Capítulo 7
Profeta Diário e Halloween
Nos dias que se seguiram as coisas voltaram relativamente ao normal, se é que se pode considerar alguma coisa normal em Hogwarts. As aulas estavam a começar a tornar-se mais interessantes à medida em que passavam para coisas mais avançadas, mas isso também exigia maior esforço, concentração e trabalho por parte dos alunos.
Em Encantamentos, tinham passado para o Encantamento de Convocação, muito útil para quem não tem tempo para ir buscar alguma coisa que se esqueceu, podendo assim convocá-la com um simples "Accio!". Era relativamente difícil de dominar (fora preciso várias horas de estudo para conseguirem algum resultado) e tinha um pequeno senão: era necessário saber o local onde se encontrava o objecto pretendido para o encantamento resultar, mas não era isso que o tornava menos vantajoso.
Defesa Contra as Artes Negras, apesar de parecer de longe a disciplina mais divertida, continuava muito aborrecida (quase pior que História da Magia), porque não havia maneira do Professor Damek começar com as aulas práticas que não envolvessem defesa, mas que passassem para o ataque. Os alunos eram assim obrigados a sofrer uma hora da mais pura teoria, dada através do calhamaço intitulado: "Teoria de Fundo da Defesa Ideal" e depois praticavam escudos atrás de escudos, provando que Agustin Damek se esquecera que a melhor Defesa é sempre o Ataque.
No entanto, em Cuidados com as Criaturas Mágicas tiveram entretenimento que chegasse para todas as aulas. A professora Grubbly-Plank tinha decidido que eles já tinham idade suficiente para começarem a lidar com criaturas mais perigosas do que Unicórnios e Explojentos e começara a ensinar-lhes a relacionarem-se com Hipogrifos.
As probabilidades de cada um deles encontrar um não eram muitas, mas mais vale sempre prevenir do que remediar, e todos acabaram por passar umas horas agradáveis, principalmente James e Sirius, que adoravam voar no que quer que fosse e passavam agora os tempos livres a cuidar de Bronzewings só para depois terem direito a dar umas voltinhas.
Em Poções, Daniel Orpheus parecia ter um bocadinho mais confiança nas duas equipas, acreditando mais nas suas capacidades e resolvendo experimentar, numa aula, uma poção um pouco mais complicada. O resultado fora catastrófico. Sweet Memoire faria com que a pessoa que a bebesse relembrasse o momento mais feliz da sua vida, aquele momento de felicidade total, em que tudo tinha sido perfeito.
Mas o grau de dificuldade da poção era relativamente elevado, e alunos com pouca informação de base e falta de experiência nunca iriam conseguir seguir as instruções correctamente. Apenas Severus realizara uma poção perfeita, fazendo também os possíveis para ajudar imperceptivelmente Morgan, Lily e Julia, que se livraram do falhanço total.
Os outros alunos, contudo, não tiveram tanta sorte. Explosões espectaculares tinham iluminado toda a sala, estrondos estridentes haviam ecoado nos corredores dos calabouços, fazendo todos os alunos tapar as orelhas, e o Professor Orpheus pareceu ter aprendido a lição. A sua admiração por Severus pareceu multiplicar-se a olhos vistos e ele não conseguia esconder o orgulho que sentia do seu aluno promissor. Mas as aulas voltaram ao que eram antigamente, talvez com poções menos avançadas até, para nunca mais se repetirem acidentes daqueles.
As outras aulas tinham pecado um pouco pela falta de novidade, mas isso era um bocado compreensivo. Havia disciplinas que permaneceriam para sempre iguais a si próprias, como História (sempre a mesma rotina de ouvir o monólogo constante do Binns e aturar a luta entre os duendes), Transfiguração e Astronomia, onde se faziam cartas planetárias e se estudavam os astros.
Mas outras mudanças estavam a acontecer, lentamente, em Hogwarts. Outubro entrara em grande, com as folhas das arvores a começarem a cair gradualmente e a temperatura a descer consideravelmente, prova de que o Outono viera para ficar. Como a temporada de Quidditch batia à porta, as equipas estavam concentradas em treinar os jogadores com menos experiência e organizar as manobras de ataque e de defesa.
Porém, não era só de Quidditch que se vivia no castelo, e os menos interessados no desporto dos feiticeiros também tinham com que se divertir. O seu tempo era passado nas Salas Comuns, jogando cartas e xadrez, estudando ou lendo na biblioteca ou até nos clubes recreativos que pareciam ter virado moda poucos anos antes.
Clubes como o de Fotografia, de Lições sobre Muggles, sobre os Costumes dos Feiticeiros, de Preparação para os NPFs para os alunos do 5º Ano e de Preparação para os EFBE e de Materialização para os sétimos anos, e muitos, muitos outros. Havia praticamente um para cada coisa imaginável, mas não eram muito conhecidos pela escola, porque cada aluno preferia criar o seu "clube" com os amigos.
No entanto, nem todas as mudanças que Outubro trouxe se tinham mostrado positivas. Muito pelo contrário, todo aquele clima de paz e de segurança tremeu no dia 8 de Outubro, com a chegada do Profeta Diário durante o pequeno almoço.
O Grande Salão estava cheio, o que costumava ser raro ao fim-de-semana, e todos comiam e conversavam alegremente, sobre esta e aquela novidade. Os Marauders tinham, pela primeira vez desde o inicio do ano, acordado ao mesmo tempo que o resto da escola, para ajudarem a professora de Cuidados com as Criaturas Mágicas, e iam comendo tudo o que lhes aparecia à frente, numa tentativa de se manterem acordados.
Estavam sentados a meio da mesa dos Gryffindor, rodeados, como de costume, por uma montanha de raparigas, mas nem Sirius lhes prestava atenção. Fazia os possíveis por manter os olhos abertos, tendo já devorado duas torradas, três fatias de bacon, uma salsicha e meia e algumas miniaturas de pastelarias e bebido três copos dos vários sumos espalhados pela mesa, como o de abóbora, laranja, maçã (Yuck!! Como o detestava!) e até de mandrágora! Parecia quase um aspirador e, pela primeira vez desde que chegara a Hogwarts, apresentava-se aos olhos de todos com um aparência mais descuidada e menos perfeita do que o habitual.
