Heart of Sword

Eriol estava já no salão de treinamento de magia quando Sakura entrou.

– Fiz você esperar? – perguntou ela, calmamente.

– Não... Acabei de chegar também. – sorriu de lado.

Ambos foram para o centro do salão, separados por míseros vinte centímetros, talvez. Encaravam-se seriamente, sem sequer parecer que se conheciam. Com um gesto displicente da mão, Eriol fechou e trancou a porta, sem lacrá-la com magia, sabia que não podia dispersar suas atenções quando treinava com Sakura totalmente concentrada.

"Se bem que não tem graça treinar com ela se está dispersa..." – sorriu de lado.

– Qual é a graça? – perguntou Sakura, cruzando os braços, encarando-o firmemente.

– Nada importante. – voltou a encarar a garota, sério novamente.

Mantiveram-se assim por mais alguns instantes, antes de começarem a mover-se, formando um círculo e aumentando seu raio, até ficarem a dois metros um do outro.

Eriol cerrou a mão direita e manteve-a ao lado do corpo, enquanto levou a mão esquerda ao ombro direito, mantendo o dedo médio e o indicador em riste. A magia em seu corpo fluía ordenadamente, e Sakura sentia-se apreensiva, já que ele poderia concentrar sua magia rapidamente em qualquer ponto de seu corpo, pegando-a desprevenida.

A jovem começou a mover-se lentamente com passos leves para a direita, na direção oposta à porta, ainda com o olhar fixo em Eriol e controlando seus poderes da mesma forma que ele, mas preferiu não colocar muito de sua magia, sabia que aquele era somente o começo.

Eriol girava o corpo em seu próprio eixo, mantendo o olhar fixo em Sakura também, apenas acompanhando seus passos. As mãos dela, ao contrário das dele, moviam-se como que sem motivo algum, aparentemente por simples nervosismo da jovem. Mas esse truque não enganaria Eriol, sabia que Sakura estava concentrada na batalha.

Em um movimento suave, ele deslocou a mão esquerda do ombro para o peito enquanto fechava os olhos e expandia sua aura que refletia uma suave luz alaranjada.

Quanto Sakura sentiu o vento morno percorrendo o salão, soube imediatamente o que viria, mas não teve tempo para se preparar, pois, no mesmo instante, várias bolas de fogo de tamanhos diferentes vinham em sua direção e tudo o que lhe restou fazer foi desviar do ataque. Deu uma cambalhota, se colocando de pé e correndo para o lado, em direção a um dos pilares da sala. Quando estava a menos de um metro do pilar, deu uma voadora girando o corpo em 90°, flexionando as pernas e, com o auxílio da pilastra, afastou-se, caindo no chão apoiada nas mãos e dando outra cambalhota. Levantou-se com o impulso e, correndo, foi em ziguezague na direção de Eriol, enquanto desviava de outras bolas que continuavam sendo atiradas em sua direção.

Sakura parou de correr estando a menos de um metro de distância de Eriol quando o viu abrir os olhos abaixando a mão esquerda e erguendo a direita com o punho ainda fechado, enquanto ondas de eletricidade espiralavam em volta de seu braço, concentrando-se em sua mão. Ela levou imediatamente as mãos à frente, recebendo todo o impacto do golpe de raios de Eriol em um escudo de eletricidade que formara com a energia que vinha acumulando desde o início do treinamento.

Tudo aconteceu em um piscar de olhos. No momento em que viu o inglês abrir os olhos soube que não poderia fugir, por isso deixou-se comandar por sua intuição. Concentrara seu poder para fazer uma barreira, que por ser do mesmo elemento do ataque, ao invés de enfraquecer, apenas se fortalecia. Estranhou o fato de Eriol aumentar cada vez mais o ataque até que sentiu a eletricidade do escudo começar oscilar e ficar fora de seu controle, formando uma grande esfera, que a cercou por todos os lados. Eriol abriu seu primeiro sorriso sarcástico desde que começaram o exercício e finalizou o ataque, comandando com a mão esquerda que um relâmpago atingisse o escudo de Sakura no outro lado, causando uma grande explosão, arremessando-a de costas contra a porta do salão que, por não estar lacrada, abriu-se, permitindo que ela rolasse no pátio que cercava a construção.

– Foi uma disputa emocionante! – Eriol riu, caminhando em direção à porta.

Sakura tentava se erguer, mas não conseguia, contraindo-se por causa do choque que recebeu, não só do ataque, como também da energia do escudo.

