Jack & Jill's era um dos restaurantes mais populares na região de Wechester. A comida era boa e o ambiente era agradável – os tecidos de xadrez vermelho eram quase completamente cobertos com papel de embrulho marrom, e sobre cada mesa havia um copo com gizes de cera ao lado do saleiro e da pimenta. Era o tipo de lugar onde os funcionários conhecem os fregueses pelo nome, e os alunos do Instituto Xavier viviam por lá.
— Oiê! Quantos de vocês vieram hoje? — a anfitriã, uma mulher chamada Gayle, cumprimentou Scott e Jean assim que eles entraram no restaurante.
— Só nós dois — Scott respondeu com um sorrisinho, e as sobrancelhas de Gayle se levantaram: ela sabia o que era aquilo.
— Não me digam que isso é um encontro de verdade — ela provocou, observando com interesse Jean corar até ficar quase da cor dos seus cabelos. — Bem, tudo o que eu posso dizer é que já estava na hora. Vocês dois foram feitos um para o outro. Venham, eu tenho um cantinho calmo pra vocês, bem longe dessa confusão toda.
Scott e Jean seguiram Gayle por entre as mesas até o fundo, a mão de Scott na cintura de Jean, guiando-a gentilmente. Era um gesto que ele tinha repetido milhões de vezes antes, mas naquela noite tinha um significado diferente.
— Aqui estamos! — Gayle anunciou, colocando os cardápios sobre a mesa. — Tirem os casacos e se divirtam. E, Jean, fique de olho nesse rapaz, não deixe ele sair da linha — ela completou com um sorriso para Jean e uma piscadela de olho para Scott.
Scott ajudou Jean a tirar a jaqueta e a pendurou num suporte para chapéus ao lado da sua mesa. O silêncio desagradável que enchera o carro na ida para o restaurante voltou depois de feitos os pedidos. Jean não agüentava mais. Ela olhou para ele, do outro lado da mesa, tentando encontrar seus olhos por trás dos óculos.
— Isso é ridículo — ela sentenciou.
— O quê?
— Isso. Por que é que é tão esquisito? Por quê tá sendo tão estranho a gente ficar juntos? A gente já fez isso milhões de vezes, quando era só a gente e nunca teve essa… essa… essa tensão. Tá começando a me chatear.
Scott concordou.
— Você tá certa, nunca foi tão desagradável. É impressionante a diferença que uma palavra pode fazer. É só chamar de encontro e a gente fica nervoso.
— O que você acha disso? Que a gente tá cometendo um erro? Que a gente não devia estar fazendo isso?
— Não, eu acho que seja assim — ele disse, estendendo o braço para tocar a mão dela. — Eu acho que isso quer dizer que nós não temos certeza de como fazer isso. Existe tipo um código de conduta pra encontros e pra gente é novidade estar aplicando esse código a nós. A gente nunca teve que se preocupar com o que dizer ou como agir um com o outro. De repente, nós estamos nos preocupando com isso.
Jean fez que sim com a cabeça em silêncio, sabia que Scott estava certo.
— Você acha que vai melhorar? — ela perguntou.
Scott levantou uma sobrancelha em excitação.
— Você já tá pedindo um segundo encontro?
Jean corou outra vez e revirou os olhos, aturdida.
— Não se você continuar assim — ela murmurou, levantando o olhar com uma expressão de falsa rigidez.
Scott riu e levantou a outra mão em um cumprimento de escoteiro.
— Prometo que vou me comportar — ele disse, fazendo de tudo para parecer sério.
— Que graça ia ter? — ela perguntou timidamente, surpresa por ter dito aquelas palavras.
A mandíbula de Scott se abriu um pouco e ele riu, surpreso e divertido por ela estar realmente fazendo aquilo com ele.
Jean corou bem pela décima quinta vez no intervalo de uma hora, e retirou a mão do alcance de Scott. Ela escondeu o rosto nas mãos e murmurou:
— Meu Deus, eu não consigo acreditar que disse isso.
Scott, por sua vez, estava se divertindo muito, e não conseguia esconder o sorriso estampado no rosto.
A tensão entre eles desapareceu durante o jantar, e quando os dois foram para o cinema, já estava de volta a familiaridade que era marca registrada da sua amizade. A única diferença óbvia entre essa e as outras vezes que eles tinham ido ao cinema eram as mãos dadas, com os dedos intimamente ligados.
