A PAIXÃO DOS EDAIN
Capítulo V - As Preocupações de Haldir
REPREENSÕES
Mornfinniel demorou para perceber que era dela que os guardiões estavam rindo.
- Há bastante, Cabelos Negros – disse Haldir – não precisa botar tudo na boca de uma vez.
Seria impossível responder naquele momento.
- E também não precisa fazer tanto barulho – caçoou Rúmil – Onde você aprendeu a comer? Com os Orcs?
- Humfgrum.
- Pelo menos não enfie a cara dentro do prato – continuou Haldir - Cabelos Negros, comporte-se como uma dama.
- Essa é uma empreitada perdida. – riu Orophin.
- Obrifgada – respondeu finalmente Mornfinniel, sem esclarecer se estava sendo sincera ou irônica, mas soltando um sonoro arroto, que iniciou mais uma rodada de risos e repreensões.
Falar aos sussurros, andar em silêncio, gesticular com comedimento; nem sempre era fácil viver entre os elfos. Seus momentos favoritos eram nos treinos de espada, nas caçadas e corridas. Sentia-se aliviada na fronteira, longe do refinamento e delicadeza da corte, próxima da batalha.
Haldir, entretanto, não estava disposto a arriscar sua missão, o que muito a contrariava.
- Os Orcs estão cada vez mais próximos à fronteira, vamos confrontá-los agora!
- Vamos confrontá-los quando eu decidir, e na ocasião você fica.
- Não fico não, vou com vocês! E devemos ir logo, enquanto seu número não cresce mais.
- Quer como minha comandada, quer como minha responsabilidade, você fica onde eu determino. E minhas decisões concernem a você ainda menos que aos demais. Retire-se da minha presença.
Mornfinniel se afastou batendo os calcanhares. Haldir jamais conhecera, em todos os seus séculos, ninguém tão insolente e cheio de si, edain ou eldar, homem ou mulher, de qualquer raça, nesta Terra Média. Questioná-lo em sua própria fronteira! Fazê-lo justificar-se em frente aos seus soldados! Era mais do que a falta de graciosidade dos atani: aquela mulher não conseguia absorver as mais elementares noções de hierarquia e disciplina.
Sua conduta e sua insistência eram um desafio permanente à paciência do Capitão da Floresta Dourada. Aprendera a falar somente para argüir, e ele fora seu professor!
Se não fosse pelo risco, ele a deixaria defrontar-se com os Orcs, para aprender uma lição de humildade. Mas ela era a de morte mais fácil e cura mais difícil em caso de ferimento, e ele não podia pôr a perder sua missão.
E, mesmo em tão pouco tempo, precisava admitir, ela tinha-se-lhe tornado querida ... como uma irmã.
***************************************************************
APREENSÕES
Haldir levou-os na inspeção dos postos avançados. Sentia no sangue a mudança dos tempos. Rúmil assumia mais funções como segundo em comando. As defesas de Lórien precisavam ser reforçadas. A necessidade de mais galadhrim nas fronteiras tornava impossível deixar de perceber o quanto o chamado das Terras Imortais minava as forças dos Elfos na Terra Média.
A despeito do ritmo da marcha, Mornfinniel recusara queixar-se. O cansaço era evidente, mas a cabeça orgulhosa se aprumava sempre que percebia um olhar sobre si. Haldir se dividia entre a vontade de derrotar aquela teimosia e o divertimento advindo dela, no qual sabia haver uma ponta de orgulho de mentor.
Tudo estava em ordem no velho posto noroeste.
Na beira do riacho Mornfinniel sorriu para Orophin:
- Quando eu tirar essas botas, o cheiro vai ser pior do que quando você me encontrou pela primeira vez.
- Isso é impossível – Orophin mergulhou - além de uma ofensa às botas dos Elfos.
- Não saem dos meus pés há cinco dias – Mornfinniel caiu na água também, seguida pelos outros dois irmãos.
Haldir deixou a água fria lavar suas preocupações por alguns momentos, e depois ficou boiando na água sob os últimos raios do verão.
- Muinthel, acho que você vai ter de parar de tomar banho conosco – disse Orophin, sorrindo para a irmã.
- Por quê?
- Seus atributos femininos estão se fazendo notar – riu o elfo.
- Ahn?! – Mornfinniel olhou para seu corpo sob a água.
Do que Orophin estava falando? – pensou Haldir – Cabelos Negros era pouco mais que uma menina.
