Capítulo 27 – Além do Portal

Um grande corredor iluminado por tochas estava do outro lado da porta. Obviamente alguém tinha construído os apoios para as tochas e os arcos de madeira que se misturavam nas paredes de pedra. Era um conjunto arquitetônico bonito, mas Rebeca não tinha tempo para admirar a paisagem.

Ela correu pelo corredor imenso, gritando:

- Lucas! Lucas!

Por mais que ela corresse, não havia sinal do menino à frente, apenas as tochas e arcos. Depois de alguns minutos, viu que seria inútil. O garoto tinha desaparecido, e ela só esperava que ele estivesse bem.

Rebeca continuou andando em frente, já que não havia outro lugar para ir. E então percebeu que adiante, havia outra daquelas portas imensas. Ela acelerou o passo e logo viu que à frente havia um guarda. Era uma pessoa de uns 50 anos, vestida com uma capa grande e amarela e um gorro azul, trazendo às mãos uma grande lança. Assim que Rebeca chegou perto, ele colocou a lança na frente da porta e bradou, com uma expressão rigorosa:

- Alto lá!

Rebeca indagou:

- Por favor, senhor, deixou passar um garoto de mais ou menos 10 anos por essa porta? Nós nos perdemos um do outro.

- Quem quer saber?

- Meu nome é Rebeca e estou preocupada com a criança.

O guarda a olhou atentamente:

- Não há crianças na morada dos Primeiros. O que faz aqui?

- Oh, bem, eu quero falar com os Primeiros, mas estou preocupada com Lucas. Ele é jovem, e está obcecado em matar um tal monstro da caverna... O senhor sabe se aqui tem mesmo algum monstro?

- Apenas aqueles que carregamos, Rebeca.

Rebeca arregalou os olhos e achou a fala do guarda muito profunda. Será que ela teria que adivinhar enigmas ou coisa parecida para chegar até os Primeiros?

- De qualquer modo, poderia me deixar passar?

- Esclareça a natureza de sua visita.

- Estou numa missão. Tenho que falar com os Primeiros para salvar minha família.

- O jovem perdido faz parte de sua família?

- Não, eu o conheci há pouco.

- Então por que quer salvá-lo?

- Porque ele é só uma criança e está convencido de que tem que caçar um monstro. Ele pode se meter em apuros se os Primeiros o encontrarem antes do que eu.

- Por que diz isso, Rebeca?

- Ora, até onde eu saiba esses Primeiros são muito perigosos. Não sei como eles reagirão a uma criança como Lucas.

- Parece muito preocupada com o menino.

- E estou! Ele parecia ser inocente e precisava de proteção. Sabe, eu sou mãe e garanto que a mãe dele deve estar morrendo de preocupação.

- Para salvar esse menino, estaria disposta a sacrificar sua missão?

Rebeca começou a ficar com raiva:

- Por quê? Você viu Lucas, não viu? Está prendendo o garoto em algum lugar? Onde está o menino?

- Eu não estou prendendo ninguém.

- E os tais Primeiros? Eles seriam capazes de fazer alguma maldade com Lucas? São eles que estão prendendo Lucas?

O guarda parecia particularmente disposto a não colaborar de jeito nenhum, mas disse:

- Talvez você queira falar pessoalmente com eles.

- Eles estão aí dentro? Eles têm Lucas?

Ele recolheu a lança e abriu o braço na direção da porta, abrindo-a em par:

- Veja você mesma, Rebeca.

Rebeca entrou no próximo salão ainda de olho no guarda, e achando que aquela conversa tinha sido uma das coisas mais surreais que lhe tinha acontecido. Quando entrou na caverna, ela jamais imaginou que estaria filosofando com o guarda do portão dos Primeiros...

Ela entrou no aposento e ouviu a porta bater atrás de si. Seu coração batia aceleradamente. Estava numa sala com uma espécie de cadeira grande ou trono à frente, mas estava vazio. Havia mais tochas e arcos de madeira, e desta vez o chão era de pedra polida, muito bonito.

De locais escondidos, três pessoas surgiram, e eram três homens. Um vestia um traje comprido verde, outro um traje idêntico azul e o terceiro, o mais alto, vestia uma capa em preto, bordado com púrpura brilhante, magnífico. Pareciam os três reis magos, pensou ela, vendo-os solenemente tomarem posição. O mais alto sentou-se no trono, de frente para ela, os outros dois tomaram cada lado da cadeira. Seus gestos eram elegantes e estudados, portavam-se como reis que vinham receber a plebe rude, e faziam Rebeca sentir-se muito intimidada diante deles.

