A PARÁBOLA DO GAVIÃO - Parte Dois

Certo dia, um documentarista da National Geographic encontrou numa fazenda um gavião criado entre galinhas, pensando que era uma galinha, agindo como uma galinha, comendo milho como uma galinha e sendo esnobado pelas galinhas que davam todas para o galo, e achavam aquele gavião um sujeito esquisito. O documentarista achou aquilo ridículo e o segurou pelas asas, falando.

"Você é um gavião, o predador dos céus. Bata as asas e voe!"

Mas o gavião não voou. Caiu do chão, a uma pequena altura, num dos pequenos vôos "do-poleiro-para-o-chão" que ele costumava dar. Ele caiu no chão, começou a ciscar a terra e se misturou ao resto da população do galinheiro.

Mas o documentarista não iria desistir.


- Ah, obrigada pelas migalhas de pão... mas eu sou uma gavião, Tyrrel, não um pombo. Eu já almocei na rua, comi um rato. E não se preocupe, eu tomei um banho já.

Tyrrel viu o rastro de patas molhadas que veio do banheiro. Preferiu não reclamar naquele momento. Era ridículo demais. Ele já havia forrado o sofá com jornal, e a ave se aboletou no lugar.

- Dá para me explicar de novo o que está acontecendo?

- Bom, acho melhor começar novamente...

- Vai com calma. É a terceira vez - disse antes de engolir o café.

- Bom, vamos lá: A parte do faraó você entendeu.

- Isso mesmo: eu sou a reencarnação do faraó Khufu...

- Não, não, NÃO!!! Você não é a reencarnação de droga nenhuma! Eu vou começar de novo: O faraó Khufu e sua esposa foram assassinados e o Deus Gavião... fez eles reencarnarem como vingadores de vez em quando e de quando em vez...

- Isso!

- O gavião negro que era da Liga da Justiça então era a reencarnação do faraó...

- Não. Ele sumiu antes disso.

- Então QUEM RAIOS era o...

- VAMOS A PARTE QUE INTERESSA! De alguma forma eu não sinto o faraó Khufu ou sua esposa! Isso quer dizer que eles fecharam o ciclo, desencarnaram, ficaram em paz, e vão para o outro mundo viver em paz consigo mesmos, lado a lado. Pelo menos eu poderia confirmar isso se o Deus Gavião...

- O que tem o Deus Gavião?

A ave respirou fundo.

- Eu só deveria voltar se houvesse algum problema sério com os escolhidos do Deus Gavião. Eu deveria acordar, procurar o Deus e pedir orientação. Mas eu não consigo... é como se ele não estivesse lá. Eu não entendo.

Tyrrel tentou colocar a cabeça no lugar.

- Mas é óbvio que o ciclo cármico foi quebrado... - continuou ela - e parece que os antigos espíritos abençoados pelo deus gavião, e tudo o que dizia respeito a eles até certo ponto do tempo chegou a mim enquanto eu dormia... bom, eles partiram.

- Espiritismo. Desculpa, eu sou um branco, anglo-saxônico de formação protestante. Tive que votar no Bush porque minha família saberia se eu não tivesse feito. É o mais próximo da mediunidade em que eu acredito. Tá vendo aquela arma ali? Obrigação familiar. Somos bons americanos.

A ave subiu na cabeça de Tyrrel e lhe deu uma bicada.

- Meta isso na cabeça... você foi escolhido seja lá por que força do destino para ser o novo Gavião e se encontrar com sua parceira, a escolhida, a mulher que deveria viver com você e reiniciar o ciclo cármico que...

- Pode parar por aí. Eu conheço isso†Livros são meu negócio! "Está escrito nas estrelas que há uma alma gêmea para você!" esse tipo de livro vende bem e ajuda a pagar minhas contas. Sempre tem uma gorda cheia de espinhas que compra esse tipo de coisa feito água - não é a toa que ponho esse lixo na frente da minha loja ao invés dos livros de verdade. Sinto muito. Não assisto programa de auditório, não vejo filme da Julia Roberts nem amarrado e não fiz universidade para acreditar numa coisa dessas.

- Mas...

- Eu sei o que você vai dizer! Que eu tenho que abrir minha mente. Um gavião falante? Eu acredito. Se eu por acaso posso ganhar poderes? Sem problemas, tem um porrilhão de cara com sunga por cima da calça por aí. Deus egípcio? TUDO BEM! Alma gêmea, você exagerou, minha chapa.

- Mas...

- Não sei o que você pretende. Mas não vou cair nessa.

Tyrrel se dirigiu ao banheiro.

- Não sou um mau sujeito. Pode usar as costas da cadeira como poleiro. Passe a noite aí, não vou te deixar sem um teto desta vez. Mas amanhã de manhã eu vou abrir aquela janela e quero que você suma da minha casa. Eu já tive uma auto-estima mais baixa do que você imagina, e olha que a que qualquer senso de realidade me dá não é lá essas coisas - tem espelho aqui em casa. Só que não vou me apoiar numa muleta dessas para tentar olhar para frente e viver minha vida. Vai arrumar outro trouxa - e nisso ele entrou no chuveiro, sem fechar a porta do banheiro.

