com as consequências de as deixar presas no meio de um incêndio.

Enquanto Sirius escapava, o fogo começava a alastrar-se para um monte de roupas que estava caído no chão, consumindo tudo numa questão de segundos e aproximando-se das duas raparigas. Julia respirou fundo, tentando manter a calma enquanto procurava recordar-se de qualquer coisa que poria fim às chamas. Lily, no entanto, estava a ser assaltada por um ataque de pânico, saltando ora num pé ora no outro, sem conseguir pensar racionalmente.

— Apaga, Julia, apaga!! — gritou, completamente desesperada, olhando as chamas com olhos muito abertos.

Parecia quase a desmaiar, começando a sentir falta de ar, e perdeu completamente o sentido da realidade, ficando dominada pelo medo da sua pior recordação. A voz da irmã invadiu-a, gritando por socorro e implorando ajuda, e ela estendeu-lhe as mãos, tentando ajudá-la mas não o conseguindo, vendo-a rodeada pelo fogo, laranja e vermelho, quente e todo poderoso, e ela não se conseguia mexer, limitava-se a olhar para o seu maior pesadelo, impotente para o parar...

Julia lá acabou por conseguir apagar o fogo, lembrando-se à ultima da hora de um feitiço que "fazia chover" da extremidade da varinha. Gritando "Pluvius!" para as chamas, em poucos segundos acabou por impedir um grande desastre e o dormitório ficou mais ou menos intacto.

— Lily, estás bem? Mas o que é que aconteceu? Nunca te vi assim... — perguntou quando o perigo tinha passado e já estava tudo mais calmo.

Quando viu que o fogo já tinha sido apagado, Lily respirou fundo, fechando os olhos e repetindo vezes sem conta "Aquilo foi à muito tempo, agora está tudo bem..." mentalmente. Tentou controlar o coração que batia quase a mil à hora e só depois é que se concentrou na pergunta de Julia.

— Esquece Julia, não penses mais nisso. Está tudo bem, a sério... — respondeu, enquanto olhava pelo canto do olho para a cara da amiga, na qual uma expressão de grande preocupação era bem visível.

Mas se Lily pensava que o desassossego da amiga iria diminuir com aquela mentira muito pouco convincente ficou deveras desapontada. Isso só serviu para inquietar Julia ainda mais, que olhava para o estado em que a amiga se encontrava sem saber como a ajudar.

— Não, é óbvio que não está. Eu sei que é normal as pessoas entrarem em pânico em situações mais criticas, especialmente quando envolvem coisas com as quais não estão habituadas a lidar e que podem por em causa a sua vida, mas ninguém reage de uma maneira tão...

— Tens razão... — engoliu em seco, respirando fundo e tentando fazer com que o coração parasse de bater tão depressa, mas sem qualquer sorte. — Eu tive uma espécie de flash, por assim dizer. Lembrei-me de uma coisa que aconteceu quando eu era pequena e entrei em pânico... Mas já passou, não te preocupes.

As palavras dela quase fizeram Julia gritar de frustração, mas ela conseguiu conter-se a tempo. A companheira conseguia ser tão difícil às vezes... Mas em termos de teimosia, Lily ficava seriamente a perder. A Welling dos Gryffindor nunca desistia, por mais impossível que fosse a sua missão.

— Oh, no you won't, nem tentes. Se pensas que vou deixar passar isto assim, com um quarto de explicação e um "já passou", estás muitíssimo enganada. Conheces-me muito melhor que isso, Lils. Eu só te quero ajudar, sabes disso, mas é necessário que me deixes fazê-lo e que confies em mim.

Lily pareceu indecisa, mordendo o lábio inferior com tanta força que quase saía sangue. Procurava, em vão, uma desculpa, qualquer saída que lhe permitisse escapar àquela confissão, que não queria ver desenterrada. Não era que ela não confiasse em Julia, que não soubesse que ela guardaria os segredos dela tão bem como os seus, mas não queria relembrar tudo o que sofrera com as suas acções inconsequentes de criança.

— Mas e o Black? Ele---

— Eu quero lá saber do Black agora, Lillian! És muito mais importante que qualquer prank e é obvio que o que quer que seja que se passou quando eras pequena te afectou bastante! — Julia lançou-lhe um daqueles olhares que lhe eram característicos e Lily percebeu que a amiga não a deixaria em paz até ela lhe contar tudo o que se passara. — E até aposto que não contaste nada a ninguém...

Lily assentiu com a cabeça, sentindo os olhos encherem-se de lágrimas só ao recordar aquele que tinha sido o momento mais marcante da sua infância. Sentou-se numa das camas do dormitório, a de Potter, notou com ironia, e convidou Julia a fazer o mesmo, preparando-se para uma grande explicação.

— Como sabes, eu só descobri que era feiticeira quando recebi a carta a dizer que tinha sido aceite em Hogwarts. Durante os primeiros onze anos da minha vida não fazia a mínima ideia que existia outro mundo para além daquele que eu conhecia, e muito menos que pudesse estar relacionado com uma coisa que era considerada tema de contos de fadas.

Dissera aquilo tudo de uma enfiada, mal tendo tempo para respirar, não querendo perder a pouca coragem que lhe restava. Parou um pouco para recuperar o fôlego, tentando pôr as ideias em ordem e arranjar uma forma de explicar tudo o que se passara e sentira a Julia, para que ela pudesse entender a razão porque ela ficara tão afectada com tudo aquilo.

— Sempre aconteceram coisas estranhas à minha volta, coisas que estavam indubitavelmente ligadas a mim e que eu não podia controlar. Desde que me lembro que sempre estive envolvida em acontecimentos inexplicáveis e inacreditáveis, mas os meus pais sempre me apoiaram ao máximo, mesmo não percebendo porque é que tinham uma filha diferente de todas as outras raparigas que eles conheciam, e eu ser-lhes-ei eternamente grata por isso.

Lily engoliu em seco, fechando os olhos ao terminar a introdução, preparando-se para começar com a verdadeira explicação. Julia pareceu entender, colocando-lhe a mão no ombro, numa carícia silenciosa que oferecia todo o apoio e conforto que ela precisava.

— A primeira vez que pratiquei magia acidental tinha quatro anos. Era de noite, e a minha mãe tinha-nos acabado de deitar, a mim e à minha irmã, que tinha sete anos na altura. Estava tudo desligado, como era costume, mas naquele dia a minha mãe tinha acendido pequenas velas de cheiro pela casa, para sair os cheiros do assado que ela fizera.

« Havia uma vela no nosso quarto. Era azul, com umas estrelas de um cor-de-rosa lindo, e eu só queria tocá-la, Juls, só a queria ver de mais perto... — os olhos de Lily encheram-se de lágrimas e o corpo dela não conseguia parar de tremer, enquanto ela gemia vezes sem conta que "não queria".

— Eu sei, Lily, eu sei... — murmurou-lhe Julia, enquanto lhe fazia festas no cabelo.

— Eu não percebia o que estava a fazer, apenas desejei conseguir tocar na vela, e no momento seguinte já ela flutuava pelo meio do quarto na minha direcção, mas eu não a conseguia controlar e ela acabou por cair em cima da cama da Petúnia, incendiando imediatamente os cobertores.

« Ainda consigo ouvir os gritos... os pedidos de socorro... o pânico. O quarto ficou imediatamente em chamas, como se estivesse coberto de gasolina, e eu tentei ajudá-la, mas não consegui... não consegui. Era como se o fogo não tivesse qualquer efeito no meu corpo, e eu conseguisse passar pelo meio das chamas sem me queimar, mas a Petúnia ficou presa no meio dos cobertores e não conseguia sair, eu não conseguia ajudá-la e ela gritava tanto...