– Pode ficar rindo, Eriol, mas isso está realmente doendo... – disse entre os dentes, respirando profundamente, para tentar controlar a dor.

– Sinto muito, Sakura... – falou abaixando-se ao lado dela e esperando até que seu corpo se normalizasse. Seria muito doloroso para ela se ele a tocasse naquele momento. – Foi uma boa tentativa, mas você não tem mais controle suficiente sobre sua magia para agüentar uma carga tão grande de poder.

– Se não me dissesse, eu juro que não perceberia... – respondeu sarcástica, fazendo-o rir. Ficaram calados durante algum tempo, Eriol sentado no chão ao lado de Sakura e ela de olhos fechados, controlando a respiração. – Você também acha que eu agi errado ao destruir o pendente, Eriol? – Sakura perguntou um pouco incerta enquanto abria os olhos.

Eriol a encarou com uma expressão indecifrável. Ele nunca a repreendera, mas Sakura sabia que ele não concordara com o que fez, embora respeitasse a decisão dela. Nunca chegaram a discutir sobre o assunto e, apesar de na época parecer ter sido a coisa certa a fazer, Sakura, às vezes, sentia como se tivesse tomado uma decisão precipitada, mas apenas às vezes. Ia voltar a falar, quando Eriol se pronunciou.

– Se estivéssemos em Tomoeda, Sakura, essa teria sido a decisão mais sábia, sem sombra de dúvida. Aquele pingente atraía muitos perigos para uma cidade tão pequena, mas aqui em Hong Kong, onde a magia é algo tão presente e perigoso eu realmente tenho minhas dúvidas... – abriu um pequeno sorriso. – De qualquer forma, essa decisão cabia apenas a você e agora que já foi tomada e efetuada, não há nada que possa ser feito, não é mesmo? – questionou erguendo-se e estendendo uma mão para ajudá-la a se levantar. Sakura contraiu toda a musculatura do rosto em dor enquanto se colocava em pé e recebeu um olhar preocupado do amigo.

– Minhas costas... – murmurou, antes que ele perguntasse. – ...Estão ardendo... – estremeceu levemente, e Eriol a virou vendo uma marca escurecida do tamanho de uma mão aberta na região próxima ao ombro marcando a camiseta que ela usava.

– É uma queimadura. Deve ter sido causada na explosão que a lançou para fora. – disse mantendo-se calmo. – É melhor que você procure T'ai, ela lhe dará uma pomada que ajudará na cicatrização... – falou com preocupação na voz que transmitia uma ordem.

Sakura anuiu silenciosa e percorreu o caminho que separava a sala de treinamento da mansão a passos lentos; todo movimento que fazia causava-lhe uma fisgada de dor, não apenas sobre o ferimento, mas em todo seu dorso. Após incontáveis minutos, viu-se na porta da saleta onde T'ai se encontrava resolvendo alguns exercícios do colégio. A chinesa ergueu os olhos, encontrando Sakura, cuja expressão transmitia grande sofrimento.

– O que houve? – questionou deixando de lado o caderno e se levantando.

– Apenas um pequeno acidente... – respondeu fracamente. – Eriol me falou que você tem uma pomada para queimaduras... – foi direto ao assunto, visto que até respirar fazia com que a ferida pulsasse, parecendo rasgar sua pele e, para piorar, seu sutien apertava a queimadura.

T'ai assentiu rapidamente apontando a porta para a japonesa enquanto caminhava até lá.

– T'ai... – uma voz chamou-a antes que saíssem da sala. Sakura apenas virou levemente a cabeça enquanto a jovem Li voltava-se para quem a havia chamado. – O ultimo pote da pasta que você tinha ainda está comigo... – Shaoran comentou e, levantando-se, caminhou até elas, encarando Sakura. – Termine suas tarefas e deixe que eu cuide disso... – sua voz continha um pouco de autoritarismo, mas estava carregada de preocupação.

Sakura, normalmente, retrucaria aquela atitude, mas, naquele momento, tudo o que queria era deixar de sentir tanta dor, então se limitou a seguir Shaoran para fora da sala, percorrendo o corredor até pararem em frente à porta do quarto dele.

Ele entrou e, de dentro de um armário, retirou um pote retornando até a porta onde parou em frente a Sakura, encarando-a.

Permaneceram fitando-se por alguns segundos, enquanto Sakura se dava conta de uma coisa: alguém teria de aplicar a pomada em suas costas e não tinha forças para argumentar contra Shaoran, que parecia estar disposto a fazer isso. Sentiu as maçãs esquentarem e abaixou ligeiramente a cabeça.

