Saulo Dourado
PARTE 2
Fernando pegou a cadeira do mestre e a levou até embaixo da "caixa" branca enorme que atravessava do começo da sala longo até o seu fim. Era bem feita, capaz de um homem agachado caminhar lá dentro. Colocou o pé direito em cima do assento confortável ao mesmo tempo em que ouviu-se uma pancada ainda mais forte, provocando uma rachadura na madeira. Colocou o outro pé para ficar em erguido. E ficou.
Marta tinha o corpo todo arrepiado e aquela sensação de haver uma lã de aço dentro do seu corpo. Não tremia, pois Marcos a abraçava. Por que o professor não os mandava logo sair dali? É óbvio, menina! Pode ser uma coisa explicável que não machuca ninguém. Atrasaria a aula por uma besteira? Ainda havia muitas apresentações, não há tempo para adiamentos.
Fernando encostou o rosto naquelas coisas metálicas que lembravam uma janela persiana ou um ar-condicionado mesmo, mas um residencial.
Olhou.
O coração batendo no peito.
Leonardo não era acostumado a enfrentar tensões. Sentia-se realmente nervoso por estar naquela situação. Por que Fernando não acabava logo com aquilo? Parecia fazer aquele suspense propositalmente. Queria dar apenas um belo susto na turma só porque havia alguns objetos pesados que se soltaram lá dentro. Para funcionar aquilo tudo, deveria ter muita coisa, não é mesmo?
- Não vejo nada, professor. - disse Fernando - Vou tentar com uma régua de uns trinta centímetros. OK?
- Quem tem uma régua para emprestar a ele? - perguntou Gilberto.
- Eu! - Luciana tentou exclamar, mas apenas balbuciou. A fala dela não era importante naquele momento e sim que ela entregasse a droga da régua dela.
Luciana viu um pequeno flash ao olhar para a mochila fechada. Quando subiu num lugar montanhoso perto da casa da amiga da mãe, sentiu medo. Nada aconteceu, tudo foi maravilhoso, mas sentiu o temor em si. Nada de um pé quebrado num pisar errado, nada de ataque de aves para dilacerar-lhe o rosto, nada de simplesmente cair e ter a coluna dividida ao meio...o medo nem sempre acerta suas premonições.
A garota abriu a mochila e a vasculhou. Estava dentro do classificador. "Pega logo! Vai! Vai!", uma voz gritava dentro de sua cabeça apesar de, na sala, só haver o som das batidas na madeira, como se perguntassem: Ei, tem alguém aí fora?
A turma estagnava-se e se limitava a olhar Luciana pegar o classificador. O professor não conseguiu pensar em palavras de conforto para a classe, simplesmente lambeu os lábios e virou o rosto para a porta. Queria sair agora. Não, não, não! Espere...espere...pode não ser nada, você tem que manter os adolescentes calmos...só sua presença, só sua presença, meu caro. Adolescente pode querer a liberdade, mas não há adolescente sem um adulto por perto...Marta parecia ter recebido os ecos do pensamento de Gilberto em sua cabeça. A saída seria o único alívio em meio a seu coração frenético.
Leonardo olhou para a ex-namorada nervosa. Viu-se novamente em seus beijos calorosos, viu-se colocando a língua em sua boca. Sentiu uma ereção, pois mais uma vez imaginou como deveria ser o formato de sua vagina. O filme erótico com os dois como protagonistas em sua cabeça lhe veio à tona. Imaginava os dois tomando banho...ele a ensaboando e vice-versa. Leonardo abocanharia o seu seio com carinho e ao mesmo tempo ela lhe agarraria pelo pênis erguido... "É um ato de amor, Leo, é um ato de amor..."
- Aqui, Fernando. Serve um de trinta centímetros? - falou Luciana.
- Sim, sim! Passa logo! - disse ele.
Nova batida.
Lara pegou a régua e entregou ao garoto que estava em pé na cadeira e olhando pelas frestas, tentando descobrir alguma coisa assim enquanto o professor ficava ao lado da porta, segurando a maçaneta de madeira.
Fernando colocou dez centímetros..caiu.
- Marcos, pegue isso pra mim. Rápido! - gritou o garoto.
- Não quer que eu faça isso, cara?
- Não! Passa logo!
Todos estavam fazendo uma roda com Fernando no centro. Este recuperou o objeto e, dessa vez, introduziu-o todo dentro daquela escuridão.
As batidas cessaram por dez segundos.
- E aí, Gilberto? - perguntou Samuel - O que a gente faz?
O professor respondeu laconicamente:
- Tentem mais uma vez a régua.
