Ainda assombrada pelo capítulo 20 de nossa mestra, SADIE SIL, é com humildade que registro que, como ninguém reclamou do último capítulo da PAIXÃO, fiz menos expurgos neste.

Entretanto, sou obrigada a tocar no assunto que a referida autora indevidamente levantou: não vejo em que qualquer cena de VIDAS E ESPÍRITOS se assemelhe ao que já apareceu aqui. Esclareço, outrossim, para aqueles que ainda estiverem acompanhando as aventuras de Haldir e Mornfinniel lá pelo capítulo XXI, que na ocasião vão encontrar referência à demonstração de reverência ao soberano pelo súdito de uma forma semelhante a que Sadie explorou essa semana.

Agradeço o incentivo fornecido, seja na forma de reviews e mensagens, seja pela poesia e frenesi de seu estimulante trabalho, e recomendo a leitura de:

JARDINS DE ITHILIEN by L. Éowyn: LEIAM!

BITERSWEET by Vick Weasley, um texto que escorre mel sem ser enjoativo.

CRÔNICAS ARAGORNIANAS by Nimrodel Lorelim, e sua imponderável combinação de ação e poesia.

KIKA-SAMA, que na última semana nos brindou com 3 textos.

LADY LIEBE, que me fez perder o preconceito com a paródia, e ouvi dizer que está com um plot novo: já não era sem tempo.

ROSAS, ARMAS, AMOR E SANGUE by Elfa Ju Bloom, cada vez mais intrincado.

E falar de SADIE é covardia.

Vamos à PAIXÃO

--

A PAIXÃO DOS EDAIN

Capítulo VIII - Tempo de Inquietações

A PAIXÃO ESCONDIDA

Rúmil e Orophin tomaram para si a patrulha noturna, como vinham fazendo desde que Cabelos Negros contara aquela história absurda sobre como se haviam machucado acidentalmente.

Era engraçado para os irmãos que Haldir pudesse achar possível manter sua paixão em segredo. Mornfinniel procurava se disfarçar atrás de uma insolência renovada, o que acabava contribuindo para deixar o Capitão ainda mais desconcertado, oscilando entre descomposturas absurdas e uma preocupação óbvia, que não enganavam a ninguém que não ele mesmo.

--

A mulher subiu ao talan silenciosamente:

- Vim lhe reportar o cumprimento da tarefa a mim designada, Capitão.

- Rúmil e Orophin já foram.

- Eu sei, deixaram-se observar perfeitamente.

Haldir segurou seu rosto entre as mãos e a beijou. No começo um beijo suave, depois mais e mais intenso, até que seus braços envolviam o corpo dela, dobrando-o ao seu, os pés de Mornfinniel fora do chão, seu corpo sem apoio. Era sempre assim, como se o corpo dele buscasse conduzir o corpo dela à impossibilidade de resistência: forte, rude, irrefreável; não muito élfico.

Haldir fez um esforço para se controlar.

- Sua boca é um precipício, Cabelos Negros, e eu estou caindo.

- Sua boca é água fresca que mata minha sede, Haldir, Capitão de minha vida: nunca me canso de beber em você.

- Também não me canso de beber da sua boca, Cabelos Negros, mas ela me embriaga, uma mistura de vinho e sangue, altera meus sentidos, desvia meu caminho.

- Faça de mim o seu caminho agora...

Haldir não resistia mais, e deixou-se levar pelo ritual da mulher. Ela tirou suas túnicas e esfregou o rosto no peito dele, aspirando a essência do elfo.

A boca vermelha e cheia de Mornfinniel voltou-se para a sua, seus grandes olhos, negros como a noite, semicerrados de luxúria, e Haldir sentiu que caía naquele precipício novamente. A calça dele e as roupas dela arrancados sem que os lábios se descolassem. As botas repisadas e chutadas.

Já na cama, Haldir recostou-se à cabeceira:

- Solte os cabelos.

Mornfinniel desfez sua trança e as mãos dele agarraram aquela folhagem luxuriante. Sua boca desceu pelo pescoço até os seios. Haldir se sentia latejar quase dolorosamente, enquanto sugava e acariciava aquelas formas redondas, plenas, cheias.

As pernas de Mornfinniel o cercaram e ele sentiu seu calor e sua umidade, rapidamente e sem qualquer refinamento. Seus rostos foram se nivelando à medida em que ela escorregava em volta dele, até prendê-lo no fundo de seu corpo, o elfo sem respiração.

Ela começou a se mexer, agarrada às suas costas, as unhas em sua carne, os dentes prendendo seu lábio. Ele apertou o rosto dela com a mão para libertar-se daqueles dentes selvagens e deitou-a de costas, diminuindo o ritmo dos movimentos, procurando recuperar o controle, querendo lembrar quem era, buscando uma forma de libertar-se daquela sujeição absurda e reafirmar seu comando.