Scott entrou na fila para comprar lanches enquanto Jean ia ao banheiro. Quando ela voltou, parou no meio do caminho ao ver uma cena. Duncan estava impedindo Scott de sair, e ela expressão no rosto de Scott, Duncan estava dizendo algo bem desagradável.
— Eu tou falando, Summers, você tá perdendo tempo com ela — Jean pôde ouvir Duncan falar quando se aproximou. — Eu levei cinco meses pra chegar na metade do caminho. Eu fazia de tudo e ela não correspondia. Ela gosta de provocar, e não vale a pena o esforço.
Jean estava sentindo tanta coisa ao mesmo tempo, não podia escolher uma só emoção – estava envergonhada, furiosa, humilhada, com nojo, chocada… mas todos esses sentimentos não eram nada se comparados com a raiva contida no rosto de Scott. Um músculo se contraía ao longo da sua mandíbula cerrada, ela podia ver estava custando cada migalha de autocontrole que Scott tinha para não partir para cima de Duncan e parti-lo em pedaços.
"Tudo bem, Scott. Ignora", Jean enviou telepaticamente para Scott quando parou atrás do seu ex-namorado.
— Qual é o problema, Duncan? — ela perguntou com doçura. — O seu ego ainda tá machucado por eu ter te jogado fora?
Duncan a encarou surpreso, não conseguiu elaborar um boa resposta.
— 'Bora, Scott, vamos pegar logo nossos lugares — ela disse enquanto pegava a mão dele.
Scott ainda estava calado quando eles entraram na sala de cinema e se sentaram perto do fundo. Jean tinha certeza que ele ainda estava remoendo o encontro com Duncan, ela tentou aliviar seus pensamentos.
— Scott, não deixa ele te aborrecer. Ele é um imbecil, nós dois sabemos disso — ela falou, esfregando a mão dele como reconforto. Scott retribuiu o carinho, mas não falou nada. Jean olhou longamente para ele. — Scott, tá tudo bem?
Ele suspirou e acenou positivamente com a cabeça.
— Certo, então — Jean bufou. — Diz, o que é que tá te aborrecendo?
Scott não respondeu na mesma hora, mas suas bochechas coraram. Finalmente, ele disse devagar:
— Eu só não consigo nem imaginar aquele F.D.P. te tocando.
Jean não tinha muita certeza do que dizer.
— Scott… não foi assim. Ele e eu nunca… nunca foi tão longe, você sabe. Ele exagerou — ela gaguejou.
— Eu sei, mas ainda assim me dá vontade de meter o pé na cabeça dele.
Jean segurou um riso, e decidiu voltar a conversa para ele.
— Bem, e você? Você e a Taryn já… — ela não completou a frase, deixando no ar.
Scott olhou para ela no mais completo choque.
— Quê? Não!
Jean encolheu os ombros.
— Só tava curiosa. Eu acho que se você sabia isso do meu último relacionamento, eu tenho o direito de saber o mesmo do seu.
Scott inspirou fundo, deixando sair aos poucos.
— Não, nem perto disso, Jean. Mas não que ela não tenha tentado — ele continuou com um sorriso meio amarelo. — Ela era um pouco… agressiva.
Scott escutou Jean murmurar algo parecido com "vagabunda" sob a sua respiração e tentou, sem sucesso, não rir. Ela olhou ferozmente para ele, mas riu quando ele faz outro carinho na sua mão.
— Então, o que você quer fazer depois do filme? — Scott perguntou enquanto a seção não começava.
— Eu nem tinha pensado nisso — ela admitiu. — Alguma idéia?
— Eu acho que a gente podia improvisar alguma coisa, a não ser que você queria fazer algo especial.
— Deixa pra decidir na hora, então — ela concordou.
Lá pela hora que o filme terminou, começou a nevar. Scott a levou até dentro do carro e começou a dirigir, ignorando seus apelos para revelar aonde iriam.
— Você vai ver — foi tudo o que ele disse.
— Ah, Scott, eu adoro esse lugar — ela murmurou quanto chegaram a um estacionamento vazio.
— Eu sei — ele disse simplesmente, parando o carro. Ele tinha os levado ao The Glen, uma pista de patinação que ostentava um caminho de gelo que serpenteava por milhas em meio a árvores adornadas com luzes brancas cintilantes. Naquela noite, a pista estava deserta.
— Devia ter trazido meus patins — Jean falou enquanto seguia o exemplo de Scott e descia do carro. Ela o seguiu até o porta-malas, que ele abriu para revelar dois pares de patins.
— Eu pedi para a Kitty pegar no seu quarto nessa tarde — ele admitiu timidamente.
