.:: Abraço ::.

Judy caminhava lentamente pelo corredor escuro. Ela havia resolvido ligar para o telefone do rapaz misterioso de seu passado. Encontrá-lo no apartamento 104 de um prédio no centro da movimentada cidade... Ele parecia bastante sério no telefone.. Até mesmo quando comentou que achava que ela ligaria mais cedo...

Sua mente estava repleta de lembranças e dores. Por que ? Ela deveria ter se desprendido dessas lembranças quando fora abraçada, mas elas martelam sua mente incessantemente. Com relutância, Judy percebe seu corpo cambalear e cair. Lágrimas vermelhas escorrem por sua face. O dia do seu abraço parece emergir de suas memórias lacradas, fazendo-a recordar. Alguns minutos e seus olhos se fecham, e Judy cai imersa no passado.

- Olá. Posso saber o que uma jovem tão bela faz sozinha neste local deserto a essa hora da noite ?
- Ãhn ?
- Desculpe, mas não acha perigoso ficar sozinha ? Mas por que está chorando ?


A menina de mechas rosas ergue a cabeça deixando o cabelo desgrenhado sobre o rosto e tenta dar um falso sorriso.

- Sim, mas eu precisava pensar....

A menina parecia não desejar uma resposta com aquelas palavras, e o silêncio que as prosseguiu foi bem vindo. Desolada, ela olhou para a noite, serena, a lua permanecia forte, era a única fonte de luz da praça abandonada.

- Posso perguntar sobre o que pensava ?
A menina olha com desprezo para o homem sentado ao seu lado e fala :

- Achas que mereço sua atenção ? Pois não a mereço.
- O que fazes dizer isto ? Minha atenção é única coisa que posso oferecê-la por agora... acho...
- Pois então guarde-a para alguém que a mereça... Alguém que não consegue nem o amor dos parentes, por que deveria ter o amor de mais alguém...


As palavras continham um imenso remorso, um peso, como se a menina se achasse um puro ninguém, sem rumo nem destino...
- Estás sendo bastante cruel consigo mesma...
- Não, não estou. Sou um ninguém e sempre haverei de ser... nem mesmo minha imagem no espelho gosto de ver... E sei que os outros também não...
- Você faz de sua imagem um reflexo de seus problemas, por que não tentas fazer dos problemas um reflexo de você ?
- Ãhn ? Quem e você ?
- Pelo menos assim olhastes para mim...


Respondeu o Homem, esguio de longos cabelos negros e olhos, gélidos e cálidos ao mesmo tempo, que parecia consolá-la de uma forma estranha.

- Não sirvo para os que estão a meu lado, e sirvo menos para os que não conheço.. não sei por que existo... Talvez eu não fizesse diferença..
- E o que Faria o pobre rapaz que abandonaste hoje no pátio da formatura, o rapaz que implorou que deixasse-o fazê-la sorrir ?


A menina parecia muito assustada com essa pergunta. Ela tinha certeza de que eles estavam sós aquela hora...

- Como ?
- Acharam que estavam a sós ? - um pequeno sorriso se fez na face alva do Homem - Desculpe-me. Não tive a intenção de espioná-los.


Ela agora não sabia o que responder... Estava um pouco transtornada. Aquele ser ao lado dela parecia conhecer-lhe bem o suficiente para saber que uma pergunta como essa a quebraria.. mas ela tinha certeza de nunca tê-lo visto antes...

- Foi melhor assim.. só traria dor para ele...
- Dizes isto por que achas que nunca conseguirá se entregar a nenhum sentimento não é ?
- O senhor está me assustando...
- Não me chame de Senhor... Meu nome é Reiki... Não precisas me dizer o seu.. sei que seus pais a devem ter alertado a isso desde pequena... ¿ novamente um sorriso surge no rosto do Rapaz.
- ....
- Você o ama ?
- Não. Nunca serei capaz de amar. Não tenho esse direito... Pois sempre ignorei as pessoas que realmente me amaram...
- Entendo... Sentes um vazio dentro de si não é ?
- ..... sim... e ele me sufoca a cada dia... Minha vida se tornou inútil, escrever palavras sem cor em um papel branco... E ceder lágrimas salgadas a ele na maioria das vezes...


