A PARÁBOLA DO GAVIÃO - Parte Três

Certo dia, um documentarista da National Geographic que havia encontrado numa fazenda um gavião criado entre galinhas, pensando que era uma galinha... bom, se você está aqui deve ter lido os números anteriores. Após uma tentativa frustrada de fazê-lo despertar sua natureza, o documentarista decidiu, no dia seguinte, subir ao alto do telhado do celeiro, segurar o bicho esticando os braços e dizer:

"Você é um gavião, o predador dos céus. Bata as asas e voe!"

Mas o gavião não voou. E teria se estabacado se não fossem os blocos de feno espalhados pela área. O dono do bicho, já meio azedo, teria sentado a mão na cara do documentarista se ele não tivesse tirado um maço de dinheiro no bolso, comprando o bicho. A produção do programa iria pagar, mesmo...

E o documentarista não iria desistir, agora, de jeito nenhum. Tinha entrado dinheiro na jogada.


Carl Tyrrel estava pelado. Sua bunda estava dormente. Era o frio. Seu corpo estava amarrado, deitado numa mesa de mármore gelada, e ele esperava uma maluca de pele azul acabar com seu couro. Não havia mais esperanças.

Ela respirou antes de falar. Iria falar muito.

- Tudo começou com meu avô... Abdul Lama. Você já ouviu falar de Sargon, o feiticeiro?

- QUEM?

- Não, não ouviu. Vocês jovens não tem senso de história. Bom, Sargon era aquele típico herói dos tempos do onça. Um mago de turbante. Já viu "Quase Super-Heróis"? Era algo parecido com aquele sujeito... o meio boiola, lembra?

- O que tem ele?

- Eu era seu inimigo.

- Você era inimiga de uma bicha de turbante?

Tyrrel levou um golpe de bastão no estômago.

- Eu estou abaixando, não sei se você notou. Estudou geografia na faculdade?

- Sim.

- Então sabe como dói quando se chega aos países baixos. Bom... - ela pigarreou antes de continuar - Sargon era um inimigo admirável. Eu era conhecido como o Lama Azul. Reuni um culto em torno de mim... mas não foi o suficiente para detê-lo. Foi quando viajei ao Egito. Lá, encontrei esse objeto sagrado... o Escaravelho Escarlate - e nisso, teatralmente, ela sacou do vão entre os seios uma pequena escultura avermelhada feita em uma pedra preciosa. Lembrava um escaravelho. " Pode só parecer um mero enfeite, mas este objeto me tornou poderoso! De mero objeto de adoração, eu havia ganho verdadeiro poder! Poder mágico! Poder místico!"

- Leva a mal não, mas se você é tão velha quanto diz, e se ainda tinha esse corpinho, não precisava de poder mágico ou poder místico para ter um séquito de seguidores...

- Quem disse que eu era mulher na ocasião?

Ele ficou em silêncio.

- Eu sou um lama. Eu não sou imortal, mas lembro eternamente das minhas próprias encarnações, e configurei espiritualmente meus poderes místicos para reencarnar no filho do meu próprio filho. Não pude contar com o fato de que eles teriam uma filha.

Fazia sentido agora. Fazia MISERAVELMENTE sentido. Ela o abordou. Ligou para sua casa. Marcou o lugar do encontro. Até pagou o café quando o encontrou no bar do Nick. Desde quando mulher abre sua carteira para pagar qualquer coisa para um homem? Nem se fosse o Tom Cruise.

- Tanta mulher no mundo e tinha que ser um travesti – balbuciou baixinho para si mesmo para que ela não o acertasse novamente.

- Eu tinha tudo à mão... até juventude. Mas infelizmente - e eu não sei como explicar isso - esse escaravelho de nada me serve. Perdeu totalmente seu poder. E de repente... encontrei você. Um estepe.

- O QUÊ?

- Isso mesmo! Você se tornou uma espécie de estepe de Carter Hall – o homem que carregava o manto do avatar do Deus Gavião. Tinha esse poder guardado dentro de si, mas jamais entraria em ação... porque você não tem o menor brilho em seus olhos, porque você não tem aquela gana que o faria despertar! Agora, meu amiguinho cético, vou dar alguma razão aos picaretas que escrevem livros de auto-ajuda: Todos nós - TODOS N"S - somos ligados ao destino de outra pessoa desde o começo. e por um acidente do destino a herdeira do manto cármico da mulher-gavião, cujo espírito fechou seu ciclo e partiu ao mundo dos mortos com seu marido, está ligada a você.

- Ai, meu deus, aquele papo brega de novo... Mate-me por favor, mas não repita essa história. Aquele urubu já me perturbou o suficiente com isso e ainda estou com o jantar de hoje no estômago.