— E os teus pais? — a amiga perguntou-lhe, percorrendo as costas dela em círculos, com uma das mãos. Á medida que ia desenvolvendo a história, Lily envolvera-se nos braços dela, procurando todo o conforto que só um abraço carinhoso lhe podia trazer.

— Eles estavam na sala. Mal ouviram os gritos vieram logo a correr, mas passou-se tudo tão rápido que quase não deu tempo para agir. O fogo foi apagado, e a Petúnia foi levada para o hospital, com as pernas cheias de queimaduras de primeiro e segundo grau.

« Eles nunca conseguiram perceber como é que tudo aconteceu, porque eu fiquei em estado de choque e nunca lhes contei. Acho que ficaram a pensar que a culpa tinha sido deles por se terem descuidado, mas ela também nunca disse nada, nunca me acusou na frente deles, apesar de me odiar.

— Não tiveste culpa, Lils... Eras uma criança, tinhas apenas quatro anos. Nunca poderias imaginar...

— Intelectualmente eu sei disso... Mas na prática as coisas não são assim tão simples. Sinto-me culpada por tudo o que aconteceu, por tudo o que poderia ter acontecido. A minha irmã podia ter morrido naquela noite e ela tem todas as razões do mundo para me odiar. Vai ficar marcada para o resto da vida, desfigurada... A partir daquele momento tudo mudou. Ela deixou de me considerar irmã dela, praticamente deixei de existir.

— És irmã dela... Ela não pode odiar-te para sempre...

— A minha irmã em nada se parece com a Morgan, Julia — respondeu-lhe com voz amarga. — Quando eu recebi a carta para Hogwarts, ela fez questão de me dizer que nunca se iria se esquecer daquilo que eu fiz, que nunca me iria perdoar. Mas se nem eu me perdoei, como poderá ela?

— E eu sem saber de nada. Nunca pensei que a razão pela qual ela detesta magia fosse---

— A minha irmã tem pavor a magia por minha causa. Julga toda uma espécie por um erro que eu cometi quando tinha quatro anos. Mas éramos as duas tão novas, e aquilo foi tão assustador... a minha pior memória... Se algum dia tiver a infelicidade de me cruzar com um Dementor já sei...

Flashes de luz, um calor muito intenso, os gritos desesperados da irmã, o pânico que sentiu naquela altura, tudo lhe veio à memória ao mesmo tempo e era cada vez mais difícil para ela respirar. Agarrou-se a Julia com todas as suas forças, como se a sua vida dependesse daquela tábua de salvação, e ela deu-se finalmente ao luxo de chorar pela infância que ficara arruinada por um pequeno acidente, que poderia ter destruído completamente a sua vida.


— Com que então, três contra um, hein? — sibilou Morgan, na voz mais gélida e indiferente que conseguiu arranjar, mantendo o olhar furioso na direcção dos três rapazes. — Nunca vos imaginei cobardes ao ponto de atacarem uma única rapariga, que ainda por cima não tem maneira de se defender.

— Welling, não venhas com essas coisas para cima de nós! — resmungou James. — Sabes bem que não o faríamos se não fosse mesmo necessário. E também fica já assente que faremos tudo o que for preciso para conseguirmos o que queremos.

— E o que é que uma Slytherin como eu pode ter que vos interesse, Potter? — sussurrou Morgan, cruzando os braços mas continuando numa posição defensiva.

— Informação, Welling... Muita informação — disse Peter, juntando-se a James, na tentativa de retirar de Welling o maior numero de detalhes possível. — Queremos saber qual a cura para o feitiço que a tua irmã lançou ao Sirius! Ele não está nada bem!

Morgan soltou uma gargalhada bem sonora, rindo-se de Black mesmo na cara do resto dos Marauders. Como adorava aqueles pequenos momentos de regozijo, em que se sentia em vantagem sobre aqueles idiotas.

— Ai não deve estar bem, não! E, embora na prática possas acusar a Julia de o ter posto nesse estado, na teoria eu sou a responsável. Ela até tinha escolhido uma vingança mais... humm... suave, mas fui eu que dei a sugestão deste feitiço, que pelos vistos está a resultar às mil maravilhas! — troçou Morgan, continuando a rir-se, ao mesmo tempo que sentia que apenas os provocava ainda mais.

Remus engoliu em seco, perante aquela rapariga que troçava assim de Sirius na frente dos seus melhores amigos, mesmo correndo o risco de sofrer danos permanentes na sua saúde. Admirava a coragem dela, o ar de desafio, a prontidão com que se levantava na defesa dos amigos. Já começava a achar a ideia de a forçar a revelar o contra-feitiço para Sirius bastante má, para além de ter a certeza que nunca se safariam com aquela. Mal o restante grupo soubesse o que tinha acontecido a Morgan, fariam com que cada um dos Marauders desejasse nunca ter nascido.

— Pessoal... — gaguejou a medo. — Ela não nos vai dizer nada... É melhor irmos embora antes que dêem pela falta dela e pela nossa e somem dois mais dois.

Tanto Morgan como James e Peter estacaram, a olhar na direcção de Remus, que corou embaraçado. Estava a defender uma das suas "inimigas" quando o que estava em causa era ajudar o melhor amigo! Merlin... Se não fosse morto por uns, seria por outros, muito provavelmente.

— Mas... Remus... Foste tu que deste a ideia de virmos ter com ela! — retorquiu um James boquiaberto com a reacção do amigo. Quando Sirius soubesse teria um ataque.

Morgan abriu muito os olhos ao ouvir Potter, passando rapidamente da surpresa agradável de ver Lupin a defendê-la para o sentimento de revolta e angústia que tão bem caracterizavam a desilusão. Claro que Lupin nunca a defenderia apenas por defender, apenas tentava transmitir uma imagem de "cavalheiro" que não correspondia à realidade.

Nem teve tempo para mandar um dos seus comentários irónicos, que utilizava frequentemente para se defender de ataques verbais, porque se ouviu um estrondo do outro lado da porta, seguido da voz de Severus:

— Morgan! Eu sei que estás aí dentro com eles! O Barão Sangrento viu-os a levarem-te para aí! Ele já foi chamar o Professor Orpheus! Aguenta-te mais um bocado! Não deixes que esses vermes te toquem!

Os três Marauders olharam uns para os outros em pânico, enquanto Morgan suspirava de alívio. Não que tivesse medo deles, não era isso. Simplesmente, sem varinha não podia fazer grande coisa. E por outro lado, também não queria mais confusão.

— Rápido! Para a passagem secreta! — gritou James, dirigindo-se para um armário com um aspecto velho e quase a desfazer-se.

Foi seguido por Peter, que nunca andara tão depressa na vida, e por Remus, que só teve tempo de dar dois passos antes de ser agarrado por Morgan.

— A varinha, Lupin... — sussurrou-lhe a voz grave da rapariga ao ouvido, provocando-lhe um arrepio que o percorreu de cima a baixo.

Passou-lhe a varinha atabalhoadamente, e fugiu atrás dos amigos, ainda com a voz de Morgan na cabeça.

A rapariga ficou para trás, na sala, a olhar para o armário que entretanto voltara ao seu sítio original, tapando o buraco da passagem secreta. Lupin parecia ter estado ele próprio sob o efeito do feitiço do Black, por momentos.

Encolheu os ombros e, com uma facilidade impressionante, abriu a porta e saiu ao encontro de Severus, que a esperava com um ar aflito. Mal a viu, o rapaz abraçou-a com tanta força que Morgan chegou a ouvir os seus ossos a estalarem um a um.

— Estás bem? Eles não te fizeram mal? Mas qual foi a ideia deles? Onde é que eles estão, afinal de contas?

