O Salão estava magnífico. Pessoas excêntricas passavam para um lado e para outro sem se preocupar em realmente observar a decoração. Fitas que mais pareciam raios roubados do sol Adornavam as enormes pilastras que não tinham fim. O templo de vidro ganhara uma coloração púrpura, e em todos os cantos estátuas de querubins e arcanjos adornavam o salão. As estrelas pareciam compartilhar de tal felicidade e brilhavam ainda mais intensamente, talvez na tentativa de chamar mais atenção do que a pequena Esperança, que ainda não havia saído de seu quarto. Todos falavam, muitos sorriam. Vitória perguntava para cada um de seus irmãos e primos se alguém já havia visto o motivo da festa. Estava impaciente.

Sabedoria então apareceu por um dos enormes portões do salão, que parecia maior a cada convidado. Estava estonteante. Seus cabelos antes lisos ganharam cachos em suas pontas, seus olhos cor de mel, já lindos antes, foram cuidadosamente delineados. Trajava um elegante vestido da cor bege, sem muitos decotes, porém justo ao corpo, inclinava em suas madeixas uma linda flor, que por mais que Primavera tentasse, não conseguia definir qual era. Ela havia abandonado os óculos tradicionais, e seus lábios ganharam um aroma doce, e uma cor carmim. Suavemente, Sabedoria desceu os pequenos dois degraus que a conduziam para o salão. Com a mesma suavidade e calma dirigiu-se ao pequeno elevado na parte norte da grande sala. Ela iria chamar por Esperança.

Todos estavam esperando ansiosamente este momento. Especulavam como ela pareceria. Mulher, alta, magra, gorda, baixa, havia inúmeras faces para Esperança nas bocas de seus irmãos e primos.

Com bastante sutileza, Sabedoria ergue uma taça, vazia por sinal, e toca-lhe com a ponta de suas unhas, não tão grandes, mas suficientemente fortes para fazer um singelo pedido por atenção. Como de costume, nem o mais ignorante dos presentes ignorou Sabedoria. Principalmente nesta noite, onde todos faziam ao menos idéia do motivo deste corriqueiro gesto de Sabedoria.

-Queridos e não tão queridos irmão e Primos. Desculpe-me a intromissão em sua diversão, mas é meu dever lembrá-los a que se deve tamanha festa e banquete. Hoje, nesta manhã abençoada pelas estrelas, nasceu novamente a mais inconstante e necessária de nossas irmãs. Esperança fez-se mais uma vez presente em nosso Panteão. Estou hoje aqui, tomando a palavra de muitos de vocês simplesmente para apresentá-los a nossa mais nova, e nem por isso menos importante familiar.

Venha pequena Esperança.

Os olhos arregalaram, os corações pulsaram mais depressa do que o costumeiro "tum-tum", e em pouco segundos um suspiro de alívio e magnificência se fez no belo salão. A linda menina havia cativado a todos. Seus grandes e verdes olhos pareciam ainda mais brilhantes e seu rostinho angelical ainda mais divino. As várias fitas de suas vestes e de seus cabelos pareciam perfumar todo o recinto, e o encantador sorriso de Esperança pareceu atingir os corações de todos os presentes. Não, ela não era mulher. Era criança, e das mais belas e puras e sapecas. E das mais lindas e encantadoras. Era criança, das mais esperançosas e inocentes.

Em poucos minutos as caras espantadas com a pequena se transformaram em caras sorridentes e alegres, e isso ocorreu antes mesmo de Alegria chegar ao recinto. Todos brindaram a mais nova irmã. Em poucos segundos parecia que tamanho alvoroço nunca havia existido. Mas o sorriso mais cativante de toda a multidão era com certeza o do rosto triste e magro, de olhos fundos e corpo franzino. Era ele, o mesmo que a abraçou pouco depois de seu nascimento. Era daquele homem, alto e curvado, de poucos cabelos negros e pele alva o mais sincero dos sorrisos e a mais triste das faces. Esperança tinha certeza. Só poderia ser ele Tristeza. Não havia outra explicação para a menina, que assim que se desvencilhou dos braços de Sabedoria foi correndo de encontro a ele.

- Tristeza? Esse é seu nome? – perguntava a irradiante menina.

- Não minha pequena Esperança. Sou aquele que mais necessita de ti, e o que te dará mais trabalho. Sou Desespero. – pronunciou-se o homem estendendo-lhe a mão - Espero que estejas sempre comigo – sussurrou-lhe sorrindo.

- Podes ter certeza Senhor Desespero - sussurrou a pequena menina no ouvido de Desespero.