James estava um pouco melhor que o melhor amigo, não dando tanto nas vistas e comendo moderadamente. Peter era, de longe, o que estava mais acordado do grupo. Tinha-se deitado muito cedo na véspera, por ser inicio de fim-de-semana e não ter trabalhos para entregar no dia seguinte. Conversava animadamente com um aluno do primeiro ano, enquanto comia como um abade.
Entre todos, Remus era aquele cuja aparência mais metia dó. Parecia ter passado a noite toda a lutar contra vários Hipogrifos, e mal se aguentava em pé. A lua cheia tinha sido dois dias antes e ainda estava a recuperar das dolorosas transformações, tendo passado o dia anterior todo na enfermaria para que Madam Pomfrey tratasse de todos os cortes e feridas que tinha infligido a si próprio. Estava muito pálido e tinha um aspecto frágil e doente, sendo alvo de vários olhares curiosos e inquiridores.
— Jamsy, passas-me os ovos mexidos, por favor? — pediu um Sirius que tentava a apoiar a cabeça com uma mão e comer com a outra.
— Mas Siri... tu não gostas de ovos!
— Pode ser que isso faço com que eu acor— O resto da resposta de Sirius foi abafada pela chegada de mais de uma centena de corujas, que entravam pela janela do Salão à hora do pequeno-almoço a grande velocidade e só paravam na frente dos seus seu donos, deixando-lhes cair no colo cartas e embrulhos.
Duas corujas, uma macho e outra fêmea, voaram na direcção dos Marauders de cabelo negro, e os dois estenderam os braços, aguardando que elas pousassem. Eram ambas corujas-reais, muito parecidas em aspecto físico e cores, e tinham sido compradas no mesmo dia, uma semana antes de James e Sirius iniciarem o seu 1º Ano em Hogwarts.
Blanche era a coruja de James e, como o próprio nome indicava, tinha uma penugem completamente branca, tirando a parte da cabeça, cujas penas eram da cor da noite. A coruja de Sirius era exactamente ao contrário, tendo o tronco completamente negro, o que lhe valera o nome de Noir, e a cabeça branca. Quando não andavam em entregas podiam ser vistas sempre juntas, formando o casalinho mais falado da Torre das Corujas.
Noir deixou cair o Profeta Diário em cima do prato de Sirius, mordiscando-lhe afectuosamente a orelha durante segundos e dando umas bicadas nos ovos frios do prato dele. Voou em seguida até Blanche e esperou que ela acabasse de entregar ao dono a Revista "Bastidores de Quidditch" e o cumprimentasse, seguindo ambos depois caminho para a sua Torre.
Agora mais acordado, Sirius abanou a cabeça na direcção da sua coruja, que voava lado a lado com Blanche, as duas com um ar empinado, como se pertencessem à mais alta aristocracia. Pegou no jornal de cima do prato, reparando que pairava um grande silêncio no Grande Salão. Olhando em volta, viu que todos liam atentamente o jornal e que os que tinham acabado pareciam um pouco chocados com o que quer que fosse que tivessem acabado de ler.
Mal abriu o Profeta Diário, descobriu porquê.
Nem Sempre Após a Tempestade vem a Bonança
Por Helena Black
O mundo dos feiticeiros dorme, despreocupado, alheio aos perigos que se aproximam. A vida segue o seu curso, a rotina nunca muda. Três anos passaram desde aquele fatídico ataque a Diagon Alley e as pessoas parecem ter esquecido tudo o que aconteceu, toda a dor e angustia, as mortes, os feridos... tudo parece ter sido apagado das suas memórias e todos tentam levar a vida para a frente, seguir caminho sem olhar para trás.
Ninguém se questiona sobre o que aconteceu, porque parou ou qual a razão do sucedido. O Ministério Britânico da Magia age de forma contraditória. Se por um lado minimizou toda a situação, desesperado por manter a calma e evitar o pânico, por outro trabalha arduamente, buscando respostas e soluções, tentando a todo o custo evitar o inevitável.
Estes são tempos de guerra. Parece ridículo, absurdo afirmá-lo assim, publicamente e aos olhos de todos, especialmente durante este período de bonança que estamos a viver, mas, mais cedo ou mais tarde, o mundo aperceber-se-á que existe uma grande diferença entre as coisas que queremos que aconteçam e o que acontece na realidade.
O pânico inicial passou, a vida continua e não vale a pena chorar por uma coisa que já aconteceu e que não pode ser mudada. Esta parece ser a opinião geral da população mágica, que concentra agora todas as suas forças em continuar a sua vidinha pacata, dando tudo por tudo para apagar todas as lembranças daquele dia tão marcante. Mas o medo nada na superfície, à espera, procurando o momento certo para atacar uma multidão ignorante e indefesa.
Antes fosse tudo um sonho irreal que se desfizesse assim que abríssemos os olhos. Mas não é! O futuro da Comunidade Mágica pode muito bem estar condenado, e temo que o inimigo tenha feito apenas uma retirada estratégica para se preparar para o grande ataque e o golpe final. Factos cruciais permanecem escondidos, passando quase despercebidos aos olhos do cidadão comum.
Homens e mulheres lutam, diariamente, na clandestinidade para manter a segurança da população (tanto mágica como muggle), dando muitas vezes a vida por um objectivo comum. No entanto, nada disto é suficiente. È necessário agir! Parar de depender dos outros e passar a confiar em nós próprios e nas nossas capacidades. Não podemos continuar encolhidos a um canto cheios de medo ou a tentar esquecer, porque isso não é viver.