Eles tinham que ser os Primeiros.

O homem de azul, em pé ao lado da cadeira, disse:

- Diga quem és e o que queres.

Com dificuldade para encontrar a voz, Rebeca pigarreou e respondeu:

- Meu nome é Rebeca e estou numa missão. Aliás, duas missões.

- Duas missões – repetiu o homem – Parecem tarefas grandes. Que missões são essas?

Ela explicou:

- Eu perdi um garoto mais ou menos dessa altura, de cabelos castanhos e olhos azuis. O nome dele é Lucas. Ele diz que quer matar o monstro da caverna.

- Que queres tu com ele?

- Quero protegê-lo para depois devolvê-los aos pais. Por um acaso, vocês o viram?

- Nem o acaso escapa aos Primeiros – disse o homem de verde, numa atitude bem inamistosa – Por que te preocupas com esse Lucas que nada é teu?

- Porque ele é só uma criança. É inocente, pode se machucar ou ofender alguém sem querer.

- E o que tu tens com isso? – indagou o homem de azul de novo.

- É que eu sou mãe, e eu –

Foi interrompida:

- E onde está teu filho?

- Minha filha está presa nas garras de um homem terrível que também prendeu o meu marido. Quero resgatá-los.

- Os Primeiros não fazem resgates, Rebeca – disse o homem de verde severamente, fazendo-a estremecer – Usa teus poderes para livrar os teus do facínora.

- Mas eu não tenho poderes.

- Tu fizeste mágica na caverna.

- Eram poderes temporários. O facínora Voldemort me deu poderes temporários para que eu pudesse encontrar vocês. Ele é quem me deu essa missão. Eu não sou bruxa.

- E o que pretendes obter dos Primeiros?

- Voldemort me deu isso – mostrou o saquinho – e quer que eu traga aqui o Poder Original para ele.

Pela primeira vez, os Primeiros pareceram reagir.

- Absurdo! – disse o homem de azul.

- Insulto! – disse o homem de verde.

Já o homem de púrpura, que estava calado até então, ergueu a mão e os outros dois silenciaram. Rebeca estava muito assustada, e o homem indagou:

- Por que te daríamos algo tão precioso? Que fizeste tu para merecer tal poder se sequer tens teus próprios poderes? E como tu vais usar este Poder, se o obtiveres?

Rebeca estava quase às lágrimas de tão nervosa:

- Eu não quero esse poder! Voldemort é quem o quer, e ele vai matar meu marido e minha filha se eu não o levar para ele. Eu sei que não mereço, mas preciso disso.

O homem de verde indagou rispidamente:

- Achas que pode nos matar para obter esse poder? Por isso trazes a espada?

Rebeca olhou para a arma e reparou que tinha até esquecido dela. Deu de ombros, desesperada:

- Não, eu sei que não posso matar ninguém. Nem quero matar ninguém, mas também não quero que minha família morra. Voldemort me deu essa espada para enfrentar vocês, mas eu não posso fazer isso. Ai meu Deus, eu não sei o que fazer!

Os três se entreolharam, sem deixar transparecer qualquer emoção, e Rebeca não via saída para sua situação. Tudo indicava que tinha falhado, e por sua causa, Severo e Ártemis iriam morrer. Ela olhou novamente para os três, com os olhos cheios de lágrimas, pensando que só ela poderia remediar a situação. Portanto, ela tomou uma decisão: iria morrer para salvar a família.

Ela pegou a espada com as duas mãos e postou-se diante deles, tentando demonstrar uma determinação que estava longe de sentir:

- Sei que não sou ninguém, mas se for preciso eu enfrentarei vocês três para salvar minha família. Mesmo que eu morra tentando.

As palavras de Rebeca não provocaram qualquer reação nos três. O homem de púrpura continuou sentado e só ergueu uma sobrancelha:

- Não preferirias uma troca?

- Uma troca? – repetiu Rebeca.

- Nós te daremos o que esse facínora Voldemort quer: poder. Em troca, estarás disposta a fazer algo?

- Não vou precisar matar ninguém?

- Não.

- Então acho que está tudo bem. Que devo fazer?

Ele se ergueu:

- Não será uma tarefa fácil. Tens que levar Lucas contigo e cuidar dele.