Ele suspirou profundamente dando um passo ao lado para que ela entrasse no dormitório e fechou a porta, voltando-se para ela que estava parada no centro do cômodo.

– Sente-se... – pediu suavemente, apontando para uma poltrona ao lado da cama.

Ela fez o que lhe foi pedido, olhando constrangida para o chão, e sentindo que Shaoran se aproximava, viu-o ajoelhar-se à sua frente. Ele ergueu levemente o rosto dela encarando-a diretamente nos olhos.

– Eu preciso que você tire a blusa para poder passar a pomada, Sakura... – declarou seriamente, vendo-a fazer uma careta de dor. – Consegue fazer isso? – questionou, vendo-a negar com a cabeça, após tentar mexer novamente o braço. Ele respirou profundamente colocando-se de pé e retirou um pequeno canivete do bolso.

– O que vai fazer? – Sakura inquiriu com os olhos arregalados.

– Cortar a sua camiseta... – fez pausa então completou de forma divertida. – Espero que essa não seja uma de suas roupas preferidas... – fê-la rir um pouco soltando um leve murmúrio de dor em seguida.

– Faça-me apenas um favor, Shaoran, não fique fazendo gracinhas, por que me dói o corpo todo... – pediu recebendo um breve assentimento.

Shaoran deixou o pote sobre o braço da poltrona e lentamente cortou o tecido das costas da blusa, desgrudando-o lentamente do ferimento, que estava bem profundo. Olhou para aquela chaga arqueando as sobrancelhas.

– Isso está horrível! O que foi que aconteceu? – espantou-se quando terminou de abrir a camiseta de Sakura.

– Eu perdi o controle do escudo de eletricidade que estava usando para bloquear o ataque de Eriol e ele explodiu nas minhas costas... – explicou pausadamente. – E ainda bati as costas na porta e na varanda do salão de treinamento... – completou depois de algum tempo, voltando a controlar a respiração.

Shaoran estava encarando a queimadura com bastante atenção e reparou que a roupa íntima da japonesa estava roçando no ferimento. Engoliu em seco, ficando um pouco vermelho e agradeceu intimamente por Sakura estar de costas para ele.

– S-Sakura, eu... e-eu vou ter que... que a-abrir o seu... o s-seu... – gaguejava nervosamente e isso fez Sakura rir um pouco, antes de interrompê-lo.

– Eu sei... – falou abaixando um pouco a cabeça, deixando-o mais tranqüilo e, fazendo um pouco de esforço, tirou o cabelo das costas, trazendo-o para frente por cima dos ombros.

Um leve arrepio percorreu todo o seu corpo quando as mãos de Shaoran tocaram suas costas, abrindo seu sutien e um grande alívio tomou conta de si ao não sentir mais a pressão que a peça fazia no machucado. Abaixou a cabeça, protegendo o busto com os braços e fechando os olhos ao senti-lo deslizar a mão do centro das costas em direção aos braços. Era tão estranho, mas não sentia dor alguma naquele momento.

As mãos de Shaoran estavam trêmulas ao tocar a suave pele de Sakura. Por mais que a situação não permitisse aquele tipo de sensação, não podia controlar as reações de seu corpo. Após abrir a roupa de Sakura, permitiu que seus dedos percorressem suavemente suas costas, tomando cuidado para que não sentisse dor. Suspirou suavemente, afastando suas mãos dela e pegando o pote da pomada que estava sobre a poltrona.

– Sakura... – chamou-a, fazendo com que erguesse a cabeça e abrisse os olhos respondendo com um murmúrio de interrogação. – Eu vou aplicar a pomada agora e isso vai doer um pouco no começo... – disse suavemente, vendo-a assentir. –...Passados alguns minutos você vai sentir uma dormência e em seguida sensação de frio sobre a queimadura... – explicou devagar sobre as reações do creme.

– Eu já entendi... – ela respondeu calmamente. –...E não se preocupe, eu agüento um pouco mais de dor... – disse fazendo um pouco de graça e voltando a abaixar a cabeça.

Em movimentos rápidos, mas suaves, Shaoran passou uma grossa camada da pomada, vendo Sakura contrair os músculos das costas.

– Tente relaxar um pouco os músculos e não vai sentir tanto as fisgadas... – ele aconselhou, enquanto terminava de fazer a aplicação. – Concentre-se em alguma outra coisa... em algo bom...