— Sim, Sev, estou bem. E eles saíram por uma passagem secreta, quanto te ouviram dizer que o Orpheus já vinha a caminho. E achas que eu ia deixar que eles me fizessem mal? Tsk tsk, Sev... Pensei que me conhecesses melhor... E também, podiam fazer-me o que bem entendessem que eu nunca lhes iria dizer qual o contra-feitiço para o "pequeno" problema do Black! — respondeu Morgan, sem conseguir evitar o sorriso perverso que lhe apareceu nos lábios.

Severus voltou a abraçá-la, enquanto praguejava contra os Marauders, insultando-os com todos os palavrões feios que conhecia e que, Morgan reconheceu, não eram poucos. E ela deixou-se ficar ali, nos braços do amigo, sentindo-se segura e protegida, pensando ainda nas palavras de Remus a tentar ajudá-la.


Sirius desceu as escadas para a Sala Comum aos tropeções, respirando ofegantemente e tremendo por tudo quanto era lado. Sentia-se como se tivesse acabado de dar centenas de voltas num dos carrinhos de Gringotts (o banco dos feiticeiros) à velocidade máxima, e qualquer coisa lhe dizia que as coisas estavam prestes a tornarem-se muito piores.

O que, de facto, era completamente verdade. A sorte não estava mesmo do lado dele naquele dia e a prova disso foi a grande surpresa queencontrou na Sala Comum. Mal podia acreditar no que viu quando pousou o pé no último degrau da escada e deu de caras com um mar infinito de elementos do sexo feminino, de todas as idades e de várias equipas, conversando animadamente umas com as outras e ocupando quase por completo todo o espaço. Pareciam estar à espera de alguma coisa, ou alguém, e ele apostaria o seu maravilhoso cabelinho em como era ele a vitima de mais uma armação de Welling. A rapariga pensara em todos os detalhes, e isso deixava-o completamente fora de si.

Respirou fundo, tentando controlar a respiração, e preparou-se para agir o mais silenciosamente possível. A sala estava a abarrotar e ele nunca conseguiria passar por lá sem ser visto. Mas, se fosse outra vez para a zona dos dormitórios, seria apanhado pelas outras duas, que provavelmente eram muito mais perigosas que todas as raparigas à sua frente juntas. Decisões... decisões...

Sirius recuou alguns passos, subindo um ou dois degraus e preparando-se para virar costas à Sala Comum e voltar a subir até aos dormitórios. Se não fizesse barulho talvez conseguisse esconder-se nalguma camarata desocupada e se o pânico apertasse sempre poderia pegar numa vassoura e fugir pela janela.

Contudo, ainda estava a sofrer os efeitos do malvado feitiço e não se conseguia equilibrar muito bem, o que fez com que tropeçasse numa ranhura das escadas e caísse de cu no terceiro degrau, virado de frente para o retrato da Dama Gorda. O estrondo foi tal que atraiu a atenção de toda a multidão feminina que se reunira à espera dele.

O Silêncio que se instalou a seguir foi geral. Centenas de cabeças voltaram-se na sua direcção, olhando-o de alto a baixo e admirando-o em todos os pormenores. Quando o viram, foi como se uma luz tivesse iluminado toda a escuridão, como se ele fosse o salvador do mundo e a única esperança para a sobrevivência. Correram todas para ele, com os olhos brilhantes e sorrisos perfeitos, de orelha a orelha, e todo o seu corpo gelou, não sabendo se devia obedecer ao cérebro e à mente ou ao coração. Julia encontrara a vingança perfeita.

A sua decisão não era, no entanto, necessária. Elas não lhe deram tempo para reagir, para sequer pensar em fugir ou defender-se ou fazer o que quer que fosse. Apareceram de todos os lados, falando todas ao mesmo tempo e tentando tocar-lhe onde quer que conseguissem e ele não se conseguia mexer, sentia as veias congelarem, mas ao mesmo tempo serem percorridas por um fogo muito intenso, como se todo o seu sangue estivesse a ferver. Não conseguia pensar racionalmente ou agir, tinha simplesmente que sair dali para fora, mas ainda se encontrava no chão e era tão difícil!

Juliana Amara, uma Ravenclaw do 6º Ano, rapidamente lhe agarrou as mãos, puxando-o para o meio da sala e fazendo sinal para as outras avançarem. A sua melhor amiga, Ada, também Ravenclaw e outra vitima do charme do D. Juan de Gryffindor, não perdeu tempo a juntar-se à amiga, aproveitando o pouco tempo que tinha com Black à sua mercê.

Nenhuma delas sabia verdadeiramente o que Julia Welling lhe fizera, apenas tinham recebido um convite um pouco original a convidá-las para passarem pela Sala Comum dos Gryffindor (apesar de ser proibido para elementos de outras equipas entrarem em Salas Comuns que não fossem as deles) se se quisessem divertir às custas do Black. Como é lógico, quase todas apareceram. Ninguém conseguiria recusar uma oferta daquelas, principalmente porque ele parecia achar-se senhor do mundo e digno de usar qualquer uma delas para depois deitar fora.

Tinha chegado a hora da vingança, de lhe darem a provar um pouco do seu próprio veneno. E as reacções dele eram muito melhores do que elas estavam à espera. De certa forma, até estavam um pouco preocupadas, porque aquele era um Sirius muito diferente do que estavam habituadas a ver. Parecia sofrer com a proximidade delas e gritava de agonia cada vez que lhe tocavam. Sim, divertir-se-iam muito com ele, disso não tinham as menores dúvidas.


— Estás melhor? — perguntou Julia suavemente.

Lily acenou com a cabeça, sorrindo um pouco. De facto, sentia-se muito mais leve do que imaginara. Como se lhe tivessem tirado um grande peso das costas, um fardo que ela carregara sozinha durante tantos anos. Desabafar com Julia tinha sido a melhor coisa que ela podia ter feito e sentia-se livre, pronta para qualquer tipo de luta.

— Tens a certeza? — Ao ver a expressão de alívio no rosto de Lily, os lábios de Julia abriram-se num sorriso provocador, como se a desafiasse a negar o que era obviamente verdade.

— Sim, sim, sim, Julia!! Estás contente?

— Claro, porque é que não havia de estar? Estou-me a divertir à grande com a vingança ao Black, ajudei a minha melhor amiga a ultrapassar um problema critico e estou a proporcionar alguns momentos de diversão a companheiras necessitadas de apoio. Que mais posso querer?

— Bem, sempre podíamos ir ver como é que o Black se está a sair numa Sala Comum cheia de raparigas — sugeriu Lily com os olhos a brilhar. Era verdade que não gostava nada de se meter em confusões, mas tinha que admitir que a Guerra de Pranks entre Black e Julia era a maior fonte de entretenimento da escola. E ela tinha logo direito a assistir na primeira fila! — Mas foste muito mazinha... Trazer todas as raparigas para a Sala Comum é um bocado exagero, não achas?

Julia encolheu os ombros, ainda um bocado perdida no seu mundo imaginário onde a vingança contra Black terminava de uma forma muito inesperada. Quando voltou a si, levantou-se e puxou Lily consigo, trazendo-a até à porta.

— Oh, não te preocupes com ele. Ele safa-se sempre! Se não for o caso, contudo, levantarei o feitiço... Também não quero que ele morra...

— Seria um grande desperdício, não é verdade?

— Lily!! — gritou-lhe a amiga, ultrajada. — Mas pronto... Confesso que num futuro próximo não me importaria...

— Ahh!! Eu sabia!!

— Oh, não sejas assim! Não é que eu vá confessar o meu amor eterno por ele ou qualquer coisa parecida, mas admito que ele é divertido, tem uma personalidade parecida com a minha e até é jeitoso — Lily olhava-a com aquela expressão de quem está satisfeito consigo próprio e Julia apressou-se a continuar, antes que ela decidisse começar a torcer o significado das suas palavras. — Não tem nada a ver, Lily! Tira o cavalinho da chuva! É apenas aquilo que acabei de dizer, nada mudou. A Guerra de Pranks continua!