Ela assentiu:

- Está bem. Eu o levo até seu pai e mãe.

- Não é tão simples. Os pais de Lucas já morreram. Terás que tomar conta dele para o resto da vida.

Rebeca pensou bem: era como ganhar um filho já crescido, adotá-lo. Lucas era um garoto bom, e ela até tinha desenvolvido uma afeição pela criança. Não seria qualquer sacrifício. Talvez Severo não gostasse muito do arranjo, mas se esse era o preço para salvara vida dele, ele iria aceitar.

- Não há problema – ela respondeu – Eu levo Lucas comigo.

- Nesse caso, terás o que vieste buscar.

Ela olhou para o saquinho na cintura e viu que ele tinha se transformado em uma caixinha pequena de prata, como se fosse um porta-jóia. Ela pegou a caixinha na mão, observando que era ricamente decorada e o Primeiro vestido de púrpura alertou:

- Toma cuidado! Essa caixa só deve ser aberta por aquele que busca o Poder Original e Absoluto. Ele está encerrado aí dentro e vai se mostrar para quem abrir a caixa.

Arregalando os olhos, Rebeca garantiu:

- Não vou abri-la, eu garanto. Mas e vocês? Ficaram sem o Poder?

- É hora de irmos para outras moradas. Claramente os detentores de magia desta dimensão não se preocupam mais com os Primeiros.

- É o que o senhor pensa – disse Rebeca – Garanto que muita gente vai me perguntar tudinho dessa visita. Vocês são muito famosos entre os bruxos.

O homem de púrpura pela primeira vez esboçou um sorriso:

- Agora vai. Lucas já está esperando fora da morada dos Primeiros.

- Está bem. Er... Obrigada. Vocês não são nada daquilo que dizem.

- Vá em paz, Rebeca. E vá depressa. Uma vez que os Primeiros vão sair, a morada não mais se sustentará.

Dito e feito.

Mal ele terminara de pronunciar essas palavras, um ruído surdo começou a fazer a caverna inteira chacoalhar. Era como se a própria terra estivesse acordando e dando um rugido terrível e devastador. Rebeca sentiu o chão sob seus pés balançar, e as tochas pareceram tremer nas braças que as sustentavam.

Ela olhou para os Primeiros e o homem de púrpura urgiu:

- Vá agora antes que seja tarde demais!

Como se só então estivesse acordando para a realidade dos fatos, Rebeca colocou a caixinha na cintura e começou a correr. E não foi sem tempo, pois a caverna inteira começava a rachar, poeira se levantava, as paredes pareciam querer se abrir. Com o coração acelerado, ela acelerou o passo e chegou à entrada onde havia visto o guarda com a lança. Ao invés dele, lá ela encontrou Lucas, de olhos arregalados, parecendo meio perdido.

Ele disse:

- Rebeca!

Sem parar de correr, ela pegou a mão dele e gritou:

- CORRA!

Ágil, o garoto logo tomou a dianteira e os dois se viam em desabalada carreira em meio à caverna que ruía inteira. Rebeca teve que se desviar pois um dos arcos ruiu bem perto dela e por pouco não a esmagou. Aquilo fez os dois acelerarem ainda mais o passo, e era como se a caverna ruísse à medida que eles passavam, acompanhando-os na corrida rumo à boca da caverna. Eles já estavam ficando cansados, os músculos querendo ceder.

Rebeca viu luz adiante e gritou, em meio ao ruído de destruição à sua volta:

- Estamos chegando! Vamos, Lucas!

O menino pareceu entender o recado e acelerou a corrida na frente de Rebeca. A boca da caverna parecia alargar-se à medida que eles chegavam, e Rebeca sentia as suas forças no fim. Tinha que dar tempo! Tinha que dar!

Quando ela estava cruzando o limiar da caverna, rumo ao dia claro, tropeçou e rolou um pouco no chão, a espada em sua mão indo parar longe. Lucas gritou:

- Rebeca!

No chão, ainda deitada, ela supervisionou os estragos: tinha ralado o braço e o cotovelo sangrava, mas parecia que não tinha nenhum osso quebrado. Lucas estava ajoelhado perto dela, os olhinhos azuis cheios de preocupação.

- Você está bem?

- Estou ótima – ela ofegou – E você?

- Tudo bem.

