Realidade

O vento era suave, como uma brisa que estava lá só para captar todas as emoções por ela presenciadas. Com ela, arrastavam-se plantas que pareciam levar o passado consigo; mas este apenas passa, nunca se esquece, nunca se muda. O que aconteceu não tem volta... A saída mais fácil? O esquecimento... Mas quem disse que esquecer é fácil? Ou que é possível? Talvez seja para o mundo, mas nunca para o mundo dela. Os pingos de chuva, por vezes, misturavam-se com as lágrimas que corriam sem barreiras pelo rosto de uma pequena figura que se encontrava aos pés de um monumento, onde se era possível ler, em grandes letras talhadas, as frases: "Em homenagem a Harry Potter. Aquele que, com coragem e determinação, salvou seu próximo. Fato que, infelizmente, custou-lhe o direito de viver. Seu ato foi, é e sempre será uma lição de vida!"

Não teria sido possível identificar quem era a pessoa que ali se encontrava, se não fosse por um pequeno detalhe: Os longos cabelos cor-de- fogo que se debatiam contra o ar lhe denunciavam. Não havia como negar; a alma, que naquele momento sofria tanto, pertencia a Gina Weasley, que se encontrava em estado de desespero, de angústia profunda.

O que mais lhe doía era não poder chorar suas mágoas em frente ao túmulo do homem que amava. Machucava-lhe saber que Harry não tivera o merecido enterro. Ela murmurava palavras em uma velocidade indescritível, como se corresse contra o tempo.

"Por quê? Por que, hein, Harry? Tinha que ser você "O salvador"? Não podia ter ficado aqui, comigo, quieto, me acolhendo nos seus braços? Apenas eu, não o mundo inteiro! Você me prometeu que voltaria, e eu acreditei... procurei você, na sua casa, no seu escritório, no seu cantinho, no nosso esconderijo, nos meus sonhos, mas eu falhei, não te achei. Só sobrou a lembrança, mas esta teima em apenas me entristecer mais. Onde te achar? Nos livros? Não, não. Lá encontro apenas Harry Potter, esse eu não quero! Quero você, Harry! O Harry que me cativava com um simples olhar, com um sorriso! O Harry que um dia - o mais feliz da minha vida - se aproximou e me sussurrou "Gin... Eu te amo...". O Harry que me prometeu voltar. Não o Harry Potter que resolveu carregar o peso do mundo nas costas e ser o herói da história! O mundo te admira pelo seu ato de bravura. Eu não preciso disso para te admirar. Você conquistou minha admiração com seu jeito meigo, com o seu carinho, com o seu caráter.

Cadê o Harry que eu amo? Ninguém me avisou que iria ser assim, ninguém me pediu! Arrancaram você de mim e te proibiram de viver. Com que direito? Eu te disse para não ir lá! Eu sabia que... Por quê? Por que fui me convencer? Bastou você dizer: "Gin, eu prometo que vou voltar! Confie em mim." e eu já não podia te segurar mais. Você sempre foi persistente. Eu sabia que não conseguiria te impedir. Em você eu sempre confiei, mas não neles!

O que mais me machuca é saber que essa história não vai ter um final feliz; é saber que você não vai voltar como em um conto de fadas. Eu não espero encontrar seu corpo vivo no meio de uma floresta, nem que o meu amor por você possa te ressuscitar, nem que Voldemort, esteja a alma dele onde estiver, se arrependa e com isso te traga de volta. Não estou te esperando em um cavalo branco e que você me salve de tudo isso, dessa dor, dessa agonia. É triste ver o que a vida me reservou... Mas parece que o mundo ainda não sabe como encarar isso; que Harry Potter é realidade e não um mito! Você se foi, e não será uma palavra que irá te trazer de volta, nem uma poção, nem nada! Milagres? Acreditava que existiam até você me deixar, até ver que a vida não é feita de ilusões.

