Aqueles Olhos Verdes

Aqueles olhos verdes

Translúcidos e serenos

Parecem dos amenos

Pedaços do luar...

Liho despertou com a serena luz da lua batendo em seus cabelos castanhos. Remexeu-se, desconfortável, no sofá de couro da sala. Perguntou-se o que a levara a dormir em tão estranho lugar, mas as batidas frenéticas de seu coração eram as únicas que poderiam responder a pergunta. Não podia mais tocá-lo. Não conseguia nem ao menos olhá-lo. O maldito e imenso amor que sentia por ele a impedia de raciocinar direito. Suspirou, afundando a cabeça nas almofadas verdes. Elas também tinham aquele perfume. Também lembravam aqueles olhos esmeralda.

"O amei tanto que troquei minha alma por apenas um beijo seu...".

Lembrar seria doloroso se não fosse tão prazeroso. Inspirou fundo. Tudo o que conseguiu cheirar foram as lágrimas que derramara em seus lençóis, antes de adormecer.

Sempre dormia ao lado de Shido. E quando não o fazia, tinha a sensação frustrante de que ele achava alguém para ocupar o seu lugar. Mesmo sabendo que isso não era verdade.

"E o que esperar? Não há traição quando não há amor".

Não sabia se ele a amava.

E depois de anos pulando entre dúvidas e dúvidas, vivia na melancólica incerteza. Na penumbra de uma tristeza que ela escolhera para si mesma.

"Falsos são os acordes da paixão, não são? Eu aqui a suspirar, sozinha, enquanto ele permanece imerso na mais tranqüila paz. Sinto pura inveja do autodomínio que ele tem".

Ergueu-se, cansada de ficar sentada e com os olhos esperançosos, à procura de um indício dele. Andou em passos vagarosos, cruzando aquela sala e parando em frente à janela. Levantou as persianas e escutou os sons que provinham da cidade. Buzinas, gritos... Era até capaz de ouvir as goteiras do esgoto, o andar lento dos ratos. Tal sensibilidade era exorbitante, senão imódica. As luzes amarelas dos prédios não podiam confrontar com a esplendorosa lua. Ela era majestosa, a rainha da noite.

A mãe de todos os condenados.

Arrependia-se de não ter vivido mais. De ter escolhido a morte e provado dela sem nem ao menos saber o gosto. E se arrependia de ter aprendido a brincar de pecado por causa de olhos verdes que lhe roubavam a alma.

Como os queria.

"Tem os olhos mais belos de todos os outros seres, Shido-san... E os usa apenas para mascarar a verdade e os sentimentos palpáveis do tolo e infrutífero coração humano".

"Talvez eu mascare a verdade para não saber o quão dolorosa ela é".

Sorriu.

Aquela voz era toda a melodia que uma noite precisava.

Mas tem a miragem

Profunda do Oceano

E trazem todo o engano

Das procelas do mar

"Eu o acordei?".

"Há tempos estou desperto", ele aproximou-se, parando ao seu lado. "Suas últimas palavras tem um fundo de verdade. Mas não são de tudo reais".

"E nós o somos?".

"A meu ver, sim".

Ver confuso, o dele. Por detrás das íris verdes, ele certamente via apenas o que queria. Deu um sorriso cansado, voltando a observar a cidade. "Realidade confusa, essa nossa. Mascaramos tudo".

"Muitos achariam tal realidade maravilhosa".

"Muitos não o acham", cruzou os braços sobre o peito. "Desculpe as tolices que eu digo. Apesar dos anos, é quase impossível acreditar que a imortalidade esteja em minhas mãos".

Ele deu um doce sorriso, concordando com a cabeça. E Liho sabia que era ainda mais difícil acreditar que depois de tanto tempo, seu amor permanecesse intocável. Como se estivesse envolvido por uma cúpula cálida de cristal

"É capaz de ouvir o mar, Liho?".