Mal ele dissera isso, um grande barulho veio da caverna e eles olharam para trás: o desmoronamento final parecia estar acontecendo bem atrás deles: um jato de areia e terra pareceu soprar para fora da caverna ao mesmo tempo que uma avalanche de pedras imensas começou a posicionar-se para fora da caverna. Ainda no chão, Rebeca tentou proteger Lucas no caso de alguma pedra voar.

Em minutos, tudo tinha se acalmado e os dois olharam para a caverna, vendo ainda nuvens de poeira que se acomodavam. A entrada para a morada dos Primeiros estava selada.

De repente, às suas costas, uma voz odiosa e sarcástica soou:

- Então, Rebeca: você sabe mesmo como fazer uma entrada.

Ela se virou e o coração se acelerou, mas de ódio e desprezo ao se ver cercada de Comensais que a encaravam curiosamente. À sua frente, estava o responsável por tudo aquilo.

Voldemort, com os olhos vermelhos faiscando e um sorriso nojento naquilo que tinha restado de seus lábios.

Capítulo 28 – Luzes na floresta

Rebeca se ergueu rapidamente, puxando Lucas para junto de si e procurando Severo e Ártemis com os olhos no meio da multidão. Ela os encontrou atrás de Voldemort: Ártemis tinha se cansado e estava dormindo, enrodilhada no ombro do pai. Severo parecia cansado, e o coração de Rebeca se condoeu ao imaginar tudo o que ele tinha passado.

Sem contar que era dia claro. Quanto tempo havia se passado enquanto ela estava na caverna? A ela não parecia ter sido mais do que uma hora, mas obviamente tinha sido muito mais.

Voldemort a devolveu à realidade:

- Então você sobreviveu. Excelente! Significa que foi bem-sucedida na sua missão.

- Se você pensou que eu iria deixar de cumprir minha parte do trato, está muito enganado.

Ele observou Lucas, vivamente interessado:

- E também trouxe um pequeno prêmio, pelo que vejo.

- Deixe-o fora disso – disse Rebeca – Esse garoto não tem nada a ver com o nosso trato, Voldemort.

A menção do nome do Lord das Trevas fez alguns Comensais murmurarem entre si. Voldemort deu de ombros e disse:

- Que seja. Estou mais interessado em saber se realmente cumpriu sua parte no trato, Srta. Gall. Trouxe o que lhe pedi?

Ela mostrou a caixinha de prata, toda ornamentada em ricos desenhos e disse:

- Primeiro solte Severo e minha filha.

- Muito bem – Voldemort parecia a ponto de perder a paciência, de tão ansioso – Vá, Severo, meu servo.

Rebeca viu o rosto de seu marido perder a máscara tensa e transformar-se quando ele andou os poucos passos e se pôs a seu lado, indo o mais rápido que podia sem perturbar o sono de Ártemis. Ao invés de recebê-los em seus braços, como ela ansiava fazer, Rebeca preferiu se adiantar e entregar logo a caixinha a Voldemort antes que o Lord das Trevas mudasse de idéia.

Mas ela não chegou perto dele. Uma série de espocos e estalidos surgiram no ar, e ela viu dezenas de pessoas aparatarem na boca da caverna.

Dumbledore chegara com a Ordem da Fênix e os aurores do novo Ministério da Magia. No meio ela ouviu:

- Rebeca!

- Tio Artie!

Voldemort puxou a varinha para Dumbledore, que trazia Harry Potter com ele, e sibilou, ameaçando:

- Para trás! Ou eu mato o traidor Snape, a mulher e as duas crianças!

Rebeca gritou para Voldemort:

- Não! Nós temos um trato!

- Ele não incluía aurores, minha cara. Contudo, se você me der o que eu quero, eu cumpro a minha parte do trato.

Harry Potter gritou:

- Não! Ele está mentindo! Vai trair você! Voldemort nunca foi honesto nem cumpriu com a palavra!

Dumbledore segurou Harry, que parecia prestes da pular no pescoço de Voldemort. Rebeca fraquejou: se cumprisse sua parte no trato e entregasse a caixinha a Voldemort, ele teria o poder que tanto queria e derrotaria Dumbledore e as forças da Luz. Mas se ela não cumprisse sua parte no trato, seus amigos teriam uma chance de derrotar Voldemort, só que tinha risco para Ártemis, Severo e Lucas, coitado, que mal parecia entender o que estava se passando.