— Pronto, pronto... Tu e as pranks... — Lily abanou a cabeça ternamente, não conseguindo compreender aquela paixão incompreensível da amiga. Mas não podia fazer outra coisa senão aceitá-la e aproveitar para se divertir também, uma vez que nada nem ninguém conseguiriam impedir Julia de fazer fosse o que fosse. — Mas vamos lá, então, ver como é que o Black se está a sair sozinho no meio de tanta mulher. Promete ser divertido.

— E será, não tenhas dúvidas.

Trocando olhares de cumplicidade, as duas raparigas saíram do dormitório de mãos dadas, sorrindo um pouco em antecipação ao que iriam ver, e deixaram para trás um cenário de quase destruição, em que o preto tinha praticamente substituído o escarlate, e que cheirava profundamente a queimado. As únicas coisas que permaneciam intactas eram as quatro camas, as malas dos rapazes e um pouco da mesinha-de-cabeceira. Mas, reflectiram, a culpa não era delas e por isso não tinham que se preocupar com nada daquilo. Os Marauders que resolvessem o assunto quando chegassem.

A porta fechou-se sem o mínimo ruído atrás das duas raparigas, e elas correram pelas escadas abaixo, em pulgas para verem o que se estava a passar, mas nada preparadas para o que iriam encontrar.


A passagem secreta atrás do armário ia dar a uma sala no 1º Andar, dois corredores depois do Grande Salão. James foi o primeiro a aparecer, com uma enorme expressão de frustração no rosto, seguido pelos outros dois rapazes, ainda vermelhos e com o sangue a borbulhar, devido ao excesso de adrenalina produzido nos últimos segundos.

Depois de ver se a costa estava livre e proteger a sala com todos os Encantamentos Silenciadores que conhecia, o "chefe" do grupo voltou-se para os outros dois, que tinham acabado de pôr tudo em ordem e aguardavam agora, parados na saída (ou entrada, dependendo do ponto de vista) da passagem, a explosão do amigo.

— Sinceramente!! Nem sei se hei-de bater com a cabeça contra a parede ou esconder-me de baixo da cama devido à grande vergonha por que acabamos de passar!

— Oh James, t-também não é b-bem as-assim! — gaguejou Peter, que ficava sempre muito nervoso quando os amigos se exaltavam. — A cu-culpa foi do Snivellus, que correu a chamar o pro-professor...

— Peter, éramos três contra um! Nem sequer temos a mínima justificação! Ai que o Sirius vai ter um ataque... Nós prometemos-lhe que tratávamos de tudo!!

Remus olhou para o chão, embaraçado e triste pelo amigo, sentindo-se culpado por se ter acobardado em frente de Morgan. Sabia-se lá o que elas tinham aprontado com ele, talvez nem tivesse cura. Se ele tivesse ficado do lado dos amigos o mais certo era terem conseguido arrancar qualquer coisa de Morgan, com um bocadinho de esforço.

Sentia-se profundamente arrependido e não sabia como o podia ajudar. Na altura defender Morgan tinha parecido a melhor solução, mas agora, confrontado com a cara desapontada de Peter e o olhar furioso de James, já não tinha tanta certeza. O melhor seria mesmo assumir a culpa de uma vez e esperar pela sentença.

— A culpa foi minha... — admitiu alguns segundos depois, de cabeça baixa e ombros descaídos. — Eu... Eu...

— Agora também não adianta nada, Remus. E eu se calhar também não fiz tudo o que podia ter feito... Mas vamos esquecer isto e ir ter com o Sirius. Ele está lá sozinho no dormitório e a Welling e a Evans pareciam estar--- Merda! Não acredito que o deixamos lá, à mercê delas!!

— James? O que foi?

— Elas são bem capazes de se terem ido meter com ele ao nosso dormitório, só para o fazer sofrer ainda mais! Quidditch, como é que eu não pensei nisto antes??!!! Vamos!! — Ainda não tinha acabado de dizer aquelas palavras e já corria porta fora, a toda a velocidade que conseguia e gritando aos outros para o seguirem.


— Então Sirius, confortável? — perguntou Desiree Rancunière (uma Gryffindor do 7º Ano que desde sempre tivera uma crush nele mas que fora sempre ignorada) num tom irónico. Entretanto, ia abrindo ainda mais a camisa de Black, expondo o peito nu dele para os olhos das outras e passando as unhas por ele todo em movimentos verticais, até sair sangue.

Sirius soltou um latido de dor, tentando afastá-la com todas as suas forças. Mas os braços já não lhe obedeciam e ele não conseguia ver nada à sua frente, tinha os olhos todos vermelhos e quase em sangue, começavam-lhe a aparecer manchas e marcas estranhas nos locais em que a sua pele entrara em contacto com alguma rapariga e o estômago há muito que ameaçava sair-lhe pela boca. Em suma, nunca se sentira tão mal em toda a sua vida, e começava já a temer a sua sobrevivência.

Sentiu uma pressão estranha na barriga e o suco gástrico veio-lhe à boca, fazendo com que ele só tivesse tempo de se virar um bocado para o lado, para não abafar ao vomitar. Em segundos, tudo o que estava à sua volta encheu-se de vomitado, contaminando todo o ar da Sala Comum com um cheiro fedorento e impossível de suportar, que se juntara ao odor amargo a urina que ainda permanecia na sala, que ele não conseguira conter minutos antes.

O caos estava criado. As reacções foram várias e em simultâneo. As opiniões começavam a dividir-se e enquanto algumas raparigas tentavam controlar os impulsos que as urgiam a ajudá-lo, enchendo-se de compaixão, outras tiravam grande prazer do seu sofrimento, de ver o quão baixo ele tinha descido, punição quase suficiente para tudo o que ele tinha feito.

Mas não houve tempo para muito mais, porque soaram passos apressados vindos do andar de cima e Welling voou pelas escadas abaixo, seguida de muito perto por Evans, e parou mesmo à frente do grupinho à volta de Sirius, com uma expressão completamente furiosa.

— Hey, tenham lá calma!! — gritou para as que estavam mais próximas de Black. Cuidadinho que senão o divertimento acaba mesmo antes de ter realmente começado. Afastem-se um bocado dele, para ele conseguir respirar. E não lhe toquem!!

— Oh Welling, agora que o temos à nossa mercê, achas mesmo que não o vamos aproveitar? — disse-lhe Melanie, uma Hufflepuff do 5º Ano, enquanto estalava os dedos das mãos.

— Fui eu que planeei isto tudo e, por isso, sou eu que dito as regras! — respondeu-lhe Julia entredentes, mal conseguindo conter a sua fúria. — Isto é uma coisa muito séria e ou vocês respeitam aquilo que eu digo ou a festa acaba aqui!

Lentamente, as raparigas foram acenando com a cabeça uma a uma, recuando vários passos para deixarem o ar correr à volta dele. Julia aproveitou o momento para percorrer toda a Sala Comum com os olhos, surpreendida pelo êxito do seu convite. Tinha esperado umas 30/40 pessoas no máximo, nunca na vida imaginaria que tanta gente fosse aparecer. Bem, parecia que o Black não era assim tão bem-amado como pensava e ela mal conseguiu conter um sorrisinho sinistro ao pensar nisso.

— Oh Deus! — exclamou Lily ao ver o estado em que Black se encontrava. Só de olhar para ele sentia logo o estômago a andar às voltas e teve que se controlar bastante para não vomitar também. — Que nojo! Yuck!