- Cabelos Negros – Haldir sentia o corpo aumentar o ritmo contra a sua vontade, a respiração entrecortada – venha para mim, Cabelos Negros, venha para mim.

Os olhos dela estavam fechados, a boca entreaberta, gemendo. Os gemidos iam ficar cada vez mais altos, ele sabia; ela não tinha freios, não tinha pudor. Haldir cobriu a boca dela com a mão e arremeteu com mais força, mais rápido, olhando para o corpo que se contorcia sem perceber que se contorcia também, ouvindo os gritos gravados em sua memória sem perceber que eram seus.

--

Haldir olhava para a mulher que dormia em seus braços. A cor da pele era fruto de uma infinidade de minúsculas manchas sobrepostas. Os cabelos revoltos uma floresta de cachos grossos. A testa mais para curta, os ossos do rosto quadrados.

O nariz curto, arrebitado e um pouco largo, já havia se quebrado alguma vez, embora mãos habilidosas devessem tê-lo cuidado na ocasião. Na verdade o tom moreno disfarçava uma infinidade de cicatrizes, nas partes mais diversas do corpo: as dos joelhos certamente remontavam à infância, mas os olhos de Haldir percebiam indícios mais recentes sob um excelente fator de recuperação; fosse ela mais clara, e tantas imperfeições seriam percebidas a um primeiro olhar.

Os seios, os quadris, as coxas, o corpo todo um acinte. Ela era tão diferente, tão diferente do que ele já considerara bonito e agradável no sexo feminino: a doçura, a suavidade, a meiguice, a placidez.

Nenhum daqueles adjetivos poderia ser aplicado a ela. Com exceção da boca incomum, cheia e avermelhada, uma flor irretocavelmente bem desenhada, Cabelos Negros era um somatório de imperfeições. Por que aquele conjunto, contra todas as expectativas, simplesmente o arrebatava?

Mornfinniel se espreguiçou e virou para o outro lado, encostando as costas em seu corpo.

- Você está me provocando? – não era exatamente uma pergunta. – Está acordada, criatura traiçoeira – Haldir começou a enrijecer novamente – ainda não foi castigada o bastante por hoje? – ele sussurrava em suas orelhas, beijando-as com a língua molhada. – Quer que eu deixe sem poder andar, coisinha temerária? – seus dedos passeavam por entre os seios dela - não vou mais ter piedade de você.

- Você é um tolo convencido, e se continuar tagarelando seus irmãos vão voltar antes que faça alguma coisa de útil.

--

BATALHA CONTRA OS ORCS

Os arcos de Lórien realizaram a maior parte do serviço, mas as setas haviam terminado e o contingente de inimigos ainda era três vezes maior do que o dos galadhrim.

A longa lâmina de Haldir vinha despertando de seu repouso mais e mais vezes, noutro prenúncio da mudança dos tempos; mas que os orcs que rumavam para o sul escolhessem qualquer caminho, menos um que atravessasse as nascentes do Nimrodel, e novamente ele a brandiu, seguido por seus soldados:

- Galadriel! – bradavam os guerreiros da Senhora da Floresta.

Haldir arrancou um grunhido das entranhas do que parecia ser o chefe do bando antes de atingir os que agora começavam a cercá-lo, dispostos a vingar seu capitão, pois Haldir avançara além dos companheiros em sua fúria.

Contudo, nem com o dobro de seu número os orcs conseguiriam interromper a canção de poder e excelência cantada pela espada do Capitão dos elfos, que logo avistou seu irmão mais novo abater a distância entre eles.

E avistou também Mornfinniel empunhando sua própria espada.

– "Manwë! O que ela está fazendo aqui?" – pensou – "eu não a designei para vir."

Haldir desviou-se no último momento de uma lâmina imunda, arrancando o braço que a empunhava com um golpe rápido e sua espada começou a abrir caminho até ela. – "Dissimulada infeliz e traiçoeira, será que nunca vai aprender a obedecer? "

Mesmo em meio ao combate, Haldir não podia deixar de observar, era mais que o dever para com Lórien, mais que o amor aos amigos, até mesmo mais que a honra e a coragem: havia prazer genuíno no semblante de Cabelos Negros, um sorriso cruel em seus lábios, no balé de sua espada. Para ela, a luta era um fim em si mesma.

À medida em que a quantidade de inimigos diminuía, Mornfinniel refinava sutilmente seu exercício sanguinário. Como se quisesse prolongar aqueles momentos, a de trança negra abria espaço ao seu oponente, dando-lhe falsas esperanças, operando com um requinte que não empregava em outros momentos de sua vida; a espera e a contenção aumentando o prazer do golpe final, perigosamente postergado.