- Não vai fechar a porta? Eu tô aqui.

- Você é um pássaro.

- EU SOU UMA DAMA!

- E daí? Damas não andam peladas pela sala, depois de ter tomado banho no vaso sanitário da casa dos outros. Que amanhã eu vou ter que desinfetar, aliás. Hoje eu tenho um encontro!


Abbie era uma garota simpática até a medula. Podia se ouvir o barulho dos riso de ambos a um quarteirão de distância. Ela sabia contar piadas. Era inteligente - tinha um vasto manancial cultural como munição - e ambos não só não ficavam perdidos em alguma referência que o outro jogasse na conversa, como bebiam cerveja feito velhos amigos no bar, à vontade.

Ela era linda. Tinha lábios carnudos que emolduravam à perfeição um verdadeiro teclado de dentes perfeitos. Olhava a tudo que a cercava de forma casual. Usava um perfume suave que recendia a lavanda. Tyrrel tentava não prestar atenção ao desenho do seu corpo - perigava estragar tudo se ficasse nervoso. Foi ao banheiro para ajeitar sua aparência antes da saída. Sentia as rodelas de suor formarem um círculo abaixo dos seus braços - algo que ele temia e que já estragou vários encontros seus. Voltou, mas ela o convenceu a acompanhá-la um último gole. Se a coisa melhorasse, ele teria que escovar os dentes em algum lugar(no banheiro da casa dela, porque não?) para não deixar o bafo estragar tudo também. Ainda se lembra da crise de enjôo que uma moça teve ao engolir uma lufada do seu hálito quando ele tinha problemas gástricos. Foi horrível.

Seu carro era um velho Impala comprado numa promoção de carros usados. Pouco o usava, devido ao fato de morar tão perto de seu trabalho, e de todos os lugares onde ele fazia compras. Se habituara a andar a pé - e conhecia muita gente dessa forma. Ela parecia meio tonta. Ele também se sentia meio assim. Estava tudo indo muito bem.

"Bem demais", disse algo circulando em sua mente.

Logo ele sentiu que tinha bebido demais. Não conseguia enfiar a chave da partida na fechadura...

Uma tentativa.

Duas tentativas. Seu corpo estava mole. "Não, eu não vou ter condição física para ir para o aparta...mento... dela..."

Tudo ficou preto depois disso.


Assim que ele acordou, estava pelado, amarrado numa superfície fria e gelada de mármore encerado com lustra-móveis(podia sentir o cheiro). O frio doía na sua pele. Sentia-se desperto, como se não houvesse bebido nada. Havia um cheiro fedorento de incenso ruim, como se tivesse sabão de coco na sua confecção.

- Então você finalmente acordou. Já parou para pensar o quanto é complicado limpar um organismo cheio de álcool para um ritual mágico?

Era Abbie.

Tyrrel não sabia se ficava excitado ou se borrava de medo. Abbie estava usando um espartilho vermelho que só a deixava mais sexy. Soltara os cabelos por completo, praticamente realçando seus olhos verdes. O batom parecia brilhar em sua boca, ressonando visualmente com o espartilho. Suas pernas estavam de fora. E ah, sim, sua pele lisa estava com um incomum tom azulado. E não parecia ser maquiagem.

- Eu acho que você deve saber da verdade – e nisso ela puxou um enorme bastão de algum canto. Tyrrel suou frio. Meu nome é Abdala Lama†isso é a verdade. Mas em outra vida eu fui conhecido como o meu próprio avô†o Lama Azul.

Tyrrel nada respondeu.

- E você é o escolhido do Deus Gavião para ser o sucessor do seu enviado

Ele engoliu seco

- E você tem toda uma energia mística informe pronta para ser removida e me tornar novamente o Escaravelho Escarlate!

Ele de repente relaxou. Começou a gargalhar.

- Porque você está rindo, seu idiota? Não percebeu que dessa noite você não passa?

- Podia ter sido pior – completou ele. "Quando você apareceu de espartilho e puxou esse bastão, eu pensei que você fosse uma bissexual sadomasoquista."

Ela acertou um golpe do bastão na cabeça dele.

- Escuta aqui porque eu não vou repetir. Você vai entender tudinho antes da sua morte. Não vou acabar com você sem que saiba porque está morrendo, Sr. Carl Tyrrel. Você vai conhecer a verdadeira história do Escaravelho Escarlate

Fez uma pausa dramática.

- ...e do Gavião Negro.

(CONTINUA)

A SEGUIR: Tudo o que você precisava saber sobre o Gavião Negro(mas desistia nos primeiros parágrafos porque era muito complicado)