CAP II – VERDADE
"Quem ama nunca morre, porque se doa aos outros e vive para sempre dentro dele."
David Maria Turoldo
"O que sonhas enquanto acordado, guarda o desejo de libertar-te de tudo o que te ata: a rotina, o fastio, a solenidade. O que não compreendeste é que já és livre, como sempre tens sido."
Richard Bach
Pode a vida predizer a morte? Era o que pensava...no fim das contas eu não conseguia me centrar. Algo completamente intrigante...estranho...e deveras sutil era o que acometia meu espírito. A voz que sempre me guiou nesses momentos parecia ter se perdido nas brumas da manhã de cheiros na terra indiana...não sabia dizer qual o sentimento que existia em mim depois de tantos anos longe daquele lugar...e em meio a esses devaneios todos, meus passos me levavam a apenas um local...local esse que nem referi em minha mente depois do ocorrido...
Buda...se Buda era vida, então não era nosso direito tira-la , ele me disse antes de morrer...e eu não pude ser o antecessor profetizado...não pude ou não quis? Eles esperavam agora o próximo Buda...e o pensamento que me veio, como uma grande visão, foi de que eu ainda era o antecessor! Mas...não como antes...não...algo havia mudado...ou estava para mudar.
Meus pés descalços em frente ao templo...olhei ao redor...monges e incomum silêncio. As minhas costas pude senti-lo se aproximar. Este era o único homem a quem eu temia...O único que com uma palavra podia me exterminar...Exterminar minha alma.
- Achei que não viria, Shaka.
Ananda e sua voz serena e tranqüila...tão sem sentimento que chegava a amedrontar...e ao mesmo tempo que sempre soube ser ele um antigo e respeitável monge...seus olhos viviam a me mostrar que escondia suas verdadeiras intenções. Depois que mestre Upali passou ao nirvana através da morte, ele era aquele que cuidava do isso me inclinei respeitosamente, entendendo que ele provavelmente profetizara minha visita...
- Mestre Ananda...
Tento iniciar uma justificativa para o qual me dirigira até lá, mas esqueço-me que agora...ali...eu era apenas um ser humano...
- Não temas, não há motivos de punição para Buda...você apenas escolheu outro caminho, Shaka.
Fiquei em silêncio...apenas outro caminho, qual seria este tereno ao qual eu trilhara pensando estar certo durante tantos anos? Ananda começou a caminhar e eu, quase por instinto o segui lentamente...que estrada foi essa que eu tomei? Observava o jardim repleto de flores...os monges sentados em meditação...os mantras ressoando no ar...retumbando em meu coração como um chamado...e o que o sonho...o que meu sonho tinha a ver com tudo? A pergunta estava em meus lábios, mas não saía...
- Lembra-se de Jamile?
No momento em que ele falou aquilo...lembranças vieram a minha mente...assenti que sim com a cabeça...a serva que cuidou de mim durante os quase 12 anos que passei no templo...tão amável era perante meus caprichos...
- Como esquecer dela?...
Perguntei em baixo tom, sem ao menos perceber que o pensamento saíra em voz alta...os passos ficando mais difíceis, com pedras sob nossos pés...poucas arvores esparsas naquele campo estranhamente vazio e triste...mestre Ananda então, aparentemente também pensou alto ao dizer:
- Todos somos Buda, Shaka...
Mas ele falava isso com consciencia...e meu sangue gelou àquelas palavras:
- Tudo é Buda...porque tudo é Vida.
Tudo estava confuso demais...minha mente não conseguia trabalhar com clareza...porque falara de Jamile e tão logo falava de Buda? Mexia com minhas lembranças, mexia com meu passado...o pensamento de que algo estava para acontecer cada vez mais fincado em meu espírito...e me parecia que as palavras simplesmente se recusavam a sair de minha boca. Não sei até que ponto Ananda impedia minha fala...ou eu mesmo me controlava com medo de profanar local tão sagrado...
- Você jamais irá deixar de ser Buda...a menos que se afaste dele.
Morte...era isso o que ele dizia para mim...assim como mestre Upali um dia...no seu último dia nesta Terra...minha condenação por ser um cavaleiro...em minha juventude eu pensara que era o caminho certo...Buda me guiaria nas guerras, mas Buda não era lutar. Buda me ajudaria a derrotar os inimigos, mas Buda não era morte.
- Mas, Shaka...nunca é tarde para voltar a Buda...
Chegávamos perto de uma grande rocha em meio a um campo florido...e antes de minha surpresa com a frase de Ananda sumir...ele completou:
- E parece-me que Buda o quer de volta...
Eu me sentia como a criança que chegara aquele templo tantos anos antes...e mesmo assim tão diferente...era a sede de saber coisas novas...e o eterno desejo de todos a eterna vontade de se alojar na vida...de se tranqüilizar em Buda...parecia-me que todas aquelas palavras levavam aquele fatídico fim...o meu retorno a casa...tão acostumado eu estava em pensar em mim mesmo...que não percebi que a pedra a nossa frente era um túmulo, que me esqueci do motivo de estar ali: do sonho...da premonição...de...
- Aqui se encontra Jamile...
Então, como num lapso de luz, minha mente começou a me guiar freneticamente ao único fim provável daquela caminhada:
- Nascimento, velhice, doença e morte.
- Os quatro sofrimentos da vida.
Respondi de pronto, como numa chamada oral...automaticamente. E minha mente fervilhava...não podia ser...
- Essa mulher passou pelos quatro...e nunca os sentiu na verdade...teria ido para o nirva como Sakyamuni, se não fosse a presença distante de seu filho a consumir suas forças...
Meus lábios se abriram numa negação muda...
- E mesmo assim, não fosse o filho perto e longe ao mesmo tempo, ela jamais teria alcançado tão plena felicidade...vida...Buda.
Claro...ao pensar em toda a conversa...a resposta era simples...todos os caminhos são plenos de sofrimentos, alguns deles nos levam para o caos...outros para a vida...para Buda. A trilha que eu traçava até agora era incerta...chegava a hora de uma escolha...o sonho me mostrava isso...a profecia me trouxera até ali...uma bifurcação. A estrada que eu devia seguir ia ser escolhida a partir da próxima afirmação de Ananda...mas a decisão era minha...e, como no sonho, antes mesmo de fechar meu coração para Buda, eu chorei...porque já sabia o que ele iria falar:
- Essa mulher, Shaka...Jamile...era sua mãe.
CONTINUA...
N/A: Galera...desculpem a demora em colocar esse cap!!! Estou numa fase bastante complicada, no último semestre de faculdade e com um estágio que tira o pouco tempo que me sobra...pra escrever uma fic como essa preciso de tempo pra pensar e refletir cada palavra...é complexa e gostosa ao mesmo tempo...pensamentos que vem de forma linear e confusa de mesmo modo...difícil sentar e organizar tudo...o cap III já esta em andamento, espero poder escreve-lo no próximo fds...mas naum posso garantir nada!!! Espero que estejam gostando!!!
Obrigada pelos reviews!!! O apoio de vcs é o que mais importa!!!
Sobre os nomes:
Jamile – pessoa de pensamentos rápidos, que pensa mais nos outros do que em si própria.
Ananda e Utali – Os dois discípulos mais próximos de Sakyamuni
Sobre Sakyamuni: ou Siddharta Gautama, renunciou à vida secular para buscar respostas sobre as questões fundamentais da existência humana (os 4 sofrimentos: nascimento, velhice, doença e morte). Dedicou-se a meditação até que finalmente chegou a iluminação, tornando-se Buda.
(bem resumidinho, budistas se quiserem se colocar no assunto eu agradeço!!!)