Julia sorriu para a amiga, abanando a cabeça de forma carinhosa. As outras riram-se, super divertidas com toda aquela situação, e só Sirius parecia não estar a achar a mínima piada àquilo em que se tinha metido. Deixara-se ficar estendido no chão, sem quaisquer forças para se levantar, respirando agora sem tantas dificuldades, e tentava arranjar um plano para se conseguir escapar.

— O que é que lhe fizeste, Julia? — perguntou Kat, curiosa.

— Oh, nada de mais... — foi a resposta misteriosa da amiga. — Nada que ele não merecesse, de qualquer maneira.

— Ah, Welling, já te disse que adoro a forma como pensas? Mas o que é-- — o ruído que o quadro da Dama Gorda fez ao deslizar da frente do buraco interrompeu Patrícia, que se voltou para a entrada, curiosa para saber quem se juntava à festa.

A entrada dos Marauders na sala, a respirarem de forma ofegante, todos suados e com as roupas todas amarfanhadas, surpreendeu toda a gente, e fez com que parassem todos durante segundos a olharem uns para os outros com cara de parvos, sem saberem o que fazer. Enquanto recuperavam o fôlego, os Marauders tentavam analisar toda a situação, não conseguindo mesmo esconder a surpresa que sentiam ao verem tanta gente na Sala Comum.

Pensavam que iam encontrar Welling e Evans a torturar o amigo no dormitório, numa coisa parecida com um jogo S&M mas sem prazer à mistura, e, no entanto, aquela invasão de mulheres na Torre era algo que jamais imaginariam. Nunca conseguiriam fazer frente a tanta gente. Estavam condenados ao fracasso.

— Mas o que é isto?!! — James tentava a todo o custo manter a calma, mas não estava a ter grandes resultados. Sentia-se ultrajado com aquilo que estavam a fazer ao seu melhor amigo, que não podia fazer nada para se defender. — Vocês estão parvas? Não sabem que elementos de outras equipas não podem entrar na nossa Sala Comum?

Julia encolheu os ombros, lançando-lhes um olhar provocador. Aquele tinha sido mesmo um plano de génio, admitia mentalmente toda orgulhosa, e agora é que as coisas estavam mesmo para aquecer. Lily, que engolira em seco à menção de mais uma regra quebrada, olhava agora para eles com uma expressão culpa e implorava-lhes com os olhos para não as denunciarem aos professores.

Sirius, que ganhara algumas forças quando as raparigas se tinham afastado um pouco dele, aproveitou toda aquela distracção para tentar escapar. Mantendo-se deitado no chão, tentou apoiar os cotovelos no solo, de forma a conseguir rastejar o mais rapidamente possível até à entrada.

— Welling!!! Afasta-te dele, imediatamente! — gritou Remus entretanto, tentando compensar a sua falta de coragem face à irmã desta. — Não achas que ele já sofreu que chegue?

— Isso sou eu que decido!! Vocês não podem fazer nada para me impedir... — Julia parou de repente, desviando o olhar de Lupin e focando-o no chão, uns metros à frente deste, para onde Black se tinha movido.

Em poucos segundos, Sirius tinha feito grandes progressos, ajudado por uma força de vontade tão grande que era quase surreal. Estava a poucos passos do retracto da Dama Gorda, agora só precisaria de se levantar, esperar que o mesmo se abrisse, e estaria livre!! Escassos segundos faltavam para a vitória, não poderia desistir, por mais que lhe custasse, não deixaria Welling levar a melhor, mesmo que fosse a última coisa que fizesse na vida.

— Não o deixem escapar!!! — o grito de Desiree ecoou por toda a sala, fazendo com que todas as raparigas e os outros Marauders se voltassem na direcção dele.

Reunindo todas as forças que tinha, e até mesmo as que não tinha, Sirius lutou para se aguentar em pé, cambaleando um pouco no inicio mas ficando mais estável à medida em que se afastava dos elementos do sexo feminino. As lágrimas escorriam-lhe pela cara a baixo três a três, devido ao grande esforço físico que estava a fazer, mas ele era um lutador, não desistiria nunca, por maior sofrimento que fosse.

Viu, com uma grande expressão de alívio, a guardiã de Gryffindor desviar-se, destapando o buraco da entrada, e, sem meias medidas, não parando sequer para olhar para trás, deixou a Torre o mais depressa que conseguiu (o que não era muito fácil porque parecia ter os cordões atados um ao outro), rezando e pedindo ajuda a todos os deuses que conhecia para o ajudarem só mais uma vez.


A saída abrupta e espalhafatosa de Sirius criou a maior comoção que a Sala Comum dos Gryffindor alguma vez tinha visto. Todos começaram a falar ao mesmo tempo, trocando insultos e alguns empurrões e atirando as culpas uns para os outros. Quando os ânimos acalmaram um pouco, alguns segundos depois, estavam todos a arfar e a respirar com dificuldades, chegando mesmo a tirar algumas peças de roupa, devido ao calor que se fizera sentir com a discussão.

Os Marauders estavam possessos, tentando a toda a força conseguir chegar até ao retrato para irem atrás de Sirius, mas sem grande sorte. Rodeados por todos os lados, mal tinham espaço para respirar ou mover-se, porque as raparigas pareciam ter-se mentalizado que haviam perdido Sirius mas que podiam sempre arranjar um substituto. Ou, neste caso, vários, fazendo de James, Remus e Peter o seu prémio de consolação.

Julia e Lily olharam uma para a outra, levantando o canto dos lábios num sorrisinho perverso. Verem Black a sair da Sala Comum naquele estado lastimoso, tropeçando nos próprios pés e com a cara cheia de lágrimas e as calças molhadas, era algo que nunca haviam sequer imaginado, de tão absurdo que parecia. Tentando não perder tempo, correram atrás dele, avisando as outras raparigas para se manterem dentro da Torre e não deixarem o resto dos Marauders sair. Só esperavam que Morgan estivesse no sítio combinado, porque esta seria a melhor parte!

Infelizmente, Severus não poderia estar presente, pois tinha um treino de Quidditch até à hora do jantar e por muito que tivesse pedido a Lestrange para o dispensar, não tinha conseguido quaisquer resultados, tendo sido mesmo obrigado a ficar mais duas horas a treinar do que o habitual, por "não dar a devida importância à sua equipa".

Os passos de Sirius ecoavam pelos corredores e o barulho dos seus vómitos e choro compulsivo levaram muitos quadros a queixarem-se e dizerem que o iam denunciar ao Filch. Mas ele não estava minimamente importado com isso, tinha problemas muito mais graves para resolver. Nunca se sentira tão mal na vida e sabia que a Welling e a Evans vinham atrás dele, ouvia os passos delas, sentia o cheiro delas e a sua força vital, mesmo a metros de distância.

Ao virar de um corredor, porém, chocou contra Welling, que não estava atrás de si, mas sim na sua frente. Ou melhor, aquela era Morgan. Tinha de fugir, tinha de sair dali rápido! Mas acabou por cair no chão, sem forças para correr mais, quase com as entranhas a saírem-lhe boca fora. Sentia o seu corpo todo a tremer, as veias a pulsar-lhe no braço e no pescoço, o suor espalhado por toda a roupa, misturando-se com o cheiro a urina e a suco gástrico. Não podia estar pior.

E viu-as aparecer no seu campo de visão, as três cabeças daquelas raparigas odiosas por cima de si, as responsáveis por ele se encontrar naquele estado. Sentiu um ódio tão grande por elas que só lhe apetecia levantar-se e esmurrá-las todas uma a uma. Infelizmente, não se encontrava em condições para o fazer.