Ambos sorriram e permaneceriam conversando, não fosse alguém ter chamado por Desespero do outro lado do salão. Pedindo licença, Desespero se foi. A pequena Esperança se viu perdida em um mar de estranhos. Andando por entre os pés dos que pareciam não enxergá-la, Esperança conseguiu sair da onda de tumulto que estava o centro do salão. Foi então que ela viu, entre os grandes portões que levavam para fora do salão, portas menores. Eram minuciosamente trabalhadas em alto relevo. Continham algumas palavras escritas em latim, mas Esperança era curiosa e apressada demais para perder tempo lendo. Escolheu uma das portas menores e escancarou a maçaneta.

O susto foi inerente. A porta fechou-se rapidamente e Esperança não teve reação. O quanto era por demais escuro e o breu quase apagava o brilho dos olhos de Esperança. Uma lânguida e pálida luz iluminava ao centro. Havia uma mulher sentada em uma frágil cadeira. A mulher mantinha os braços cruzados e apertados contra o corpo, o rosto cabisbaixo e resmungava palavras sem sentido. Parecia estar com frio. Apesar do medo e do desconforto que a estranha cena causou em Esperança, a vontade de ajudar a pobre mulher se fez mais forte e com bastante cuidado foi se aproximando lentamente. Quanto mais perto Esperança ficava da moça, mais frio e pesado o ar ficava. Esperança permaneceu alguns minutos apenas olhando, a poucos passos da mulher, que lentamente ergueu a cabeça. Extremamente alva, de olhos fundos e azulados, lábios finos e quebradiços. Trêmula e desengonçada, ergueu a mão até o rosto da pequena esperança.

- Deves ser a pequena... A pequena Esperança... – Balbuciava a mulher com palavras frágeis e em falsete.

- Sim, sou eu. E você?

- Eu? Não queres saber quem sou... Ninguém quer... Vivo aqui, solitária... Terás você pequena alma, força suficiente para me resguardar?

As palavras daquela mulher pareciam cravar espinhos no coração de Esperança. As forças de Esperança pareciam se abalar a cada sílaba. Ela queria falar algo, consolar a pobre mulher, mas não conseguia... Uma depressão, um sentimento melancólico parecia tomar o corpo da menina. Era como estar sozinha. Como se não existisse nada nem ninguém para ampará-la. Esperança estava quase por cair sobre seus próprios joelhos quando uma voz fina, altiva e alegre irrompeu o Silêncio.

- Esperança, não! Maninha, não pode ficar muito tempo com ela. Solidão não é má, mas machuca as pessoas mesmo sem querer!

Era a voz de uma menina que parecia ter seus sete a oito anos, negra, de cabelos cacheados, que permaneciam presos em dois prendedores cor de rosa-verão, magra, de lábios grossos e negros olhos mágicos. Falava sem temor, alegre e sorridente. Mal acabara de pronunciar tais palavras puxava Esperança pelos braços até saírem pela pequena porta.

Esperança ainda não havia compreendido o que acontecera, mas logo sua irmã pôs-se a explicar:

- Aquela, sentada na cadeira é Solidão. Dificilmente se encontra ela acompanhada, a não ser por Tristeza, Saudade e Amor. Na maioria das vezes andam juntas. Eu não me arrisco. Todos que conheço terminam com um Baita mau-humor! – exclamava a menina enquanto pulava e fazia imensas caretas.

- Deve ser uma vida triste não acha?

- Acho que sim. Mas é o trabalho dela não é? Bem aposto que ela também não é tão infeliz. Duvido que alguém possa ser realmente infeliz. Todo mundo tem direito a um sorriso! – Comentava a menina com um brilho nos olhos que só não ultrapassava o de Esperança.

- E você? Qual seu nome? – A verdade é que esperança estava ansiosa por saber. Havia sido cativada pelo sorriso e pelos gestos simplórios e verdadeiros da menina. Ela parecia falar com a voz do coração, e sorria e resmungava como queria ou quando achava interessante.

- Meu nome é Inocência. Mas normalmente me chamam de bobinha. Ainda não sei o por quê disso, mais ainda vou descobrir! – Mais uma vez sua exclamação veio dotada de pulinhos e sorrisos. – Acho que você precisa de um guia. Não vou deixar você sozinha por aí essa noite não! Você vem comigo! Vou te apresentar a Todos da festa! Pelo menos aos legais.

Esperança estava encantada com Inocência. Era tão espontânea, sorridente e alegre. Não parecia se preocupar com muita coisa. Era realmente inocente. Brincava com tudo e com todos. Tinha certeza de que havia encontrado sua parceira favorita. E ela parecia acreditar no mesmo, pois não largava sua mão para nada.