— "tima idéia, destemido líder — ela disse com um sorriso. Jean olhou para o céu e sorriu ao ver a neve caindo macia. — Que noite maravilhosa. Isso é perfeito, Scott. Obrigada.
Scott sorriu para ela, satisfeito por ter conseguido fazê-la tão feliz.
— Vamos lá, Rainha da Neve — ele provocou, levando-a pela pista.
Eles colocaram os patins, e mancaram um pouco até se acostumarem ao gelo sob seus pés.
— Como você tá? — Jean perguntou.
— Bem, eu acho. Meio desequilibrado, mas tá tudo certo.
— "timo — ela disse, patinando para trás e se virando para encarar Scott. — Pronto pra uma corrida? — ela perguntou com um sorriso maroto.
— A qualquer hora, em qualquer lugar, Ruiva — ele desafiou, sorrindo de volta para ela.
— Certo. O primeiro que chegar na próxima curva ganha — ela disse enquanto se virava e disparou, com Scott um passo atrás dela.
Quando ele estava fechando a distância, puxou as costas da jaqueta dela, puxando-a para trás e tomando impulso para frente. Jean guinchou de raiva, mas se recuperou rápido.
— Você não tem chance — ele disse enquanto disparava na frente dela.
— Pode sonhar, Summers! — ela respondeu enquanto uma explosão de velocidade permitiu que ela ganhasse a dianteira e atingisse o final do percurso meio passo antes de Scott.
— Rá! Você perdeu! — Jean comemorou, apontando para Scott e com um sorriso que ia de um lado a outro do rosto. — A vencedora, e eterna campeã, Jean Grey! — ela anunciou enquanto fazia uma pequena dança da vitória. Scott observou com satisfação até que ela parou de dançar. Ele deslizou até ela e segurou a sua mão.
— Eu estou me sentindo um bocado sortudo pra um perdedor — ele falou baixinho. Ela sorriu para ele, e eles patinaram pela trilha, de mãos dadas, a neve rodopiando ao redor dos dois.
Eles deslizaram pelo caminho, sem falar, só aproveitando a companhia um do outro. Depois de um pouco, Scott olhou para o relógio.
— Tá ficando tarde. Quer voltar pra casa?
Jean balançou a cabeça, fazendo flocos de neve cair do seu cabelo.
— Não agora — ela respondeu, a voz distante. — Quer sentar um pouco? — ela perguntou depois de alguns minutos, dirigindo-se a um dos vários bancos que orlavam a trilha. Scott não respondeu, mas a guiou pela beira do gelo, pisando com cuidado no chão coberto de neve. Ele tirou uma luva do bolso e a usou para limpar a neve do banco.
Scott e Jean se sentaram colados, o braço dele passado por trás dos ombros dela, sua cabeça repousando sobre o peito dele. Flocos de neve caíam preguiçosamente ao redor dos dois, brilhando quando passavam pelas luzes fracas que saíam do meio das árvores. Jean suspirou satisfeita e se aconchegou chegando mais perto de Scott.
"É assim que as coisas têm que ser", ela percebeu do nada.
— Obrigada — ela disse devagar.
— Pelo quê?
— Por tudo — ela falou, sabendo que ele entenderia.
Ela se afastou um pouco dele, e ele baixou a cabeça para olhá-la. As borboletas no estômago dela começaram a fazer manobras complicadas, ao invés das simples revoadas do outro dia. Ela pôde sentir o coração disparando enquanto levantava a cabeça e se inclinava em direção a ele, os olhos semicerrados e os lábios meio separados. Scott se inclinou e eliminou a distância entre os dois, parando um pouco antes de cobrir os lábios dela com os seus.
O beijo foi doce e devagar e suave, um provando do outro. Ela se sentiu fraca, se sentiu eletrificada. Os lábios dele eram tão macios e se encaixavam tão perfeitamente com os dela que ela achou que fosse um sonho.
Num instante, pensamentos e emoções começaram a percorrer sua mente. Vinham tão rápido e eram tão desordenados que ela não sabia quais eram seus e quais eram de Scott: Meu Deus… Perfeito… Melhor do que podia imaginar… Tão lindo… Nunca tinha sonhado… Não dá pra acreditar… Me completa… Não pára, por favor… Mágico… Não pára nunca… Tão doce… Não sabia… "timo… Sempre quis isso… Mais…
Scott colocou a mão em forma de concha sobre sua mandíbula e tremeu enquanto aprofundava o beijo, tentativamente deslizando a língua dentro da sua boca aberta. Ela o beijou de volta com entusiasmo, passando os dedos pelo seu cabelo grosso e puxando-o mais para perto. O beijo prosseguiu por mais tempo, pelo que para Jean pareceu uma eternidade, e ela percebeu que queria que durasse para sempre. A sensação dos braços de Scott ao seu redor, o jeito que seus corpos estavam pressionados um contra o outro, as bocas que se devoravam – tudo era perfeito, e ela queria que não parasse. Finalmente eles foram parando e separaram os lábios, as testas ainda juntas para manter algum contato.