Diogo e Eduardo seguravam as pernas de Fernando, agora. Gabriel e Arthur estavam sentados, quietos, sérios, não o que todos costumavam ver. Mariana coçava a cabeça. Alguns já começavam a achar que viver aquela tensão era desnecessária. Poderiam sair dali enquanto o caso não era solucionado...o professor não queria causar pânico, ele simplesmente queria que todos ouvissem quando aquilo terminasse e pudesse dizer: "Aprendem a nunca temer, só tenham medo do próprio medo. Tudo tem uma solução." Algumas frases feitas.
Fabrício pediu ao professor para ir ao banheiro, mas Gilberto não aceitou. Limitou-se a dizer que era para o garoto acompanhar os seus colegas.
Estava tudo em silêncio.
- O que você acha que é? - sussurrou Marta no ouvido de Marcos.
Ele respondeu no mesmo tom:
- Sabe os micos que vivem nas árvores daí fora? Acho que um deles entrou no ar-condicionado e está fazendo esse barulho todo.
- Você acha que um bicho desse...?
- Sim. A força é suficiente...eu acho.
Mariana gritou:
- Não acham que o animal já foi embora? Acabou o barulho! Vamos avisar logo à direção que tem um bicho andando pelo ar-condicionado!
- Pra tirarem logo! - exclamou Gabriel.
Fernando colocou a régua inteira novamente dentro de uma fresta.
- Assim vai espantar o animal! - falou Samuel - É melhor deixar ele quieto, para que seja mais fácil de capturar.
Gilberto coçou a testa e concordou:
- É, pode ser...
A madeira em cima da cabeça do homem se quebrou formando um buraco muito mais equivalente à destruição do que uma construção planejada. Lascas de madeira caíram no chão.
Alguns gritos de susto foram ouvidos.
Vários fios grandes desceram rapidamente do buraco que parecia negro e envolveram a traquéia de Gilberto numa velocidade incrível. O homem foi puxado para que ficasse apenas um palmo do chão. O professor começou a se debater, os olhos esbugalhando-se...a medida que o tempo passava o seu rosto ficava vermelho. Os dedos se estiravam e contraíam numa luta desesperada enquanto gritos de horror partiam de várias gargantas. A boca dele se contorcia e o fio era apertado com mais força. Sangue começou a escorrer da boca de Gilberto enquanto seu rosto ficava numa expressão horrenda. No momento em que o professor abriu a boca com os dentes sujos de vermelho, ele foi puxado totalmente para dentro da "caixa" branca. Para dentro da nova toca de qualquer coisa que seja.
Fernando tentou pular em desespero, mas antes disso a parte das frestras se abriu e dois braços de forma e cor estranha o puxaram para dentro daquele lugar escuro e que todos os alunos viam dia-a-dia, mas nunca realmente observaram. Foi deglutido para dentro das entranhas de algo totalmente estranho, foi deglutido da luz, foi deglutido da vida.
Dora bocejou em frente à tela do computador. Tirou os dedos de cima do mouse e espreguiçou-se com vontade. O sono lhe batia um pouco. Dormir tarde de vez em quando não vale a pena, mas daquela vez sim. Sempre se sentira com vontade de dormir depois de uma noite de agitação. A festa na casa da amiga só não foi melhor pelo fato de o marido dela ter feito um barraco, pois tinha acabado a cerveja sendo que ele tinha insistido na idéia desde cedo. Ele deveria ter comprado mais, é certo, mas não precisava desligar o som que tocava um forró para lhe dar uma bronca. Dora não bebeu muito sabendo que tinha que digitar os resultados de vários boletins naquela manhã, não queria reprovar ou aprovar ninguém por pura bebedeira. Ela não se interessava pela bebida mesmo, só tomava uma socialmente.
Ela olhou para os lados e se viu aprisionada naquela sala pequena com uma mesa lotada de papel. Observou o próprio crachá e viu escrito: "Auxiliar de disciplina" Suspirou. Em breve não mais seria. A faculdade de pedagogia era para ela subir na profissão. Logo chegaria a oportunidade.
Lembrou-se que tinha que levar uns avisos sobre as provas de segunda chamada para a classe ao lado, a oitava série D. Daqui a pouco ela iria, queria pelo menos completar a primeira turma.
- ", meu Deus! ", MEU DEUS! - gritou Mariana ao ver o corpo do professor de português subir para aquele buraco negro.
Paralisados, ouviram um barulho de algo mordendo com vontade, estraçalhando carne como um cachorro tentando cortar o bife. Nada conseguiam fazer por enquanto. Era como se o cérebro parasse de trabalhar por um instante.