– Mais fácil falar do que fazer... – ela retrucou, estremecendo por causa da ardência que sentia.

O chinês logo terminou e foi buscar uma de suas blusas para ela, afinal havia cortado a que estava usando. Colocou sobre ela, com a parte das costas sobre os braços que envolviam fortemente o busto, deixando ainda as costas desnudas, abaixou-se em seguida com um dos joelhos tocando o chão. Encarava-a preocupado.

– Apenas mais alguns minutos, Sakura, e você não vai sentir nada... – abriu um tímido sorriso, erguendo suavemente a mão para acariciar-lhe o rosto.

Sakura fechou os olhos ao sentir o toque e sorriu aproveitando daquele momento. Pensou que assim era bem mais fácil concentrar-se em outra coisa, além do machucado.

– Obrigada, Shaoran... – disse de olhos ainda fechados, surpreendendo-o um pouco.

– Não precisa me agradecer, Sakura... – suspirou suavemente, observando os belos contornos da garota que amava em segredo.


Sakura, Shaoran, Eriol e Tomoyo estavam sentados no gramado do parque conversando descontraidamente. Era bom sair da tensão que era mantida pela magia que fluía cotidianamente na mansão Li, estavam os quatro ali, simplesmente divertindo-se, como um grupo de amigos normal.

Em certo momento, Sakura desviou o olhar para sua direita e viu Lien, Sharon e Mai Su aproximando-se. Seu ex-namorado carregava uma cesta com uma das mãos e a outra carregava a bolsa de Sharon.

– Cavalheiro como sempre... – ela murmurou, levantando-se, assim como os outros. Não percebeu que Shaoran abaixou ligeiramente o olhar ao ouvi-la.

– Boa tarde! – cumprimentou Mai Su.

Eles aumentaram o círculo e todos se sentaram. Sharon logo falou.

– Obrigada por aceitarem que eu viesse. Fiquei muito feliz quando Lien disse que eu poderia participar desse piquenique. – ela sorria abertamente.

– Ora, não tínhamos motivo para negar. Estamos entre amigos, temos certeza que Lien não traria ninguém que não fosse confiável. – disse Sakura, correspondendo ao sorriso dela.

– Sakura... O que deu em você para fazer isso no cabelo? – perguntou Mai Su, puxando uma trança do cabelo dela, que estava preso em duas delas, baixas.

– Mai Su! Isso dói! – ela deu um tapa leve na mão dele. – Você tem algum problema com esse penteado?

– Não... É que você fica parecendo... – Lien o interrompeu.

– Uma adorável garotinha. – todos riram, inclusive Sakura.

– Bem, querem jogar algo antes de comermos? – perguntou Tomoyo. – Ainda está meio cedo.

– Podemos... O que vocês têm em mente? – perguntou Lien.

– Eu trouxe um baralho... – começou Sakura, mas foi logo interrompida por Mai Su.

– Não, não e não! Com você eu não jogo mais! – ele exclamou, levantando-se.

– Calma... Se você não quiser está bem... – disse Shaoran, fazendo-o sentar.

– Ele ficou traumatizado da última vez que jogamos... – disse Lien, rindo com Sakura.

Acabaram por não decidir nada e ficaram conversando, com exceção de Shaoran e Mai Su, que foram jogar um pouco de bola, com um gol improvisado.

Estavam entretidos em uma conversa fútil, sequer notaram quando o parque começou a esvaziar. Subitamente, Sakura calou-se e levantou-se, olhando atentamente ao redor.

– Eriol... Está sentindo? – perguntou, séria. – Vocês dois, venham para cá! – gritou para Shaoran e Mai Su, vendo o guerreiro já parado, também observando o local.

– Sakura, a última vez que vi esse olhar foi... – Lien começou, mas a jovem o interrompeu.

– Eu sei. Mas agora não vai ser tão fácil... – ela cerrou os dentes. – Estamos cercados, não dá para tirá-los daqui.

– Tomoyo, querida, fique bem perto daquela árvore... – pediu o inglês, sendo atendido pela namorada.

– Vocês três, vão junto. – disse Shaoran, sem sequer olhar para eles.

– O que está havendo? – Sharon se pronunciou, quando Lien começou a puxá-la para a árvore.

– Não há tempo para explicações, vá logo! – exclamou Shaoran rudemente.

– Não fale assim com ela! – interrompeu Sakura, antes que Lien pudesse fazer o mesmo. Ela respirou fundo, virando-se para os dois, olhando fixamente para Sharon. – Lien poderá explicar tudo, agora, por favor, fique próxima aos outros.