- Graças a esse vínculo, você acidentalmente se tornou o macho da sua fêmea, o gavião da gavião... O Gavião Negro de sua Mulher-Gavião, inepto até para dar forma a sua energia mística e assumir o manto que você herdou por um mero acidente. Sim, o mérito do poder que você recebeu se deve à antiga Mulher-Gavião por ter legado o poder à sua sobrinha sem que ela soubesse. Foi ela quem se mostrou merecedora por algum motivo – você não passa de uma consequência indesejável. Shiera Saunders, a antiga Mulher-Gavião, deu o poder a ela para que ela sobrevivesse a uma tentativa de suicídio - ela já estava morta ao lado do marido, e estava cansada de retornar e lutar e lutar. A idiota não sabia que sua sobrinha iria sobreviver, ser levada a um hospital e encontrar um homem tão sem rumo quanto ela, que deu o azar de parar no hospital porque bebeu mais do que um homem poderia agüentar só para impressionar os amigos de colégio!

Tyrrel arregalou os olhos.

Isso aconteceu realmente. Ele estava no primeiro ano. Ele e Nick haviam sido aprovados para a mesma faculdade, e Nick cismou que ambos tinham que entrar na fraternidade Kappa Lambda Pi. Comer fígado cru nos testes não foi nada. O pior foi a comemoração, e depois de chamar o Raul até quase definhar, ele teve que ser levado do hospital. Fizeram uma batida de tudo o que era possível, e ele teve um choque anafilático provocado por algum objeto estranho que nenhum médico conseguiu identificar no meio daquela mistura.

- Surpreso? Ela era uma pobre adolescente viciada em drogas, você era alguém sem motivos para viver - existia, como um rabo cortado de uma lagartixa. Se mexe? Sim, mas não faz mais diferença... Teriam se encontrado por acidente e se dado mutuamente motivos para que encontrassem suas próprias forças. Era o destino que Shiera não permitiu que vocês tivessem. Mas não se preocupe com ela... ela foi mais forte. Ela não precisou de você. Ela merece alguém melhor do que CARL TYRREL, o homem que queria ser escritor e virou livreiro! Você é um fraco, incapaz até mesmo de lutar por seus sonhos... - e nisso ela respirou fundo antes de continuar. Tyrrel estava atônito.

Ela falava a verdade. A Lama Azul sabia de quem estava falando.

- Francamente eu tenho pena da pobre Mulher-Gavião por estar ligada a uma criatura assim. Você é patético. Eu até me pergunto porque a mulher da fita cassete não te enganou com três amantes para depois fazer questão de esfregá-los na sua cara. Não que você já não seja o menor dos homens, mas dar uma lição de realidade a criaturas como você pode ser muito divertido. E como o poder místico guardado em você ainda está informe, eu poderei fazer dele o que quiser... inclusive recarregar esta jóia e assumir o manto da ESCARAVELHO ESCARLATE!

Ela acertou com um golpe de bastão nos países baixos dele.

- Ah, eu também preciso me divertir - disse ela, com um sorriso escarninho. "Agora me diga... você falou de "um urubu" que tocou nesse assunto com você. Do que você está falando?"

"DE MIM" – ecoou bem alto pelo local. Subitamente, um borrão negro cruzou o ar e atingiu a face da mulher quando ela se voltou em direção ao som. O borrão tomou forma ao parar para ferir seu alvo, e ela – o gavião - começou a arranhar sua face com força. A mulher largou o bastão no chão e caiu sentada. Segurou o rosto. "Minha face!", gritou ela. Um par castanho de asas voou longe para manobrar, e de repente deu meia-volta, diretamente para Tyrrel.

Com um golpe de garras, o gavião rasgou as cordas.

Tyrrel não conseguiu se levantar imediatamente. Sentia as juntas dormentes, os músculos doloridos. "Se levante, Tyrrel"!

- Eu não posso!

- Você tem que fazer isso! Você é o Gavião Negro! SE NÃO ACEITAR SEU DESTINO ELA IRÁ MATÁ-LO!!! SUA ENERGIA NÃO TERÁ FORMA! ELA PODERÁ TOMAR O PODER DE SEU CADÁVER PARA SI!!!

A palavra "cadáver" pode fazer maravilhas para o mais lento dos homens – principalmente quando é do seu próprio cadaver que estão falando. Tyrrel jamais entenderia como sua necessidade de sobrevivência agiu naquele momento tão fugaz, mas de repente, cresceu nele a sensação de uma corda grossa que parecia se mover sob sua pele. Ela crescia. Era quente. Seu corpo pareceu pender com a dor do esforço, e seus joelhos bateram no chão. Ele se recurvava dolorosamente.

Sentia-se como se um espanador gigante que ficasse cada vez mais pesado surgisse em suas costas, e sentiu uma lufada de pânico invadir sua garganta quando sua sombra parecia bem maior...

Era a sombra de um par de gigantescas asas que se desenhava no chão.

O gavião deu um pequeno vôo e pousou na sua frente. "Tyrrel, você é um gavião, o predador dos céus." Tyrrel estava tenso, muito tenso. O suor da sua testa queimava seus olhos. O gavião continuou:

- Bata as asas e voe!

(CONTINUA)

A SEGUIR: O predador dos céus.