De qualquer forma, a edain soltou a trança e deixou o cabelo cobrir-lhe os seios quando saiu da água. Os muitos cachos negros, entretanto, não lhe cobriam os quadris e as nádegas, e Haldir percebeu o quanto seu corpo havia mudado.
Quantos anos ela teria afinal?
A criatura carregada nos braços até Caras Galadhom, até por seu peso, não parecera mais que uma criança esquálida com o ventre deformado. Mas Mornfinniel não era baixa para uma edain, e talvez seu crescimento já estivesse terminado.
E agora o capitão notava que as túnicas de guardião haviam escondido uma mudança muito rápida para tão poucos meses; por sobre os músculos do início da estação, proporcionados pelo exercício na Floresta, um corpo de mulher se apoderava da carne em algo que não parecia exatamente o desabrochar de uma menina. Na verdade, os "encantos femininos" mencionados por Orophin superavam em medida os das mulheres Eldar, e Haldir não gostou disso.
- Orophin, Cabelos Negros é para nós como uma irmã e você não deveria vê-la de forma diferente.
- Exatamente por isso falei o que disse. Posso ter sido o primeiro a comentar abertamente com ela, mas não fui o único a perceber que está ficando atraente.
- Como assim, atraente?
- Ela tem uma beleza exótica e um jeito bravio, muitos olhares voltam-se para ela quando se banha conosco.
- E você acha que ela não sabe disso? – interveio Rúmil.
Haldir gostava cada vez menos do que ouvia:
- Rúmil, você está sugerindo que Mornfinniel é imodesta?
- Não exatamente, Haldir, meu irmão e comandante, mas, por outro lado, a modéstia nunca esteve entre os "atributos" que ela já exibiu.
- Mornfinniel é inocente como uma criança – mas Haldir duvidou de suas próprias palavras no instante em que as pronunciou.
- Mornfinniel já teve um filho, Haldir, embora as circunstâncias em que isso se deu sejam uma incógnita. Para mim ela é uma mulher – disse Rúmil saindo da água.
Haldir não respondeu. Mîleithel, em que circunstâncias teria sido gerado? Quem era seu pai? E quem era a mulher que saíra da água ainda há pouco?
- Que olhares se voltam para ela quando se banha conosco?
- Por exemplo...os seus – respondeu Orophin, fugindo da água antes que o irmão o afogasse.
***************************************************************
CONTRADIÇÕES
Pela primeira vez Mornfinniel pensou que gostaria de voltar a Caras Galadhom, onde havia espelhos grandes, e ela poderia olhar o próprio corpo. Mais de uma vez sentira algo além da camaradagem nos mergulhos e brincadeiras dos galadhrim da fronteira, mas nenhum deles chegara a demonstrar o que Orophin acabara de declarar, que a via como mulher.
Mas, aqueles que porventura a vissem como mulher, será que a veriam como uma mulher bonita? Mornfinniel se sentia desajeitada. Os seios haviam crescido a ponto de incomodar, e a maior parte do tempo ela os trazia agora apertados por uma faixa, para não atrapalhá-la. Os quadris e o traseiro sobressaiam nas calças, sempre escondidos sob a túnica.
E ele? Se a via como mulher, o que ela não tinha poucos motivos para duvidar, a veria como uma mulher desejável? Haldir que poderia ter o favor de qualquer das damas da Senhora Galadriel, graciosas como as nuvens, de cabelos de ouro, pele de rosa branca e corpos delicados, com suas maneiras doces e seus olhos de estrelas?
Ah, Haldir! seu protetor e algoz, como ela o detestava. Como tinha ganas de torcer-lhe o pescoço quando a repreendia como a uma criança na frente de todos.
E como tinha de lutar consigo mesma para enfrentar aquele olhar que lhe arrancava a alma e não se render sem luta à sua prepotência; para não abaixar a cabeça até recostá-la em seu peito, como nas noites estreladas de Caras Galadhom. Ah! como fora tudo diferente então.
Parecia pertencer a outra vida o tempo em que dormira com a cabeça encostada em sua barriga sob as estrelas de Elbereth. Não sabia dizer quando as coisas haviam mudado, mas a paz daqueles dias cedera lugar a uma inquietação que era tanto de alma quanto de corpo, e de alguma forma fora ele, Haldir, que trouxera isso. Ela o detestava por desejá-lo, e mais ainda porque o magnífico Capitão dos elfos nunca poderia sentir o mesmo por uma mortal.