O dilema da moça não passou despercebido de Voldemort, que estendeu a mão para ela e ordenou:

- Dê-me o Poder dos Primeiros!

Harry gritou imediatamente:

- Não faça isso!

- Dê-me agora, ou sua família vai desaparecer!

Rebeca estremeceu, e Voldemort perdeu totalmente a paciência, gritando:

- Accio!

A caixinha voou da mão de Rebeca e foi parar na mão esquelética do Senhor das Trevas. Harry gritou:

- NÃÃOO!!

Voldemort abriu os braços em triunfo, segurando a caixinha, e explodiu de alegria:

- Tarde demais! O Poder é meu! É meu, pirralho!

Rebeca sentiu um frio na espinha, ao se dar conta da dimensão que a situação tomara. Voldemort estava a um passo de adquirir o Poder Supremo contra os bruxos e tornar-se praticamente invencível.

E ela tinha sido a responsável por tudo aquilo.

- Ai meu Deus – disse ela, baixinho – O que eu fiz?

De repente, ela sentiu duas mãozinhas a agarrando com suavidade pela cintura. Era Lucas, que tremia de medo e se abraçou a ela, com o coração disparado. Comovida, Rebeca beijou-lhe os cabelos e disse:

- Não se preocupe. Você está comigo. Eu não vou deixar que nada de mal lhe aconteça.

Ela falava palavras que não sabia se poderia cumprir, mas tinha muita intenção de proteger aquele menino. Contudo, sua atenção foi desviada para Voldemort, cuja alegria era tamanha que ele parecia estar babando:

- Veja, Dumbledore! Veja com seus próprios olhos eu me transformar na criatura mais poderosa que o mundo bruxo já viu!

Todos, Comensais e aurores, prenderam a respiração quando ele abriu a caixinha e de dentro dela surgiu uma luz muito intensa, acompanhada por um vento sobrenatural que rapidamente se espalhou pela floresta. O vento começou como uma brisa forte que esvoaçava capas e mantos, mas logo escalou para um vendaval irado que parecia denunciar ao mundo que alguma criatura contrária à Mãe Natureza estava para nascer. A mágica saturava o ar. Enquanto o vento se espalhava, a luz também irradiava em grande intensidade para todas as direções, fazendo todos ali protegerem os olhos, incapazes de suportar a claridade. Só os olhos vermelhos de Voldemort estavam fixos na caixa e ele urrava, em êxtase:

- Eu posso sentir! O Poder é absoluto! É todo meu! Todo meu!

Rebeca se encolheu, ainda abraçada a Lucas e Ártemis – que acordara com o vento e o barulho e chorava, muito assustada, agarrada ao pai. Os quatro – Rebeca, Severo, Lucas e Ártemis – estavam abraçados, protegendo-se uns aos outros, acalmando e confortando em meio ao vendaval que se abatia na floresta irlandesa.

Foi quando a luz pareceu diminuir, e o vento a acalmar. Nessa hora, eles se deram conta de que os gritos de Voldemort tinham mudado. Ao olhar em volta, eles viram que o Lord das Trevas gritava em dor ou algo ainda pior, pois ele estava lentamente se desfazendo em pó, digerido pelo mesmo poder que ele tanto queria para si, carcomido pela sua própria ganância de dominar todos à sua volta.

De olhos arregalados, Rebeca viu quando ele ia se definhando, desaparecendo diante dela como que se esfarelando. O processo todo durou apenas alguns dolorosos minutos, após o qual nada mais restou de Voldemort a não ser um punhado de poeira – rapidamente levado pelo vento. Mais uma vez o mundo bruxo se via livre da maior ameaça desde Grindenwald – e desta vez não havia chance de Voldemort voltar.

Por coincidência, Rebeca olhou para o Menino-Que-Sobreviveu:

- Harry! Sua cicatriz!

Harry Potter levou a mão à testa e constatou que era verdade: a testa estava lisa e sem marcas. Daquele momento em diante, Voldemort não seria mais do que uma lembrança horrível. Foi o próprio Harry quem perguntou:

- Mas o que foi que aconteceu?

Dumbledore respondeu:

- Voldemort conseguiu exatamente o que ele queria: Poder Absoluto dos Primeiros. Ele achou que pudesse lidar com tanto poder, mas estava enganado. Foi isso que acabou com ele, no final.