O peito esquerdo com um pouco de pêlos grisalhos de Gilberto totalmente separado do corpo voou de dentro da "caixa" branca. Quem viu o pedaço de um cadáver sair dali de dentro pôde vir as pontas de algumas costelas quebradas e a vermelhidão da carne com um pedaço de tecido enfiado do tecido.
O peito deitou-se em cima do tablado.
Luciana vomitou como se quisesse tirar todos os demônios de suas tripas.
- Oh, MEU DEEEEEUS! - bradou Mariana novamente. As lágrimas caíam de seus olhos com o enorme fervor enquanto sua garganta queimava.
Lara desmaiou sobre a carteira, nada sentiu, apesar de ter-se chocado com os braços abertos e sem apoio nenhum. Não tinha forças para agüentar aquilo, preferia morrer a ter que ver aquilo. Infelizmente, era tudo que seu cérebro podia proporcionar naquele momento: uma breve inconsciência. Quando acordasse, lembraria que uma parte de seu professor esquartejado estava logo em sua frente como se fosse um simples objeto ali jogado.
Arthur começou a correr em disparada na direção da porta. Nunca tivera aquela velocidade desde a vez em que se deparou com uma cobra. Ela o encarou. Tudo pareceu congelar...as histórias de morte por veneno pareceram lhe avassalar no momento. Aqueles dentes afiadas cravando no pulso...seus pés moviam-se, pela primeira vez, com uma velocidade incrível. Correu tanto que a cobra não o alcançou. Isso lhe pareceu fantástico, por isso, sempre conta essa história para todos. Na sala, naquele instante de horror, fez o mesmo. Correu! Abriria a porta e estaria livre de tudo...estaria livre da cobra...
Gabriel levantou-se para ver a aventura do amigo e observar que alguma coisa muito veloz, quase como um vulto fez o movimento de um pêndulo de dentro do buraco até o rosto de Arthur.
- Não! Saia daí! - gritou o garoto.
Arthur foi arremessado de uma forma desengonçada para cima, balançando as pernas e os braços de forma cômica ao mesmo tempo, nem encostando na "caixa" branca antes de desabar no chão. A sua face estava sangrando terrivelmente...cinco furos brutos...de garras que lhe perfuraram, a pele do pescoço rachada, estando decapitado em se tratando de pele. Os olhos virados para cima enquanto o seu sangue servia simplesmente para lhe sujar e fazer o mesmo com o chão. A mão direita em um formato estranho, como se sofresse de um problema neurológico e estava se contorcendo. Com os olhos inutilizados, ele não podia ver o que lhe observava lá de sim. A coisa que queria puxa-lo, mas não poderia. O algo olhava para ele, mas Arthur não podia mais ver.
Samuel começou a gritar:
- Galera, acalme-se! Ficar nervoso não vai adiantar nada!
A agitação de todos ainda continuava, menos Marta que se manifestou em apoio:
- Samuel está certo! Vamos nos acalmar! Temos que ver as possibilidades.
Marcos segurou a mão da atual namorada e pediu silêncio com um som estranho.
Um pequeno grupo tentava colocar Lara para acordar novamente e, ao mesmo tempo, não havia um controle entre eles mesmos. A vontade de ajudar talvez fosse alguma forma de a coisa pudesse deixa-los em paz. Não sabiam o que pensar, não sabiam o que agir.
- Prestem atenção! - exclamou Samuel.
Sem êxito.
Na sala ao lado, Dora encostou de um jeito mais confortável na cadeira e cochilou. Os coordenadores estavam em reunião, só ela no andar...maravilha! Acabar logo com o soninho, antes que ele acabasse com ela.
Samuel subiu na cadeira com os pés ainda sujos da quadra de esportes em que conseguiu fazer pela primeira vez uma cesta de três pontos antes dos trinta segundos de jogo. Participaria de seu primeiro campeonato estadual na próxima semana contra a seleção de basquete do colégio em que o garoto cravou o lápis na colega. Nada de gracinhas em relação, pois isso ocorrera há um tempo, e o colégio já tinha enfrentado muitos problemas.
Diogo subiu numa cadeira e pediu todo a atenção para Samuel.
- Eu tenho algo a dizer. - falou o jogador de basquete.
- Que nós estamos fritos? Isso a gente sabe! Temos que correr mais rápido que Arthur - proferiu Eduardo.
Samuel começou:
- Não podemos sair daqui! Pelo menos por essa porta...a coisa pega qualquer um que passar por ali, mesmo com toda a velocidade.