– Estão chegando mais perto... – disse Eriol.

– Estão brincando conosco... – Shaoran estava nervoso, enquanto ia em direção aos amigos, assim como Eriol e Sakura.

– Vamos formar um escudo em conjunto... Caso algo aconteça com um, os outros podem compensar e mantê-los em segurança... – disse Sakura.

– Por que estão falando desse jeito? – perguntou Tomoyo, exaltada, correndo até Eriol e abraçando-o firmemente. – Vocês já saíram de situações bem piores! Qual o problema agora?

– Tomoyo... – Eriol começou, mas sentiu-a desfalecer e segurou-a antes que caísse no chão.

– Sabe que não gosto disso, mas não tive escolha... – disse Sakura. – Vamos logo.

Eles formaram o escudo, logo após Eriol deixar Tomoyo apoiada na árvore, aos cuidados de Mai Su.

Tudo estava silencioso, só se podia ouvir o sopro do vento e os sussurros de Lien para Sharon. Os três estavam com os sentidos atentos a qualquer um que se aproximasse, sentiam presenças hostis aproximando-se cada vez mais.

– Sakura... Há alguma possibilidade de serem enviados de seu avô? – perguntou Shaoran, hesitante.

– Pouco provável... Ele não tem interesse nenhum em mim agora e não é idiota de começar uma disputa com o clã por puro capricho. – disse ela.

– E ele não se encontra mais na China... Fiz questão de acompanhá-lo quando pegou o vôo para o Japão. – completou Eriol.

Pararam de falar quando avistaram-nos. Eram quatro homens, todos vestindo calças e casacos de moletom negros, tênis e óculos escuros. Quem os visse pensaria que eram somente uns boyzinhos quaisquer.

– Ora, ora... Quem vem lá... – Shaoran abriu um sorriso irônico ao reconhecer os dois rapazes do meio.

– Shaoran Li... Há quanto tempo não nos vemos, não é mesmo? – um dos rapazes tirou os óculos escuros, enquanto todos pararam de andar.

– Bastante tempo mesmo... – o jovem a seu lado também o fez e todos puderam ver que eles eram idênticos. Ambos altos, cabelos negros e olhos em um tom azul opaco.

– Hsieh e Hsiang Woo... Filhos do líder do clã Woo. – murmurou Shaoran. – O que querem aqui? – ele deu um passo a frente.

– Realmente adoraríamos acertar as contas com você, Li... Mas temos outras ordens para o dia de hoje. – Hsiang disse, desviando o olhar para Sakura.

– Não vai encostar um dedo nela. – disse Eriol, postando-se à frente de Sakura, assim como Shaoran.

– Claro... – Hsieh riu. – Não é como se não esperássemos tal atitude de vocês.

– Yu, Poong, já sabem o que fazer. – ordenou Hsiang, com um movimento de cabeça, fazendo os dois homens avançarem sobre Shaoran e Eriol.

Yu foi para cima de Li, era mais alto que os gêmeos, com um físico realmente avantajado. Os cabelos castanho-escuros moviam-se rapidamente pelos movimentos bruscos e os olhos negros foram descobertos por um soco na face que levara de Shaoran, tirando-lhe os óculos. Era um adversário formidável, tanto que Shaoran estava apreensivo quanto à sua vitória. Não podia perder, isso custaria a vida de seus amigos e, principalmente, a de Sakura.

Poong moveu-se rapidamente e afastou Eriol da japonesa, enquanto digladiava contra o inglês. Era um pouco mais baixo que os gêmeos, com físico digno de admiração, mas sensivelmente mais fraco que Yu. Os cabelos castanho-claros brilhavam sob a luz do sol, e os olhos de um intenso vermelho-sangue encontraram-se com os azuis de Eriol após um chute que o inglês acertara em seu rosto, quebrando seus óculos. Eles tinham estudado os inimigos, Eriol constatou. Sabiam o nível de luta de ambos e mandaram os dois somente para distração, enquanto Sakura ficava sem apoio algum.

– Então, senhorita, Kinomoto... Agora que temos um pouco mais de espaço, podemos ir diretamente ao assunto que nos trouxe aqui... – Hsieh aproximava-se lentamente de Sakura, seguido pelo irmão.

– E qual assunto seria esse? – perguntou ela, transparecendo uma calma que, na realidade, não possuía. Estava em desvantagem numérica, e já ouvira boatos sobre os irmãos Woo. Não conseguiria vencê-los sozinha, não em uma luta corpo a corpo. Também sentia a magia deles, sozinhos não eram ameaça, mas se trabalhassem seus poderes unidos, ela estaria condenada.