Os aurores rapidamente se recuperaram do choque e puseram-se a cercar os Comensais, prendendo-os em grandes grupos para transportá-los diretamente para a Prisão de Azkaban. Rebeca ainda estava muito impactada com tudo que acontecera, e suspirou:

- Eu... nem acredito no que aconteceu!

Severo trocou Ártemis de braço para juntar-se a ela:

- Agora tudo passou. E que tal me apresentar esse rapazinho? – disse, olhando para Lucas – Um novo fã?

- Não, um novo filho – ela respondeu rapidamente – Severo, esse é Lucas. Eu o encontrei na caverna dos Primeiros, e os pais deles morreram. Ele não tem ninguém, e precisa de pais. Os próprios Primeiros me pediram que cuidasse dele. Por favor, diga que sim. Ele é um bom garoto.

- É claro. Bem-vindo à família, Lucas.

Com os olhinhos azuis faiscando, Dumbledore interveio:

- Receio que não seja assim tão simples, Severo. A menos que eu esteja enganado, Lucas é mais do que um bom garoto – o diretor de Hogwarts se virou para o menino – Estou errado?

O garoto se virou para Dumbledore com um sorriso amplo. Rebeca franziu o cenho:

- Como assim, Lucas? O que ele quer dizer?

Lucas disse:

- O Prof. Dumbledore percebeu logo que os Primeiros não saem distribuindo seu poder, especialmente para bruxos como Voldemort. Nós vimos em teu coração que tu não querias o poder, então o demos a ti. Mas não permitiríamos que Voldemort se apossasse dele, por isso viemos detê-lo.

Rebeca arregalou os olhos:

- Você é um dos Primeiros?

Lucas sorriu e de repente se transformou no homem de púrpura com quem Rebeca tinha conversado na caverna. Ela arregalou os olhos ainda mais quando viu os outros dois saírem de dentro dele, e logo ela estava diante do trio novamente.

- Nós, os Primeiros, somos Um e somos Muitos ao mesmo tempo – disse o homem pacientemente – Usamos a forma de Lucas para sondar-te o coração, Rebeca. Tu acolheste Lucas com caridade e compaixão, e vimos tua angústia para salvar tua família. Quando te impusemos a presença e a responsabilidade de Lucas, aceitaste de bom grado. Por isso, achamos que valeria a pena livrarmos o mundo mágico de Voldemort. Pedimos desculpas a Harry Potter por tirar-lhe essa atribuição, mas Voldemort se mostrou ser tudo aquilo que mais temíamos ao dar a magia aos bruxos: ganancioso, cruel, traiçoeiro, sem escrúpulos nem limites.

- O que Harry tem a ver com isso?

- Harry Potter deveria derrotar Voldemort, mas isso só se daria no futuro. Não havia garantias de que ele conseguiria. Afinal, o futuro está sempre em movimento. De qualquer forma, achamos que tu merecias uma recompensa, Rebeca, por isso decidimos nos livrar de Voldemort já.

- Puxa – ela enrubesceu – obrigada. Foi um presente e tanto.

- Tu mostraste coragem e valor. Cuida bem da tua família e sê feliz.

- E agora? – ela quis saber – Para onde vão?

- Para a morada longe dos olhos humanos. Tão cedo não voltaremos para este mundo. Reconstruam o que foi destruído e, quem sabe, um dia voltaremos a nos ver.

- Espero que sim – ela sorriu – Felicidades!

Os três homem menearam a cabeça e voltaram para a caverna, atravessando sem dificuldade a barreira de pedra e sumindo em seguida, para espanto de todos.

Rebeca estava tão emocionada que se abraçou a Severo e Ártemis e deixou-se ficar assim por algum tempo, envolvida na energia de amor e união daquilo que lhe era mais caro: sua família, por quem ela faria qualquer coisa.

- Severo – ela chamou.

- Sim, querida?

- Podemos ir para casa agora? Ártemis precisa dormir, e confesso que eu estou um pouco cansada, também.

Ele deu um meio sorriso:

- E o que a teria deixado tão cansada? Será que salvar o mundo dá para cansar alguém?

Rebeca não pôde evitar sorrir com a piada dela e Dumbledore disse:

- Você teve uma grande idéia, Rebeca. Vão e descansem. Haverá tempo depois para discutirmos tudo o que aconteceu.

- Obrigada, Prof. Dumbledore. Ah, eu tenho uma pergunta.

- Qual?