Remus, que estava sentado ao lado dele, chegara-se a ele e ambos tinham lido a notícia ao mesmo tempo, ficando completamente embasbacados. Sem fazer comentários, Sirius passou o jornal a James e Peter, que o leram em silêncio.
Gradualmente, o Grande Salão foi-se enchendo de sussurros, à medida em que os alunos das várias casas acabavam de ler o artigo da primeira página. A "guerra" que se estava a passar no exterior era um tema que não penetrava as paredes do castelo, algo tabu e quase nunca falado em voz alta, apenas sussurrado no silêncio da noite.
Aquela crónica vinha derrubar todas as barreiras, destruir toda a censura até aí existente e abrir os olhos de todos os alunos que pensavam que tudo estaria acabado numa questão de segundos, como se se tratasse apenas de um pesadelo. Mais, mostrava a realidade que se vivia no exterior, denunciando e congratulando o ministério, tanto pelas suas falhas e erros como pelas coisas boas que tinha feito.— Uau Siri! A tua mãe não tem mesmo papas na língua! — exclamou James um pouco alto demais, fazendo Sirius corar e sorrir ao mesmo tempo.
Tinha um orgulho enorme nos pais e nas profissões que os dois exerciam, ambas muito perigosas e extenuantes. A mãe era jornalista do Profeta Diário, não se inquietando até conseguir fazer decentemente o seu trabalho, denunciando tudo o que achava injusto e cruel. O pai era sub-chefe do Departamento dos Aurors do Ministério, trabalhando lado a lado com Henry Potter, o seu melhor amigo e pai de James.
— É... Ela não tem medo de escrever sobre o que se passa... manter a população informada... — respondeu Sirius, atraindo a atenção de todos no Grande Salão.
A partir dali gerou-se uma confusão tremenda, toda a gente a falar ao mesmo, fazendo-lhe perguntas ou comentando este ou aquele detalhe, cumprimentando-o e elogiando os dotes para a escrita da mãe dele, e nunca Sirius Black tinha sido o centro de tantas atenções, de tantas conversas. Estava até a ficar embaraçado.
Vendo isto, os outros Marauders arrastaram-no para fora do salão, puxando-o até uma sala secreta, ainda com o Profeta na mão e Sirius a acabar de comer uma maçã. Tinham muito que discutir, longe dos olhos curiosos dos outros alunos, que nada pareciam entender sobre o que se passava fora de Hogwarts, vivendo afastados dos problemas do mundo dos adultos pelos pais e professores. Eles, no entanto, não conseguiam suportar a ignorância, a ideia de não saberem nada sobre o exterior e faziam as suas próprias pesquisas, tiravam as suas conclusões.
— Vocês sabiam alguma coisa sobre o que se estava a passar? — perguntou Remus a James e Sirius, enquanto se sentava num dos sofás, gesticulando aos outros para seguirem o seu exemplo.
— Nem por sombras... — murmurou um James um pouco irritado, talvez por não se ter apercebido de nada, apesar de andar sempre atento a tudo o que o rodeava durante o Verão. — Vocês sabem que o meu pai nunca fala de nada relacionado com o trabalho à minha frente. Deve pensar que a informação é pesada demais para os meus ouvidos sensíveis...
Sirius tentou conter uma gargalhada, acabando por se entalar num pedaço de maçã e ficando a tossir durante alguns segundos. No momento em que começou, não conseguia parar, tossindo e tossindo e tossindo, até lhe virem as lágrimas aos olhos e mal conseguir respirar. Remus e James ficaram a olhar para ele sem saber o que fazer, não sabendo como ajudar o amigo. Surpreendentemente, fora Peter quem salvara a situação, dando-lhe várias pancadinhas nas costas, exactamente no local onde começava a espinal-medula, e fazendo-o cuspir o bocado de fruta.
Permaneceu quieto durante alguns segundos, ligeiramente inclinado para a frente, enquanto recuperava o fôlego, erguendo-se em seguida e reclinando-se todo para tás no sofá. Os outros observaram-no com expressões idênticas de divertimento no rosto, mais descansados agora que sabiam que estava tudo bem. Depois, James sorriu diabolicamente, batendo uma palma e olhando de lado para o amigo.
— Ah! Isso ensina-te a não gozares da minha pessoa!
— Hey! Eu não estava a gozar, bro... Estava apensas a imaginar a situação — retorquiu Sirius, que ainda respirava com grande dificuldade.
— Rapazes... Não divaguem, vá. James, continua.
James lançou um olhar a Sirius como se perguntasse "Será que já posso falar sem interrupções?" e Sirius respondeu-lhe com "Tas à vontade pá, mas despacha-te!" que lhe dava uma expressão facial tão engraçada que os outros só a muito custo conseguiram conter o riso.
— De qualquer maneira... — continuou James — eu já andava a suspeitar que algo mais sério se passava, porque o meu pai chegou a passar noites a fio no ministério, e havia semanas que nem vinha a casa. Não sei se com o teu pai se passou o mesmo, Siri, mas eu não queria dizer nada porque podia ser outra coisa. Depois de ler o artigo, no entanto... acho que não há quaisquer dúvidas.
— Sim, o meu pai também passou muito tempo fora de casa. Cheguei a pensar que houvesse qualquer problema entre eles, mas asseguraram-me que não, que era apenas excesso de trabalho. E para Aurors excesso de trabalho significa problemas com Feiticeiros Negros, ou outra coisa que ameace a paz.
— Vocês acham que estamos mesmo em guerra? — perguntou a vozinha assustada de Peter. — Acham que é algo tão grave que vai durar vários anos? Será que vamos ter que lutar?!
— Peter, acalma-te... — murmurou Remus, com um brilho estranho nos olhos cor de mel. — Uma das razões para eles esconderem o que se está a passar é evitarem o pânico. Ainda é muito cedo para se prever estas coisas, muita coisa pode acontecer. Mas qualquer coisa me diz que esta guerra vai mudar para sempre as nossas vidas...