– Entrou para o clã Li há pouco tempo, não é mesmo? – Hsiang tomou a palavra. Sakura percebeu que tinham ensaiado já toda a conversa, mas talvez pudesse pegá-los de surpresa, só precisava da oportunidade certa.

– Sim, há alguns meses somente. – sorriu de lado. – Mas creio que já sabiam disso.

– Sabíamos sim... – Hsieh agora estava bem próximo a ela. – Sabemos tudo sobre você, pequena... Os Li não foram os únicos a acompanhar o crescimento de sua magia.

– E nem os únicos a ficarem com raiva pela sua inconseqüência de destruir o pingente. – a voz de Hsiang tinha um tom de fúria.

– Ora, ora, ora... Então parece que vocês também estavam interessados no pingente... Não sei o que dizer, tudo o que sei é que não me arrependo nadinha de ter feito aquilo. – a japonesa abriu um sorriso sarcástico, que irritou Hsiang.

– Veja como fala... Podemos acabar com você em um instante. – disse em meio a um grunhido.

– Gostaria de vê-los tentar... – manteve o sorriso, satisfeita por seu plano de desequilibrar um deles ter dado certo.

– Irmão, acalme-se... – pediu Hsieh, tranqüilo. – Não faça o jogo dela... – colocou a mão sobre o ombro dele. – Tenho que admitir que me impressionou, Kinomoto... Armou uma boa estratégia, compensando a desvantagem numérica ao tentar fazer com que meu irmão perdesse o controle... Pena que esse truque é velho demais.

– Nunca se sabe o quão fundo vão os ferimentos de nosso orgulho... Somente tomamos consciência dos reais estragos e do pouco controle que temos sobre nós mesmos em circunstâncias extremas... – suspirou levemente. – Mas creio que já sabem disso também.

– Sim, sabemos... Agora, diga-me uma coisa... Acha que tem tanto autocontrole a ponto de conseguir, ao menos, dar-nos alguma distração? – Hsieh tomou novamente a palavra, e Sakura sorriu involuntariamente, percebendo que havia conseguido desfazer o pequeno "teatro" que eles planejaram.

– Qual a graça? – perguntou Hsiang, com visível raiva.

– Ora, consegui desfazer o diálogo que os senhores ensaiaram... Por que não conseguiria o mesmo em um combate? – indagou, parecendo confiante, mas sabia que perderia. Não tivera tanto sucesso em perturbar Hsiang, o máximo que conseguiria seria fazer alguns estragos. Bem, faria isso então. Com um pouco de sorte Shaoran ou Eriol conseguiriam livrar-se dos capangas e irem ajudá-la.

Nenhum dos dois fez qualquer réplica com palavras, simplesmente avançaram sobre Sakura, com movimentos idênticos. Enquanto desviava do soco de um, o outro a acertava com o mesmo golpe. Depois de vários impactos em sua região abdominal e peitoral, a jovem finalmente conseguiu sincronizar-se com os dois e começar a fazer alguns contra-ataques em meio às defesas, mas sem sucesso algum.

Subitamente os dois mudaram o estilo, cada um fazia um movimento diferente, tornando impossível para Sakura defender-se simultaneamente. Seus ferimentos aumentavam a cada instante, mas ela não se daria por vencida ainda, não haviam se passado nem cinco minutos, não poderia deixar as coisas tão fáceis assim para os gêmeos.

Não demorou muito e sentiu seu braço ser puxado e seu corpo firmemente preso por Hsieh. Hsiang aproximou-se e começou a socá-la sem piedade, fazendo-a cuspir sangue algumas vezes.

Shaoran estava em maus lençóis, Yu não estava para brincadeira, deveria ser um dos melhores lutadores que eles possuíam. Mas, após os primeiros minutos de luta, percebeu que tinha vantagem sobre ele, uma pequena, mas ainda sim uma vantagem sobre o lutador à sua frente. Tinha que aproveitá-la no momento certo, era o que sua mente dizia. Mas não demorou a poder ver de esgueira Sakura sendo espancada por Hsiang, começou a desesperar-se, querendo terminar a luta o mais rápido possível. Nesse momento de distração, Yu conseguiu acertar um soco em cheio em sua face esquerda. Ao levantar o rosto para encará-lo, um filete de sangue pôde ser visto saindo de sua boca.