- Se gritarmos por ajuda? - perguntou Fabrício.
- Não adianta. - respondeu Marta. - Aí levaremos quem vier socorrer a gente à morte. Ela vai passar despercebida por baixo do buraco e ser morta...
- E se a gente ficar aqui? - falou Luciana - Ele não pode sair do ar-condicionado e nos matar?
- Acho pouco provável - disse Marcos. - Eu observei que Ele tem medo daqui do exterior seja lá por qual motivo. O sol...ou simplesmente medo.
- Estamos lidando com o quê? - indagou Mariana.
- Eu não sei, eu não sei... - balbuciou Marta.
Gabriel passou a mão na cabeça e perguntou:
- Estamos presos? É isso mesmo?
- Sim. O nosso salvamento é esperar.
- Exato. - disse Diogo.
Lara abriu os olhos penosamente. Abriu de forma parecida daquela vez que foi internada no hospital por infecção no intestino. Deixou que suas pupilas pudessem mexer e receber a luz. A mão dela quis erguer-se mais logo voltou a se bater no chão. A garota massageou a própria cabeça enquanto tentava se levantar.
- Alguém pode ajuda-la, por favor? - disse Diogo. - Eu não posso! Estou aqui em cima da cadeira!
Leonardo a suspendeu com delicadeza enquanto ela ainda fazia uma careta de dor, segurando as costas. Seu cabelo caiu em sua boca. Lara olhou para a frente e fechou os olhos com força.
Começou a gritar:
- Tirem essa coisa daí! Tirem! Por favor!
Só nesse momento que Marta foi olhar novamente para aquele pedaço do seu professor. Novamente sentiu uma ânsia de vomitar. Todos se voltaram para aquele tanto de carne esquecido.
- Tirem! Por favor! - voltou a gritar Lara.
A maioria se entreolhou. A pergunta no olhar era: quem iria chutar aquilo para debaixo da mesa do professor .
Quem?
- Quem se candidata? - perguntou Mariana, mais controlada.
- Por que apenas os homens têm que ter esse papel? - indagou Samuel, com a mão no estômago ao olhar o peito de Gilberto de soslaio.
- Essa questão não tem jeito! - falou Leonardo ainda com o braço direito envolvido na cintura de Larissa - Será um de nós homens. Fabrício?
- Eu não! Eu não! - exclamou ele.
- Eduardo?
- Sei disso não...
Samuel encarou o colega que indagava sobre quem iria e perguntou:
-
E por que você não vai, Leonardo?
- Eu estou segurando a
menina...
- Não venha com essa! Você está tão sem vontade como todos nós!
- Talvez...
- Ah! O que vamos fazer? Eu também não agüento esperar sair desse inferno vendo aquilo ali!
Marta fechou os olhos. Sem querer, acabou se conscentrando nos sons que ouvia. Sentia alguma coisa alguém se mastiga um bom churrasco...mas aquela carne estava crua e Marta sabia disso. Tinha certeza que a coisa que estava no ar-condicionado mordia cada parte do corpo de Fernando e engolia. Percebeu que ele, depois de matar, começara a devorar o se fosse um pedófilo canibal. Um comedor de criancinhas.
Mastigava...dilacerava...
Marcos colocou uma das mão em cima do ombro da nova namorada. Fez um movimento carinhoso com os dedos que, numa situação normal, seria retribuído com um sorriso e um simples beijo nos lábios. Qualquer coisas de um namoro juvenil com sentimentos mais verdadeiros e era isso que o garoto sentia naquele momento. Dane-se se ele tivesse descoberto naquele dia que gostava mesmo dela, dane-se! O amor não é uma casa, não se constrói com tijolos e cimento para se formar. Nós não somos pedreiros do amor e sim mágicos extraordinários.
Diogo dobrou os joelhos de um modo que ficou agachado em cima da cadeira, mas logo voltou a sua posição anterior e falou olhando para todos, inclusive para aqueles que não estavam se expressando muito, apenas calados com o temor dentro do peito:
- Como resolvemos isso?
Todos pensaram um pouco.
Agora, mesmo que alguns não demonstrassem, podiam ouvir o som de alguém se alimentado de alguma coisa dentro do ar-condicionado.
- E aí? - indagou Leonardo.
- Eu tenho uma idéia! - manifestou-se Luciana - Mas acho melhor só os meninos participarem...eu tenho canetas de todas as cores no meu estojo...que tal se cada garoto pegar uma e eu fico lá no canto com os olhos fechados. Eu falo a cor e o menino que estiver com ela vai lá retirar o pedaço de carne.