Capítulo V - As Preocupações de Haldir
REPREENSÕES
Mornfinniel demorou para perceber que era dela que os guardiões estavam rindo.
- Há bastante, Cabelos Negros – disse Haldir – não precisa botar tudo na boca de uma vez.
Seria impossível responder naquele momento.
- E também não precisa fazer tanto barulho – caçoou Rúmil – Onde você aprendeu a comer? Com os Orcs?
- Humfgrum.
- Pelo menos não enfie a cara dentro do prato – continuou Haldir - Cabelos Negros, comporte-se como uma dama.
- Essa é uma empreitada perdida. – riu Orophin.
- Obrifgada – respondeu finalmente Mornfinniel, sem esclarecer se estava sendo sincera ou irônica, mas soltando um sonoro arroto, que iniciou mais uma rodada de risos e repreensões.
Falar aos sussurros, andar em silêncio, gesticular com comedimento; nem sempre era fácil viver entre os elfos. Seus momentos favoritos eram nos treinos de espada, nas caçadas e corridas. Sentia-se aliviada na fronteira, longe do refinamento e delicadeza da corte, próxima da batalha.
Haldir, entretanto, não estava disposto a arriscar sua missão, o que muito a contrariava.
- Os Orcs estão cada vez mais próximos à fronteira, vamos confrontá-los agora!
- Vamos confrontá-los quando eu decidir, e na ocasião você fica.
- Não fico não, vou com vocês! E devemos ir logo, enquanto seu número não cresce mais.
- Quer como minha comandada, quer como minha responsabilidade, você fica onde eu determino. E minhas decisões concernem a você ainda menos que aos demais. Retire-se da minha presença.
Mornfinniel se afastou batendo os calcanhares. Haldir jamais conhecera, em todos os seus séculos, ninguém tão insolente e cheio de si, edain ou eldar, homem ou mulher, de qualquer raça, nesta Terra Média. Questioná-lo em sua própria fronteira! Fazê-lo justificar-se em frente aos seus soldados! Era mais do que a falta de graciosidade dos atani: aquela mulher não conseguia absorver as mais elementares noções de hierarquia e disciplina.
Sua conduta e sua insistência eram um desafio permanente à paciência do Capitão da Floresta Dourada. Aprendera a falar somente para argüir, e ele fora seu professor!
Se não fosse pelo risco, ele a deixaria defrontar-se com os Orcs, para aprender uma lição de humildade. Mas ela era a de morte mais fácil e cura mais difícil em caso de ferimento, e ele não podia pôr a perder sua missão.
E, mesmo em tão pouco tempo, precisava admitir, ela tinha-se-lhe tornado querida ... como uma irmã.
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APREENSÕES
Haldir levou-os na inspeção dos postos avançados. Sentia no sangue a mudança dos tempos. Rúmil assumia mais funções como segundo em comando. As defesas de Lórien precisavam ser reforçadas. A necessidade de mais galadhrim nas fronteiras tornava impossível deixar de perceber o quanto o chamado das Terras Imortais minava as forças dos Elfos na Terra Média.
A despeito do ritmo da marcha, Mornfinniel recusara queixar-se. O cansaço era evidente, mas a cabeça orgulhosa se aprumava sempre que percebia um olhar sobre si. Haldir se dividia entre a vontade de derrotar aquela teimosia e o divertimento advindo dela, no qual sabia haver uma ponta de orgulho de mentor.
Tudo estava em ordem no velho posto noroeste.
Na beira do riacho Mornfinniel sorriu para Orophin:
- Quando eu tirar essas botas, o cheiro vai ser pior do que quando você me encontrou pela primeira vez.
- Isso é impossível – Orophin mergulhou - além de uma ofensa às botas dos Elfos.
- Não saem dos meus pés há cinco dias – Mornfinniel caiu na água também, seguida pelos outros dois irmãos.
Haldir deixou a água fria lavar suas preocupações por alguns momentos, e depois ficou boiando na água sob os últimos raios do verão.
- Muinthel, acho que você vai ter de parar de tomar banho conosco – disse Orophin, sorrindo para a irmã.
- Por quê?
- Seus atributos femininos estão se fazendo notar – riu o elfo.
- Ahn?! – Mornfinniel olhou para seu corpo sob a água.
Do que Orophin estava falando? – pensou Haldir – Cabelos Negros era pouco mais que uma menina.
