Jean estava em uma missão. Ela procurou em todos os quartos do Instituto, um por um, até encontrar quem ela estava procurando no corredor do andar de cima.
— Ei — ela cumprimentou Scott com um sorriso largo. — Tava te procurando.
— E me encontrou — ele respondeu, sorrindo de volta. — O que foi?
— Está nevando — ela respondeu simplesmente, sorrindo e pegando-o pela mão.
Havia algo de mágico em caminhar por um mundo recentemente coberto de branco. A neve parecia absorver o som, resultando numa quietude etérea. Eles andavam em silêncio, salvo pelo barulho das suas botas na neve. O braço de Jean estava laçado com o de Scott e ela estava levemente encostada nele, tanto por causa do calor como pelo simples prazer de ele ser seu melhor amigo.
— Eu sinto falta disso — ela disse baixinho, pra não quebrar o encanto.
— Falta de quê? — ele perguntou no mesmo tom.
— Disso — ela repetiu, apertando o braço dele para mostrar o que ela queria dizer. — Eu sinto falta de nós.
Scott sorriu para ela e se soltou seu braço do dela, levando-o para o ombro da amiga.
— Eu também. A minha vida tá ficando cada vez mais louca. Parece que nós nunca mais conseguimos tempo pra ficar juntos.
Eles continuaram andando, o braço de Jean enrolado na cintura de Scott e a cabeça encostada no peito dele.
— Às vezes eu quero tanto que ainda fosse só a gente aqui — ela admitiu. — Não que eu não goste de ter todo o mundo por perto, ele são como uma família, e são maravilhosos. Mas eu tenho saudades do jeito que era simples, sabe? Quando você era só o Scott, meu melhor amigo, e não Ciclope, o líder dos X-Men.
— Eu ainda sou o seu melhor amigo — ele a lembrou apertando de leve o abraço.
— Eu sei, e eu adoro isso — ela disse e sorriu. — Sério, você não tem a menor idéia. Eu não sei o que eu faria sem você.
— Isso não é algo com que você tenha que se preocupar — ela a reconfortou.
— Promete?
— Prometo.
— Não importa o que aconteça? — ela perguntou num tom de voz que imediatamente levantou as suspeitas de Scott.
— Mas é claro — ele disse pensativo. — Mas vai depender se você me perdoar ou não.
A confusão de Jean foi a deixa que ele estava esperando. Ele se virou, vendo a bola de neve Jean tinha criado com telecinésia enquanto os dois conversavam. Ele a tirou do ar com uma mão e passou o outro braço pela cintura dela. Então ele jogou a bola pelas cotas da sua jaqueta, sabendo pelo grito dela que pelo menos uma parte da neve tinha entrado pelas roupas.
— Filho de uma puta! — ela berrou.
Scott estava rindo demais para segura-la enquanto ela tentava freneticamente alcançar a neve que rolava pelas suas costas. Ela tirou a jaqueta e jogou no chão, e então puxou o suéter de dentro do jeans, esperando que a neve saísse enquanto ela pulava para cima e para baixo. Scott finalmente conseguiu se controlar o suficiente para passar o braço por trás dela, passando a rir nos seus cabelos.
— Eu te conheço há muito tempo, Ruiva — ele murmurou com um sorriso. — Os seus truques são lendários, eu vi aquela vindo há quilômetros de distância.
— Ah, você viu, né? — ela desafiou, girando a cabeça para ver o rosto dele.
Ela congelou. Ela e Scott estavam separados por poucos centímetros, tão perto que a respiração quente dele batia no rosto dela enquanto ele lutava para mantê-la presa. Ela tinha estado tão perto assim dele várias vezes, principalmente durante as seções de treinamento, mas isso nunca tinha feito borboletas revirarem seu estômago. Sua quietude deve ter sido notada, porque Scott se afastou o suficiente para apenas olhá-la. Ela não sabia o que ele viu na sua expressão, mas isso o fez corar.
— Jean…
— Deus, eu estou congelando. Vamos pra dentro, tomar um chocolate — ela disse com uma voz muito baixa, se soltando do abraço de Scott para pegar a jaqueta. Ela olhou para ele e percebeu que sua confusão permanecia. Ela a ignorou, segurando-o pela mão e o conduzindo de volta à mansão.
Ela não percebeu o sorriso de compreensão que aos poucos apareceu no sorriso de Scott.