Novamente o silêncio acompanhado do sorriso intrigante.

- Venha minha pequena... Talvez eu possa amenizar essa sua existência...

Pronunciou rapaz enquanto a abraçava com força...
Em primeira instância a menina tentou esquivar-se, mas logo em seguida cedeu, e pôs-se a suspirar nos braços daquele desconhecido que a compreendera tão bem. Ela se sentia segura em braços estranhos e não sabia por quê.

- Desejas mesmo deixar essa existência e seus espinhos para trás ?
- .... sim..


Murmurou a menina em um tom baixo, quase inaudível, sem saber o que a esperava...

O rapaz abraçou-a ainda mais forte desta vez, e beijando-lhe o rosto fez com que a menina cedesse por completo a sua vontade, e já acalentada e esquecida de suas lágrimas ela se dava àquele estranho que parecia protegê-la do que ela sempre temeu.. A si mesma...
Com uma suavidade sobrenatural, o rapaz passou suas mãos pelas costas da menina, levando-as lentamente a seu pescoço. Com delicadeza afastou-lhe os cabelos despenteados e beijou-lhe calmamente..

A menina não sabia o que se passava, misteriosamente ela havia entrado em um transe de sentimentos, e parecia não ser mais ela.. e isso a acalmava e a fazia permanecer ali, quieta, simplesmente a sentir tudo aquilo, desnorteada com tanto prazer.. de onde ele viria ? apenas um abraço ? ela não compreendera... Até que sentiu uma pequena dor em seu pescoço, e lentamente percebeu toda aquela beleza se esvair, viu as cores tornarem-se preto e branco, percebeu seus lhos fecharem suavemente, suas energias a deixarem para que ela caísse em uma escuridão amistosa... Plena, o sentimento de plenitude era constante e ela se deixava envolver por ele. Sentia seu corpo leve, leve e suave como jamais o havia sentido.. era um sono restabelecedor, mas um sono pesado, do qual ela parecia não poder sair.. suas pálpebras pareciam pesa quilos, e ela nada fazia para tentar movê-las.

Quando a menina parecia conformada com a escuridão acalentadora um cheiro surgiu, e um leve gosto surgiu-lhe a boca, um sabor quente, delicioso, que a fez se entregar no primeiro gole.. descia e queimava, restabelecendo um calor que parecia estar perdido, transformado em um frio agradável. E agora o calor voltava com força, parecia queimá-la por dentro em um sentimento bom.. foi então que suas pálpebras pareceram penas e abriram-se em um só rompante. A menina ofegava e tentava pronunciar palavras que não saíam. E só se acalmou ao ver o rapaz, Reiki, A sua frente, com seu pulso cortado, a lhe sorrir carinhosamente.

- Acalme-se minha pequena... Logo esse sentimento de cansaço passará, mas para isso necessitas alimentar-se..

Sabendo que ela estava bastante debilitada, o rapaz tirou de seu casaco um pequeno vidro, e deu nas mãos da menina, ainda assustada, e pediu que bebesse. Assim ela o fez. Aquele líquido vermelho e espesso era tão bom.. ela poderia passar horas a saboreá-lo, a fazia sentir-se de uma forma como nunca antes...

- Agora você precisa tomar conhecimento de seu novo nascimento....

Judy Acordou na porta do apartamento indicado.. Mesmo meia zona pode ver em números dourados o "104" escrito na parte superior da porta. Judy percebe-se sobre seus joelhos, provavelmente deveria ter tombado quando suas pernas cambalearam.. Ainda atordoada com tudo que vira em uma espécie de sonho, levantou-se e de pé, fitou por um bom tempo os números dourados. Ela deu um suspiro, e virou-se, pronta para deixar o recinto que ela tanto batalhou para chegar. Ela não queria.. talvez não necessitasse, mas a verdade é que ela percebera que não estava pronta para conhecer a si própria ainda. Mal ou bem, ela agora conhecia seu abraço, e isso já a deixara um passo mais próximo de seu passado mortal.. mas ainda não pronta para encará-lo.