O mar? Concentrou-se, mas o número de pessoas e vozes era alto demais. Meneou a cabeça e Shido sorriu ainda mais.

"Compreensível. As ondas são sutis e discretas o bastante para passarem despercebidas".

"Mas você as ouve".

"Um dia você as ouvirá", ele assegurou-lhe. "O mar, muitas vezes, lembra a vida de um vampiro. Pois é tão estável e tão constante quanto ela. Eu aprendi a amar tal aspecto, que com os anos, tornou-se parte do meu coração".

Pensava no mar sim, dia e noite. Cada hora e cada minuto daquele tempo arrastado a qual denominava de vida. Mas não no mesmo mar a que Shido se referia. E sim no mar dos olhos dele. Um mar límpido, sem espuma, sem ondas. Instável como aquele que o vampiro citou não era. Mas tinha a mesma beleza. E trazia os mesmos enganos.

Afastou-se. "Enganosas são as ondas, não?".

"Traiçoeiras seria a exata palavra".

"O conhece como ninguém".

"Como eu disse antes, ele faz parte de mim".

"Eu queria ser também".

Ele voltou-se, a encarando. "Queria ser o quê?".

"Parte de você".

Shido aproximou-se. "Mas você é, Liho".

"Eu sou parte do que você criou".

"Falando dessa maneira, parece que discutimos um objeto".

Suspirou. "Tornei-me isso ao transformar-me em vampira".

"Perguntei inúmeras vezes se se arrependia do que eu fiz a você. E todas às vezes, negou isso veementemente".

"Neguei com os lábios, Shido-san", o encarou. "Não consegue nem perceber isso?".

"Sinto muito, Liho. Mas nada posso fazer".

"Pode sim".

Ele arqueou as sobrancelhas. "E o que quer que eu faça?".

O que queria? Queria que ele a abraçasse e dissesse junto ao seu ouvido que poderia amá-la como ela merecia ser amada. Ou ele poderia beijá-la, como fizera na noite em que a transformara. Abaixou a cabeça, comprimindo insistentemente os lábios e querendo ter a coragem para dizer tudo aquilo. Mas não podia imaginar a reação dele, sempre tão imprevisível.

Ergueu levemente os olhos e encontrou os dele, impacientes. Perdeu a antes tão viva motivação e tornou-se novamente a garota derrotada e apaixonada que sempre fora. Malditos eram aqueles olhos verdes. Lhe roubavam qualquer pensamento formulado. Antecipando o princípio de mais uma dolorosa discussão, ela murmurou. "Esqueça tudo o que eu disse, Shido-san. Ás vezes, torno-me muito difícil de se suportar".

"Assim se torna quando me esconde as coisas", ele caminhou e em cada passada que ele dava em sua direção, ela foi escutando seu coração bater mais forte. Não se aquietou, nem por um segundo. Até que ele firmou-se na sua frente e tocou o seu rosto.

O calor.

O desejo.

Ânsia de tocar o rosto dele e trazê-lo para junto do seu, beijando aqueles lábios amargados pelo tempo e devolver a eles o sabor de um sentimento imortal.

"Eu jamais quis que sofresse, Liho".

"Isso eu sei".

"Também não queria que fosse fadada a minha sinuosa estrada. Egoísmo de minha parte querer dividir meu destino com alguém. Poderia lhe pedir perdão, mas isso jamais lhe devolveria a vida que eu tirei".

"Não foi você que a tirou, Shido-aan".

"A sua morte...", ele murmurou, a aproximando com o braço. "Seria sua libertação".

"E qual seria a sua libertação, Shido-san?", indagou timidamente quando ele a abraçou.

"A sua felicidade".

As lágrimas vieram com a força da paixão que nutria por ele. Permitiu-se chorar e soluçar, para que somente ele pudesse ouvi-la. Afundou a cabeça no peito dele, aconchegando-se nos braços tão familiares e tão confortáveis.

Os únicos braços capazes de lhe dar a sensação de ser amada.