Durante alguns momentos, que podiam ter durado horas, dias ou anos mas que para eles não passaram de segundos, permaneceram todos em silêncio, cada um perdido no seu mundo, afastados da realidade cruel que se aproximava a passos largos.
— Pode até terminar mal, — recomeçou James, olhando os três amigos de forma decidida. — mas eu não vou desistir. Que fique como voto, na frente de todos vocês, posso até morrer, mas lutarei com todas as minhas forças, como o meu pai, pela paz e segurança de todos, feiticeiros ou não. Não digo que não tenho medo, porque tenho muito, tremo só de pensar, mas não vou deixar que isso me impeça de lutar por aquilo em que acredito.
As palavras de James pareceram trazer um ambiente pesado à sala, como se, pela primeira vez, se dessem conta da realidade que estavam a passar. Eram corajosos, Gryffindors, mas numa guerra as mortes são inevitáveis e o sofrimento uma constante. Só as mentes mais fortes conseguiriam suportar a tortura e aguentar a pressão, só os mais resistentes sobreviveriam. O mundo vivia uma ilusão, numa espécie de Utopia onde tudo ficaria perfeito se eles o desejassem com muita força. A realidade, no entanto, era muito mais cruel que qualquer pesadelo, e mais dolorosa também.
— Eu sei, James — A voz de Sirius continha uma seriedade que nenhum dos outros ouvira antes. — E prometo-te já que estarei ao teu lado em toda a tua jornada e que lutaremos costas contra costas, pelo mundo e por nós.
Remus riu-se um pouco daquele Sirius todo pra frentex, sério e decidido. Depois, colocou cada uma das suas mãos sobre uma dos outros, formando uma espécie de corrente humana de três pessoas.
— Obviamente, nem preciso de oferecer a minha colaboração e lealdade. Vocês sabem que podem contar sempre comigo, para tudo. Não vou para Auror, não é a minha vocação, mas isso não impede--
— Oh Moony, deixa-te de pieguices! — repreendeu-o Sirius com um sorriso de orelha a orelha. — Nós sabemos. Nada nos vai separar, hem? Estás condenado a aturar-nos para sempre!
— Moony? — perguntou Remus, surpreendido.
— Sim, claro. Gostei muito Sirius, deveras original. Só mesmo tu para arranjares uma coisa dessas assim de repente. Moon é lua. Moony é... — James procurou a palavra certa durante alguns segundos sem encontrar nada.
— Sonhador? — ofereceu Peter. — E contém duplo significado, podendo ser alguma coisa que se relacione com as fases da lua...
— Então está decidido! — foi a vez de Sirius meter a sua colherada e exclamar. — Moony passa a ser a alcunha do Remus.
— E eu não tenho voto na matéria?
— É claro que não, Moony. Não podes escolher a tua própria alcunha. Cabe aos teus amigos decidir isso! Ou seja... nós! — James lançou a Remus aquele olhar decidido que lhe era muito característico e este percebeu que a discussão estava acabada, e nada os faria mudar de ideias. Bem, podia ser pior, pensou. Podiam ter escolhido Wolf ou Wolfie... Moony chega a ser carinhoso...
Remus sentiu o coração constringir-se e as lágrimas encherem-lhe os olhos. Desde que chegara a Hogwarts que tinha sido recebido de braços abertos e tratado como um irmão pelos restantes Marauders. Era uma coisa que ele nunca imaginara ser possível, pertencer a um grupo, contar-lhes o seu maior segredo e não ser julgado, mas antes apoiado e protegido. Ao olhar para os três amigos, fez o voto de tudo fazer para os ajudar, para preservar aquela amizade infinita.
— Sabem... Algo me diz que vai tudo correr bem, que se estivermos juntos conseguiremos vencer tudo e todos, ultrapassar todas a barreiras — Sirius olhou-os de forma carinhosa, mostrando-lhes o quanto eles eram importantes para ele. — Nós somos família, eu considero-vos a todos os irmãos que nunca tive, e nada nos pode separar. Afinal, somos ou não Marauders?
Os outros riram-se, abanando a cabeça das maluquices do amigo. Apesar de tudo o que se passava no exterior, reinava um clima de grande felicidade à volta deles, aquela alegria que vem com a amizade e a confiança e é praticamente impossível de destruir.
Quando estavam todos silenciosos outra vez, Peter levantou-se e olhou cada um deles durante momentos. Todos sabiam que ele era o menos corajoso de todos os elementos do grupo e que aquela guerra seria especialmente dura para ele. Mas ali, rodeado dos seus grandes amigos, companheiros das horas mais difíceis, nada lhe pareceu impossível e ele prometeu a si próprio que não iria recuar quando estivesse frente a frente com o medo, que os iria proteger como eles o protegeriam a ele, e que juntos partilhariam dores e tristezas e a felicidade de estarem vivos.
— Vocês sabem que... — Peter não sabia o que dizer, como explicar aquilo que estava a sentir. Era tanta coisa, mas ao mesmo tempo não era nada em concreto e ele não conseguia encontrar as palavras certas. — Podem contar comigo!
Os outros sorriram, levantando-se também. Os quatro Marauders formaram um circulo, estendendo cada um a sua varinha, num gesto à três mosqueteiros que lhes era habitual, selando assim o pacto que haviam feito. Sabiam que as coisas não iriam ser fáceis, que teriam que sacrificar muito, talvez até a sua própria vida, mas enquanto tivessem forças lutariam até ao fim, por aquela amizade que os unia e pelos valores em que acreditavam.
— VAMOS EMBORA!!! Já estamos atrasados!! — gritou Lily para os amigos, que não pareciam nada preocupados com as horas. — Isto não me está a acontecer... é sempre a mesma coisa... nunca chegamos a horas a lado nenhum. Isto vai ter que mudar!