– Vai se arrepender por isso, desgraçado. – murmurou, antes de partir para cima do homem com tudo o que tinha, conseguindo, assim, nocauteá-lo.

Correu até Sakura e os gêmeos e derrubou Hsiang com um potente soco. Hsieh assustou-se e soltou-a, que caiu no chão, gemendo de dor.

– Essa foi só uma amostra do que podemos fazer... – disse ele, afastando-se com o irmão, sendo seguidos por Poong, que carregava Yu.

Eriol aproximou-se de Sakura e Shaoran, fazendo a amiga virar de barriga para cima.

– Sakura, calma agora, está bem? – pediu ele. – Não parece ter quebrado nada, só está um pouco machucada...

– Um pouco! Aqueles animais quase a mataram! – Shaoran estava fora de si.

– Não... Eu posso ter perdido a luta... Mas não é tão fácil assim acabar comigo, Shaoran... – disse ela, fraca.

– Como você está? – Lien aproximou-se e ajoelhou a seu lado.

– Como eu pareço? – perguntou, com um leve sorriso no rosto. – Desculpe, parece que nosso piquenique já era...

– Não se preocupe... Melhor irmos embora daqui, não é? – disse, fazendo menção de pegá-la no colo.

– Deixe que eu faça isso. – disse Shaoran, levantando-a do chão. – Melhor você levá-la para casa. – ele apontou Sharon com a cabeça.

– Eu levo Tomoyo... – disse Eriol, pegando Tomoyo dos braços de Mai Su.

– OK, você me avisa se precisar de alguma coisa, não é, Sakura? – perguntou Lien, incerto, recebendo assentimento dela.


Shaoran soltava lentamente as tranças que prendiam o cabelo de Sakura. A garota finalmente adormecera, a dor que sentia pareceu ter diminuído o suficiente para permiti-la relaxar. Brincava suavemente com os sedosos fios de cor caramelo dela, observando atentamente o rosto dela. Estava um pouco machucado, afinal, ela levara uma surra dos Woo, mas continuava bela como sempre. Seus lábios entreabertos pareciam chamar por ele, mas não se aproveitaria da situação, Sakura precisava de ajuda e seria isso que ele lhe daria.

O telefone tocou, assuntando-o. Atendeu rapidamente para não acordar a jovem.

– Residência dos Li.

– Shaoran? É Lien.

– Olá, Lien. Como Smith está? – perguntou, falando baixo.

– Eu deixei-a em casa... Estava transtornada, vou falar com ela mais tarde. – explicou rapidamente.

– Entendo.

– E como está Sakura? – perguntou, sua voz demonstrando preocupação.

– Está descansando agora... Adormeceu há pouco, mas vai levar algum tempo até recuperar-se completamente. – voltou a contemplar a jovem deitada.

– Está com ela agora? – indagou, sua voz em um tom que Shaoran não pôde compreender o que havia de tão importante no fato.

– Sim... Estou no quarto dela. Por quê?

– Nada... Eu só estava pensando se não precisam de nada... – respondeu, em tom que não convenceu Shaoran.

– Certo... Agora eu preciso desligar, qualquer coisa eu aviso.

– Certo, até mais.

Colocou o telefone no gancho e suspirou. Não havia mais nada que pudesse fazer por Sakura naquele momento, então saiu do quarto, avistando uma empregada no fim do corredor.

– Escute, sabe onde está minha mãe? – perguntou a ela.

– Está em reunião com o Clã Woo, jovem. – respondeu, submissa. – Deseja algo?

– Diga a Eriol e Lyu que me encontrem na reunião. – virou-se para ir.

– Mas eles já se encontram lá. – apressou-se a informar.

– Como é?! – ele saiu correndo até a sala de reuniões, localizada próxima à entrada da mansão. Escancarou a porta com um estrondo e todos os presentes se calaram. Ele passou lentamente o olhar por todos, demorando-se no senhor Woo e em sua mãe. – O que significa isso?!

– Meu filho, por favor, acalme-se. – pediu Yelan.

– Acalmar? Acabamos de ser atacados por eles e a senhora fica aí papeando?! – vociferou ele, quase partindo para cima de Woo. – Aliás, bastante espertos aqueles filhos seus por não aparecerem aqui... Isso mostra que têm amor à vida como a conhecem...

– Não se preocupe, senhora Li. – o senhor levantou-se. – Devo-lhe desculpas, meu jovem, pelo comportamento inconseqüente de meus filhos. A verdade é que eu não sabia do que eles planejavam fazer...