A biblioteca do Instituto Xavier era o cômodo da mansão preferido por Jean, e ela ia para lá sempre que tinha chance. Ela ficava feliz pelo fato de os outros alunos preferirem fazer as tarefas de casa nos quartos, ou na sala comunal no andar de baixo. Isso significava que, durante a maior parte do tempo, Jean tinha a biblioteca só para si.
Foi lá que ela resolveu ficar durante o começo da noite. Ela estava encolhida em uma poltrona bem macia, evolvida pelo calor da grande lareira. O laptop estava aberto na mesinha próxima à poltrona, sua tarefa quase concluía aberta na tela. Ela estava relendo as últimas páginas de Um Vôo Sobre o Ninho do Cuco.
"Essa podia ter sido a minha vida", ela pensou. "Se o Professor não tivesse me salvado, eu podia ter passado resto da vida num asilo". A idéia era terrível.
Ela sentiu Scott se aproximando antes mesmo que ele realmente aparecesse. Jean podia sentir o nervosismo dele como se fossem ondas, mas sentia também sua determinação. Ele também estava divagando, e Jean podia ouvir claramente seus pensamentos: "Você consegue fazer isso. Você consegue fazer isso. Não é tão difícil assim".
Assim que entrou na biblioteca, ele andou decidido até ela e parou bem em sua frente. Ela sorriu e abriu a boca para cumprimentá-lo, mas ele a interrompeu.
— Você quer sair comigo?
Jean olhou para ele em silêncio assombrado, sem acreditar que ele tinha mesmo dito o que ela pensou que ele tinha.
— O quê? — ela perguntou, incapaz de elaborar uma resposta mais eloqüente.
Scott respirou fundo, pra se acalmar.
— Eu queria te levar pra sair. Um encontro. Um encontro de verdade.
Ela estava tão surpresa que tudo o que ela conseguiu fazer foi piscar.
— Sexta à noite. Jantar e cinema — ele sugeriu.
Jean piscou de novo, e abriu a boca só para descobrir que não conseguia falar. Ela fechou a boca de novo, e a abriu no intento de dizer alguma coisa. Mas não saíram palavras. Ela tinha certeza de que parecia ridícula.
Scott não fez nada. Simplesmente continuou de pé bem perto, olhando para ela.
— Tudo bem — Jean podia jurar que era a sua voz que ela tinha ouvido, mas não se lembrava de ter falado. Mas, pelo sorriso que apareceu no rosto de Scott, ela soube que tinha mesmo acabado de aceitar sair com ele.
— "timo — ele disse, o alívio evidente na voz. — Saímos às sete.
— Tudo bem — ela disse de novo, completamente perdida.
Ele estava exultante.
— Certo. Vou deixar você terminar sua tarefa. Boa noite, Jean.
Jean olhou para o vulto que se retirava e, quando ele fechou a porta, finalmente ela conseguiu dizer:
— Boa noite.
Que diabos tinham acabado de acontecer? Ela tinha mesmo aceitado sair com Scott Summers? Ele era o melhor amigo dela — no que ela estava pensando? Por acaso, no que ele estava pensando, chamando-a para sair?
— Não tou entendendo o que acabou de acontecer — Jean murmurou para si mesma, balançando a cabeça em descrédito.
Desde o primeiro dia em que se encontraram, ela tinha o que chamaria de "atração cíclica" por Scott. Ela chegava nas horas mais inconvenientes e então desaparecia. Depois voltava, virava o mundo dela de cabeça para baixo e ia embora de novo. Ela estava tão acostumada depois de seis anos que nem prestava mais atenção. Uma ou duas vezes, ela suspeitou que Scott sentia o mesmo por ela, mas nunca tinha feito nada.
"Até agora", ela lembrou.
Ela sempre tinha encarado seus sentimentos por Scott como resultado do desejo de ter alguém — aquela pessoa que você sabe que sempre vai estar por pero quando você precisar. Eles sempre tinham sido tão próximos que seria natural terem sido feitos um para o outro. Tirando o pequeno incidente com a neve no dia anterior que a fez pensar mais, ela estava reavaliando seus sentimentos. Na verdade, ela tinha pensado na possibilidade de namorar Scott, principalmente depois de terminar com Duncan (e o que ela tinha visto nele, ela nunca saberia). Ela nunca tinha pensado que Scott pudesse ter pensado em namorá-la.
"Isso mostra o tanto que eu tou informada", ela disse para si mesma.