Julia e Severus estavam a tratar dos últimos detalhes das pranks que a primeira engendrara e Morgan encontrava-se confortavelmente sentada numa poltrona, a ler o seu livro de Encantamentos. Aquilo deixará de ser uma paixão, tinha-se tornado mesmo numa obsessão.Mas o que chateava Lily não era o que eles estavam a fazer, mas sim a altura que tinham escolhido para o fazer, porque o Banquete de Halloween estava prestes a começar e eles nunca iriam ter tempo de chegar ao Grande Salão antes disso.
Severus levantou ligeiramente a cabeça em direcção a Lily, tentando aparentar um ar calmo. Aquela rapariga estava sempre toda stressada por causa de tudo, não sabia relaxar um bocado.
— Oh Lily, tem calma... Ainda vamos a tempo — mas começou a arrumar os pergaminhos, cheios de pranks descritas, e as penas no saco.
Suspirando e marcando o livro com uma fotografia dos amigos todos juntos e sorridentes, Morgan fechou-o e levantou-se, alisando as calças e a camisola. Ainda estava ligeiramente mergulhada no mundo encantado, a pensar em todos os feitiços que tinha de praticar e ensinar aos amigos, pois podiam ser bastantes úteis.
— Pronto, vamos lá então! Também já estou a ficar com fome... — Julia ajudou Severus a arrumar tudo nos sacos, pousou-os num canto e olhou para uma armadura para ver se estava minimamente apresentável.
Não que o banquete tivesse alguma coisa de importante, era só mais um jantar como tantos outros. Mas estava lá o Black e, apesar de ela não o admitir nem que a pusessem a vomitar lesmas até ao fim da vida, sentia que se devia arranjar um pouco na presença dele.Aquela última semana tinha sido exaustiva, sempre a inventarem novas pranks para pregarem aos alunos de toda a escola e a aprenderem feitiços para as porem em prática. Estavam todos cansados, mas tinha valido a pena, porque os resultados seriam lembrados durante muitos anos. O Halloween de 74 tinha sido, de longe, o mais fantástico desde que eles tinham começado a estudar em Hogwarts e o dia ainda não tinha acabado. Sentiam-se orgulhosos por serem os responsáveis por tantas partidas e divertimentos.
Logo de manhã, sufocaram de tanto se rirem, ao verem a professora McGonagall a correr pelos corredores, fugindo a sete pés de uma das gárgulas a "quem" eles tinham dado uma "vida" temporária e que a assediava constantemente, andando sempre atrás dela a assobiar e a mandar-lhe piropos.
Nas aulas de Herbologia as plantas tinham todas trocado de sítio e mudavam facilmente de forma e cor, levando a Professora Sprout à loucura. Pareciam ter vida própria, abrindo e fechando conforme a sua disposição, esguichando uns sucos viscosos e malcheirosos para a cara de quem quer que se aproxima-se. A aula acabara por ser cancelada, para alegria geral da população estudantil, e a professora ameaçara-os com dedução de pontos e castigos se não estivesse tudo de volta ao normal no dia seguinte.
Mas o divertimento mal tinha começado. Nos corredores do castelo, nos intervalos das aulas, só se viam alunos de cabelos com cores variadas, mantos manchados de tinta, vozes estridentes, bigodes, dentes enormes...
Aquele dia estava-se a tornar uma loucura e a aula de poções tinha sido uma festa, havendo mesmo um concurso em que Slytherins e Gryffindors tentavam ver quem despejava o caldeirão do colega mais próximo primeiro.
O professor Orpheus tentava, em vão, manter o controle da sua aula, gritando e tirando pontos a torto e a direito, mesmo de Slytherins, maldizendo o dia das bruxas e a maluqueira que se apoderava dos alunos naquele dia do ano, mas toda a gente o viu a apontar a varinha disfarçadamente ao caldeirão de Lily, que protegia com a vida a sua poção intacta, fazendo com este se virasse por completo em cima desta e de Julia.
Morgan riu-se que nem uma perdida, mas logo se viu atingida por um feitiço vindo de Remus, que lhe implorou perdão, pois tinha apontado ao caldeirão de Jorkins. Quando saíram da sala, Morgan ainda continuava a deitar a poção do seu caldeirão em repuxos pela boca, mas era tudo na brincadeira e o "culpado" tinha sido imediatamente perdoado.Claro que Julia e Sirius, esses pareciam doidos. A sala encheu-se rapidamente de uma quantidade enorme de feitiços entre os dois, que não se importavam em quem acertavam nem onde acertavam. As poções de ambos voavam em todas as direcções, mas eles continuavam naquela luta feroz pela vitória. Severus tentara ajudar Julia como podia, mas fora atingido por um feitiço de Peter e só conseguia coaxar. Tentou rogar-lhe mil e uma pragas mas até Julia já se começara a rir dele e mandava piadas por causa disso.
No final da aula, todos saíram bem dispostos e a rirem-se que nem perdidos, ansiosos pelo almoço que se seguia. Todos tinham preparado pranks para pôr nas comidas e nas velas que sobrevoavam o tecto do Grande Salão, e nem os bancos haviam escapado àquele surto de brincadeiras Halloweenescas que assolara o castelo! Quando alguém se ia sentar em algum, estes moviam-se para direita ou para esquerda e a pobre vitima estatelava-se no chão. E quando tentavam avisar os outros para o problema, era tarde demais e já mais uns vinte alunos tinham tido a mesma sorte.
Para além disso, sempre que iam a meter algo à boca, por exemplo uma perna de frango ou algo parecido, essa comida transformava-se em aranhas, baratas, morcegos, fazendo com que várias pessoas já tivessem saído do salão a correr, enojadas e a vomitar por terem trincado aqueles bichos horrorosos.
Os copos enchiam-se de teias de aranha, as abóboras que decoravam o salão soltavam gritos assustadores pregando sustos aos que passavam por elas e fazendo os alunos mais medrosos tiritar de medo. Enfim... Para uns o almoço foi maravilhoso, porque riram até se fartarem, mas para outros foi o pior almoço da sua vida.