- Agora que Voldemort se foi, Severo não é mais espião, certo? E será que ele podia ser reabilitado? Digo, ele se arriscou tanto, e isso nem sempre foi reconhecido antes.

- Claro que vou fazer de tudo para que Severo obtenha a valorização e o reconhecimento que ele tanto merece.

- "timo – ela se virou – Podemos ir para casa agora, querido.

Ártemis pediu colo com a mãe, que Rebeca mais do que imediatamente aceitou em dar. Ela estremeceu um pouco, pensando no quão perto esteve de perder a filha e tudo que mais amava.

Mas agora isso era passado. O futuro estava diante dela, e ele parecia ser mais do que brilhante.

Capítulo 29 – Um joguinho de quadribol

- Você já está pronta?

- Calma, Severo. Só falta eu pegar as luvas. Está frio para essa época do ano.

Severo comentou:

- Felizmente dessa vez eu não vou precisar apitar a partida.

Rebeca lembrou:

- Minerva jamais permitira. Não numa partida entre Sonserina e Grifinória, com a agravante de que sua filha é artilheira do time.

- E líder do campeonato das casas, se me permite lembrar – disse ele – Mas isso não é motivo. Alvo teria permitido. Ele confiava na minha responsabilidade. Afinal, sou vice-diretor desta escola.

- Severo, fala sério. Eu ouvi falar de um jogo que você apitou debaixo de chuva quando Harry estava no quarto ano...

- Terceiro ano – corrigiu – Eu me lembro desse jogo e fui bem imparcial.

- Quem está apitando o jogo de hoje?

- O professor de Defesa contra as Artes das Trevas.

Rebeca soltou uma risada:

- Harry? Eu pensei que eles quisessem imparcialidade!

- Ahá! Viu? Até você reconhece! Esse pestinha não mudou nada nesses anos todos!

- Severo, eu só quis dizer que se eles queriam um fã de Ártemis para apitar, bem que poderia ter sido você. Você sabe que ela adora o tio Harry.

- É, eles se dão muito bem – ele olhou em volta – Não vejo Lucas. Onde está nosso filho?

- Hermione já esteve aqui e o levou para ficar de babá. Mas ele reclamou que já está grande para ter uma babá. Você sabe, ele tem oito anos e já se acha um homenzinho.

- Esse menino – ele olhou em volta – Só falta nós irmos.

- Tenha calma! Você fala como se ainda precisássemos dirigir durante duas horas. O campo de quadribol é do outro lado do lago. Viu como foi bom termos ficado morando em Hogwarts?

- Incrível que nós só ocupemos a mansão no verão. Duvido que meus ancestrais tenham algum dia imaginado que a Mansão Snape iria virar uma casa de veraneio.

- Se estou lembrada, foi você mesmo que preferiu continuar morando nessa casa. Não quis abrir mãos das lembranças de nossa casinha.

- Você também não se entusiasmou em ir morar na mansão, se a memória não falha.

- Claro que não! Nossos filhos cresceram aqui. Lucas daqui a pouco vai começar em Hogwarts e já conhece a escola toda.

Severo disse:

- De qualquer jeito, Alvo jamais teria deixado que nós nos mudássemos.

- Ah, Severo, às vezes eu sinto tanta saudade dele.

- Odeio admitir, mas também sinto falta daquele velho manipulador. O retrato dele vive se intrometendo nas masmorras – ele olhou para o relógio – Achou as luvas?

- Claro. Pronto para ver sua filha derrotar Grifinória?

- Nada me dará mais prazer!

Rebeca se virou para a sala de estar:

- Winky, nós já estamos indo. Hermione ficou de passar antes do jantar, mas nós já teremos voltado.

- Sim, Mestra Rebeca. Winky vai ter jantar pronto para todos!

- Você é um amor, Winky. Até mais.

Severo insistiu:

- Podemos ir?

E lá foram os dois pela estradinha, os cabelos de Severo com alguns fios brancos, Rebeca ajeitando as luvas no ar gelado do outono em Hogwarts. Mais de 10 anos depois da derrota de Voldemort, eles continuavam a se amar e a cuidar da família – seu bem mais precioso.

Do outro lado do lago, sem serem vistos por ninguém, três homens de longas capas sorriam. Um estava vestido de púrpura, outro de azul e um de verde. Em seguida, desapareceram na tarde fresca, talvez inclinados a permanecerem invisíveis para assistir um joguinho de quadribol.

FIM