:: Lembranças ::.
Já não me sinto mais tão necessitada de fitar o pequeno papel sempre que acordo. Anos sem um passado, posso muito bem permanecer sem ele.Isso deveria me acalmar, mas apenas me assusta ainda mais. Como posso ser tão diferente daqueles que julgo "almeijar" ? Teria eu perdido meus valores ou será que eu nunca os possuí ?
Espero que tenha perdido. Talvez um dia outro rapaz venha com novo bilhete a me devolvê-los.
Não quero ficar sozinha hoje. A noite mal se faz e poucos minutos após meus despertar a minha solidão já me encomoda. Normalmente me deleito nela, e curto cada segundo a observar o mundo que gira noite após noite. Hoje eu quero fazer parte dele. Pelo menos é o que desejo.
Procuro em meu armário algo diferente do longo sobretudo negro. Uma saia justa, uma blusa camponesa. É, parece bom.
Visto-me e saio. É estranho. Faz tempo que não via essa vontade de viver impregnada em mim. Talvez seje a reação do ocasionado com o rapaz. Ou simplesmente pura coincidência.
Nesses momentos sinto falta de Reiki. Ótimo companheiro, apesar de muito protetor. Sinto falta de nossas conversas que varavam a noite. Eu era ávida para conhecer a minha nova e única vida, e ele tinha um enorme prazer em me demontrá-la. Não sei bem em que época se deu essa minha agonia solitária. quando começou a ênfase de deixar meu senhor e seguir só, em meio as trevas que me consumiam. Lembro-me de cenas afáveis em quanto ando pelas ruas com pouco movimento. Nunca gostei de carros. Eles me dão uma sensação estranha de falta de humanidade. Não gosto muito de máquinas, mas sou exímia com todas elas. Mais uma das coisas para a qual não possuo explicação.
Dou um suspiro e me percebo no meio de um caminho sem rumo certo. Saí em busca de companhia, mas não era bem isso que buscava. Buscava rostos, faces, barulho. Mas não alguém que se dirigisse a mim. Essa é minha definição de não estar só. É estar dentre outros, mesmo sem fazer parte deles. Isso me faz bem. Ponho me a pensar, e acabo por resolver voltar a boate na qual conheci o rapaz. Algo me dizia que não iríamos nos encontrar novamente tão cedo.
Do outro lado da rua, fito o porta da boate, e o aglomerado de gente que sempre se forma em locais como esse. Perdi a vontade de me misturar a eles muito rapidamente, assim como, pouco a pouco, uma grande nostalgia parecia ir tomando conta de meu ser, e eu ia perdendo a vontade por uma "noite menos solitária". Tentando ignorar isso, disponho-me a entrar na boate, e com um sorriso falso no rosto atravesso a porta que divide a noite calma e sombria, do local agitado e discontraído.
Olho para tudo, como sempre faço, porém com uma observação menos crítica. Meu lugar de sempre parece vago. O primeiro banco disposto a "frente" do bar. Daquele lugar eu tinha uma ampla visão de todo o local. Era mais alto do que a pista de dança e mais baixo do que a cabine dos Dj's, estando de frente para ambas. Seria uma longa noite, prestando atenção nos mínimos movimentos dos seres e ouvindo as pequenas minúcias de cada música.
Virei-me para o garçom e fingi olhar a tabela de drinques... Sem lê-los direito, apontei um qualquer e esperei que ele me entregasse. Seria ele o drinque intocado desta noite. Com uma coloração de vermelho sangue um tanto quanto sugestiva. Desprendi um sorriso irônico e discreto. Sentei-me no banco de forma a adimirar a pista de dança. O local estava lotado. Pessoas se debatiam por um lugar na pista super disputada. As noites na cidade só eram desertas para as pobres ruas que esbanjam um silêncio melancólico.
Poucos instantes a fitar os que se punham a dançar perante o ritmo frenético imposto pelos Dj's e aquilo já se tornara maçante. Logo o setimento nostálgico voltou, e dessa vez cedi a ele intencionalmente. Eu estava com saudades. Saudades do único passado que possuía, da única pessoa que posso dizer que conheço. Reiki. Meu senhor, meu amigo, meu amante. Estranho. Há anos não pensava nele. E agora ele vinha a minha mente com uma persistência arrebatadora. lembro-me com perfeição de uma das noites que mais desejei, e desejo, esquecer. A noite onde descobri a única coisa que me faria tornar-me uma besta desenfreada, a urrar e matar. Sem perceber abaixei meu rosto a té fitar o chão. De alguma forma, minhas lembranças me fizeram sentir vergonha.
A noite acabou para mim. Minhas lembranças me machucam e me irritam tanto que já não tenho mais a vontade de mergulhar dentre o calor dos mortais da pista. Minhas boas lembranças me abandonaram, e as ruins tomaram conta de meu ser. Talvez eu saiba o por que de sempre preferir a solidão. Incomodo menos gente assim. Me torno menos perigosa. Todo o sangue que derramei de forma violenta e incontroada resolveu vir a minhas cnsciência agora. Enquanto permaneço nesse banco, fitando mais a mim mesma do que qualquer outra coisa. Quantas vezes não fiz com que Reiki se tornasse super preocupado por ter que limpar as minhas besteiras. Ele me chamava de menina inconsequente, mas sabia que essa nomeclatura estava errada. A minha inconsequência sempre andou de mãos dadas coma minha inconsciência. E ele sabia o quanto isso me fazia mal.
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Ah... Não quero mais isso...
A minha noite
realmente acabou. Sei que o tempo que permanecer aqui será o
tempo que esssas lembranças me atormentarão mais e
mais. É cedo, mas acho melhor voltar para casa. Pelo menos lá,
mesmo que elas venham eu terei motivos maiores para lembranças
melhores. Ainda há o papel sob a escrivaninha... E bastante
tempo para isso. Afinal, tenho eu uma Eternidade para esquecer tais
lembranças ou ser torturada por elas. Um tempo que sempre
haverei de ter...