Estou vivendo uma incoerência, a qual não posso mais suportar... Qual incoerência? A de sorrir sem querer rir, a de viver sem querer continuar, a de alimentar falsas esperanças quando sei que tudo acabou. A incoerência de achar que a guerra chegou ao fim quando ela apenas começou, só que agora ela está dentro de mim e você não mais poderá ser o herói. Harry... Eu não posso mais viver assim! Harry, por favor, ajude-me!"

O último pedido não passou de um sussurro, que saiu da boca de Gina com pesar. Foi um pedido tímido, afinal, ela se achava tola por pedir ajuda a quem já não se está mais presente. Ela sabia que a única que poderia lhe ajudar era ela própria e mais ninguém. Sabia que não chegaria a lugar nenhum assim, vivendo sem viver, realmente. E estava cansada, esgotada, de se sentir arrastada pelos dias, de deixar-se vencer pela vida. Queria, nos seus últimos dias, olhar para trás sem culpa, sem arrependimento. Queria olhar para trás e encarar o passado, lembrar-se de Harry como um passado feliz e não como um presente sofrido. Ela só não sabia se seria capaz de lutar para tanto...

"Harry, não estou aqui para lhe dizer que serei mãe solteira - que terei um filho seu - e nem para lhe dizer que me juntarei a você. Não farei sua morte ter sido em vão; se você morreu por mim, então viverei por você... Só que não tenho tanta coragem quanto você! Não sei se poderei viver intensamente por você do mesmo modo que você morreu convicto por mim. Mas..., Harry, por quê? Por que esse obstáculo, esse teste? Como encarar a morte? Como encarar a verdade?"

O rosto de Gina se encontrava depressivo, e as lágrimas teimavam em cair. Parecia que chorava tudo o que não havia chorado em todos os anos de luta contra o mal, em todos os anos de medo e apreensão. Sua cabeça era bombardeada com pensamentos, com sentimentos novos, os quais ela nunca pensou existir de forma tão forte e tão dolorosa. Saudade, medo, pânico, solidão, raiva... O sentimento de raiva que a atingira era, para ela, desconhecido até o momento, e isso a assustava, mas era inevitável. Todos achavam que o final seria feliz. Para eles realmente foi! Mas e para ela? E para todos que amavam "a pessoa" Harry? As pessoas na rua a paravam para lhe e dizer: "Você deve estar orgulhosa de ter amado o homem que salvou o mundo e que deu a vida para isso". Acontece que ela não estava orgulhosa! Ela nunca pedira para Harry ser nada mais do que apenas ele! E, infelizmente, ele o fora. Ela sempre soube que ao se apaixonar pelo herói Harry Potter ela estaria aceitando o risco de dividi-lo com o resto do mundo, fazia parte dele... apenas, era difícil de aceitar.

Seguida desses pensamentos e murmúrios, a chuva, que antes caía sem piedade, foi parando. A brisa foi ficando mais sensível, e no horizonte era possível ver os primeiros raios de sol que lhe sorriam. Ela estava segura, só que ainda não o aceitara. Harry sempre estaria com ela; dentro dela; rodeando-a por todos os lados. Talvez não o homem em si, mas sim a lembrança, a segurança, a tranqüilidade, a paz, o amor; toda a experiência vivida. E com a persistência que Harry lhe transmitira, com a coragem que ele lhe passara e com o amor que ele lhe ensinara, ela tentaria fazer jus a sua própria vida, que tanto lhe custara.

Uma onda de calmaria pareceu passar por entre suas agonias. Harry se fora, porém ela continuava lá. Ela era jovem, e sabia que com certeza Harry jamais gostaria de vê-la assim. Ela ainda podia construir uma história, tendo como base todos os bons momentos que um dia tivera com Harry.

Ela tinha como e tinha chances. Podia lutar ou se render; era sua escolha. Ela sabia... Era simplesmente a realidade; não havia como negá-la.

"Obrigada, Harry..."

Espero que tenham gostado... :D