Reparou no olhar de Evans, que apesar de divertida, não parava de olhar em todas as direcções, certamente preocupada com o facto de poderem ser apanhados. Ou talvez estivesse mesmo a olhar, a ver se aparecia mais alguma rapariga para o torturar. Evans, tu também??! Nunca imaginaria isso de ti...

Desviou rapidamente o olhar, sentindo-se cada vez pior, cheio de tonturas e náuseas. Focou-se num ponto um pouco acima do ombro de Julia, notando no entanto alguma preocupação também nos olhos dela, como se se estivesse a arrepender da vingança. Mas... Julia?? A preocupar-se com Sirius? Era bem mais provável que ela preferisse ingerir um Explojento,ela odiava-o. E ele gostava tanto dela... Não, não Black! Tem lá calma! Não gostas dela coisa nenhuma! Já andas a delirar!

Um vómito percorreu-lhe a garganta e ele virou-se para o seu lado direito, para vomitar. Ao levantar o olhar, cada vez mais fraco e já vidrado de tanta lágrima, deu de caras com a outra Welling... Aquela cabra idiota... E ali a rir-se às gargalhadas, às suas custas, com um ar de desprezo e tanto ódio no olhar que até metia medo. Julgou ouvir um tom de mágoa nas gargalhadas dela, como se até certo ponto lhe custasse gozar com ele. Decididamente, Sirius, estás mesmo mal... Desde quando consegues ver isso tudo só ao olhar para os olhos delas??

De repente, e perfeitamente aterrorizado, viu a Slytherin baixar-se à beira dele e percorrer com o dedo indicador o peito nu dele até ao umbigo, fazendo um ar de marota. O toque dela parecia queimá-lo e tinha a certeza que quando o feitiço passasse ainda teria a marca do dedo dela pelo peito abaixo. Sentia-se tão mal, mas tão mal, que até a visão o estava a tramar, tornando-se desfocada e cada vez mais escura.

Morgan levantou uma sobrancelha, completamente alucinada com aquilo tudo, e levou a camisa de Black aos lábios dele.

— Oh, coitadinho, está-se a babar... — e limpou-lhe a boca na camisa, enchendo-a de vomitado, lágrimas e saliva.

As gargalhadas de Lily ecoaram pelos corredores, soando aos ouvidos de Sirius como facadas em todo o seu corpo e provocando-lhe uma onda febril de náuseas. Nem controlo tinha dos instintos corporais e, como reacção a isso, começou a tremer muito no chão, quase como um drogado que luta contra a falta de droga no seu sangue. Sem se conter mais uma vez, vomitou no chão, ficando, no entanto, assustado ao ver sangue misturado com o suco gástrico, que lhe deixava um sabor ácido e amargo na boca.

Sim, estou a morrer... Que Gryffindor me ajude, que elas vão matar-me!

Julia, contudo, sentia já a sua consciência martelar-lhe na cabeça, chamando-lhe a atenção para o perigo que se avizinhava. Ouvia Morgan e Lily a rirem-se dos tremores de Black, mas ela já não estava a achar piada nenhuma. Aquilo era sangue! Era quase como se estivessem a usar a Maldição Cruciatus, uma das Maldições Imperdoáveis, e se não parassem imediatamente acabariam por matar uma pessoa!

Pôs uma mão no ombro de Morgan, que olhou para ela, com aquele ar de preocupação que a perscrutava de alto a baixo. Nem foi preciso dizer-lhe nada, esta simplesmente levantou-se e afastou-se de Black, levando Lily consigo. Voltara àquele ar indiferente e frio, deixando para trás o riso gozão e sarcástico.

Julia observou atentamente o rapaz estendido no chão à sua frente, que estremecia como doido, o cabelo encharcado em suor que escorria desenfreadamente pela face até manchar ainda mais a camisa. Black olhava para ela, pedindo silenciosamente misericórdia, com aqueles olhos azuis lindos embaciados pelas lágrimas e a boca aberta em gemidos constantes. Engoliu em seco e, tirando a varinha do bolso do manto, apontou-a a Black, gritando o contra-feitiço o mais rápido possível, antes que se arrependesse.

Logo de imediato, Sirius sentiu-se muito melhor, quase como novo, e o mal-estar abandonou-o tão rapidamente como se fosse apenas uma nuvem passageira. Sentou-se no chão, olhando em volta como que observando tudo pela primeira vez, ouvindo os comentários de Lily muito ao longe, como se ela estivesse a uma grande distância dele.

— Bolas, agora que isto começava a ficar divertido...

Sentiu-se, de novo, vitima de um feitiço e pensou, com profundo horror, que todo aquele desespero voltaria em grande, para o assombrar. Mas, para sua surpresa, apenas uma sensação de limpeza tomou conta dele e, ao olhar para o lado direito, viu Julia ainda com a varinha apontada na sua direcção, a limpar-lhe as roupas, o cabelo e o corpo. Viu-a baixar-se à sua beira e a arranjar-lhe o cabelo de forma carinhosa e, inconscientemente, desejou passar por tudo aquilo outra vez, apenas para receber aquela recompensa.

— Estás bem, Black?

Sirius pareceu voltar à realidade e, com um salto, pôs-se de pé e puxou Julia para cima, de súbito entusiasmado.

— Tens que me contar tudo! Caramba, rapariga, tu és fogo, sabes mesmo atingir as pessoas nos seus pontos fracos!

As três raparigas ficaram com cara de parvas, boca aberta e olhos esbugalhados, surpreendidas pela reacção de Black, muito mais positiva do que elas contavam. Estavam à espera de tudo e mais alguma coisa: feitiços de retaliação, gritos de revolta, guerra com as próprias mãos... Tudo menos aquilo!

Sirius passou o braço pelos ombros de Julia, enquanto se encaminhava de novo para a Sala Comum, palrando intensamente acerca da prank, querendo saber todos os pequenos pormenores. Foram seguidos por Lily e Morgan, que se apoiavam mutuamente para não caírem no chão, tal era o espanto. Julia e Sirius estavam a tratar-se normalmente! Pareciam os melhores amigos do mundo!

Ao chegarem ao quadro da Dama Gorda, o resto dos Marauders saiu pelo buraco, tropeçando uns nos outros, com roupas e cabelo em desalinho, depois de meia hora a debaterem-se com um exército de mulheres.

— Ah! Siri! Já estás-- Errmm... — exclamou James, parando ao vê-lo abraçado a Julia, ambos a rirem-se como doidos.

Olhou na direcção de Morgan e Lily, procurando explicações, mas elas limitaram-se a encolher os ombros, tão estupefactas quanto ele. Morgan preparou-se para se despedir de Lily, enquanto via Black e Julia entrarem na Torre, quando a cabeça de Black voltou a aparecer.

— Hey! Welling! Fica connosco! Não vais ficar sozinha lá naqueles calabouços imundos, ainda por cima os Slytherin hoje têm direito a um treino intensivo!

Um sorriso maroto espalhou-se pelo rosto de Morgan, que olhou para Lupin e piscou-lhe o olho, sentindo-o quase a desmaiar. Virou-lhe as costas e entrou na sala, seguida por Lily, pensando que aqueles momentos em que "seduzia" Lupin até tinham a sua piada.

Aproveitando o momento, James e Peter encarregaram-se de mandar o batalhão de raparigas embora, preparando tudo para a pequena surpresa que tinham combinado naquela manhã, após terem recebido a encomenda. Subiram rapidamente as escadas até ao dormitório, após despacharem a última rapariga que esperneava porque queria ficar mais tempo à beira de Sirius, para pegarem no "material".

Julia e Sirius tinham-se sentado frente a frente num dos sofás e discutiam agora mais pranks, combinando outras para pregarem a certas pessoas, sem ligarem minimamente ao resto do mundo. Riam-se, sorriam, falavam entusiasmados sob o olhar do resto do "grupo", numa cumplicidade que sempre existira entre os dois e que, apesar deles a combaterem, vinha ao de cima de vez em quando.