Nos corredores, cheios de pranks preparadas pelos dois grupos, era uma galhofa. Escondiam-se atrás de passadeiras, de estátuas e de postes, a ver os miúdos do primeiro ano a caírem em situações embaraçosas, desde ficarem com os mantos a esvoaçar, mostrando tudo e mais alguma coisa, a caírem em "pântanos" das mais variadas cores, provocados no momento em que pisavam uma pedra do chão, e virem-se perseguidos por Filch por todo o castelo, devido a terem "sujado o chão que dava tanto trabalho a limpar!".
Remus chegou mesmo a tentar salvar Morgan de cair numa prank criada pelos Marauders, que faria com que a sua roupa interior ficasse à vista de toda a escola, apesar de ela não notar o que se estava a passar. Mas, ao salvá-la, caiu ele próprio na prank, o que levou Morgan às lágrimas de tanto se rir e o fez corar de embaraço e fugir a sete pés até ao refúgio da Sala Comum dos Gryffindor.
Peeves, esse, para além de atormentar todos os alunos e professores do castelo, corria também atrás dos fantasmas e dos vários ocupantes dos quadros do castelo, presenteando todos com um sorriso radiante e milhares de partidas mirabolantes. Afinal, o dia de Halloween era dedicado a "pessoas" como ele, que partilhavam o seu amor pelas pranks e o prazer de embaraçar os outros. Despejava baldes de tinta por cima de quem se atrevesse a passar pelo seu caminho, estrume de dragão, pulgas e carraças, ovos e penas de galinhas...
À chegada ao Banquete de Halloween, já estavam todos exaustos, mas ainda receptivos a mais umas quantas pranks. Principalmente os Marauders que tinham chegado antes de todos os outros, de forma a preparem atempadamente o que ainda lhes faltava fazer na comida e nas bebidas. Tinham passado grande parte da tarde na cozinha, a "ajudar" os elfos domésticos a fazerem o jantar, deitando poções, disfarçadamente, para dentro de algumas travessas e jarras e enfeitiçando outras.
Claro que as poções tinham sido feitas por Severus e metade dos feitiços que tinham lançado fora-lhes ensinado pela Morgan. Este era um dos períodos de tréguas entre os dois grupos, que se reuniam para preparar pranks juntos. Esta tarefa cabia principalmente a Julia e Sirius, que se maravilhavam nestas épocas e eram os cabeças dos dois grupos, reunindo-se até altas horas para planear e discutir tudo até ao mínimo detalhe. Cada um dava o que tinha, fornecia as informações que sabia, tudo era usado para o bem da missão, que neste caso eram as partidas do dia das bruxas.
As quatro mesas encontravam-se repletas de comidas apetitosas e ninguém conseguia evitar o gesto involuntário de lamber os lábios e engolir a saliva que se ia formando rapidamente na boca. Vários pratos de massa italiana, arroz de todo o tipo, carne estufada, almôndegas, bifes, cabrito assado, batatas fritas, assadas e cozidas, douradinhos, pescada cozida, frita e grelhada, peitos de frango, salmão grelhado e fumado, solha assada, saladas de alface, tomate, pepino, cenoura e cebola... Aquilo parecia um festim para um batalhão de combatentes, mas os "cozinheiros" já sabiam que pouca coisa sobraria no final.
O grupo liderado por Welling entrou finalmente no Grande Salão, todos com um sorriso de orelha a orelha, felizes por ser dia de festa e se estarem a divertir. Separaram-se com um "Até já!" e foram para as mesas respectivas, sendo acolhidos pelas gargalhadas estridentes e os gritos de humilhação por parte dos colegas.
Os Marauders já estavam sentados nos seus locais habituais, todos sorridentes e com ar de quem estão a planear mais alguma. Julia não conseguiu conter uma piscadela de olho a Sirius, que ergueu as duas sobrancelhas numa pergunta silenciosa e retribuiu o gesto. Mas rapidamente voltaram os olhares novamente para os amigos, como se não tivesse passado nada.
Quase no fundo da mesa, Lily e Julia tentavam consolar o fantasma de Gryffindor, que mais uma vez não conseguira entrar no grupo dos Sem-Cabeça, enquanto que James, Sirius e Peter, nos lugares habituais, se continuavam a divertir à grande e à francesa, às custas da desgraça do outro elemento do grupo.
Sirius batia com o punho na mesa com tanta força que os copos ao lado estremeciam assustadoramente, correndo sério risco de se virarem e espalharem o conteúdo por todo o lado. Era escusado conter as gargalhadas, nem mesmo James conseguia evitar as lágrimas do riso. Remus, com um ar mais abatido que nunca por ser noite de lua cheia, tinha sido apanhado com um Feitiço Voz Aguda e sempre que falava algum vidro partia-se nas redondezas. Peter, esse, engolia a custo o seu pão, ao mesmo tempo que dava palmadinhas nas costas de Remus, na sua doce ignorância de ver se com isso lhe passava o feitiço.— Ai... Não me ria tanto desde os teus anos, Jaimy... Quando o Peter ficou insuflado como um balão depois de ter comido um Chupa Embalofa e tivemos de passar a noite toda com uma escada atrás dele pelo tecto e depois andar com ele preso por um fio para ele não se perder!!! — soluçou Sirius entre gargalhadas.
— Eu não achei piada nenhuma, vocês bem me podiam ter avisado que aquilo não era um simples Chupa Colorido com sabor a caramelo. Tinham era aquilo tudo preparado para se divertirem um bocado! — resmungou Peter.
— Ora, Pete, foi engraçado e até tu te acabaste por divertir quando começamos a mandar os feijões da Bertie Boot, a tentar fazer cesto na tua boca! — e com isto escangalhou-se todo novamente.
— Vocês foram maravilhosos, obrigado por todas as prendas, pela festa, por tudo. Não podia ter corrido melhor — James sorriu para os amigos. — Por falar nisso, o teu livro, Peter, deu-me imensas ideias novas para tácticas para o próximo jogo. Tenho de falar com a equipa para combinarmos e treinarmos.