– Ora, não seja hipócrita! – Shaoran o interrompeu. – Não é segredo para ninguém que aqueles dois debilóides não são nada além de marionetes! Além do que, eles disseram que estavam seguindo ordens... Vai desmentir as palavras de seus próprios filhos e manchar a pouca honra que lhes resta? – viu-o dar um passo atrás.

– Filho, por favor, não aja dessa forma... – pediu Yelan, mas foi interrompida pelo senhor a seu lado.

– Está tudo bem, deixe-o culpar-me, se isso o fizer sentir-se melhor... Afinal de contas, nossa aliança está cancelada de qualquer forma.

– Woo, peço que reconsidere essa decisão. – ela fitou-o intensamente, decidida.

– Um instante... De que aliança ele está falando? – indagou Shaoran, agora encarando a mãe.

– Estávamos negociando uma aliança... – explicou Yelan, agora fitando o filho. – Iríamos unir os dois clãs.

– Com base em quê? Fariam um contrato ou algo assim? – debochou ele. – Como se eles realmente fossem honrar as próprias palavras.

– Na verdade... – Eriol pronunciou-se pela primeira vez. – Só há um meio de unir clãs, e você sabe bem qual é ele, Shaoran.

– A senhora não faria isso... – lançou um olhar de fúria à mãe. – Pois, ele reconsiderando ou não, me recuso a fazer esse jogo. Já conversamos várias vezes sobre esse assunto, mãe, e todas as vezes eu disse que não irei me casar com quem for conveniente para o clã. – saiu da sala, batendo a porta.

– Bem, parece que, com ou sem pingente, nosso acordo acabou. – disse Woo, fazendo sinal para seus companheiros seguirem-no para fora da propriedade dos Li.

– Eu disse que não daria certo, tia. – falou Lyu, sentando-se ao lado de Yelan. – Woo não é flor que se cheire, estamos melhor longe dele.

– Eu sei... Bem, ninguém pode me culpar por tentar, certo? – ela deu de ombros, suspirando, frustrada.


Andava rapidamente pelos corredores, querendo ir para seu quarto, mas com a mente tão cheia que não percebeu o caminho que estava tomando. Entrou e bateu a porta, para só depois perceber que não estava onde queria.

– Ai... Poderia ser um pouco mais delicado? O que essa pobre porta fez a você? – perguntou Sakura, com voz de sono.

– Desculpe, Sakura... Eu não queria acordá-la. – pediu humildemente, vendo-a sentar-se na cama.

– Está tudo bem... Eu acho. – sorriu fracamente. – Agora, o que aconteceu para ficar tão transtornado?

– Nada... Não importa agora. – ele sentou-se no chão, ao lado da cama.

– Bem, se não quer conversar sobre isso agora, não irei forçá-lo. – deitou-se novamente. – E nem tenho forças para isso.

– Está se sentindo melhor? – indagou, preocupado.

– Um pouco... Já não dói tanto. – sorriu novamente. – Obrigada por se preocupar.

– Não é nada... Quer alguma coisa? Tem fome ou sede?

– Não... Agora só quero descansar. – fechou os olhos.

– Então vá em frente... – acariciou levemente a cabeça dela. – Não se preocupe com nada.

– Obrigada. – foi tudo o que disse antes de adormecer novamente.


N/A: OK, OK, peço desculpas pela demora, mas é que os capítulos finais sempre acabam travando com mais freqüência...

Pois é, acho que esse é o penúltimo cap... Aí ficarão livres de mim por um tempinho... Ou não... lembrando-se de todas as pastas de fics q tem salvas no pc

Não vou adiantar nada, principalmente pq não está dependendo de mim... Só digo que aguardem nova fic de Yoru no Hoshi!! Pois é, lembram-se? Eu e a Yoru estamos trabalhando num novo projeto, e pretendemos disponibilizar a vocês logo logo...

Bem, agradeço à Yoruki Hiiragizawa que, como sempre, me ajudou com as cenas de magia (e também não mágicas... =P)...

Ao Felipe S. Kai, afinal de contas, já salvou minha pele muitas vezes...

Também agradeço à todos os incentivos que recebi...

Vou dizer, fiquei impressionada ao ver que já tenho 203 reviews! E a autora do review número 200 foi... Miyazawa Yukino-Erika! Amiga, obrigada pelos reviews sempre carinhosos... Que pena que não pudemos nos encontrar na AF, mas teremos outras oportunidades...

Beijinhos a todos!

Miaka Hiiragizawa.