Lily, Morgan e Remus foram sentar-se ao pé da lareira, sem saberem muito bem o que fazer e começando a discutir Encantamentos, com Remus a queixar-se da sua falta de competência e Lily a incentivar Morgan a dar-lhe explicações. Tanto Remus como Morgan coraram perante esta perspectiva e mudaram rapidamente de assunto antes que as coisas piorassem.

Nas escadas, um barulho enorme fez-se ouvir, indicando que James e Peter vinham a caminho. Mal apareceram na porta, mandaram o pessoal todo para os sofás, onde se sentaram, rodeados dos amigos todos. Tiraram um embrulho do bolso das calças e, para surpresa de todos, estavam lá milhares de fotografias.

— Mandei-as revelar na quinta e já chegaram. — anunciou James, já com um sorriso de orelha a orelha. — Preparados para umas boas gargalhadas?

— Vocês tiram fotos às pranks?? — perguntou Julia, muito surpreendida.

— Oh sim!! Temos fotos guardadas de todas... desde a primeira, quando andávamos no 1º Ano — respondeu Sirius, com olhos brilhantes.

De seguida, vários momentos entre os dois grupos foram passando, mostrando todas as pranks feitas desde o início do ano. James tinha montado tudo na primeira semana de aulas, espalhando câmaras por todo o castelo, em modo automático, para que apanhassem os melhores momentos.

Logo a primeira foto que viram fez com que se escangalhassem todos a rir, ao relembrarem o momento e as reacções de todos. Sirius a ser encostado por uma Julia com os calores e semi-nua, que tinha colocado as pernas à volta da cintura dele e tentava agora desapertar-lhe a camisa a todo custo. Mas ele não estava inocente naquela história toda, muito pelo contrário. Tinha as mãos por dentro da saia preta dela, que estava um pouco levantada, mostrando as cuecas brancas aos corações vermelhos, e segurava-a pelo rabo, com uma expressão de grande prazer.

— Usas cuecas brancas com corações vermelhos? — perguntou Sirius com um ar estupefacto, indeciso entre desmanchar-se a rir ou imaginar mais acerca da roupa interior de Julia.

— Errrrm... — Julia corou até à raiz do cabelo, olhando para os pés devido ao grande embaraço que sentia. Que vergonha!! E a culpa era toda de... — Hey!! A culpa disto é toda tua seu ani---

— Welli--- Wellin--- Julia!! — tentava pronunciar James entre gargalhadas, procurando fazer com que ela não voltasse a pensar naquela prank como motivo de vergonha. Afinal tinham-se todos divertido à grande, e até tinham provas disso! — Tem calma! Estamos todos a passar um bom bocado, não concordas? Já passou rapariga... Relaxa.

Os olhos de Morgan riam-se da expressão no rosto da irmã, e ela fazia os possíveis para se controlar, não querendo ficar no lado errado de Julia. A irmã conseguia ser muito vingativa quando queria. Trocando olhares de cumplicidade com Lily, pegou na próxima fotografia, mas desta vez não conseguiu mesmo conter uma gargalhada bem sonora.

Como reacção à cena vista na foto anterior estava a entrada mais espalhafatosa alguma vez vista na Sala Comum dos Gryffindor. O monte humano caído na entrada era constituído por James, Remus, Morgan, Lily e Severus, todos com rostos tão caricatos que era mesmo impossível ficar indiferente. E quando olhavam para cima e viam que estavam a ser observados, alguns coravam, outros sorriam e acenavam para a "câmara" ou então, como o caso de Severus, punham expressões tão severas na cara que metiam medo ao susto.

As fotos foram passando todas de mão em mão, provas concretas de momentos passados em grande alegria. Os rapazes todos atrás de Julia na Sala Comum, sem conseguirem apanhá-la; Morgan e Lily quase a rebolarem-se no chão de tanto se rirem; O monte humano todo em cima de Julia, com todos os elementos a espernearem-se e tocarem em partes indiscretas uns dos outros; a entrada de Julia no dormitório masculino no dia seguinte à prank, surpreendendo o grupo de rapazes semi-nus; Sirius tentar esconder-se debaixo da cama para não ser apanhado por ela...

— Olhem para isto!!! — gritou Julia, não conseguindo conter um sorriso bem sinistro. Tinha na mão uma das fotos que ainda não tinha sido vista por mais ninguém, e não podia perder tempo para mostrar uma preciosidade daquelas.

A fotografia tinha sido tirada com a câmara que apontava mesmo para a entrada da Torre dos Gryffindor, focando todo o retrato e um pouco das paredes à volta. Mas o ponto fundamental de toda a imagem era a figura que estava na frente do quadro da Dama Gorda, um Sirius quase todo nu, vestido apenas com o seu par de boxers com bludgers, que tentava, em vão, tapar-se o mais possível do olhar esgazeado de Filch, que parecia prestes a devorá-lo vivo.

— Eu não acredito no que estou a ver!!! — exclamou Lily, escandalizada. — Isso é--

Mas foi interrompida pelas gargalhadas sonoras dos outros rapazes, que quando se acalmavam um pouco, olhavam para Sirius, apontavam para a foto e partiam-se a rir novamente.

— Riam-se, riam-se... Se fosse com vocês eu queria ver! Ele estava sempre a olhar para mim com aquela expressão doentia no rosto, estava mesmo a ver que não ia escapar com a minha virtude intacta!!

— Como se ainda houvesse alguma ponta de virtude no teu ser, Black... — comentou Julia com voz austera, mas os olhos brilhantes dela diziam-lhes que estava apenas a brincar com ele. — E além disso, tu é que pensavas que eras gay...

— Não falemos mais disso, sim? Tremo só de pensar! — e pondo a sua foto no fundo da pilha, pegou nas próximas, que eram um conjunto que mostrava a manhã agitada que se vivera na Torre dos Gryffindor, no dia seguinte à partida pregada em Julia.

— Ah, deixa-me ver essas! — gritou Morgan, com um sorriso. — Infelizmente não pude estar presente para este espectáculo. As reacções devem ter sido excelentes!

Sirius passou-lhe as fotos com um piscar de olho, e Morgan estendeu-as em cima da mesa que se encontrava na frente dos sofás, para que todos as pudessem ver. Eram imensas, todas tiradas instantaneamente, e cada uma mais hilariante que a anterior. Portas de dormitórios a abrirem-se, os alunos todos a saírem dos quartos de pijama e com aspecto de quem acabara de acordar (olheiras, cabelos em desalinho, remelas, alguns um bocado babados no canto da boca...), as expressões de surpresa e divertimento de alguns e o ar irritado de outros, enfim, havia de tudo, e até se podia ver Julia em algumas, a passar a grande velocidade pelos corredores, não ligando a nada nem a ninguém.

— Sabes como é Morgan... A nossa Julinha causa uma revolução por onde quer que passa...

Julia deu um murro brincalhão na coxa de Sirius, revirando os olhos ao comentário dele e pegando nas fotografias seguintes. Era forçada a admitir interiormente que se estava a divertir bastante, o que nunca imaginara ser possível na companhia dos Marauders.

— Olha esta!! Ainda nem acredito que a deixamos plantada no Grande Salão. Que vergonha! Acho que nunca corri tanto na vida — Lily exclamou, enquanto apontava para uma foto que mostrava exactamente isso mesmo. O rosto de McGonagall contorcia-se de fúria, e podia-se ver James, Remus, Morgan, Lily e Severus a correrem a velocidade supersónica para fora do salão.

— Eu não soube de nada disso... — resmungou Sirius entredentes, passando a mão pelo cabelo.