De qualquer forma, a edain soltou a trança e deixou o cabelo cobrir-lhe os seios quando saiu da água. Os muitos cachos negros, entretanto, não lhe cobriam os quadris e as nádegas, e Haldir percebeu o quanto seu corpo havia mudado.
Quantos anos ela teria afinal?
A criatura carregada nos braços até Caras Galadhom, até por seu peso, não parecera mais que uma criança esquálida com o ventre deformado. Mas Mornfinniel não era baixa para uma edain, e talvez seu crescimento já estivesse terminado.
E agora o capitão notava que as túnicas de guardião haviam escondido uma mudança muito rápida para tão poucos meses; por sobre os músculos do início da estação, proporcionados pelo exercício na Floresta, um corpo de mulher se apoderava da carne em algo que não parecia exatamente o desabrochar de uma menina. Na verdade, os "encantos femininos" mencionados por Orophin superavam em medida os das mulheres Eldar, e Haldir não gostou disso.
- Orophin, Cabelos Negros é para nós como uma irmã e você não deveria vê-la de forma diferente.
- Exatamente por isso falei o que disse. Posso ter sido o primeiro a comentar abertamente com ela, mas não fui o único a perceber que está ficando atraente.
- Como assim, atraente?
- Ela tem uma beleza exótica e um jeito bravio, muitos olhares voltam-se para ela quando se banha conosco.
- E você acha que ela não sabe disso? – interveio Rúmil.
Haldir gostava cada vez menos do que ouvia:
- Rúmil, você está sugerindo que Mornfinniel é imodesta?
- Não exatamente, Haldir, meu irmão e comandante, mas, por outro lado, a modéstia nunca esteve entre os "atributos" que ela já exibiu.
- Mornfinniel é inocente como uma criança – mas Haldir duvidou de suas próprias palavras no instante em que as pronunciou.
- Mornfinniel já teve um filho, Haldir, embora as circunstâncias em que isso se deu sejam uma incógnita. Para mim ela é uma mulher – disse Rúmil saindo da água.
Haldir não respondeu. Mîleithel, em que circunstâncias teria sido gerado? Quem era seu pai? E quem era a mulher que saíra da água ainda há pouco?
- Que olhares se voltam para ela quando se banha conosco?
- Por exemplo...os seus – respondeu Orophin, fugindo da água antes que o irmão o afogasse.
***************************************************************
CONTRADIÇÕES
Pela primeira vez Mornfinniel pensou que gostaria de voltar a Caras Galadhom, onde havia espelhos grandes, e ela poderia olhar o próprio corpo. Mais de uma vez sentira algo além da camaradagem nos mergulhos e brincadeiras dos galadhrim da fronteira, mas nenhum deles chegara a demonstrar o que Orophin acabara de declarar, que a via como mulher.
Mas, aqueles que porventura a vissem como mulher, será que a veriam como uma mulher bonita? Mornfinniel se sentia desajeitada. Os seios haviam crescido a ponto de incomodar, e a maior parte do tempo ela os trazia agora apertados por uma faixa, para não atrapalhá-la. Os quadris e o traseiro sobressaiam nas calças, sempre escondidos sob a túnica.
E ele? Se a via como mulher, o que ela não tinha poucos motivos para duvidar, a veria como uma mulher desejável? Haldir que poderia ter o favor de qualquer das damas da Senhora Galadriel, graciosas como as nuvens, de cabelos de ouro, pele de rosa branca e corpos delicados, com suas maneiras doces e seus olhos de estrelas?
Ah, Haldir! seu protetor e algoz, como ela o detestava. Como tinha ganas de torcer-lhe o pescoço quando a repreendia como a uma criança na frente de todos.
E como tinha de lutar consigo mesma para enfrentar aquele olhar que lhe arrancava a alma e não se render sem luta à sua prepotência; para não abaixar a cabeça até recostá-la em seu peito, como nas noites estreladas de Caras Galadhom. Ah! como fora tudo diferente então.
Parecia pertencer a outra vida o tempo em que dormira com a cabeça encostada em sua barriga sob as estrelas de Elbereth. Não sabia dizer quando as coisas haviam mudado, mas a paz daqueles dias cedera lugar a uma inquietação que era tanto de alma quanto de corpo, e de alguma forma fora ele, Haldir, que trouxera isso. Ela o detestava por desejá-lo, e mais ainda porque o magnífico Capitão dos elfos nunca poderia sentir o mesmo por uma mortal.