— James, já te disse que és muito chato? Sempre a agradecer, fogo, como se tivéssemos feito alguma coisa de mais... És nosso amigo, não fizemos mais que o nosso dever! E escusas de me olhar com esses olhos! — disse Sirius, soprando uma franja do cabelo para trás.
Ao ouvir falar em prendas, Remus ficara com um ar embaraçado de repente. Detestava quando se tocava naquele assunto, porque a família tinha pouco dinheiro e ele não podia gastar tanto como os amigos, que eram filhos de famílias puras e antigas, cheias de grandes heranças. Por isso, roía-se todo sempre que se aproximava um aniversário sem saber como poderia arranjar uma prenda.
Mas James avisara-o logo que não o queria a gastar dinheiro consigo, que se ele lhe quisesse oferecer uma prenda, mais valia usar a imaginação. Remus seguiu então a sugestão do aniversariante, fazendo a prenda para oferecer ao amigo com as suas próprias mãos.
Arranjara uma fotografia dos quatro Marauders no exterior, tirada durante o Verão, sob a grande faia da casa de férias dos Potter, onde costumavam passar uma semana no final de Agosto. Todos sorriam, num clima de grande amizade e alegria. Depois, decidira criar a sua própria moldura, pedindo vários conselhos a Morgan e trabalhando horas a fio para conseguir o efeito desejado.
James adorara. Ficara parado a olhar para ela durante vários segundos, sorrindo em seguida e abraçando Remus com muita força, agradecendo-lhe montanhas de vezes pelo presente, que era, de facto, muito lindo.
A moldura parecia feita de água em estado liquido, de um azul muito claro e que se movia a toda à volta, percorrendo toda a forma rectangular. Mesmo em cima da foto sob a faia, percorrendo-a a toda a volta e também sob o efeito do liquido, estava uma colecção de pequenas fotos, estáticas, das melhores pranks envolvendo Marauders desde que eles tinham chegado a Hogwarts. Em suma, era uma representação perfeita da amizade enorme que Remus sentia para com James e os outros.
Mas o dia 10 de Outubro mal começara. Depois das aulas (Sirius tentara, em vão, convencer McGonagall a dispensá-los) tinham convivido todos na Sala Comum, com o resto da Equipa de Quidditch e os colegas Gryffindors, festejando até bem depois da hora do jantar. James era amado por todos na equipa, considerado mesmo um grande herói por alguns quando subia para uma vassoura, e até Julia e Lily lhe tinham dado os parabéns, para grande espanto geral.
A festa tinha sido um grande sucesso, cheia de todo o tipo de comidas e bebidas, que tinham ido buscar à cozinha, o bolo mandado pela mãe de James, em forma de um campo de Quidditch, com as quatro bolas e onde os catorze jogadores disputavam um jogo quase real, sob o olhar austero do arbitro. Outra coisa que não faltara era álcool, que alguém conseguira surripiar para dentro da Torre e que agora era misturado em quase todas as bebidas.
No final da festa, depois de McGonagall ter aparecido no seu manto de dormir e lhes ter dado um sermão de todo tamanho por estarem a perturbar o sono do resto do castelo, James fora abandonado na Sala Comum, com pilhas e pilhas de presentes para abrir, quase todos relacionados com Quidditch, mas alguns bem originais.
Entre eles contavam-se um equipamento completo de Quidditch do seu jogador favorito, carradas de livros sobre técnicas e tácticas famosas e úteis no Quidditch, cromos e as respectivas cadernetas de jogadores e equipas famosas de Quidditch, uma máquina fotográfica nova, uma snitch em miniatura que rodopiava em redor dele como uma verdadeira e Sirius chegara mesmo a dar-lhe uma loção para o cabelo dizendo "É para ver se dás um jeito a essa coisa horrorosa a que chamas cabelo!".
Depois, e essa constituiu a verdadeira surpresa e prenda de anos, os Marauders reuniram-se todos na Cabana dos Gritos, o sítio ideal para fazerem todo o barulho que quisessem, pois era ali que Remus passava as noites de Lua Cheia e toda a vila de Hogsmeade acreditava que a casa se encontrava assombrada.
Tinham passado pela vila primeiro, para irem buscar Cervejas de Manteiga às Três Vassouras, montanhas de doces dos Doces dos Duques e partidas e brinquedos hilariantes da Loja do Zonko. Quem os visse a passar na rua pensaria que já estavam bêbados (e se calhar estavam mesmo), de tanto que se riam e tropeçavam nas coisas que traziam nos braços.
O resto da noite passaram-na a contar anedotas, a atirar bolas de estrume uns aos outros, a obrigarem os outros a responder a perguntas embaraçosas, a cantar e a enfeitiçar os bonecos que tinham guardado do bolo de aniversário de forma a poderem fazer uma partida 2 contra 2.
Fizeram uma pausa entre os vários entretenimentos e aproveitaram para matar a fome que lhes vinha a atormentar o estômago havia um bom pedaço. Tinha sido nessa altura que Peter se deixara enganar por Sirius e comera acidentalmente um Chupa Embalofa que o tornara motivo de chacota por largos minutos.
Mas nem isso estragou a noite e, quando chegaram de manhãzinha à escola, vinham mais alegres e contentes do que nunca, tendo já tido a sua conta de Cervejas de Manteiga. Sirius e Peter deitaram-se imediatamente nas suas camas, com os olhos vermelhos e os músculos da cara todos doridos de tanto bocejarem. Só tinham aulas às 11h, portanto podiam dormir ainda um bom bocado.
Remus e James no entanto, lá tiveram de se preparar para as aulas da manhã, Runas e Estudo dos Muggles, com uma tonelada de sono em cima dos olhos e dos ombros. Durante todo o dia, nenhum dos Marauders conseguiu abrir bem os olhos ou deixar de dormitar nas aulas, e mal acabou o dia escolar, dirigiram-se rapidamente para as camas e dormiram até à manhã seguinte.