— É bem-feito! Foste o primeiro a fugir, é natural que não tenhas presenciado a cena toda. E eu é que tive que apanhar com as culpas todas... — Remus corou um pouco, envergonhado pelo que ia dizer a seguir. — E depois tive que gramar sabe-se lá quantas horas de aulas extra com o Flitwick, só para salvar a pele ao menino!

— Pronto, pronto... Peço desculpa...

— Também me deves um pedido de desculpas!! — saltou logo Julia do lugar. Mas ao ver os olhares de todos sobre ela, percebeu que talvez mais ninguém partilhasse a sua opinião, devido à grande vingança que acabara de por em prática. — Ou talvez não... Acho que devemos estar quites.

— Se eu bem vos conheço, isso não será por muito tempo... Aposto que já devem estar a planear--

Um ruidozinho engasgado de Peter fez com que James parasse o que estava a dizer e olhasse para o amigo com cara de preocupado. Mas o pior que poderia acontecer a Peter naquele momento seria morrer de tanto se rir, visto que este já nem conseguia conter as lágrimas, tendo caído dos sofás para o chão, onde permanecia agarrado à barriga, quase a sufocar de tantas gargalhadas.

— Já--Ahahhah--viram--Ahhahh--estas? — Tentou dizer depois de se acalmar um pouco, entre risadas.

O monte das fotos que tinha na mão eram quase exclusivos das reacções dos espectadores das pranks, mostrando as mais variadas expressões e que se adaptavam perfeitamente a cada situação. Pelos olhares dos alunos, quase que se podia imaginar em que altura é que a foto tinha sido tirada, porque os rostos estupefactos de alguns e as expressões furiosas de outros não deixavam muito à imaginação. Havia fotos tiradas no Grande Salão, nos corredores, na Sala Comum e até tinha algumas no exterior.

— Já viram o que seria desta escola sem nós? Estariam todos perdidos de certeza... — murmurou Sirius num tom de quem está muito satisfeito consigo próprio, enquanto piscava o olho a duas alunas do 1º Ano que tinham acabado de entrar na Sala Comum e se preparavam para subir para os dormitórios.

— Oh não!! O Don Juan está de volta, fujam todos os elementos do sexo feminino! — Julia forçou um gemido, escondendo a cara nas mãos para se proteger da almofada que Black atirou na sua direcção.

— E pronto... Lá começam eles outra vez!

— Sabes como é o ditado, Morgan. Quanto mais me bates... — Lily não precisou de continuar, porque as duas pessoas em causa se voltaram para ela ao mesmo tempo, com uma expressão ameaçadora no rosto. Talvez fosse melhor mudar de assunto. — Bem... mas acho que devíamos organizar as fotos por secções, não acham? Para as preservar e ser mais fácil de encontrar o que procuramos...

James abanou a cabeça àquela sugestão, mas começou a separar as fotos que estavam mais perto dele, não querendo provocar a ira de Evans. Toda a gente sabia da sua fixação pela perfeição, e seria melhor nem reclamar, senão ainda sobraria para ele.

Olhando para toda aquela confusão, milhares de fotos todas empilhadas umas em cima das outras, começou a maldizer a sua ideia brilhante de por as maquinas a tirar fotos automáticas. Nunca mais sairiam dali, teriam fotos para organizar até ao final do milénio seguinte. Mas, se todos colaborassem, talvez não demorasse assim tanto tempo e se tornasse numa tarefa divertida.

Os outros seguiram o seu exemplo, começando também eles a dividir as fotos, parando nesta ou naquela que ainda não tinha sido vista anteriormente, para se rirem mais um bocado.

Havia imensas do confronto do corredor, umas com a Julia e o Sirius parados no meio de toda a confusão, quase a beijarem-se, outras que focavam os alunos que iam a passar por eles nesse momento e até algumas com a confusão que se seguiu a seguir. O murro de Severus a Sirius, com o sangue deste a escorrer a jactos pelo nariz; Julia a tentar defender o seu "apaixonado"; Morgan a chegar e não os conseguir separar; o aparecimento de James, Lily e Remus... Todos os momentos fundamentais pareciam ter sido imortalizados para sempre em papel e nunca seriam esquecidos.

Mas nem todas as partes relevantes tinham tanta cobertura. Algumas fotos eram únicas, captando um segundo da realidade que jamais poderia ser reconstruído se se perdesse a foto ou o negativo. Este era o caso de uma das fotos mais hilariantes de toda a pilha, que mostrava uma Julia completamente passada a dançar e "cantar" no corredor, esfregando-se por tudo quanto era lado, especialmente nas paredes e armaduras. Sirius, num gesto de cavalheirismo supremo, ofereceu-lhe o exemplar único para recordação, como pedido de desculpas e promessa de algo mais no futuro.

— E nós?? — perguntou Morgan, já de olhos postos numa fotografia que mostrava o encontro entre os dois grupos na sala, com Julia, Sirius e Severus petrificados, e os outros todos a terem uma discussão calorosa.

Todas as raparigas acabaram então por receber outras fotos, como forma de selar ainda mais aquela amizade que estava apenas a florescer. Após muitos pedidos, Julia lá acabou por conseguir uma foto para Severus, aquela em que ele esmurrava Sirius e se via todo o sangue a sair. Ele ficaria muito satisfeito com o presente, ela tinha a certeza disso.

Enfim, o final da tarde tinha sido magnifico, e após largos minutos de gargalhadas, o ambiente acalmou-se um bocado e todos suspiraram de nostalgia. Era tão bom rever aqueles tempos passados em conjunto e sorrir com eles, relembrando montanhas de coisas boas. Tinham passado por muito juntos e assim continuaria a ser até ao fim das suas vidas.

— Então, mas ó Welling, diz-me lá... Como é que conseguiste fazer o feitiço actuar logo tão rapidamente e tão intensamente? — perguntou Sirius, curioso, quando já tinham separado todas as fotos e estava tudo arrumado nos devidos caixotes.

— Tu não fazes ideia!! Foi lindo, lindo, só visto! — e com isto, partiu-se a rir novamente, incapaz de conter as lágrimas só de pensar nas figuras da irmã.

Agora que sabia a ideia excelente dos Marauders de tirarem fotos a todas as pranks, ficara um bocado desiludida por não ter pensado nisso antes, porque não tinha como guardar todas as peripécias vividas na preparação para o feitiço a ser utilizado em Sirius. Era uma pena... Teria que falar com Potter para ver saber onde se encontravam exactamente as câmaras, para poder planear melhor os locais das novas pranks.

— Julia Leanna Welling!!! Tu nem penses que lhes vais contar isso!!!! Eu juro que te desfaço!!!! — Morgan saltou logo no sofá, abrindo muito os olhos em direcção a Julia, ameaçando-a com o olhar.

Julia levantou-se logo, deixando os planos para depois, e correu na direcção da parte de trás do sofá, enquanto tentava conter as gargalhadas. Sim... Aquele dia ainda não acabara e ainda ia a tempo de ser se divertir mais um bocado, mesmo que fosse às custas da irmã. Não podia exactamente perder uma oportunidade daquelas.

— Bem... Digamos que a Morgan foi a minha cobaia... — sorriu para Sirius, erguendo as sobrancelhas de forma sugestiva, mas vendo, pelo canto do olho, a irmã aproximar-se, fugiu na direcção dos dormitórios, antes que a ela a apanhasse.

— JUUUULLLLIIIIIAAAAAA!!!!! OLHA QUE EU CONTO O QUE ACONTECEU NO ÚLTIMO VERÃO!!!

Morgan saltou atrás dela, correndo as duas pelas escadas acima, ficando a ouvir-se as gargalhadas da sala comum juntamente com as de Julia, que adorava aqueles momentos em que picava a irmã.