"Louca sem juízo! Desobedecera suas ordens, roubara-lhe a concentração no meio da batalha, estava-o conduzindo às sendas da insanidade. Mas hoje ela ultrapassara os limites pela última vez!"

Era perigoso devanear naquela hora, e a lâmina do inimigo lembrou-o disso. Haldir se virou, seguindo a espada que lutava praticamente sozinha em sua mão, e decepou a mão que o atingira, voltando-se de novo para o caminho que estava terminando.

Mornfinniel não estava mais lá.

"Elbereth!" – a respiração ficou presa em sua garganta quando a viu caída no chão – "por favor não!"

--

O SEGREDO REVELADO

Os últimos orcs entre os dois foram derrubados. Haldir se ajoelhou junto a Mornfinniel um segundo depois de Orophin, que também a vira desacordada a tempo de defrontar o remanescente próximo. A batalha terminara. O mais novo dos guardiões examinou a mulher, sem deixar de perceber o rosto lívido do irmão.

- Nenhum ferimento, nenhum sinal de contusão na cabeça. Não há nada, Haldir, ela não está ferida.

- Cabelos Negros? – chamou o comandante, segurando a cabeça dela entre as mãos.

Ela sentiu o calor do toque dele percorrer-lhe a espinha e abriu os olhos.

- Quê ... – Mornfinniel começou a falar, mas não terminou a frase, procurando pôr-se de pé rapidamente. Haldir segurou seu cotovelo, apoiando- a, mas também a prendendo.

- O que houve?

- Eu não sei, devo ter sido atingida na cabeça.

- Não parece.

- Olhe! Você está ferido! – Mornfinniel livrou-se do aperto de Haldir, levado por Orophin que insistia em examinar o irmão, e juntou-se aos outros; era preciso empilhar os corpos e fazer uma fogueira que soprasse para longe de Lothlórien.

--

- Por que você nos acompanhou, muinthel? Haldir ficou furioso quando lhe viu.

- Escute, muindor – Mornfinniel tentou ensaiar um sorriso – eu também tenho o direito de me divertir.

- Você tem sentido falta de diversão? – a voz de Haldir se aproximou de Mornfinniel e Orophin, gelada, após o retorno à Floresta Dourada. Orophin se afastou a um sinal de Haldir. Mornfinniel tinha conseguido evitá-lo na marcha de volta, mas parece que sua sorte acabara.

– Não foi divertido ver você em meio aos Orcs, desobedecendo minhas ordens. Não foi divertido ver você caída em meio à morte. Você não tem me proporcionado muita diversão ultimamente, e parece que nem eu a você.

Mornfinniel assumiu uma expressão contrariada mas altiva, e mais uma vez Haldir se perguntou como era possível apreciar tanto as más qualidades de uma pessoa.

- Não se preocupe, Capitão, partirei em breve, não quero lhe causar nenhum transtorno.

Como assim, partiria em breve? Do que ela estava falando?

- Mornfinniel, o que está acontecendo?

- Não está acontecendo nada.

- O que aconteceu lá nas colinas?

- Fui atingida

- Não, pela graça de Elbereth, você não foi, e eu vejo mentira e dissimulação em suas palavras, não tente me envolver com elas! O que você está escondendo? – a voz de Haldir era tão cortante quanto sua espada.

- Estou esperando um filho – respondeu Mornfinniel com a voz abafada.

A sensação de despencar num precipício sem fim tomou conta de Haldir novamente. Um filho mortal! Mais uma chaga para acompanhá-lo pela eternidade! A dor transpareceu em suas feições.

- Já disse para não se preocupar. Irei embora, e de minha boca ninguém jamais saberá o nome do pai da criança – disse Mornfinniel em resposta à expressão no rosto do elfo

- O quê? – A dor deu vez ao espanto e depois a uma mal-contida ira na face de Haldir – Não pode ir embora, e nem eu consentiria. Por quem você me toma? Algum como muitos dentre os edain? Não, não acredito que poderia esconder meus atos das estrelas, nem me permitiria fazer isso. Olhe bem para mim, mulher, eu sou Haldir de Lórien, Capitão da Floresta Dourada e guardião de minha própria honra! Nenhum filho meu nascerá ou será criado na sombra.

Estrelas tremiam na noite escura dos olhos de Mornfinniel, embora ela não as derramasse, e do fundo de sua cólera Haldir teve de conter um impulso de puxar aqueles cabelos negros para junto de seu peito e consolá-la com todas as palavras de carinho de seu povo; entretanto tudo que disse foi:

- Prepare-se para partir. Vamos para Caras Galadhom.