— ARGH! Não acredito que caí nisto outra vez!!! — gritou Julia, atirando para o lado o que começara por ser uma fêvera de porco mas que se transformara numa centopeia e atraindo a atenção de Remus de volta para o presente.
Lançou um olhar em volta da sala, para os restantes alunos que, ou se riam a bandeiras despregadas, ou tentavam anular os efeitos dos feitiços-pranks em que caíam, furiosos. Do outro lado do Salão, viu Morgan sussurrar para Severus algo e depois levantar a varinha na direcção da sua mesa, disfarçadamente. Sabia que a estava a apontar para Sirius e, se por um lado achou piada, por outro não podia deixar que atacassem o amigo pelas costas.
— Siri--- — mas rapidamente tapou a boca, ao aperceber-se do som estridente que lhe saía da garganta. Tinha-se esquecido que ainda estava sob o feitiço da voz aguda e logo que falara, o seu 3º copo tinha-se partido mesmo à sua frente.
Sirius começou logo a rir-se, porque Remus com uma voz aguda era hilariante. Este, por seu lado, viu Morgan sibilar, da mesa dos Slytherin, um feitiço e o cabelo de Sirius a mudar automaticamente para verde e prateado, as cores da equipa que ele mais detestava.
E por muito que tratasse de defender o amigo em quase todas as ocasiões, nesta manteve o silêncio, sabendo que ele merecia aquele castigo. Avisou James que, com um ar escandalizado, se preparava para chamar a atenção de Sirius para o que lhe tinha acontecido. James percebeu imediatamente a intenção de Remus e, soltando uma gargalhada abafada, passou a mensagem para o resto da mesa. Rapidamente, todos ficaram a saber que ninguém devia comentar o cabelo de Sirius em voz alta, apenas deixá-lo sofrer um bocado.
E o jantar já ia a mais de metade quando Sirius, subitamente e num acto heróico e cavalheiresco, salvou Julia de uma prank que lhe faria nascer montes de verrugas no nariz, piores que as da Velha Bruxa que vivia numa das torres do castelo.
Em jeito de agradecimento, mas ao mesmo tempo porque já ninguém conseguia aguentar o riso, Julia descaiu-se na forma como agradeceu, soltando um sonoro "Ssssssssssssssssssssiriussssssssssssssssssssss".
Com cara de parvo e sem perceber o motivo do súbito arrastar de bancos e desaparecimento de várias pessoas debaixo da mesa, levantou o olhar para uma das janelas que se encontrava na sua frente e gritou horrorizado ao ver o seu rico e lindo cabelinho ao mais baixo nível!
Olhou em volta, para ver quem era o culpado de uma prank tão idiota, quando viu a mão de Morgan, da mesa dos Slytherin, a acenar em direcção a ele, com um sorriso tão grande como a sua fúria naquele momento.
E se James e Peter não o tivessem segurado, ele teria arriscado uma expulsão por agredir uma colega mesmo debaixo do nariz de todos os professores. Tentou pôr o cabelo da cor normal, mas o verde teimava em não querer sair e de cada vez que lhe lançava um feitiço, um terrível som muito parecido com "Sssssssslytherin!" soava da sua própria cabeça. Furioso pelas gargalhadas de que estava a ser vítima, tudo por causa daquela Welling idiota, abandonou o Grande Salão, seguido por Remus que também estava ansioso que aquele feitiço de Voz Aguda passasse depressa.
Juntos, começaram a dirigir-se rapidamente para fora do castelo, em direcção ao Salgueiro Zurzidor, onde Remus passaria aquela noite dolorosa e interminável sozinho e afastado de todos, de maneira a não causar perigo.
James e Peter lá encolheram os ombros, encheram os bolsos com alguma da comida que ainda se encontrava espalhada, bolinhos de côco, delícias de abóbora, pastéis de framboesa, e outras do género, e correram atrás dos amigos, para acompanhar Remus antes que anoitecesse.
McGonagall assistiu àquilo tudo de sobrolho franzido, sabendo que não podia fazer nada, visto que não tinha presenciado o lançamento do feitiço. No entanto, não conseguiu evitar um sorriso quando a cabeça de Black desatou a aplaudir os Slytherin. E mesmo o professor Flitwick estava extasiado e orgulhoso, por um dos seus alunos ser capaz de formular tal feitiço.
Não demorou muito até o jantar acabar finalmente e todos os alunos saírem em grupos do Salão, de barriga cheia e os olhos pesados do sono. Morgan e Severus, que tinham sido aplaudidos entusiasticamente por Julia e Lily assim como por outros alunos de Gryffindor, despediram-se mesmo à saída e foram, juntamente com os outros Slytherins e Hufflepuffs para os calabouços.
Enquanto caminhavam em direcção à Torre dos Gryffindor, Lily esforçava-se por não se aproximar de nenhuma escada, certa de que isso lhe provocaria anos e anos de azar. Como todos os muggleborns, a superstição com que tinha sido educada ainda se mantinha, fazendo-a recear mesmo os gatos pretos que apareciam durante a noite no castelo. Julia apenas se ria desta tolice da amiga, alegando que nunca lhe tinha acontecido nada, apesar de ter passado a infância a passar por baixo de escadas e a partir espelhos.
Nem por acaso, Peeves ia a passar ali perto e, ao ouvir parte da conversa das duas raparigas, pegou num espelho e voou rapidamente atrás de Lily, que correu assustada para dentro do quadro da Dama Gorda, gritando a palavra-passe, aflita.
Julia correu atrás dela, a rir-se às gargalhadas, e antes de entrar ainda piscou o olho a Peeves, disfarçadamente. Entrou a correr na Sala Comum, com o objectivo de apanhar o Black ainda acordado para se poder divertir mais um bocado, ficando um pouco desapontada ao encontrar a Sala Comum vazia. Encolhendo os ombros, caminhou para as escadas, ouvindo o retrato da Dama Gorda a selar a entrada.