"Uau", ela enviou telepaticamente para ele.
Scott riu, e ela sentiu um ronco profundo no peito dele.
— É, uau — ele concordou e inspirou fundo para se recompor.
— Você também ouviu tudo aquilo? — Jean perguntou com voz baixa.
Scott fez que sim a cabeça, acariciando devagar a bochecha dela com a parte de trás dos seus dedos.
— O que foi aquilo?
— Nós, nossos pensamentos. Agente deve ter projetado, ter tentado um alcançar o outro, sem perceber. Isso permitiu que nós tivéssemos uma ligação por um momento.
— Já tinha acontecido alguma coisa assim antes?
Ela balançou a cabeça.
— Desculpa…
— Não precisa — ela o tranqüilizou depressa. — Eu gostei.
Scott sorriu gentilmente.
— Eu também. Tem algum problema se eu te beijar outra vez? — ele perguntou acanhado.
Ela riu, e logo o riso se transformou numa gargalhada.
— Não, não tem problema — ela falou, levantando a mão para acariciar a bochecha dele. Ela roçou seus lábios no dele, e ele a perseguiu quando ela afastou a boca. — Mas eu acho melhor não, não aqui. Pode ser perigoso — ela completou com um sorriso manhoso.
Scott soltou um suspiro melodramático, o que lhe rendeu outro sorriso da garota em seus braços.
— Vem, Don Juan. A gente pode se acalmar patinando de volta pra o carro — ela disse, levantando do banco e estendendo a mão para ele.
De volta ao Instituto, Scott e Jean decidiram fazer um pequeno lanche noturno, relutantes em deixar a noite acabar aquele jeito. Jean estava procurando o interruptor quando uma voz vinda da sombra grunhiu para eles.
— Vocês dois se divertiram?
Jean deixou escapar um grito de surpresa e esbarrou em Scott quando pulou para trás. Ela acendeu a luz para encontrar Logan sentado à mesa, olhando para eles.
— Meu Deus, Logan, você nunca dorme? — Jean perguntou, com raiva por ele a ter assustado tão facilmente.
— Não até que as crianças estejam em casa e enfiadas nas camas. Sozinhas — ele disse, o que ele queria dizer perfeitamente dedutível.
— Logan! — Jean exclamou, a indignação e o embaraço competindo para ver qual sentimento era mais forte. Ele teve a decência de parecer arrependido, ou algo do tipo.
— Guria, vai pra cima pra eu poder ter uma conversinha com o Scott — ele disse.
— Você deve estar brincando! Se você não se lembra, Logan, eu completei dezoito anos no meu último aniversário. Isso quer dizer que eu não preciso mais de uma babá — Jean estava de pé do meio da cozinha, com as mãos sobre os quadris. Ela olhava para Logan, como que o provocando a desafiá-la.
— Agora, veja, Jeannie — ele começou com o que pretendia que fosse um tom tranqüilizante, mas que só deixou Jean com mais raiva ainda.
— Não me chame de Jeannie! Você está completamente errado, e sabe muito bem isso!
Logan suspirou e escondeu o rosto nas mãos.
— Vai me ajudar aqui, garoto? — ele perguntou para Scott, que estava encostado na parede atrás de Jean, os braços cruzados sobre seu peito.
— De jeito nenhum — ele disse simplesmente.
Logan grunhiu e voltou para sua discussão com Jean. Finalmente sua expressão se atenuou e suas mãos se levantaram em rendição.
— Certo, foi mal. Cê tá certa, eu não tenho palpite nessa história — ele admitiu, para grande surpresa de Scott.
Logan saiu da sala com altivez, olhando ameaçador para Scott enquanto passava. A mensagem era clara: Esse assunto ainda não acabou.
Depois de ficarem sozinhos outra vez, Scott olhou para Jean e lhe ofereceu um sorriso torto.
— Eu acho que não tem dúvida de quem de nós dois é o preferido do Logan — ele gracejou.