Samuel disse:
- Eu aprovo! E vocês?
Os garotos concordaram com a cabeça, mesmo descontentes.
Luciana pegou o seu estojo laranja de dentro da mochila com mais facilidade que pegara a régua nos primeiros instantes. Agora tinha três mortos. Um motivo para ela ficar mais desesperada, porém simplesmente ficou mais calma. Talvez porque o mistério se tornara agora terror físico, e contra a matéria temos alguma chance.
Ela levou o estojo até o centro dos garotos, Lara abordou com mais uma careta de repugnância:
- E Arthur? O que vamos fazer com ele?
- Encobri-lo. Que tal? - falou Marta.
- Com o quê? - indagou Lara.
- Mochilas. - respondeu a mesma que tinha dado a idéia.
- Não, mesmo! Não vou colocar mochila minha em cima de um cadáver! Eu não gosto disso. - protestou Eduardo.
Gabriel não escondia sua expressão lúgubre.
- Que tal jogarmos o corpo dele no buraco do ar-condicionado? - questionou Leonardo.
- Que frieza! - exclamou Lara.
- Não é ser frio...é pensando em quem ainda está vivo. Quem sabe se a coisa se saciar, ela não sai. A gente pode sair assim.
- Olhando por esse lado é verdade. - comentou Marcos.
- É como no caso daquela queda de um avião em que as pessoas ficaram sem salvação e tiveram que comer os companheiros que morriam. - continuou o garoto que já tinha namorado Luciana - A gente ainda está vivo!
- Então você faz isso? Correndo o risco da coisa te pegar?
Ele ficou em silêncio.
- Isso é. - disse Mariana - Então não vamos poder fazer nada com o corpo de Arthur...só não olhar. Aquilo ali no tablado que é impossível. É de revirar o estômago. Por favor, acabem logo com isso.
Eduardo olhou no relógio e gritou:
- Droga! Só daqui trinta minutos a professora de Matemática chega! Ninguém vai vir aqui antes disso...em tanto tempo, podemos estar todos acabados.
- É mesmo! - concordou Fabrício - Quem sabe se a besta não saia da toca dela e venha matar a todos nós? Quem garante?
- Não comente isso. - falou Marta - O pânico só vai trazer mais problemas para a gente.
Luciana entregou o estojo à Leonardo.
- Despeje no chão assim que eu chegar no fundo da sala e não poder ver nada. - ordenou ela,sutilmente.
Fabrício colocou as mãos no rosto.
Luciana caminha rapidamente até chegar o fim da sala, encostar-se no canto e não poder ver mais nada o que ocorria atrás dela. Ela sempre gostou de trapacear nesse sentido quando brincava de esconde-esconde, mantinha os olhos abertos, olhava de esgüela ou prestava atenção na luz dos ladrilhos para ver uma movimentação. Dessa vez ela nem pensou niso, não passou pela cabeça dela...e sim a figura dos pais dela. Será que os veria novamente? Evite pensar nisso, menina! Evite! Foi o que ela fez ao simplesmente falar:
- Pode despejar!
Leonardo abriu o zíper do estojo, arreganhou a "boca" e virou.
As canetas caíram no chão com força. Dizem que isso as faz falhas, mas quem ligava? A dona nem tinha certeza se voltaria a usá-las um dia...ninguém tinha uma certeza do amanhã.
Cada garoto pegou uma caneta de uma cor diferente, menos Diogo que ainda estava lá em cima da carteira e ele falou:
- Gabriel, pegue uma caneta dessas que sobrou pra mim.
O garoto meio trêmulo obedeceu. Chegou junto dos objetos de várias cores, voltou a cabeça em direção aos olhos de Diogo e indagou:
- A amarela, a roxa ou a azul?
- Idiota! - exclamou Leonardo - Pra quê você foi dizer em voz alta?
- Que mole, Gabriel! Volta! Volta! - vociferou Samuel.
Lara só segurava seu compasso e rezava baixinho enquanto tudo acontecia e Eduardo lhe alisava o cabelo com uma caneta vermelha na outra mão. Mas logo a colocaria novamente no estojo para começar tudo de novo.
Gabriel começou a chorar e falou:
- Desculpe! Foi mal! Não precisam ter mais trabalho! - e nisso ele começou a correr em direção ao peito de Gilberto que já estava com sangue coagulado - Eu mesmo cuido disso.
Uhh!
Estou preparado para qualquer tipo de comentário, podem meter chumbo ou mandar-me uma rosa.
Grato,
Saulo Dourado