Mesmo que não fosse.

Aqueles olhos verdes

Que inspiram tanta calma

Entranharam em minha alma

Encheram-na de dor

"Olhe para mim, Liho".

Não queria. Não podia. E não sabia se seria capaz de olhá-lo por mais de um segundo.

"Não posso".

"E porque não?".

"Não me obrigue a dizer".

"Não, não irei obrigá-la a dizer o que não quiser", ele abaixou a cabeça e sussurrou contra os cabelos dela. "Porém, peço que olhe para mim".

"Pedido estranho. Já o olhei muitas vezes".

"Não como eu quero que me olhe agora".

Respirando fundo, ela ergueu suavemente a cabeça e o olhou.

Tudo culpa daqueles olhos verdes.

Por que eles queriam sua alma perdida?!

"Seus olhos... são carregados da tristeza... da tristeza do mar".

"Só você os enxerga assim", ele sorriu. "Dessa maneira doce".

"Da maneira sincera".

E o que mais seriam, aqueles olhos verdes? Orbes magoados, sem dúvida. Estrelas que choravam. Numa reza silenciosa. E num pedido ainda mais mudo.

Um sinal que escaparia da percepção de um amaldiçoado.

Mas não um que está apaixonado.

A mão pequena e pálida subiu de encontro à face tão bonita. Ele sempre fora o ser mais belo que ela julgara conhecer. Entretanto, a futilidade de uma aparência poderia cegar. E não era só isso que a fascinava. Era o modo como ele agia, como ele falava.

E acima de tudo, eram aqueles olhos verdes.

Repletos de um encanto tão mortal quanto à própria imortalidade.

O sorriso dele foi sumindo. Numa fração de segundo, as duas mãos dele firmavam em suas costas.

"Recorda-se de como a transformei?".

"Como eu poderia me esquecer?".

"Esquecendo-se", ele sorriu fracamente. "E lembrando-se somente disso".

Num impulso tão arriscado quanto uma salto para o mar, ele mergulhou seus lábios nos dela.

E o mundo, porque havia parado de girar? Liho pode sentir a boca junto à dela, explorando e sugando-lhe o sabor. Não se recordava do tão gelado arrepio que cruzou a sua espinha. E nem da fome daquela língua, que procurava a sua com violência. Fechou os olhos e o beijou também. Querendo-o com uma força que a própria ânsia desconhecia. Ele a ergueu e prensou contra a parede, continuando a beijá-la com o desespero premeditado.

Temê-lo? Seria tolice acreditar que seus medos resumissem-se a volúpia de tal carícia.

Amá-lo? Com toda a força de seu coração.

O ar lhes faltou e os lábios logo se separaram. Confusos, os olhos dela procuraram os dele.

E encontraram finalmente, as ondas daquele incerto mar.

"Você agora escuta o mar, minha pequena?".

"Sim".

Ele sorriu. "Finalmente entendeu".

"O quê?".

"Que esse mar é todo seu".

O mar... O mar que havia encontrado.

Naqueles olhos verdes.

Aqueles olhos tristes

Pegaram-me tristeza

Deixando a crueza

De tão infeliz amor

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Ohayo, Minna-San!

Esse fic foi a minha primeira tentativa de escrever algo sobre o meu anime favorito. Apesar de eu acreditar fielmente que poderia ter sido melhor, também acredito que tenha me emocionado escrevendo algo sobre esse doce e tão infeliz casal, pouco explorado no anime em si.

Eu gostaria de dedicar esse pequeno fic há duas pessoas muito queridas: A Diu-Chan e ao Saulo Dourado. E os conheço há muito pouco tempo, mas acho que foi o suficiente para perceber que seremos amigos por um longo tempo. Obrigada pelo apoio.

Eu estou planejando fazer um fic maior, porém, estou muito ocupada com os outros fics de Inuyasha e SCC. Então, é só uma intenção! XD

Kisu no Jenny!